TERRITÓRIO E HISTÓRIA DE BIZÂNCIO, SÉCULOS IX-XI
O Império se apoia então a leste nos contrafortes armênios do Cáucaso e no alto Eufrates e a sudeste no maciço de Taurus. Nos Bálcãs, estende-se da margem esquerda do Danúbio, separado do curso inferior do rio pelo Estado búlgaro, nascido em 681 e convertido ao cristianismo em 864 pela missão bizantina. Depois do século IX, marcado pela emancipação política de Veneza e pela luta com os árabes, na qual estavam em jogo a Sicília, Creta e as ilhas do Egeu, o século X é aquele de um triunfal élan de reconquista. Bizâncio retoma Creta, restabelece uma província no sul da Itália, em torno de Bari e Tarento, volta à Mesopotâmia, onde se apodera de Edessa. No baixo Danúbio, alia-se contra o povo turco dos petchenegues, ao Estado russo de Kiev, com o qual comerciava desde o início do século e em cuja Igreja ingressa em 988; depois, em 1014, destrói o Império búlgaro. No século XI, o afluxo de mercadores italianos e mercenários ocidentais e a entrada em cena dos turcos seldjúcidas pouco a pouco mudarão o quadro. Mas dessa história, que não interessa a nosso propósito, reteremos apenas o fato de que sob o nome de Bizâncio se desdobra um espaço social e cultural variado, sobre o qual a documentação lança apenas luzes descontínuas. Deixa ver Constantinopla, não só a maior cidade do Império e da cristandade, mas a "cidade reinante", a capital, que em seu interior abriga essa outra cidade que é o palácio imperial; a leste, a fronteira, do Taurus à Armênia; ao norte, Tessalônica, "a grande cidade", a única a oferecer uma história urbana comparável à da capital, embora diferente, e, no plano de fundo, a península do monte Atos, onde a vida monástica se manifesta no final do século IX e se organiza no X; a oeste, enfim, a Itália meridional, as atuais Apúlia e Calábria, com suas cidades litorâneas — Bari, Tarento —, suas montanhas cobertas de bosques onde os monges se isolam, voltando as costas para as invasões dos árabes, cada vez mais longe rumo ao norte, a Roma. Não se poderia pensar que tantas paisagens e populações tão diversas partilhassem uma civilização uniforme.
No entanto, existe uma civilização bizantina comum, no quadro de uma história política que implica não só o palácio em sua capital como o Império inteiro. Em 867, o imperador Miguel III foi assassinado por seu favorito e coimperador Basílio, de origem provinciana pouco conhecida. Basílio fundou uma dinastia que terminaria em 1056 com a morte de Teodora, a última descendente. Desde o reinado do filho de Basílio, Leão VI, todavia, esboçam-se tensões políticas entre o palácio, sede da dinastia e centro do poder, e os grandes generais dos quais os imperadores precisavam para suas guerras. A ascensão de Basílio efetivamente assinala o início da política de reconquista e ofensiva que prossegue até a morte de Basílio II, em 1025, e cede lugar a um frutuoso esforço missionário em direção aos jovens Estados eslavos do sul e do leste. Donde o papel dos chefes de guerra, provenientes de linhagens cujo prestígio não remontava, no máximo, além do século VIII e cujo sucesso é consagrado pelo uso de um nome tirado ou de um adjetivo ou de alguma palavra familiar. As mais célebres são originárias do leste e do sudeste da Anatólia, até dos confins da Armênia. Indicava sua importância uma residência na capital, próximo ao palácio; mas suas bases estavam em propriedades e fidelidades mantidas na província. O próprio trono não lhes é inalcançável, embora se transmita, em princípio, de pai para filho, pois através da aliança têm a possibilidade de aceder a um poder que admite coimperadores. Foi assim que reinou Romano I Lekapenos (920-944), cuja filha se casou com o adolescente Constantino VII. Nicéforo II Focas, quarta geração de uma linhagem que atingira o nível social mais alto, casa-se, em 963, com Teófanos, viúva de Romano II, que por sua vez era filho de Constantino VII. E assassinado e substituído em 969 pelo filho de sua irmã, João I Tzimisces, amante da imperatriz, general brilhante e aparentado à importante linhagem dos Scleros. Com a morte de João I, em 976, Basílio II, filho de Romano II, tem a idade do poder pessoal, que deverá defender contra uma formidável sublevação no leste da Ásia Menor, durante a qual jogará um contra o outro os dois parentes, Bardas Focas e Bardas Scleros. Oficialmente associado a seu irmão Constantino VIII, reina sozinho e solteiro até sua morte, em 1025, seguida pela de Constantino, em 1028. Na falta de filhos varões, assegura a continuidade dinástica a filha deste último, Zoé, através de dois casamentos, com Romano Argyros (Romano III), que mandou matar em 1034, e com Miguel IV, irmão de um eunuco da corte (1034-1041). Então adota Miguel V, sobrinho do precedente, deposto em 1042, e em seguida divide o trono com sua irmã, a freira Teodora, esposando o aristocrata Constantino Monomachos (Constantino IX). Zoé desaparece em 1050, Constantino IX em 1055, e a dinastia termina com Teodora em 1056. Em 1057 o sucessor que ela escolhera, Miguel VI, é eliminado por Isaakios Comnenos (Isaac I). Com ele a linhagem dos Comnenos chega pela primeira vez ao trono, ao qual voltará em 1081, após os reinados de dois homens da linhagem Ducas, Constantino X (1059-1067) e Miguel VII (1060-1067, depois 1071-1078), de Romano IV (1068-1071) e de Nicéforo III (1078-1081). A ascensão de Alexis I, filho do irmão de Isaac, abre então o século dos Comnenos, uma outra época, na qual nos deteremos.
