História da Moda Francesa - Trajes e Uniformes - Século 19 - Século XIX - Moda de 1804
Gravura em metal aço original desenhada por E. Meunier segundo L. Mésingère, gravada por J. Rocault. Aquarelada à mão (colorido de época). 1878
Data : 1878
Epoca : Terceira República
Gravura em metal aço original desenhada por E. Meunier segundo L. Mésingère, gravada por J. Rocault. Aquarelada à mão (colorido de época). 1878
Data : 1878
Epoca : Terceira República
Miqueli Michetti
Por que Paris? Por que o século XIX?
“Cada época sonha a seguinte”, afirma Walter Benjamin em Paris, capital do século XIX. (1991, p.32)01. É a partir desse pressuposto que o pensador alemão tentará traçar a história póstuma do século XIX, procurando encontrar nele o berço da modernidade e, nesse sentido, o embrião do século XX. Buscar no passado as origens do presente e fazê-lo a partir de objetos considerados banais são boas pistas que podemos encontrar em Benjamin para se entenderem as origens e o desenvolvimento do que se convencionou chamar “sociedade de consumo”. O autor procura desvendar o substrato material e simbólico da modernidade por meio de objetos prosaicos, cotidianos, mas amplamente explicativos e heurísticos. A injunção benjaminiana de se pensar o presente historicamente nos remete ao passado para entender a sociedade contemporânea, na qual esferas como o consumo e a moda possuem grande relevância social, econômica e cultural.
A modernidade, bem como o desenvolvimento da moda e do consumo em seu sentido moderno02, são tributários de transformações materiais e simbólicas que se inscrevem em um contexto específico. É sobre esse contexto, essas transformações e seus desdobramentos que nos voltaremos no presente artigo. Embora o século XIX constitua nosso foco principal, o mapeamento das origens da moda e do consumo ganha densidade se retrocedermos a um período ainda anterior. Desse modo, pode-se obter o contraponto que permitirá dimensionar a radicalidade das transformações ocorridas no referido século.
Além dessa definição do recorte temporal, é oportuno definirmos também o espaço sobre o qual se desenrolam os processos e fenômenos analisados aqui. Trata-se da sociedade francesa, mais especificamente, da cidade de Paris, a “capital do século XIX”, que deteve por muito tempo o título de capital mundial da moda03. Destaque-se que não se trata de uma escolha puramente arbitrária, ao contrário. Paris não é o único locus da modernidade, mas aí podem ser observados, com clareza representativa, os processos que desencadearam essa modernidade e que levaram ao desenvolvimento da moda e do consumo em sua acepção hodierna. De acordo com STEELEE (1999, p.15), são diversos os fatores que explicam a supremacia parisiense no âmbito da moda. Para a autora, a moda nasceu na Itália, no entanto, como “a moda segue o poder”, a dominância em termos de moda teria migrado para a Espanha no século XVI e para a França no início do século XVII04.
O prestígio da corte francesa sob o reinado de Luís XIV seria um dos fatores que, inicialmente, explicariam tal predominância francesa. Conhecido como “o Rei Sol” e ainda como “o rei consumidor” (WILLIAMS, 1991, p.26), Luís XIV proclamou em Versailles um novo padrão de consumo. Segundo WILLIAMS (1991, p.28), na corte de Luís XIV o consumo era parte de um processo civilizador – nos termos de Norbert Elias – que influenciou tanto a elaboração de objetos, como o exercício de retração da espontaneidade e de ritualização dos atos da vida cotidiana. As “cerimônias de consumo” eram parte de um sistema calculado, que tinha por objetivo não a gratificação individual, mas o desenvolvimento da autoridade política. Luís XIV transformou o consumo em questão de lei, por ter percebido a ligação entre o luxo e o controle social, entre vestuário e poder.
Para STEELE (1999), o prestígio da corte francesa e o estímulo monárquico ao luxo são fatores explicativos da emergência da moda na França. Entretanto, a própria autora destaca, em conformidade com outros autores, que tal estímulo era balizado por regras bem definidas, demarcadas por leis e editos que regulavam a aparência das pessoas de acordo com sua posição na hierarquia social. No chamado “ancien régime vestimentaire”, o parecer devia corresponder ao ser, ou seja, cada um devia usar os signos referentes ao seu lugar na sociedade estamental.
Contudo, antes de continuarmos a exposição sobre o “ancien régime vestimentaire”, voltaremos às razões que fazem de Paris um objeto privilegiado para se entender a moda e o consumo modernos05. Além do papel de motor desempenhado pela corte, Steele argumenta que o caráter específico das relações sociais estabelecidas entre realizadores, consumidores e espectadores da moda parisiense é outro fator explicativo da situação de destaque da capital francesa no âmbito da moda. A partir do século XVIII, a moda em Paris já começa a assumir seu aspecto moderno, isto é, deixa de ser determinada exclusivamente por uma autoridade centralizada na corte para se tornar objeto do gosto coletivo e efêmero de vários parisienses. Ademais, no século XIX, as transformações ocorridas em Paris a convertem em uma “arena pública”, em um espaço “para ver e ser visto”.
De acordo com Williams, é em Paris que se dá o advento do “consumo de massa” e é na história francesa que devemos procurar as origens da “sociedade de consumo”, a qual seria produto de uma longa evolução histórica, ao mesmo tempo material e mental. Para a autora (1991, p.7 e segs), a história da França, mais que a dos Estados Unidos, ilumina a natureza e os dilemas do consumo moderno, porque o país europeu teria cunhado um “modelo universalmente válido de consumo esclarecido”, provido de um “ideal de civilização”. ORTIZ (1991) também destaca que a França do século XIX representa o momento da “civilização mundial” em seus primeiros passos. Há ainda outras análises fundamentais sobre consumo e moda que focalizam a França do XIX, tais como ROCHE (1989, 1997), PERROT (1981, 1984), MARINAS (2001), LIPOVETSKY (2001, 2005), assim como vários escritos de Walter Benjamin sobre o tema.
Não bastassem esses elementos, Paris ainda será o cenário das Exposições Universais, das galerias ou passagens - analisadas por Benjamin como alegorias da modernidade - e dos magasins de nouveautés, prenúncios dos grands magasins, tão bem descritos no calor da hora por Émile Zola em Au Bonheur des Dames, de 1883. Enfim, Paris será o palco sobre o qual se desenrolará o que alguns autores denominam (frequentemente sem o devido rigor conceitual) “revolução do consumo”.
Mas, conforme foi indicado anteriormente, para se conceber a dimensão dessa “revolução”, é preciso deter-se sobre o que existia antes dela e isso nos leva de volta ao ancien régime vestimentaire com suas leis suntuárias.
Ancien Régime Vestimentaire: a conformidade entre ser e parecer
Entre 1485 e 1660 foram lançados dezoito editos pela monarquia francesa, cujo conjunto apontava o combate ao supérfluo enquanto elemento de “ruína econômica” e ainda a “defesa do parecer nobre” como mecanismo de legitimação da nobreza. Para Roche, o ancien régime vestimentaire se equilibrava entre o postulado de que as aparências devem se vincular estritamente às respectivas posições sociais e a possibilidade de envergar a aparência relativa à posição que se ambiciona ter. A despeito dessas tensões, que o levam inclusive a questionar a própria existência de um ancien régime vestimentaire, o autor sintetiza três traços principais do sistema de vestimentas vigente no “Antigo Regime”:
[...] l’inertie et l’immobilité, surtout en ce qui concerne les classes populaires et les millieux ruraux; la coïncidence entre costume et position sociale; la volonté de contrôle, qui dicte aux autorités les lois sumptuaires et à tous normes de l’étiquette et conformisme des usages. (1989, p.60)06.
De acordo com PERROT (1981, p.19), no Antigo Regime o controle e a distribuição de signos do vestuário eram garantia de direito e de ordem. A função do vestuário07 aristocrático era significar hereditariedade, era ser uma justificativa fictícia para fixar cada um “em seu lugar”. Nesse momento, uma veste significava uma condição, uma ordem, um estado. Instrumento de regulação política, social e econômica, as leis suntuárias que se sucederam na Europa significaram, para a nobreza, a manutenção da visibilidade dos degraus da hierarquia social por meio de um exclusivismo do luxo que devia distinguir os nobres das classes ascendentes. (PERROT, 1981, p.31). Essa imobilidade na distribuição de signos corresponderia a uma imobilidade das estruturas sociais.
E, se por um lado, as aparências eram reguladas por leis suntuárias, por outro lado, a própria precariedade material dos séculos XVI e XVII restringia o desenvolvimento da moda. Essas restrições objetivas ligavam-se ainda a impedimentos culturais, como o apego à tradição em detrimento do novo, a valorização do durável em detrimento do efêmero e a hegemonia da moral cristã defensora da frugalidade. Segundo ROCHE (1997), eram a precariedade, a pobreza e a escassez que caracterizavam o vestuário no século XVII. Paralelamente ao mundo “civilizado”08 da corte, com suas “ordonnances vestimentaires”, havia o mundo rural, cuja população se vestia com roupas que se renovavam pouco, feitas em casa com os materiais disponíveis localmente, frequentemente grosseiros e em cores sóbrias. Tomando como fonte de referência os inventários da época, Roche indica que poucas peças compunham o guarda-roupa de cada camponês e que elas eram reutilizadas por várias gerações, daí figurarem nos inventários.
Desse modo, “à inércia da economia das vestimentas rurais corresponde uma cultura de permanência e reemprego, marcada pela reutilização e por reformas de roupas. Trata-se de uma civilização na qual domina o ‘usado’ ” (ROCHE, 1997, p.217). Há, inclusive, um corrente comércio de segunda mão. Além disso, a rudeza do trabalho impõe vestes sólidas e a falta de elasticidade dos orçamentos camponeses não autorizava muita fantasia. Nada mais distante do reino efêmero, cintilante e feérico da moda! Se o consumo de vestuário dos camponeses nunca pôde ser totalmente imobilizado, nas cidades isso era realmente impossível. Havia infrações e falsificações de aparências, principalmente da parte de burgueses ascendentes (ROCHE, 1997, p.220).
No final do século XVIII e no limiar do XIX houve duas transformações convergentes: a melhoria da produção agrícola e o desenvolvimento de novos modelos de comportamento que autorizariam transgressões. Os comportamentos com relação às aparências só se modificam se as transformações materiais forem acompanhadas de transformações culturais. Diante disso, Roche sublinha que, em face das mudanças materiais e simbólicas ocorridas no século XIX – sobre as quais versaremos mais adiante -, os valores de redistribuição e reemprego, encampados por muitas gerações, cederam terreno diante daqueles da moda, do gosto perpetuamente reativado e da mudança constante. Alguns valores da economia e da moral cristãs foram ultrapassados e ocorreu sua substituição paulatina por outros valores.
[...] contre l’obligation de la redistribuition, la puissance de l’accumulation et de l’enrichissement; contre le poids de la costume et de la tradition, la force du choix individuel et du renouvellement; contre la croyance que le luxe doit être réservé aux manifestations du pouvoir et du rang dictant les préséances vestimentaires, la certitude libérale des capacités, l’utilité économique et morale de la consommation. La mode s’inscrit désormais entre la contrainte et la liberté. (ROCHE, 1997, p.236/237)09.
