quarta-feira, 23 de junho de 2010

A Questão Democrática - O Cartismo

Thaíse Cairo, Juliana Holanda, e Ana Carolina Cunha

"A miséria tão próxima da catástrofe era a das zonas industriais onde os pobres morriam de fome de uma maneira menos passiva e menos oculta." Muito diferente da idéia de prosperidade que se tem da Revolução Industrial, para os operários a realidade era de luta pela sobrevivência. Nas primeiras décadas da revolução, o norte e o oeste da Inglaterra converteram-se em pontos de concentração demográfica e as condições de vida do operariado eram as mais terríveis possíveis, expostos à sujeira e à umidade. Além desse problema interno, o fim da guerra com Napoleão deixou o país em crise econômica e financeira que teve efeitos imediatos sobre a população.

Para reivindicar melhores condições de vida, os operários se organizaram, no final da década de 1830, num movimento que ficou conhecido como Cartismo. Considerado o primeiro movimento independente da classe trabalhadora britânica, exerceu forte influência sobre o pensamento político durante os dez primeiros anos do governo da rainha Vitória, na Inglaterra. O nome do movimento teve origem na Carta do Povo, principal documento de reivindicação dos operários que foi escrito como resposta ao "Reform Act", lei eleitoral que proibiu os operários do direito do voto, no Projeto de Reforma em 1832. A Carta do Povo, enviada ao parlamento em 1838, trazia as seguintes reivindicações: sufrágio universal masculino, pagamento aos deputados, votação secreta, parlamentos anuais, igualdade dos distritos eleitorais e supressão do censo. A estratégia utilizada pelos cartistas girava em torno, principalmente, da coleta de assinaturas, realizadas nas oficinas, nas fábricas e em reuniões públicas, através de uma série de Petições Nacionais enviadas à Câmara dos Comuns.

Como se pode observar, a história do Cartismo é a das tentativas de impor os "seis pontos" da Carta do Povo a um Parlamento relutante e, em geral, hostil. Nas palavras de George Rudé,

O Cartismo foi, de fato, um movimento popular rico e multifacetado, herdeiro de uma tradição política radical, mas também filho das más colheitas e da pobreza, das habitações precárias, da falta de saúde e do emprego que acompanharam o crescimento de uma nova sociedade industrial.

Nesse sentido, o Cartismo uniu o velho e o novo, pois voltava-se tanto para as realidades do passado como para as do presente em busca de soluções, e suas formas de ação e expressão, com seus líderes e os divergentes elementos sociais que o compunham.

Diferentemente dos artesãos de Paris, no entanto, esse movimento não formulou um programa político a partir de um conjunto de idéias socialistas, mas a partir dos reformadores parlamentares radicais do passado. Os chamados "seis pontos" estavam baseados no que a Comissão da Reforma em Westminster tinha rascunhado 58 anos antes. No entanto, o contexto social em que viviam esses novos operários radicais havia se modificado. Nas palavras do historiador Eric Hobsbawm, o movimento operário que surgiu na primeira metade do século XIX foi uma resposta ao grito dos homens pobres que passaram a viver à margem da nova sociedade burguesa, industrializada e recém-inaugurada a partir da Revolução Industrial. Diante de uma realidade, onde antigos artesãos independentes agora haviam se tornado operários dependentes, esses homens buscavam alternativas para uma vida mais digna.


O movimento cartista foi possível graças a essa organização e não foi um fato isolado, tendo tido precedentes de greves, motins, insurreições e outras manifestações. Na análise de Eduard Palmer Thompson, as reivindicações pela liberdade já faziam parte da cultura dos artesãos e trabalhadores radicais antes mesmo da formação de sua consciência como uma classe trabalhadora. Isso se deve à sua trajetória de luta pela liberdade de imprensa e de divulgação de seus pensamentos e pelas influências que sofreram dos ideais socialista e jacobino, este último inaugurado na Revolução Francesa. Entretanto, apesar de organizado e consciente, o Cartismo foi marcado pela diversidade e pelas contradições: para uns, significou o direito de votar, para outros, o fim dos albergues da Nova Lei dos Pobres, o dia de trabalho de dez horas ou simplesmente um meio de matar a fome. A quantidade de pontos de vistas diferentes pode ser observada dentro do próprio grupo de líderes: radicais como William Lovett, em Londres, e Thomas Attwood, em Birmingham, conservadores como Richard Oastler, socialistas jacobinos com Julian Harney e James Bronterre O´Brien, entre outros.


É preciso ter em mente, no entanto, que o programa democrático radical do Cartismo não foi aceito pelos governantes e, num certo sentido, pode-se dizer que ele foi politicamente derrotado. Mas, apesar disso, os cartistas conseguiram mudanças efetivas como a primeira lei de proteção ao trabalho infantil (1833), a lei de imprensa (1836), a reforma do Código Penal (1837), a regulamentação do trabalho feminino infantil, a lei de supressão dos direitos sobre os cereais, a lei permitindo as associações políticas e a lei a jornada de trabalho de 10 anos.

Dentro desse movimento havia os que desejavam uma volta ao passado, isto é, a sociedade anterior ao desenvolvimento industrial, e os que viam a industrialização como uma realidade sem volta, dentro da qual só poderiam ter seus direitos mantidos a partir da cooperação e associação da classe operária. Nesse sentido, pode-se dizer que o Cartismo foi mais do que o grito de uma sociedade em declínio, foi uma expressão do nascimento de uma nova sociedade. (5.478)

Bibliografia

HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: Europa – 1789-1848. Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel (trad.). São Paulo: Paz e Terra, 1977.
HOBSBAWM, Eric. Mundos do trabalho: novos estudos sobre história operária. Waldea Barcellos e Sandra Bedran (trad.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MOORE, Barrington Jr. As origens sociais da ditadura e da democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno. Lisboa: Cosmos, 1975.
RUDÉ, George. A multidão na história: estudos dos movimentos populares na França e na Inglaterra: 1730-1848. Waltensir Dutra (trad.). Rio de Janeiro: Campus, 1991.
THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

Núcleo de Estudos Contemporâneos - UFF

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