A besta e o mito
Centenas de publicações retratavam Napoleão Bonaparte como um monstro. Ainda assim, o imperador francês fascinou D. Pedro
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves
Terra corrompida, mentira, impiedade, cauda de pavão, unha de tigre ensanguentada, coração de um corso e cabeça de raposa: estes são ingredientes da Receita especial para fabricar Napoleões, um soneto publicado em folheto que circulou no Rio de Janeiro em 1809. Os dois tercetos ensinam o preparo da “iguaria”:
“Tudo isto bem cozido em lento fogo
De exterior fagueiro, meigo e brando,
Atrevida ambição lhes lances rogo:
Deixa que se vá tudo incorporando,
E assim mui presto espera; porque logo
Sai um Napoleão dali voando”.
Folhetos como esse – impressos em Portugal ou aqui reimpressos – eram anunciados por livreiros na Gazeta do Rio de Janeiro. Títulos como Besta de Sete Cabeças e Dez Cornos ou Napoleão, Imperador dos franceses já indicavam a que se propunham as publicações: combater Bonaparte. Tanto pelo preço baixo como pelo pequeno número de páginas, os panfletos eram publicações mais acessíveis para a divulgação das ideias e tiveram maior circulação que os jornais. Incapazes de ler, as camadas mais humildes da sociedade podiam escutar a leitura em voz alta, assimilando as informações pelo filtro de sua imaginação.
Centenas de publicações – além de panfletos, havia páginas de pequenas histórias e anedotas – traduziram os momentos difíceis vividos pelo mundo luso-brasileiro. Portugal sofria com a ausência do soberano e a guerra de ocupação em seu território [Ver artigo “Anos de terror”, pág. 22]. Mesmo o Brasil, agora cenário da Corte portuguesa, do qual deviam emanar os novos atos administrativos do Império português, vivenciou momentos difíceis na ordem política e econômica. Os escritos chegaram a atingir o número de mais de três mil, em Portugal, entre 1808 e 1814. (...)
Revista de História da Biblioteca Nacional
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