Todavia, o caminho que nos leva de uma economia da salvação, da escassez e da moral para uma economia da felicidade terrestre, da abundância e da utilidade (ROCHE, 1997, p.16) não pode ser percorrido sem mediações. Antes de perscrutar o conjunto de mudanças que, no final do século XVIII e início do XIX, possibilitaram o desenvolvimento da moda e do consumo em moldes semelhantes aos conhecidos hoje, convém lembrar algumas especificidades do abastecimento tradicional de roupas e tecidos, substituído posteriormente pelos processos de sistematização e racionalização da moda. Vejamos.
De acordo com PERROT (1981, p.69/70), no ancien régime vestimentaire,a fabricação e a venda de roupa passavam por um circuito particular, que determinava um complicado e meticuloso aparelho de regulamentos corporativos. Era necessário comprar primeiramente os tecidos e armarinhos, então mandar fazer as roupas e tirar as medidas. Havia, portanto, uma dissociação regulamentada entre fornecedor e executor. Até 1781, eram homens vinculados à corporação que detinham a exclusividade na fabricação de roupas femininas. Antes do século XVII, tratava-se de uma atividade anônima, pois eles eram apenas executores ou modestos conselheiros. Com o tempo, tornaram-se renomados e constituíram “grifes avant la lettre” (PERROT, 1981, p.73). A costureira e o alfaiate puderam se converter, então, em instrumentos de prestígio social e marcar um capital simbólico com forte rentabilidade comercial. Assim como certos nomes, certos endereços se tornaram célebres, de maneira a existir, em Paris, uma espécie de geografia da moda.
Às margens desse circuito existia um mercado popular, no qual as roupas passavam de uma classe a outra por várias vias, como a caridade (doação), o roubo e a friperie, isto é, o comércio de roupas usadas. Segundo Perrot, a imensa clientela da friperie devia promover a idéia da produção de roupas novas confeccionadas em série e vendidas a preços módicos. Certamente, antes da Revolução Francesa algumas roupas confeccionadas eram vendidas, mas sem a envergadura de uma empresa, visto que, até a Revolução, o obstáculo jurídico impedia toda tentativa nesse sentido.
Até a Revolução... Porque, com as transformações que a condicionaram e com as mudanças que foram por ela desencadeadas, os regulamentos corporativos foram modificados e as leis suntuárias revogadas. A moda encontrou, então, solo fértil para florescer e o consumo de maneira geral se estabeleceu em outro patamar.
Moda e distinção de classe na Paris da Revolução
Nulle personne ne pourra contraindre aucun citoyen ou citoyenne à se vêtir d’une façon paticulière, sous peine d’être considérée comme suspecte et traitée comme telle, et poursuivie comme perturbateur du repos public; chacun est libre de porter tel vêtement ou ajustement de son sexe qui lui convient. (ROCHE, 1989, p.62).10
Embora não se possa estabelecer uma relação imediata entre as formas assumidas pela moda e os contextos históricos nos quais elas se apresentam11, é possível afirmar que a Revolução aparece como um divisor de águas na história do desenvolvimento da moda. Talvez seja tanto uma condição, como um sinal de mudanças expressivas nessa esfera da existência.
Parece consensual na literatura que versa sobre a moda que ela seja “produto da distinção de classe” (SIMMEL, 2004, p.99). A moda só pode nascer e medrar em uma sociedade cujas estruturas sociais sejam mutáveis e na qual a ascensão de classe seja ao menos formal e juridicamente possível. De outro modo, estaria ausente aquilo que seria o mecanismo propulsor do surgimento da moda, a saber, as disputas sociais e individuais por poder, por distinção, por legitimidade cultural e estética. Nessas sociedades “abertas”, a moda configura-se como um elemento a partir do qual se pretende manter ou adquirir capital social, cultural e simbólico – nos termos de Pierre Bourdieu –, bem como expressar sua posse. Assim, ela aparece como uma arma na luta pela conquista do monopólio ou hegemonia da definição da bienséanse, do bom gosto e das normas da aparência. Com a Revolução, passamos “da lei à norma” e é nessa conjuntura que a moda se afirma como tal. Antes disso, falar em moda – como temos feito aqui com as devidas ressalvas – caracteriza uma espécie de anacronismo, no sentido de que a moda só pode existir efetivamente quando a disputa entre as classes é legítima e, mais que isso, quando existe a tentativa de equilibrar apoio social e diferenciação individual.
Na sociedade estamental, o luxo e a “moda” eram menos sinais de diferenciação individual do que justificativa e afirmação de uma coletividade seleta: a aristocracia12. A Revolução é o marco que simboliza uma sociedade na qual os modelos da bienséanse aristocrática são grandemente mantidos (principalmente na moda feminina), mas na qual o luxo e a moda passam a ser mais individuais, dado que agora a individualidade passa a ser um valor, algo a ser buscado e construído, já que não mais garantido pelo nascimento e, ademais, negado pela sociedade industrial nascente.
Segundo SIMMEL (2004, p.101), associar e distinguir são duas funções básicas da moda. Arauto do que viria posteriormente a ser conhecido como trickle down theory, ele afirma que “a moda nova pertence exclusivamente às camadas superiores. Quando as camadas inferiores começam a apropriar-se de uma moda, as superiores se distanciam dessa moda e se aproximam de outra, pela qual se distinguem”. O mesmo processo ocorreria entre os diferentes níveis das “camadas superiores”.
Válida para o funcionamento da moda no período que nos interessa no presente texto, a análise de Simmel sobre a moda como mecanismo de distinção social tenta explicar ainda porque ela floresce especialmente quando a burguesia chega ao poder, ou seja, a partir da referida Revolução. Para ele, isso ocorre porque as “massas” teriam um desenvolvimento lento e as “elites” seriam conservadoras por acreditarem que a mudança é algo perigoso. “A variabilidade genuína da vida histórica repousa, pois, na camada média, e, por isso, a história dos movimentos sociais e culturais adquiriu um ritmo muito diferente desde que o tiers état conquistou as rédeas do poder” (2004, p.124).
A despeito da carência de rigor dessa tipologia social simmeliana, ela é interessante porque sugere que a moda ganhou fôlego quando a burguesia, que já havia conquistado o poder econômico, ascendeu ao poder político e passou a buscar também legitimidade social e cultural. Se é verdade que a moda segue o poder, com a Revolução Francesa ocorre um ”aburguesamento” das aparências. Trata-se de um processo paulatino de substituição dos modelos de consumo e de moda aristocráticos pelos modelos burgueses. É certo que a aristocracia continuou detendo legitimidade social nos âmbitos da aparência e do bom gosto por muito tempo, tanto que WILLIAMS (1991, p.47) afirma que o período da Revolução, em vez de acabar com os modos de consumo das classes altas, apenas abriu-o para um grupo maior.
No entanto, uma revolução não ficaria conhecida historicamente com esse nome se não fosse um sinal de mudanças profundas nas estruturas sociais, o que, como sugerido acima, tem conseqüências para o mundo da moda. Vale lembrar uma vez mais que a Revolução tem mais relação com as transformações do vestuário masculino do que com o feminino13. Enquanto esse último foi caracterizado por uma continuidade que só seria interrompida no século XIX, no traje masculino impôs-se le triomphe du noir, isto é, a predominância do terno de cores sóbrias, o qual significaria uma recusa das cores enquanto símbolo da aristocracia, trazendo consigo outro conjunto de valores. A partir da valorização histórica da idéia de individualidade, o terno passou a ser concebido como uma espécie de moldura para uma obra única: o indivíduo burguês.
MELO e SOUZA (1996) afirma que, enquanto as mulheres continuaram relegadas ao mundo considerado fútil e superficial, onde se davam as disputas femininas no “mercado matrimonial”, aos homens se abriam carreiras fulgurantes nos âmbitos da economia e da ciência, de maneira que eles já não precisavam se afirmar tanto na esfera das aparências quanto naquelas da inteligência, da genialidade e do mérito. A autora destaca que surgiram, entretanto, novos marcadores de distinção, como o hábito de afeitar a barba, por exemplo. Além disso, tal como supõe Thorstein Veblen, ela indica que a “grande renúncia masculina” à moda converte as mulheres em “vitrines” dos homens, posto que as esposas e filhas dos homens bem-sucedidos deviam agora envergar os sinais visíveis desse sucesso em suas roupas e em suas maneiras.
Há outros autores que se contrapõem à idéia de que o uso do terno de cores sóbrias seria um indicativo do igualitarismo presente no discurso revolucionário. STEELE (1999), por exemplo, afirma que essa forma de vestir tem raízes na antiga influência da corte espanhola e principalmente de certa “anglomania” que acometeu parte das classes altas francesas, principalmente durante a Restauração, quando a aristocracia exilada na Inglaterra voltou pra França e trouxe na mala os hábitos ingleses da elegância. Nesse sentido, o noir seria mais uma marca de distinção do que de igualdade de classes. A análise de Baudelaire sobre o dandy se encaminha em sentido semelhante, visto que o analisa como um tipo surgido na transição do poder entre aristocracia e burguesia, enquanto exemplar de uma “aristocracia de artistas”. Assim, em diferentes análises, o triunfo da roupa escura após a Revolução não marca a valorização da igualdade, como pretendem algumas interpretações apressadas, mas traz em seu bojo novas distinções e hierarquias.
Destaque-se que não estamos sugerindo que a Revolução Francesa seja a força motriz do desenvolvimento da moda. Como se indicou acima, é patente que as mudanças da moda se liguem mais a transformações internas e a desenvolvimentos técnicos do que às histórias políticas das civilizações. O destaque conferido a esse episódio específico da história se deve ao fato de o considerarmos como um marco de mudanças materiais e simbólicas, de novas relações e processos que, estes sim, têm ressonâncias na esfera da moda. Para nós, a Revolução Francesa funciona como emblema de uma sociedade na qual a moda pôde se desenvolver, posto que as disputas entre as classes deixaram o terreno das leis suntuárias e passaram a se desenrolar em outras instâncias e por outros mecanismos, mais sutis, porém igualmente eficazes. Além disso, o ideário burguês adquiriu cidadania na hierarquia social e, acrescido das condições objetivas de negação da individualidade trazidas pelo desenvolvimento industrial, fez da busca pela distinção individual um objetivo pessoal e coletivo.
Desejo de distinção de classe e diferenciação individual: se a análise de Simmel estiver certa, a moda ganha fôlego nessa configuração sócio-cultural. Mas a moda não depende apenas de pressupostos culturais. Assim como o consumo moderno, ela é tributária de profundas transformações materiais que se inscrevem no século inaugurado pela Revolução. Isso nos leva ao século XIX.
Modernidade, moda e consumo: o século XIX
Talvez seja possível afirmar que a Revolução Francesa inaugurou o século XIX. Mas, nesse século, também se fizeram presentes na França os desdobramentos de uma outra revolução, tão ou mais importante do que aquela: a Revolução Industrial. Paris não teria sido a “capital do século XIX” sem o conjunto de transformações oriundas dessas duas revoluções. Trata-se de uma profusão de mudanças tecnológicas, científicas, comerciais, políticas, sociais, culturais e simbólicas que deu ao XIX sua feição marcadamente moderna.
Segundo ORTIZ (1991), a modernidade estabelece uma nova tessitura social, uma nova forma de relação entre os homens. Ela não seria um projeto, mas o vértice de uma mudança radical que é codificada culturalmente de diferentes maneiras. Ortiz destaca que, embora se ligue a uma condição cultural, a modernidade é também objetiva, substancial. Sendo ao mesmo tempo una e múltipla, ela seria uma matriz única que, contudo, realizar-se-ia de maneiras diferentes no tempo e no espaço.