Se a trama cronológica da sucessão dos reinados foi indispensável, não se deveu à livre escolha do historiador, e sim a uma exigência das fontes cujas consequências estudaremos. Entretanto a dialética dos descendentes de Basílio I e das grandes linhagens evidentemente não esgota nossa informação sobre a história social da época. Em primeiro lugar, a fronteira oriental vive com vida própria, longe dos poderes políticos e culturais da capital e de sua ortodoxia, em contato com o islã fronteiriço. Por certo é administrada, dividida em distritos sob o comando de homens entrincheirados em suas praças-fortes, que às vezes são chefes locais integrados na defesa bizantina. Mas a organização oficial não justifica a liberdade dos guerreiros e uma originalidade de civilização que se extinguira lentamente no século XI com o recurso aos mercenários e a entrada em cena dos turcos. O palácio e a capital, por outro lado, reúnem os homens do poder civil e os do poder patriarcal, o pessoal do palácio, a administração central, os tribunais, assim como os escritórios e o tribunal do patriarca. Todos se definem e distinguem pelo domínio da língua culta, dos gêneros e regras da retórica, do patrimônio cultural da Antiguidade profana e cristã. Essa cultura, à qual eventualmente se acrescenta o direito, constituí objeto de um ensino que prepara para as carreiras do Estado e da Igreja e em cuja organização se empenham os imperadores do período. O meio dirigente ramifica-se nas províncias, para onde o poder imperial envia seus funcionários e o patriarcal, seus bispos.
O verdadeiro centro da sociedade e da atividade produtora é o campo, povoado de camponeses que são pequenos proprietários, rendeiros, às vezes ainda escravos. A maioria vive em aldeias, mas há os que se instalam nas regiões fronteiriças, desbravando terrenos. A classe social dos proprietários de terras também é muito diversa, tanto nos bens como no poder social e político. O caso da Anatólia central e oriental, região tradicional de grandes propriedades, não constitui a regra geral. Deve-se contar ainda o domínio monástico, no conjunto considerável mas também distribuído de maneira desigual. Por outro lado, ao longo desse período percebe-se uma renovação urbana, tanto em Bizâncio como em outros lugares, sustentada pelo artesanato e pelo comércio. O século X caracteriza-se em toda parte pelo progresso do grande comércio, dedicado a sedas e especiarias, peles e escravos. Se agora os atores muitas vezes são mercadores judeus, muçulmanos, de Amalfi e Veneza, os negócios centralizam-se em Constantinopla, Tessalônica, Trebizonda. Os comerciantes estrangeiros recebem concessões na capital, os russos desde o início do século X, os venezianos no final do mesmo século. O movimento se amplia na centúria seguinte, confirmando Constantinopla como uma enorme praça internacional. A capital do século XI cada vez mais apresenta os traços sociais de uma grande cidade, de uma sociedade urbana completa, diversificada e irrequieta.
O mundo eclesiástico acopla-se à sociedade civil, através de múltiplos vínculos familiares, locais e, por certo, culturais. A Igreja de Bizâncio superou uma crise decisiva em meados do século IX, quando se restaurou definitivamente o culto das imagens. Justificado pelo culto dos santos e, em última análise, pelo dogma da Encarnação, doravante imprime uma marca específica na devoção coletiva e individual. O aparelho da Igreja não mudará mais. Apoiado em seus gabinetes e em seu tribunal, o patriarca governa a Igreja dos bispos, das paróquias e dos leigos, também a dos monges, quando seus estabelecimentos não são autônomos, e respondem diretamente ao imperador. Mas, na realidade, são os monges que nessa época detêm o primeiro posto na Igreja e na cristandade de Bizâncio. As formas de fugir do mundo evoluíram desde seu primeiro florescimento entre o final do século III e o término do V. Os dois poderes — religioso e político — esforçaram-se para eliminar as mais livres e individuais dessas formas, e a própria sociedade sem dúvida seguiu a mesma tendência. Assim desapareceu, por exemplo, certo ascetismo doméstico. Assim igualmente a vida comunitária ou semicomunitária predominou em princípio sobre o eremitismo, tido sob suspeita, enquanto monges e mosteiros ocupavam um lugar cada vez maior dentro da sociedade urbana. O estatuto dos mosteiros varia: podem ser imperiais, patriarcais, submetidos ao bispo local, autônomos ou ainda, ressaltemos esse aspecto, privados — quer dizer, propriedade de uma pessoa, de uma linhagem, até de outro mosteiro. Os polos monásticos da época ainda são a região de Brousse e sobretudo, já, o monte Atos, "a santa montanha", república monástica da qual se esboça na Itália uma pequena réplica. Em Constantinopla, o mosteiro de Stoudiou, paladino do radicalismo religioso, conserva uma espécie de primazia oficial. Os imperadores, entretanto, têm suas predileções, principalmente aqueles que não pertencem à dinastia de Basílio I. Nicéforo II Focas e seu irmão Leão encontram-se, assim, na origem do mosteiro de Lavra, no monte Atos, enquanto Alexis I e sua mãe voltarão seus cuidados para São João de Patmos. Os particulares, grandes e pequenos, multiplicam fundações e donativos. Mas Bizâncio também é atravessada por uma antiga corrente de espiritualidade dissidente, cujo progresso, como veremos, marcou o século XI.
História da vida privada, 1: do Império Romano ao ano mil / organização Paul Veyne ; tradução Hildegard Feist; consultoria editorial Jonatas Batista Neto. — São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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