Acerca das possíveis relações entre mudanças tecnológicas e culturais, Ortiz concebe a existência de “dois séculos XIX”, bem como de “duas modernidades”. O primeiro deles diria respeito ao período da Revolução Francesa até meados do século e seria marcado por uma modernidade caracterizada pelo uso do ferro, pela iluminação a gás, pelo telégrafo e pelo telefone. Com a aceleração da própria Revolução Industrial, a partir da metade do século o “ritmo da história social se modifica”, inaugurando o que seria o segundo século XIX. Emerge, então, um outro sistema técnico, constituído pelo automóvel, avião, pela eletricidade e pelas telecomunicações. O tema da modernidade se inscreve mais propriamente nesse segundo período, no qual se desenvolvem, entre outras coisas, o transporte ferroviário e a urbanização, repercutindo na mobilidade das pessoas e na aceleração da vida cotidiana.
Walter Benjamin percebe com perspicácia que “a modernidade encontra-se ancorada num substrato material, sem o qual ela não poderia se expressar” (ORTIZ, 1991, p.29). Em virtude disso é que o pensador alemão tomou como objeto as passagens, os magasins de nouveautés, as exposições universais, enfim, a conjuntura objetiva por meio da qual o consumo se estabeleceu enquanto atividade moderna por excelência. Ao indicar essa ligação entre modernidade e consumo, Ortiz nos leva às trilhas percorridas por Benjamin para compreender uma modernidade que se ergue sobre um substrato material, mas que também é uma configuração cultural. Nela, ocorre o acoplamento entre “imaginário e mercadoria, inutilidade e utilidade, irracionalidade e racionalidade”. Essa imbricação seria estimulada no mercado moderno porque, “à medida que a sociedade se industrializa, como para compensar o processo de padronização imposto, o consumo deve ser investido de uma dimensão individualizante. Daí a necessidade de se utilizar uma carga imaginativa que torne sedutora a aquisição dos produtos”. (ORTIZ, 1991, p.159)
Talvez por revelar essa conjunção entre “sonho e indústria”, a moda tenha sido um tema relevante nas análises benjaminianas sobre a modernidade. Ainda segundo Ortiz, é a partir da conjuntura francesa do século XIX que podemos vislumbrar os primeiros passos de uma civilização que se tornaria “mundial” e, nesse sentido, entender a consolidação da modernidade.
Ao tema da moda interessa notar que é no século XIX que se rompe o ancien régime vestimentaire (PERROT, 1981) e, com isso, supera-se a “fronteira das aparências” (ORTIZ, 1991). Também é no XIX, mais particularmente em sua segunda metade, que se dá o “advento do consumo de massa”. Para WILLIAMS (1991), a sociedade francesa assistia ao surgimento do “mundo dos sonhos do consumo de massa”, substituto do “mundo fechado do consumo da corte”. A autora destaca que, nesse momento, embora as mercadorias em si não estivessem disponíveis para todos, a visão de uma profusão de mercadorias era disponível e quase ilimitada, de modo que tanto a vida privada, quanto a coletiva se transformaram em um meio no qual as pessoas cotidianamente interagem com mercadorias.
Nesse processo de substituição do consumo aristocrático pelo consumo denominado “de massa”, o papel desempenhado pela burguesia foi fundamental. As análises de Philippe Perrot em Les dessus et les dessous de la bourgeoisie são, nesse sentido, elucidativas. Ele arrola as condições materiais que permitiram o chamado “aburguesamento das aparências”:
L’essor de l’industrie textile, le développement considérable du marché de la confection, l’impact inouï des grands magasins qui la distribuent abondamment, le déclin corrélatif d’une friperie multiséculaire, et un certain relèvement des niveaux de vie vont être les premières conditions d’un processus qui généralisera l’embourgeoisement des apparences. (PERROT, 1981, p.8)14.
E destaca ainda algumas implicações simbólicas desse processo
[...] au XIXe siècle le triomphe de la bourgeoisie amènera le triomphe de son costume, le faisant traverser classes et océans, imposant progressivement, avec son ordre économique, politique et moral, son code vestimentaire dans toutes ses implications commerciales et idéologiques (PERROT, 1981, p.15)15.
O autor sublinha que essa disseminação das normas e formas da roupa burguesa não significou uma “democratização das aparências” (1981, p.154). Ao contrário, o vestir constituiria um ato de significação e de diferenciação e, assim, assumiria um papel relevante no distanciamento construído pela burguesia em relação à classe trabalhadora. Diante da aparente equalização social das aparências – cuja realização seria possibilitada pelo desenvolvimento da confecção –, a burguesia sentiu-se impelida a construir novas estratégias de distinção. Para fugir do perigo do nivelamento que passou a ameaçar grupos até então distintos, foi elaborada uma bienséanse cada vez mais apurada, expressa no “sob medida” masculino e na Alta Costura feminina, o que acelerou a circulação e a renovação das modas.
A burguesia, ainda influenciada por certos padrões aristocráticos do gosto, instituiu “razões” que a estabelecessem como porta-voz legítima do “bom gosto”. Dessa maneira, os novos consumos não uniformizaram efetivamente as aparências, mas modificaram o jogo e a relação entre os grupos sociais, criando novas desigualdades e hierarquias. O reino da bienséanse se instalou definitivamente e impôs regras que visavam a marcar o tempo e as distâncias sociais, tornando-se quesito de qualificação ou desqualificação de indivíduos e grupos (ROCHE, 1989, p.65).
Mas a burguesia não se legitimou a contento impondo normas; sua soberania adveio de sua capacidade de carregar de “razões” a sua legitimidade em termos de aparência. De acordo com PERROT (1981, p.20), isso se deu por meio do estabelecimento, através do discurso da moda, de uma estética social que funcionava como “caução estética de uma classe”; produzia e reproduzia um material distintivo, desvalorizando o belo precedente (démodé) e celebrando o belo recente (à la mode). Assim, a partir de um sistema circular idiossincrático à moda até o presente, julga-se belo aquilo que é considerado belo por aqueles aos quais se reconhece o poder e a competência de nomear os novos cânones da beleza.
Dessa maneira, a ascensão da burguesia transformou os signos estatutários da vestimenta, mas manteve a diferenciação hierárquica das aparências, ainda que definida, agora, por um sistema normativo, não mais legal. Segundo Perrot, esse sistema normativo era calcado em uma “science vestimentaire” constitutiva de um capital simbólico, uma estratégia social, uma ideologia moral (do bom gosto, da distinção, da decência, do autocontrole) que permitiu à burguesia dominar também pelo “parecer”, não mais apenas pelo “ter”.
No âmbito do mercado, esse movimento corresponderia à emergência de uma nova instituição: o consumo no sentido moderno, cuja função distintiva não seria baseada mais somente em discriminações jurídicas e econômicas conferidas pelo poder de compra, mas também em uma discriminação social e cultural caracterizada pelo “saber comprar”. Para se distinguir, não basta ser bem nascido ou rico, é preciso “saber viver” e conhecer os “bons usos”. Em conseqüência, a questão das relações entre classes e signos de distinção torna-se complexa, já que não mais marcada por constrangimentos legais, passando a se dar no “mundo das nuances e dos detalhes”. O marcador social não é “o que” se veste, mas o “como” se veste e como se escolhe o que vestir. A escolha torna-se crucial, uma vez que revela o “bom gosto individual”.
Essa busca por novas estratégias de distinção é fruto de uma configuração social, econômica e cultural particular: a distinção só precisa ser buscada em uma sociedade na qual ela é ameaçada, ou seja, onde as hierarquias se misturam e podem ser confundidas. No sentido da argumentação aqui proposta, essa confusão só pode ocorrer mediante alguma “homogeneização” das aparências. Essa semelhança no vestir das diversas classes em disputa no jogo social do XIX só foi possível graças a certas condições materiais, cujas especificidades serão expostas a seguir.
Conforme indicávamos acima, a segunda metade do século XIX se viu envolta nos desdobramentos das revoluções Francesa e Industrial. Tal como sucede a essa última, o capitalismo entra em uma nova fase e a moda, por seu turno, também é arremessada no turbilhão de transformações que configuram a modernidade. A extinção dos impedimentos legais para a produção de roupas, o desenvolvimento da produção, da indústria e do comércio de têxteis, o emprego do ferro e do vidro na arquitetura, a melhoria das condições de vida da população, o avanço das ferrovias, o conseqüente aumento da mobilidade das pessoas e a reconstrução de Paris realizada por Haussmann são alguns dos pressupostos materiais sem os quais teria sido impossível erigir as passagens ou galerias, os magasins de nouveautés e, posteriormente, as Exposições Universais e os grands magasins.
Para Steele,
[...] fashion entered a new economic phase during the second half of the nineteenth century, the period of ‘high capitalism’. The traditional production of clothing developed in two new directions: toward grand couture (the exclusive productions of great dressmakers like Worth and Madame Paquin) and confection (the mass production of ready-made clothing). (STEELE, 1999, p.147)16.
Charles Frédéric Worth estabeleceu sua maison na Rue de la Paix em 1858 e, com ela, inaugurou uma nova dinâmica para a moda: não mais criar modelos únicos, mas reproduzir um certo número de exemplares – variados, adaptados e retocados para cada cliente. Sua empresa tomou uma dimensão quase industrial, estocando tecidos, multiplicando os ateliers e o pessoal envolvido na produção. Ao conquistar rapidamente uma clientela célebre – como a imperatriz Eugénie, esposa de Napoleão III – sua autoridade tornou-se considerável, já em 1860. O desfile de moda era ainda informal, mas data dessa época a invenção do “manequim”, que, nesse momento, não contava com a celebridade conferida às super models de hoje, sendo antes receptáculos anônimos para a apresentação dos novos modelos.
A bipartição da moda em Alta Costura e confecção industrial marcou o momento de institucionalização e racionalização da moda. Foi por meio dessas instâncias, ao mesmo tempo opostas e complementares, que passou a se desenrolar o novo jogo das distinções. Philippe Perrot analisa a relação intrínseca entre os dois pólos constitutivos da moda moderna. Para ele, o nascimento da “Grande Couture”, futura Alta Costura, não é estrangeiro à extensão da confecção. De um lado, o luxo daquela permitiu distingui-la, de outro, a Alta Costura toma emprestado muitos dos métodos que caracterizam a confecção. Em suas palavras:
[...] c’est à la émergence de la confection, produit typique de la production de masse dans ce qu’elle figure la copie industrielle d’un modèle déjà existant et sa reproduction mécanique, que s’oppose chaque jour davantage cette valeur rare du sur-mesure, créé et consacrée par l’oligopole des tailleurs et des couturières de renom. Cette opposition toutefois se présente de façon plus complémentaire qu’antagoniste, dans la mesure où chacun de ses termes produit e reproduit le jeu des signes distinctifs qui s’inscrivent dans une même hiérarchie, classant différemment au nom de valeurs communes l’authenticité du sur-mesure et le simili de la confection. Et ces deux produits n’existeront bientôt plus que l’un pour l’autre, dans l’interdépendence de leur marché respectif. (PERROT, 1981, p.329)17.
A difusão da confecção é, em grande medida, obra dos grands magasins, ou lojas de departamento, cujo desenvolvimento se confunde com o desenvolvimento do consumo como atividade de lazer e, talvez se possa coligir, de uma cultura de consumo. É com as lojas de departamento que o “ir às compras” se converte em algo ao mesmo tempo cotidiano e prazeroso.
É mais uma vez Perrot quem nos informa sobre o processo que levou à emergência dos grands magasins na Paris do Segundo Império. A primeira iniciativa nesse sentido teria sido de Pierre Parissot que, a partir de 1830, racionalizou a produção por meio da divisão do trabalho manual e adotou o sistema de vendas a preços fixos e marcados, endereçando-se a uma clientela popular. Com a compra de imóveis para a expansão dos negócios, em 1856 já se apresentava como proprietário de uma empresa próspera, o que suscitou imitações e levou ao surgimento de outros estabelecimentos de roupas prontas. Inicialmente, eram confeccionados e estocados uniformes para o exército. Nos anos 1840, deu-se o desenvolvimento da confecção de vestimenta civil, com a criação do sweating system, resultado do aperfeiçoamento da técnica de costura e da racionalização do trabalho. Esse movimento levou a uma baixa de preços que já ameaçava os pequenos alfaiates. Por volta de 1845, iniciou-se o comércio de roupa confeccionada feminina. Enquanto o comércio de roupas masculinas se mantinha essencialmente popular, o mercado feminino dirigia-se a uma clientela predominantemente burguesa.
Conforme observamos em Steele, com o advento dos magasins de nouveautés, a produção de roupas ficou a cargo de dois tipos de costureiras: as que trabalhavam para o magasin e as que trabalhavam com clientela própria. Essas últimas frequentemente produziam roupas de ótima qualidade, com tecidos fornecidos por elas mesmas. Segundo PERROT (1981, p.96), foram elas que deram a Worth a idéia realizar o triplo benefício resultante da compra direta em fábrica, da venda do tecido e da fabricação da roupa com muitos modelos.
Um novo tipo de comércio surgiu nessa nova Paris, em detrimento das lojinhas escuras que entraram em declínio durante o Segundo Império. Os magasins de nouveautés se especializaram em artigos de moda e difundiram confecções ordinárias. Eles prefiguraram, por suas relações e seus procedimentos comerciais, os grands magasins. Embora a maior parte daqueles não tenha sobrevivido aos cataclismos de 1848, eles são importantes na história social do consumo justamente porque abriram caminho para os grands magasins, os quais darão à produção e à difusão da confecção um impulso sem precedentes, inaugurando uma nova forma de consumo de moda.
De acordo com PERROT (1981, p.111), a primeira e absoluta regra do grand magasin era a redução da margem de beneficio bruto, isto é, de lucro por peça – compensada pelo maior volume de negócios. Outra diretriz era a renovação rápida dos estoques e do capital. Para tanto, foi necessária uma transformação radical das técnicas de produção. No final do XIX, por volta de 1870, surgiu a grande indústria de produtos prontos baseada na produção em série18.
Fundando-se na especialização interna, o grand magasin seria um bom exemplo da concentração de capital e de trabalho que caracterizou a nova fase do capitalismo. Além dessas condições e de outras acima indicadas – como a urbanização crescente, a “haussmanização” do urbanismo parisiense, a melhoria dos transportes e a existência de uma massa de consumidores –, Perrot imputa papéis decisivos à instituição dos preços fixos, herdados dos magasins de nouveautés, e à liberdade de entrada e circulação nos espaços de consumo. Instaura-se uma nova forma de sociabilidade no momento de consumo, já que não é mais preciso perguntar preços ou regatear e o constrangimento no ato da compra, devido à simples presença nas lojas de departamento diminui ou desaparece.
O comércio moderno implica em novas nuances e novas táticas, como incitar o desejo de consumir, estimular as compras impulsivas, estabelecer relações de confiança com os clientes, usar a propaganda para desculpabilizar a compra, oferecer muitos produtos e serviços no mesmo imóvel, criar uma atmosfera sedutora e lúdica com o uso instrumental da arte e da decoração... Além disso, é preciso produzir o extraordinário por meio de um calendário de moda, com lançamentos, exposições sazonais e promoções.
Se a versão moderna do consumo traz em seu bojo a homogeneização oriunda da produção em série, cabe ao mercado dotar as mercadorias de algo além do banal, do comum e do ordinário. O mercado deve ser o reino do extraordinário. A moda não poderia estar mais arejada do que em uma atmosfera como essa, visto que ela pretende ser o reino do especial, do novo, do diferente. Inerentemente moderna, para manter-se e reproduzir-se ela deve ser a negação do mercado moderno e, concomitantemente, reafirmá-lo: deve fugir ao estandardizado, ao conhecido, ao comum. Nela, mercadoria e imaginação se unem e mesmo a reprodução dos produtos originais deve ser imbuída de uma espécie de aura.
Perrot argumenta que a proliferação do artigo confeccionado é manifestação da “era do símile”, caracterizada pela reprodução massiva de modelos autênticos e produtos luxuosos19. Para ele, a confecção seria uma maneira de consumir a cópia do sob medida e também seu valor acessório e secundário, acedendo por simulacro ao mundo do parecer burguês em tudo o que ele significa em termos de comportamento, de modo de vida e de afiliação ideológica. A confecção participaria do “falso luxo industrializado”, constituindo um elemento de socialização e adquirindo papel pedagógico em matéria de postura e moralidade.
Assim, a disseminação da roupa confeccionada – o aburguesamento da aparência notável no “endomingar” das classes trabalhadoras – não atinge somente alvos comerciais. Com os grands magasins, assim como ocorre com as Exposições Universais, os trabalhadores20 ascendem ao universo de um consumo que é também uma “ortopedia mental”, uma moralização estética mediante a interiorização de certas normas do código burguês, como a “correção” ou a “respeitabilidade”, cujos prolongamentos ideológicos auxiliariam no controle social. Nesse sentido, afirma Perrot, será conferida à indústria da confecção uma “missão civilizadora” que deve moralizar as massas e se espalhar pelas províncias, pelo campo e pelos rincões não-ocidentais do mundo. Perrot concebe esse “movimento unificador das aparências” como um movimento de “aculturação”, visto que levaria ao declínio a produção doméstica e ao “desapossamento material e simbólico dos grupos que contamina”21.
A disseminação da moda burguesa possuiria então implicações econômicas, mas também políticas e culturais, funcionando ao mesmo tempo como integração social, por colocar todos em um mesmo código ou standing moral, e como tomada de distância social, ou seja, como escala comum para uma discriminação no interior de uma hierarquia de valores que atribuem à confecção a pecha de vulgar.
A divisão da moda em Alta Costura e confecção faz com que as normas da moda sejam acessíveis a todos, juntamente com o conjunto de valores que ela representa, como a mudança, o novo, o efêmero e a individualidade. A moda carrega ainda consigo os ideais de civilização e de modernidade, mas sua disseminação desigual no espaço, no tempo e nas diferentes classes sociais faz dela um mecanismo de distinção social. Interessante notar a sutileza dessas novas distinções:
Si la consommation vestimentaire exerce son effet de distanciation par le jeu des différences; etablies surtout entre le bon tailleur et la confection, la bienséanse vestimentaire fonctione donc comme discriminant social par le jeu des différences établies entre savoir et ignorance. Mais ces deux tactiques procèdent d’une même stratégie, ces deux institutions produisent et reproduisent um même système d’écarts. Elles visent essentiellement à défendre les dominants de deux désinences d’um même péril: le simili ou l’excès des prétendants [...]. Simile et excès; le “faire-comme” (sur la mode pauvre), ou le “faire trop”(sur la mode riche): voilà la hantise de la bonne societé pour les dangers de confusion qu’ils portent [...] (PERROT, 1981, p.163/4)22.
É construída ainda uma hierarquia temporal e espacial que define a escala das categorias sociais. O que é moda em Paris não o é ainda em outros lugares e isso é útil no escoamento dos excedentes de produção. A moda se constrói tanto se opondo ao démodé, quanto às novidades dos “recém-chegados” e do demi-monde. Ela se torna signo de bom pertencimento social intercalando-se entre o ritmo muito curto das novidades excêntricas e o ritmo muito lento das imitações confeccionadas. A escassez material é parcialmente ultrapassada por meio da confecção industrial, que permite a um maior número de pessoas e classes o consumo de algum tipo de moda. No entanto, no jogo das distinções, é instituída uma “raridade temporal” como quesito de valor social de determinada moda.
Ainda hoje esse jogo está presente no funcionamento da moda, ajudando a definir les dessus et les dessous da sociedade. Assim, falar em democratização da moda significa ocultar a sutileza das novas estratégias distintivas que se instauram graças ao uso diferencial dessas marcas temporais. Pelo lugar ocupado nos degraus da duração de uma moda, que é também um degrau de preço, a roupa ainda significa o estatuto de seu portador, o que revela certa inércia nas estruturas econômicas, sociais e culturais.
Há uma vertente de análise da moda que afirma que essa obsolescência sistemática promovida pela moda atende apenas a objetivos econômicos. Outra concepção igualmente reducionista defende que a criação planejada do novo pela moda é mera expressão de uma espécie de Zeitgeist do mundo moderno. Existem ainda aquelas análises que não fazem mais que engrossar o coro que a considera como mecanismo de distinção social23. Mas há alguns autores que conseguem conceber a moda em suas múltiplas faces: como atividade econômica, como expressão e elemento constitutivo da modernidade, como estratégia de distinção e ainda como uma dominante cultural relevante no mundo contemporâneo. Walter Benjamin, por exemplo, logra captar a complexidade do fenômeno social da moda, vislumbrado-a como um amálgama entre mercadoria e imaginário, indústria e diversão, novo e “sempre-igual”, mito e utopia24.
Torna-se patente, portanto, que o consumo e a moda, assim como a modernidade no âmbito da qual se inscrevem, são compostos por uma dimensão material e também por um substrato simbólico, cultural. Sendo assim, tentamos evitar
as perspectivas reducionistas ou deterministas com o propósito de compreender a modernidade como tensão, visto que os fenômenos, processos e relações sociais que se desenrolam em seu seio são multifacetados, contraditórios.
Assim, para além de seu conteúdo específico, o presente artigo pretendeu suscitar uma reflexão de cunho epistemológico, ao revelar que o estudo de objetos contraditórios ou ambíguos, como a moda e o consumo, deve buscar respeitar tais ambigüidades e contradições históricas. Os objetos aqui discutidos são perpassados por tensões que podem ser expressas por pares de opostos, a um só tempo antagônicos e complementares: liberdade e coerção, homogeneização e diferenciação, distinção e anonimato, afirmação e negação do indivíduo, objetividade e subjetividade, mercadoria e sonho, material e simbólico. Parece-nos que o grande desafio é, mesmo sabendo ser impossível captar e compatibilizar todas as nuances que compõem um determinado contexto ou um determinado objeto de estudo, não abdicar de tentar apreendê-las e levá-las em consideração na análise.
01 “Chaque époque rêve la suivant”. A afirmação é retomada de Michelet.
02 Segundo MARINAS (2001, p.17), “el consumo no es la compra: abarca escenarios y dimensiones que [...] lo convierten en un hecho social complejo que recorre la totalidad de nuestra vida”. Tal concepção leva esse autor a considerar o consumo como “fato social total” - tal qual este é teorizado por Marcel Mauss -, visto que a economia, a cultura, a formação individual e, assim, a própria sociedade são grandemente influenciadas pela esfera do consumo, seja como atividade objetiva, seja como configuração cultural.
03 Atualmente, em tempos de globalização da economia e de mundialização da cultura (ORTIZ, 1996), Paris não pode ser considerada como a única capital mundial da moda, devido à importância que adquirem centros como Londres, Nova Iorque e Milão, por exemplo. Esse processo merece ser investigado mais detidamente, contudo, não seria possível fazê-lo aqui. De qualquer maneira, é conveniente destacar que, embora a moda já não pareça contar com uma única força centrípeta hegemônica, Paris continua sendo uma referência principal no setor.
04 Não há, na bibliografia especializada, consenso sobre as datas e locais de surgimento da moda.
05 Talvez falar em “moda moderna” seja uma espécie de pleonasmo, visto que a moda e a modernidade são elementos imbricados. Nesse sentido, é bem possível que falar em “moda” antes da abertura da sociedade às disputas de classe constitua um anacronismo. A noção de moda poderia ser contraposta a de ancien régime vestimentaire, quando as aparências eram reguladas por lei. Assim, por definição, talvez não seja apropriado falar em moda no Antigo Regime.
06 [...] inércia e imobilidade, sobretudo no que concerne às classes populares e aos meios rurais; a coincidência entre vestimenta e posição social; a vontade de controlar, que dita às autoridades as leis suntuárias e a todos as normas de etiqueta e de bons usos. (tradução livre).
07 ROCHE (1989, 1997) estabelece uma análise das dificuldades de vocabulário encontradas ao se estudar o tema da moda. Para ele, l’habillement é o ato individual de vestir, por meio do qual cada indivíduo se apropria do que é proposto pelo grupo. Já os termos costume e vêtement referem-se a realidades mais propriamente sociais, dizendo respeito a um sistema formal, normativo, consagrado pela sociedade. Entre os dois últimos, o autor prefere o emprego de vêtement, posto que designaria “tudo o que serve para cobrir os corpos, enquanto a noção de costume seria ainda mais ampla e ambígua, designando “verdade de maneira” e de “hábito”, respectivamente modo de comportamento e modo de vestir. Considerando essa e outras dificuldades, adotamos uma tradução livre no presente trabalho.
08 Historicamente as esferas do luxo, do vestuário e da etiqueta foram concebidas como sinônimos de civilização.
09 [...] contra a obrigação da redistribuição, o poder da acumulação e do enriquecimento; contra o peso do costume e da tradição, a força da escolha e da renovação; contra a crença que o luxo deve ser reservado às manifestações do poder e da classificação que dita as precedências em matéria de vestimenta, a certeza liberal das capacidades, a utilidade econômica e moral do consumo. A moda se inscreve de agora em diante entre a coação (constrangimento) e a liberdade. (tradução livre).
10 Nenhuma pessoa poderá constranger nenhum cidadão ou cidadã a se vestir de uma maneira particular, sob pena de ser considerada e tratada como suspeita e perseguida como perturbadora da paz pública; cada um é livre para usar a roupa ou ornamento conveniente a seu sexo (tradução livre do decreto lançado pela Convenção em 29 de outubro de 1793 - 8 brumaire an II).
11 PERROT (1981, p.43) indica que a evolução das substâncias e formas das vestimentas encontra-se sensivelmente ligada à evolução técnica e às variações geo-comerciais dos têxteis e tinturas. No entanto, ele argumenta também que, às vezes, a aparição de novas representações (como a criança no século XVIII) e de novos usos (como a bicicleta no final do século XIX) ou de novas condições sociais (como o trabalho das mulheres no século XX) levam a novas silhuetas e novas formas nas quais a influência das condições históricas é flagrante. No entanto, o mesmo autor destaca que a Revolução Francesa modifica a roupa masculina, mas não a feminina. Desse modo, o contexto histórico e as condições políticas de uma época nem sempre se inscrevem diretamente nas formas da moda exibidas na época.
12 ORTIZ (1991) destaca que, na Idade Média, o fausto era coletivo. Com a emergência do poder monárquico, esse luxo impessoal se individualiza, mas liga-se à necessidade de representar um papel social, tornando-se signo da “superioridade” e do poder e monárquico e aristocrático. Já na era burguesa, o luxo se vincula mais ao consumo individual e mesmo a satisfações “subjetivas”, embora ainda detenha função de emulação social e, portanto, de prestígio. No momento em que o consumo se torna uma atividade “massiva”, vem a público a idéia, defendida por Georges d’Avanel, de uma “democratização do luxo”. No entanto, WILLIAMS (1991, p.102) contra-argumenta que o luxo não pode se democratizar porque, por definição, ele é uma forma de consumo limitada a poucos. Assim, a autora afirma que a sociedade moderna promove a “proliferação da superfluidade”, mas não a democratização do luxo.
13 Existe na historiografia da moda uma indicação de que, no período revolucionário, houve mudanças significativas na moda no sentido de uma retomada dos modelos “clássicos” da antiguidade grega, bem como da valorização de uma maior liberdade de movimentos, expressa no uso do vestido tipo camisola. No entanto, essa maior liberdade de movimentos durou pouco e logo é restabelecida a ornamentação característica da moda anterior à Revolução, culminando na crinolina da “Era Vitoriana”. BRAGA (2004) estabelece uma descrição concisa, porém panorâmica, da evolução estética das modas no século XIX.
14 O impulso da indústria têxtil, o desenvolvimento considerável do mercado de confecção, o impacto inaudito dos grandes magazines que a distribuem abundantemente, o declínio correlato do comércio multissecular de roupas usadas e uma ascensão dos níveis de vida serão as primeiras condições de um processo que generalizará o “aburguesamento” das aparências. (tradução livre).
15 No século XIX o triunfo da burguesia trará o triunfo de seu modo de vestir, fazendo-o atravessar classes e oceanos, impondo progressivamente, com sua ordem econômica, política e moral, seu código de se vestir em todas as suas implicações comerciais e ideológicas. (tradução livre).
16 A moda entrou em uma nova fase econômica durante a segunda metade do século XIX, o período do ‘alto capitalismo’. A produção tradicional de roupa se desenvolve em duas direções: a grand couture (produções exclusivas de grandes costureiros como Worth e Madame Paquin) e a confecção (produção em massa de roupas prontas). (tradução livre).
17 É à emergência da confecção, produto típico da produção em massa na qual figura a cópia industrial de um modelo já existente e sua reprodução mecânica, que se opõe a cada dia esse valor raro do sob medida, criado e consagrado pelo oligopólio dos alfaiates e costureiras de renome. No entanto, essa oposição se apresenta de maneira mais complementar que antagonista, na medida em que cada um de seus termos produz e reproduz o jogo dos sinais distintivos que se inscrevem em uma mesma hierarquia, classificando diferentemente a autenticidade do sob medida e o símile da confecção em nome de valores comuns. E esses dois produtos só existirão um pelo outro, na interdependência de seu mercado respectivo. (tradução livre).
18 Nesse ínterim, talvez seja interessante indicar que a idéia de se costurar através de uma máquina surgiu por volta de 1760 e passou muito tempo despercebida. Inúmeros inventores desenvolveram projetos e patentearam modelos de máquinas de costura, de modo que nenhuma pessoa pode ter isoladamente o crédito total pelo invento. No entanto, a primeira patente de uma máquina de costura eficiente, com potencial industrial, teria sido depositada por Isaac Merrit Singer em 1851. IN: www.singer.com.br. Acesso em 02/03/2009.
19 A criação das grifes ou marcas, já no século XX, representa o momento de racionalização dessa tentativa de dotar de unicidade o produto produzido em série.
20 ORTIZ (1991, p.144 e segs) destaca que “uma parte considerável da população francesa encontra-se excluída do acesso aos novos bens de consumo. As lojas de departamento não eram freqüentadas pelos operários ou camponeses; elas se dirigiam fundamentalmente à burguesia e às classes médias [...] a sociedade francesa, na virada do século [XIX ao XX] aciona um sistema de produção de bens materiais sem precedentes, mas ele não se constitui globalmente como uma sociedade de consumo. Dele são excluídos segmentos importantes da população. Porém diante do ritmo imposto pelo industrialismo, os que vivem esse momento percebem com clareza uma rotação do eixo histórico”.
21 Esse processo não decorre sem suscitar resistências. A emergência dos trajes regionais típicos seria uma resposta ao movimento de expansão do vestuário burguês.
22 Se o consumo de roupas exerce seu efeito de distanciamento pelo jogo das diferenças, estabelecidas sobretudo entre a boa alfaiataria e a confecção, o bom gosto em matéria de vestimenta funciona então como discriminador social através do jogo de diferenças estabelecidas entre saber e ignorância. Porém, essas duas táticas advêm de uma mesma estratégia, essas duas instituições produzem e reproduzem um mesmo sistema de criação de distâncias e separações. Elas visam essencialmente defender os dominantes de duas desinências de um mesmo perigo: a cópia ou o excesso dos pretendentes. Cópia e excesso, o ‘fazer igual’ (sobre a moda pobre) ou o ‘fazer demais’ (sobre a moda rica): eis o medo da boa sociedade em relação aos perigos de confusão que eles trazem. (tradução livre).
23 Se, no presente trabalho, carregou-se nas tintas ao versar sobre o caráter distintivo da moda não é porque consideramos esse seu único ou principal aspecto. Essa dimensão foi privilegiada porque nosso foco principal é a moda nascente e seus desenvolvimentos no século XIX e, nesse momento, a dinâmica da moda foi sobremaneira influenciada pelas disputas distintivas entre aristocracia e burguesia e depois pelas tentativas burguesas de se distanciar da classe trabalhadora.
24 Essa mesma perspectiva está presente nas análises benjaminianas sobre as Exposições Universais, as quais também constituem um objeto de reflexão para se entender como se desenvolveu a organização social e cultural calcada na noção de consumo. Para um estudo mais detalhado sobre o assunto ver PESAVENTO (1997) e ainda ORY (1982). Sobre as análises benjaminianas acerca das relações entre moda e modernidade ver MICHETTI (2009), bem como a bibliografia que embasa tal texto.
Benjamin, W. Paris, Capital do século XIX. In: KOTHE, F. (org). Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1991.
BENJAMIN, W. Moda. IN: BOLLE, W. (org). Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.
BRAGA, J. História da Moda: uma narrativa. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2004.
LIPOVETSKY, G. O Império de Efêmero. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
LIPOVETSKY, G. & ROUX, E. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
MARINAS, J. M. La fábula del bazar: orígenes de la cultura del consumo. Madrid: La Balsa de la Medusa, 2001.
CHETTI, M. Sobre a moda: uma abordagem benjaminiana. IN: BUENO, S.F. (org).
Teoria Crítica e Sociedade Contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 2009.
ORTIZ, R. Cultura e modernidade: a França no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1991
ORY, P. Les expositions universelles de Paris. Paris: Éditions Ransay, 1982.
PESAVENTO, S. J. Exposições universais: espetáculos da modernidade do século XIX. São Paulo: Hucitec, 1997.
PERROT, P. Les dessus et les dessous de la bourgeoisie: une histoire du vêtement au XIXe siècle. Paris : Fayard, 1981.
PERROT, P. Le travail des apparences: ou les transformations du corps féminin XVIIIe – XIXe siècle. Paris : Editions du Seuil, 1984.
ROCHE, D. La culture des apparences: une histoire du vêtement XVIIe- XVIIIe siècle. Paris: Fayard, 1989.
ROCHE, D. Histoire des choses banales: naissance de la consommation XVIIe – XIXe siecle. Paris : Fayard, 1997.
SIMMEL, G. A moda. IN: ______.. Fidelidade, gratidão e outros textos. Lisboa: Relógio d’água Editores, 2004.
SOUZA, G. M. O Espírito das Roupas: A Moda no século XIX. São Paulo: Cia da Letras, 1996.
STEELE, V. Paris fashion: a cultural history. New York: Oxford University Press, 1999
VEBLEN, T. A Teoria da Classe Ociosa. São Paulo: Pioneira Editora, 1965.
WILLIAMS, R.H. Dream Worlds: mass consumption in late nineteenth-century France. Los Angeles: University of California Press, 1991.
ZOLA, E. O Paraíso das Damas. São Paulo: Cia Brasil Editora, 1956.
Revista Proa
“Cada época sonha a seguinte”, afirma Walter Benjamin em Paris, capital do século XIX. (1991, p.32)01. É a partir desse pressuposto que o pensador alemão tentará traçar a história póstuma do século XIX, procurando encontrar nele o berço da modernidade e, nesse sentido, o embrião do século XX. Buscar no passado as origens do presente e fazê-lo a partir de objetos considerados banais são boas pistas que podemos encontrar em Benjamin para se entenderem as origens e o desenvolvimento do que se convencionou chamar “sociedade de consumo”. O autor procura desvendar o substrato material e simbólico da modernidade por meio de objetos prosaicos, cotidianos, mas amplamente explicativos e heurísticos. A injunção benjaminiana de se pensar o presente historicamente nos remete ao passado para entender a sociedade contemporânea, na qual esferas como o consumo e a moda possuem grande relevância social, econômica e cultural.
A modernidade, bem como o desenvolvimento da moda e do consumo em seu sentido moderno02, são tributários de transformações materiais e simbólicas que se inscrevem em um contexto específico. É sobre esse contexto, essas transformações e seus desdobramentos que nos voltaremos no presente artigo. Embora o século XIX constitua nosso foco principal, o mapeamento das origens da moda e do consumo ganha densidade se retrocedermos a um período ainda anterior. Desse modo, pode-se obter o contraponto que permitirá dimensionar a radicalidade das transformações ocorridas no referido século.
Além dessa definição do recorte temporal, é oportuno definirmos também o espaço sobre o qual se desenrolam os processos e fenômenos analisados aqui. Trata-se da sociedade francesa, mais especificamente, da cidade de Paris, a “capital do século XIX”, que deteve por muito tempo o título de capital mundial da moda03. Destaque-se que não se trata de uma escolha puramente arbitrária, ao contrário. Paris não é o único locus da modernidade, mas aí podem ser observados, com clareza representativa, os processos que desencadearam essa modernidade e que levaram ao desenvolvimento da moda e do consumo em sua acepção hodierna. De acordo com STEELEE (1999, p.15), são diversos os fatores que explicam a supremacia parisiense no âmbito da moda. Para a autora, a moda nasceu na Itália, no entanto, como “a moda segue o poder”, a dominância em termos de moda teria migrado para a Espanha no século XVI e para a França no início do século XVII04.
O prestígio da corte francesa sob o reinado de Luís XIV seria um dos fatores que, inicialmente, explicariam tal predominância francesa. Conhecido como “o Rei Sol” e ainda como “o rei consumidor” (WILLIAMS, 1991, p.26), Luís XIV proclamou em Versailles um novo padrão de consumo. Segundo WILLIAMS (1991, p.28), na corte de Luís XIV o consumo era parte de um processo civilizador – nos termos de Norbert Elias – que influenciou tanto a elaboração de objetos, como o exercício de retração da espontaneidade e de ritualização dos atos da vida cotidiana. As “cerimônias de consumo” eram parte de um sistema calculado, que tinha por objetivo não a gratificação individual, mas o desenvolvimento da autoridade política. Luís XIV transformou o consumo em questão de lei, por ter percebido a ligação entre o luxo e o controle social, entre vestuário e poder.
Para STEELE (1999), o prestígio da corte francesa e o estímulo monárquico ao luxo são fatores explicativos da emergência da moda na França. Entretanto, a própria autora destaca, em conformidade com outros autores, que tal estímulo era balizado por regras bem definidas, demarcadas por leis e editos que regulavam a aparência das pessoas de acordo com sua posição na hierarquia social. No chamado “ancien régime vestimentaire”, o parecer devia corresponder ao ser, ou seja, cada um devia usar os signos referentes ao seu lugar na sociedade estamental.
Contudo, antes de continuarmos a exposição sobre o “ancien régime vestimentaire”, voltaremos às razões que fazem de Paris um objeto privilegiado para se entender a moda e o consumo modernos05. Além do papel de motor desempenhado pela corte, Steele argumenta que o caráter específico das relações sociais estabelecidas entre realizadores, consumidores e espectadores da moda parisiense é outro fator explicativo da situação de destaque da capital francesa no âmbito da moda. A partir do século XVIII, a moda em Paris já começa a assumir seu aspecto moderno, isto é, deixa de ser determinada exclusivamente por uma autoridade centralizada na corte para se tornar objeto do gosto coletivo e efêmero de vários parisienses. Ademais, no século XIX, as transformações ocorridas em Paris a convertem em uma “arena pública”, em um espaço “para ver e ser visto”.
De acordo com Williams, é em Paris que se dá o advento do “consumo de massa” e é na história francesa que devemos procurar as origens da “sociedade de consumo”, a qual seria produto de uma longa evolução histórica, ao mesmo tempo material e mental. Para a autora (1991, p.7 e segs), a história da França, mais que a dos Estados Unidos, ilumina a natureza e os dilemas do consumo moderno, porque o país europeu teria cunhado um “modelo universalmente válido de consumo esclarecido”, provido de um “ideal de civilização”. ORTIZ (1991) também destaca que a França do século XIX representa o momento da “civilização mundial” em seus primeiros passos. Há ainda outras análises fundamentais sobre consumo e moda que focalizam a França do XIX, tais como ROCHE (1989, 1997), PERROT (1981, 1984), MARINAS (2001), LIPOVETSKY (2001, 2005), assim como vários escritos de Walter Benjamin sobre o tema.
Não bastassem esses elementos, Paris ainda será o cenário das Exposições Universais, das galerias ou passagens - analisadas por Benjamin como alegorias da modernidade - e dos magasins de nouveautés, prenúncios dos grands magasins, tão bem descritos no calor da hora por Émile Zola em Au Bonheur des Dames, de 1883. Enfim, Paris será o palco sobre o qual se desenrolará o que alguns autores denominam (frequentemente sem o devido rigor conceitual) “revolução do consumo”.
Mas, conforme foi indicado anteriormente, para se conceber a dimensão dessa “revolução”, é preciso deter-se sobre o que existia antes dela e isso nos leva de volta ao ancien régime vestimentaire com suas leis suntuárias.
Ancien Régime Vestimentaire: a conformidade entre ser e parecer
Entre 1485 e 1660 foram lançados dezoito editos pela monarquia francesa, cujo conjunto apontava o combate ao supérfluo enquanto elemento de “ruína econômica” e ainda a “defesa do parecer nobre” como mecanismo de legitimação da nobreza. Para Roche, o ancien régime vestimentaire se equilibrava entre o postulado de que as aparências devem se vincular estritamente às respectivas posições sociais e a possibilidade de envergar a aparência relativa à posição que se ambiciona ter. A despeito dessas tensões, que o levam inclusive a questionar a própria existência de um ancien régime vestimentaire, o autor sintetiza três traços principais do sistema de vestimentas vigente no “Antigo Regime”:
[...] l’inertie et l’immobilité, surtout en ce qui concerne les classes populaires et les millieux ruraux; la coïncidence entre costume et position sociale; la volonté de contrôle, qui dicte aux autorités les lois sumptuaires et à tous normes de l’étiquette et conformisme des usages. (1989, p.60)06.
De acordo com PERROT (1981, p.19), no Antigo Regime o controle e a distribuição de signos do vestuário eram garantia de direito e de ordem. A função do vestuário07 aristocrático era significar hereditariedade, era ser uma justificativa fictícia para fixar cada um “em seu lugar”. Nesse momento, uma veste significava uma condição, uma ordem, um estado. Instrumento de regulação política, social e econômica, as leis suntuárias que se sucederam na Europa significaram, para a nobreza, a manutenção da visibilidade dos degraus da hierarquia social por meio de um exclusivismo do luxo que devia distinguir os nobres das classes ascendentes. (PERROT, 1981, p.31). Essa imobilidade na distribuição de signos corresponderia a uma imobilidade das estruturas sociais.
E, se por um lado, as aparências eram reguladas por leis suntuárias, por outro lado, a própria precariedade material dos séculos XVI e XVII restringia o desenvolvimento da moda. Essas restrições objetivas ligavam-se ainda a impedimentos culturais, como o apego à tradição em detrimento do novo, a valorização do durável em detrimento do efêmero e a hegemonia da moral cristã defensora da frugalidade. Segundo ROCHE (1997), eram a precariedade, a pobreza e a escassez que caracterizavam o vestuário no século XVII. Paralelamente ao mundo “civilizado”08 da corte, com suas “ordonnances vestimentaires”, havia o mundo rural, cuja população se vestia com roupas que se renovavam pouco, feitas em casa com os materiais disponíveis localmente, frequentemente grosseiros e em cores sóbrias. Tomando como fonte de referência os inventários da época, Roche indica que poucas peças compunham o guarda-roupa de cada camponês e que elas eram reutilizadas por várias gerações, daí figurarem nos inventários.
Desse modo, “à inércia da economia das vestimentas rurais corresponde uma cultura de permanência e reemprego, marcada pela reutilização e por reformas de roupas. Trata-se de uma civilização na qual domina o ‘usado’ ” (ROCHE, 1997, p.217). Há, inclusive, um corrente comércio de segunda mão. Além disso, a rudeza do trabalho impõe vestes sólidas e a falta de elasticidade dos orçamentos camponeses não autorizava muita fantasia. Nada mais distante do reino efêmero, cintilante e feérico da moda! Se o consumo de vestuário dos camponeses nunca pôde ser totalmente imobilizado, nas cidades isso era realmente impossível. Havia infrações e falsificações de aparências, principalmente da parte de burgueses ascendentes (ROCHE, 1997, p.220).
No final do século XVIII e no limiar do XIX houve duas transformações convergentes: a melhoria da produção agrícola e o desenvolvimento de novos modelos de comportamento que autorizariam transgressões. Os comportamentos com relação às aparências só se modificam se as transformações materiais forem acompanhadas de transformações culturais. Diante disso, Roche sublinha que, em face das mudanças materiais e simbólicas ocorridas no século XIX – sobre as quais versaremos mais adiante -, os valores de redistribuição e reemprego, encampados por muitas gerações, cederam terreno diante daqueles da moda, do gosto perpetuamente reativado e da mudança constante. Alguns valores da economia e da moral cristãs foram ultrapassados e ocorreu sua substituição paulatina por outros valores.
[...] contre l’obligation de la redistribuition, la puissance de l’accumulation et de l’enrichissement; contre le poids de la costume et de la tradition, la force du choix individuel et du renouvellement; contre la croyance que le luxe doit être réservé aux manifestations du pouvoir et du rang dictant les préséances vestimentaires, la certitude libérale des capacités, l’utilité économique et morale de la consommation. La mode s’inscrit désormais entre la contrainte et la liberté. (ROCHE, 1997, p.236/237)09.
Todavia, o caminho que nos leva de uma economia da salvação, da escassez e da moral para uma economia da felicidade terrestre, da abundância e da utilidade (ROCHE, 1997, p.16) não pode ser percorrido sem mediações. Antes de perscrutar o conjunto de mudanças que, no final do século XVIII e início do XIX, possibilitaram o desenvolvimento da moda e do consumo em moldes semelhantes aos conhecidos hoje, convém lembrar algumas especificidades do abastecimento tradicional de roupas e tecidos, substituído posteriormente pelos processos de sistematização e racionalização da moda. Vejamos.
De acordo com PERROT (1981, p.69/70), no ancien régime vestimentaire,a fabricação e a venda de roupa passavam por um circuito particular, que determinava um complicado e meticuloso aparelho de regulamentos corporativos. Era necessário comprar primeiramente os tecidos e armarinhos, então mandar fazer as roupas e tirar as medidas. Havia, portanto, uma dissociação regulamentada entre fornecedor e executor. Até 1781, eram homens vinculados à corporação que detinham a exclusividade na fabricação de roupas femininas. Antes do século XVII, tratava-se de uma atividade anônima, pois eles eram apenas executores ou modestos conselheiros. Com o tempo, tornaram-se renomados e constituíram “grifes avant la lettre” (PERROT, 1981, p.73). A costureira e o alfaiate puderam se converter, então, em instrumentos de prestígio social e marcar um capital simbólico com forte rentabilidade comercial. Assim como certos nomes, certos endereços se tornaram célebres, de maneira a existir, em Paris, uma espécie de geografia da moda.
Às margens desse circuito existia um mercado popular, no qual as roupas passavam de uma classe a outra por várias vias, como a caridade (doação), o roubo e a friperie, isto é, o comércio de roupas usadas. Segundo Perrot, a imensa clientela da friperie devia promover a idéia da produção de roupas novas confeccionadas em série e vendidas a preços módicos. Certamente, antes da Revolução Francesa algumas roupas confeccionadas eram vendidas, mas sem a envergadura de uma empresa, visto que, até a Revolução, o obstáculo jurídico impedia toda tentativa nesse sentido.
Até a Revolução... Porque, com as transformações que a condicionaram e com as mudanças que foram por ela desencadeadas, os regulamentos corporativos foram modificados e as leis suntuárias revogadas. A moda encontrou, então, solo fértil para florescer e o consumo de maneira geral se estabeleceu em outro patamar.
Moda e distinção de classe na Paris da Revolução
Nulle personne ne pourra contraindre aucun citoyen ou citoyenne à se vêtir d’une façon paticulière, sous peine d’être considérée comme suspecte et traitée comme telle, et poursuivie comme perturbateur du repos public; chacun est libre de porter tel vêtement ou ajustement de son sexe qui lui convient. (ROCHE, 1989, p.62).10
Embora não se possa estabelecer uma relação imediata entre as formas assumidas pela moda e os contextos históricos nos quais elas se apresentam11, é possível afirmar que a Revolução aparece como um divisor de águas na história do desenvolvimento da moda. Talvez seja tanto uma condição, como um sinal de mudanças expressivas nessa esfera da existência.
Parece consensual na literatura que versa sobre a moda que ela seja “produto da distinção de classe” (SIMMEL, 2004, p.99). A moda só pode nascer e medrar em uma sociedade cujas estruturas sociais sejam mutáveis e na qual a ascensão de classe seja ao menos formal e juridicamente possível. De outro modo, estaria ausente aquilo que seria o mecanismo propulsor do surgimento da moda, a saber, as disputas sociais e individuais por poder, por distinção, por legitimidade cultural e estética. Nessas sociedades “abertas”, a moda configura-se como um elemento a partir do qual se pretende manter ou adquirir capital social, cultural e simbólico – nos termos de Pierre Bourdieu –, bem como expressar sua posse. Assim, ela aparece como uma arma na luta pela conquista do monopólio ou hegemonia da definição da bienséanse, do bom gosto e das normas da aparência. Com a Revolução, passamos “da lei à norma” e é nessa conjuntura que a moda se afirma como tal. Antes disso, falar em moda – como temos feito aqui com as devidas ressalvas – caracteriza uma espécie de anacronismo, no sentido de que a moda só pode existir efetivamente quando a disputa entre as classes é legítima e, mais que isso, quando existe a tentativa de equilibrar apoio social e diferenciação individual.
Na sociedade estamental, o luxo e a “moda” eram menos sinais de diferenciação individual do que justificativa e afirmação de uma coletividade seleta: a aristocracia12. A Revolução é o marco que simboliza uma sociedade na qual os modelos da bienséanse aristocrática são grandemente mantidos (principalmente na moda feminina), mas na qual o luxo e a moda passam a ser mais individuais, dado que agora a individualidade passa a ser um valor, algo a ser buscado e construído, já que não mais garantido pelo nascimento e, ademais, negado pela sociedade industrial nascente.
Segundo SIMMEL (2004, p.101), associar e distinguir são duas funções básicas da moda. Arauto do que viria posteriormente a ser conhecido como trickle down theory, ele afirma que “a moda nova pertence exclusivamente às camadas superiores. Quando as camadas inferiores começam a apropriar-se de uma moda, as superiores se distanciam dessa moda e se aproximam de outra, pela qual se distinguem”. O mesmo processo ocorreria entre os diferentes níveis das “camadas superiores”.
Válida para o funcionamento da moda no período que nos interessa no presente texto, a análise de Simmel sobre a moda como mecanismo de distinção social tenta explicar ainda porque ela floresce especialmente quando a burguesia chega ao poder, ou seja, a partir da referida Revolução. Para ele, isso ocorre porque as “massas” teriam um desenvolvimento lento e as “elites” seriam conservadoras por acreditarem que a mudança é algo perigoso. “A variabilidade genuína da vida histórica repousa, pois, na camada média, e, por isso, a história dos movimentos sociais e culturais adquiriu um ritmo muito diferente desde que o tiers état conquistou as rédeas do poder” (2004, p.124).
A despeito da carência de rigor dessa tipologia social simmeliana, ela é interessante porque sugere que a moda ganhou fôlego quando a burguesia, que já havia conquistado o poder econômico, ascendeu ao poder político e passou a buscar também legitimidade social e cultural. Se é verdade que a moda segue o poder, com a Revolução Francesa ocorre um ”aburguesamento” das aparências. Trata-se de um processo paulatino de substituição dos modelos de consumo e de moda aristocráticos pelos modelos burgueses. É certo que a aristocracia continuou detendo legitimidade social nos âmbitos da aparência e do bom gosto por muito tempo, tanto que WILLIAMS (1991, p.47) afirma que o período da Revolução, em vez de acabar com os modos de consumo das classes altas, apenas abriu-o para um grupo maior.
No entanto, uma revolução não ficaria conhecida historicamente com esse nome se não fosse um sinal de mudanças profundas nas estruturas sociais, o que, como sugerido acima, tem conseqüências para o mundo da moda. Vale lembrar uma vez mais que a Revolução tem mais relação com as transformações do vestuário masculino do que com o feminino13. Enquanto esse último foi caracterizado por uma continuidade que só seria interrompida no século XIX, no traje masculino impôs-se le triomphe du noir, isto é, a predominância do terno de cores sóbrias, o qual significaria uma recusa das cores enquanto símbolo da aristocracia, trazendo consigo outro conjunto de valores. A partir da valorização histórica da idéia de individualidade, o terno passou a ser concebido como uma espécie de moldura para uma obra única: o indivíduo burguês.
MELO e SOUZA (1996) afirma que, enquanto as mulheres continuaram relegadas ao mundo considerado fútil e superficial, onde se davam as disputas femininas no “mercado matrimonial”, aos homens se abriam carreiras fulgurantes nos âmbitos da economia e da ciência, de maneira que eles já não precisavam se afirmar tanto na esfera das aparências quanto naquelas da inteligência, da genialidade e do mérito. A autora destaca que surgiram, entretanto, novos marcadores de distinção, como o hábito de afeitar a barba, por exemplo. Além disso, tal como supõe Thorstein Veblen, ela indica que a “grande renúncia masculina” à moda converte as mulheres em “vitrines” dos homens, posto que as esposas e filhas dos homens bem-sucedidos deviam agora envergar os sinais visíveis desse sucesso em suas roupas e em suas maneiras.
Há outros autores que se contrapõem à idéia de que o uso do terno de cores sóbrias seria um indicativo do igualitarismo presente no discurso revolucionário. STEELE (1999), por exemplo, afirma que essa forma de vestir tem raízes na antiga influência da corte espanhola e principalmente de certa “anglomania” que acometeu parte das classes altas francesas, principalmente durante a Restauração, quando a aristocracia exilada na Inglaterra voltou pra França e trouxe na mala os hábitos ingleses da elegância. Nesse sentido, o noir seria mais uma marca de distinção do que de igualdade de classes. A análise de Baudelaire sobre o dandy se encaminha em sentido semelhante, visto que o analisa como um tipo surgido na transição do poder entre aristocracia e burguesia, enquanto exemplar de uma “aristocracia de artistas”. Assim, em diferentes análises, o triunfo da roupa escura após a Revolução não marca a valorização da igualdade, como pretendem algumas interpretações apressadas, mas traz em seu bojo novas distinções e hierarquias.
Destaque-se que não estamos sugerindo que a Revolução Francesa seja a força motriz do desenvolvimento da moda. Como se indicou acima, é patente que as mudanças da moda se liguem mais a transformações internas e a desenvolvimentos técnicos do que às histórias políticas das civilizações. O destaque conferido a esse episódio específico da história se deve ao fato de o considerarmos como um marco de mudanças materiais e simbólicas, de novas relações e processos que, estes sim, têm ressonâncias na esfera da moda. Para nós, a Revolução Francesa funciona como emblema de uma sociedade na qual a moda pôde se desenvolver, posto que as disputas entre as classes deixaram o terreno das leis suntuárias e passaram a se desenrolar em outras instâncias e por outros mecanismos, mais sutis, porém igualmente eficazes. Além disso, o ideário burguês adquiriu cidadania na hierarquia social e, acrescido das condições objetivas de negação da individualidade trazidas pelo desenvolvimento industrial, fez da busca pela distinção individual um objetivo pessoal e coletivo.
Desejo de distinção de classe e diferenciação individual: se a análise de Simmel estiver certa, a moda ganha fôlego nessa configuração sócio-cultural. Mas a moda não depende apenas de pressupostos culturais. Assim como o consumo moderno, ela é tributária de profundas transformações materiais que se inscrevem no século inaugurado pela Revolução. Isso nos leva ao século XIX.
Modernidade, moda e consumo: o século XIX
Talvez seja possível afirmar que a Revolução Francesa inaugurou o século XIX. Mas, nesse século, também se fizeram presentes na França os desdobramentos de uma outra revolução, tão ou mais importante do que aquela: a Revolução Industrial. Paris não teria sido a “capital do século XIX” sem o conjunto de transformações oriundas dessas duas revoluções. Trata-se de uma profusão de mudanças tecnológicas, científicas, comerciais, políticas, sociais, culturais e simbólicas que deu ao XIX sua feição marcadamente moderna.
Segundo ORTIZ (1991), a modernidade estabelece uma nova tessitura social, uma nova forma de relação entre os homens. Ela não seria um projeto, mas o vértice de uma mudança radical que é codificada culturalmente de diferentes maneiras. Ortiz destaca que, embora se ligue a uma condição cultural, a modernidade é também objetiva, substancial. Sendo ao mesmo tempo una e múltipla, ela seria uma matriz única que, contudo, realizar-se-ia de maneiras diferentes no tempo e no espaço.
Acerca das possíveis relações entre mudanças tecnológicas e culturais, Ortiz concebe a existência de “dois séculos XIX”, bem como de “duas modernidades”. O primeiro deles diria respeito ao período da Revolução Francesa até meados do século e seria marcado por uma modernidade caracterizada pelo uso do ferro, pela iluminação a gás, pelo telégrafo e pelo telefone. Com a aceleração da própria Revolução Industrial, a partir da metade do século o “ritmo da história social se modifica”, inaugurando o que seria o segundo século XIX. Emerge, então, um outro sistema técnico, constituído pelo automóvel, avião, pela eletricidade e pelas telecomunicações. O tema da modernidade se inscreve mais propriamente nesse segundo período, no qual se desenvolvem, entre outras coisas, o transporte ferroviário e a urbanização, repercutindo na mobilidade das pessoas e na aceleração da vida cotidiana.
Walter Benjamin percebe com perspicácia que “a modernidade encontra-se ancorada num substrato material, sem o qual ela não poderia se expressar” (ORTIZ, 1991, p.29). Em virtude disso é que o pensador alemão tomou como objeto as passagens, os magasins de nouveautés, as exposições universais, enfim, a conjuntura objetiva por meio da qual o consumo se estabeleceu enquanto atividade moderna por excelência. Ao indicar essa ligação entre modernidade e consumo, Ortiz nos leva às trilhas percorridas por Benjamin para compreender uma modernidade que se ergue sobre um substrato material, mas que também é uma configuração cultural. Nela, ocorre o acoplamento entre “imaginário e mercadoria, inutilidade e utilidade, irracionalidade e racionalidade”. Essa imbricação seria estimulada no mercado moderno porque, “à medida que a sociedade se industrializa, como para compensar o processo de padronização imposto, o consumo deve ser investido de uma dimensão individualizante. Daí a necessidade de se utilizar uma carga imaginativa que torne sedutora a aquisição dos produtos”. (ORTIZ, 1991, p.159)
Talvez por revelar essa conjunção entre “sonho e indústria”, a moda tenha sido um tema relevante nas análises benjaminianas sobre a modernidade. Ainda segundo Ortiz, é a partir da conjuntura francesa do século XIX que podemos vislumbrar os primeiros passos de uma civilização que se tornaria “mundial” e, nesse sentido, entender a consolidação da modernidade.
Ao tema da moda interessa notar que é no século XIX que se rompe o ancien régime vestimentaire (PERROT, 1981) e, com isso, supera-se a “fronteira das aparências” (ORTIZ, 1991). Também é no XIX, mais particularmente em sua segunda metade, que se dá o “advento do consumo de massa”. Para WILLIAMS (1991), a sociedade francesa assistia ao surgimento do “mundo dos sonhos do consumo de massa”, substituto do “mundo fechado do consumo da corte”. A autora destaca que, nesse momento, embora as mercadorias em si não estivessem disponíveis para todos, a visão de uma profusão de mercadorias era disponível e quase ilimitada, de modo que tanto a vida privada, quanto a coletiva se transformaram em um meio no qual as pessoas cotidianamente interagem com mercadorias.
Nesse processo de substituição do consumo aristocrático pelo consumo denominado “de massa”, o papel desempenhado pela burguesia foi fundamental. As análises de Philippe Perrot em Les dessus et les dessous de la bourgeoisie são, nesse sentido, elucidativas. Ele arrola as condições materiais que permitiram o chamado “aburguesamento das aparências”:
L’essor de l’industrie textile, le développement considérable du marché de la confection, l’impact inouï des grands magasins qui la distribuent abondamment, le déclin corrélatif d’une friperie multiséculaire, et un certain relèvement des niveaux de vie vont être les premières conditions d’un processus qui généralisera l’embourgeoisement des apparences. (PERROT, 1981, p.8)14.
E destaca ainda algumas implicações simbólicas desse processo
[...] au XIXe siècle le triomphe de la bourgeoisie amènera le triomphe de son costume, le faisant traverser classes et océans, imposant progressivement, avec son ordre économique, politique et moral, son code vestimentaire dans toutes ses implications commerciales et idéologiques (PERROT, 1981, p.15)15.
O autor sublinha que essa disseminação das normas e formas da roupa burguesa não significou uma “democratização das aparências” (1981, p.154). Ao contrário, o vestir constituiria um ato de significação e de diferenciação e, assim, assumiria um papel relevante no distanciamento construído pela burguesia em relação à classe trabalhadora. Diante da aparente equalização social das aparências – cuja realização seria possibilitada pelo desenvolvimento da confecção –, a burguesia sentiu-se impelida a construir novas estratégias de distinção. Para fugir do perigo do nivelamento que passou a ameaçar grupos até então distintos, foi elaborada uma bienséanse cada vez mais apurada, expressa no “sob medida” masculino e na Alta Costura feminina, o que acelerou a circulação e a renovação das modas.
A burguesia, ainda influenciada por certos padrões aristocráticos do gosto, instituiu “razões” que a estabelecessem como porta-voz legítima do “bom gosto”. Dessa maneira, os novos consumos não uniformizaram efetivamente as aparências, mas modificaram o jogo e a relação entre os grupos sociais, criando novas desigualdades e hierarquias. O reino da bienséanse se instalou definitivamente e impôs regras que visavam a marcar o tempo e as distâncias sociais, tornando-se quesito de qualificação ou desqualificação de indivíduos e grupos (ROCHE, 1989, p.65).
Mas a burguesia não se legitimou a contento impondo normas; sua soberania adveio de sua capacidade de carregar de “razões” a sua legitimidade em termos de aparência. De acordo com PERROT (1981, p.20), isso se deu por meio do estabelecimento, através do discurso da moda, de uma estética social que funcionava como “caução estética de uma classe”; produzia e reproduzia um material distintivo, desvalorizando o belo precedente (démodé) e celebrando o belo recente (à la mode). Assim, a partir de um sistema circular idiossincrático à moda até o presente, julga-se belo aquilo que é considerado belo por aqueles aos quais se reconhece o poder e a competência de nomear os novos cânones da beleza.
Dessa maneira, a ascensão da burguesia transformou os signos estatutários da vestimenta, mas manteve a diferenciação hierárquica das aparências, ainda que definida, agora, por um sistema normativo, não mais legal. Segundo Perrot, esse sistema normativo era calcado em uma “science vestimentaire” constitutiva de um capital simbólico, uma estratégia social, uma ideologia moral (do bom gosto, da distinção, da decência, do autocontrole) que permitiu à burguesia dominar também pelo “parecer”, não mais apenas pelo “ter”.
No âmbito do mercado, esse movimento corresponderia à emergência de uma nova instituição: o consumo no sentido moderno, cuja função distintiva não seria baseada mais somente em discriminações jurídicas e econômicas conferidas pelo poder de compra, mas também em uma discriminação social e cultural caracterizada pelo “saber comprar”. Para se distinguir, não basta ser bem nascido ou rico, é preciso “saber viver” e conhecer os “bons usos”. Em conseqüência, a questão das relações entre classes e signos de distinção torna-se complexa, já que não mais marcada por constrangimentos legais, passando a se dar no “mundo das nuances e dos detalhes”. O marcador social não é “o que” se veste, mas o “como” se veste e como se escolhe o que vestir. A escolha torna-se crucial, uma vez que revela o “bom gosto individual”.
Essa busca por novas estratégias de distinção é fruto de uma configuração social, econômica e cultural particular: a distinção só precisa ser buscada em uma sociedade na qual ela é ameaçada, ou seja, onde as hierarquias se misturam e podem ser confundidas. No sentido da argumentação aqui proposta, essa confusão só pode ocorrer mediante alguma “homogeneização” das aparências. Essa semelhança no vestir das diversas classes em disputa no jogo social do XIX só foi possível graças a certas condições materiais, cujas especificidades serão expostas a seguir.
Conforme indicávamos acima, a segunda metade do século XIX se viu envolta nos desdobramentos das revoluções Francesa e Industrial. Tal como sucede a essa última, o capitalismo entra em uma nova fase e a moda, por seu turno, também é arremessada no turbilhão de transformações que configuram a modernidade. A extinção dos impedimentos legais para a produção de roupas, o desenvolvimento da produção, da indústria e do comércio de têxteis, o emprego do ferro e do vidro na arquitetura, a melhoria das condições de vida da população, o avanço das ferrovias, o conseqüente aumento da mobilidade das pessoas e a reconstrução de Paris realizada por Haussmann são alguns dos pressupostos materiais sem os quais teria sido impossível erigir as passagens ou galerias, os magasins de nouveautés e, posteriormente, as Exposições Universais e os grands magasins.
Para Steele,
[...] fashion entered a new economic phase during the second half of the nineteenth century, the period of ‘high capitalism’. The traditional production of clothing developed in two new directions: toward grand couture (the exclusive productions of great dressmakers like Worth and Madame Paquin) and confection (the mass production of ready-made clothing). (STEELE, 1999, p.147)16.
Charles Frédéric Worth estabeleceu sua maison na Rue de la Paix em 1858 e, com ela, inaugurou uma nova dinâmica para a moda: não mais criar modelos únicos, mas reproduzir um certo número de exemplares – variados, adaptados e retocados para cada cliente. Sua empresa tomou uma dimensão quase industrial, estocando tecidos, multiplicando os ateliers e o pessoal envolvido na produção. Ao conquistar rapidamente uma clientela célebre – como a imperatriz Eugénie, esposa de Napoleão III – sua autoridade tornou-se considerável, já em 1860. O desfile de moda era ainda informal, mas data dessa época a invenção do “manequim”, que, nesse momento, não contava com a celebridade conferida às super models de hoje, sendo antes receptáculos anônimos para a apresentação dos novos modelos.
A bipartição da moda em Alta Costura e confecção industrial marcou o momento de institucionalização e racionalização da moda. Foi por meio dessas instâncias, ao mesmo tempo opostas e complementares, que passou a se desenrolar o novo jogo das distinções. Philippe Perrot analisa a relação intrínseca entre os dois pólos constitutivos da moda moderna. Para ele, o nascimento da “Grande Couture”, futura Alta Costura, não é estrangeiro à extensão da confecção. De um lado, o luxo daquela permitiu distingui-la, de outro, a Alta Costura toma emprestado muitos dos métodos que caracterizam a confecção. Em suas palavras:
[...] c’est à la émergence de la confection, produit typique de la production de masse dans ce qu’elle figure la copie industrielle d’un modèle déjà existant et sa reproduction mécanique, que s’oppose chaque jour davantage cette valeur rare du sur-mesure, créé et consacrée par l’oligopole des tailleurs et des couturières de renom. Cette opposition toutefois se présente de façon plus complémentaire qu’antagoniste, dans la mesure où chacun de ses termes produit e reproduit le jeu des signes distinctifs qui s’inscrivent dans une même hiérarchie, classant différemment au nom de valeurs communes l’authenticité du sur-mesure et le simili de la confection. Et ces deux produits n’existeront bientôt plus que l’un pour l’autre, dans l’interdépendence de leur marché respectif. (PERROT, 1981, p.329)17.
A difusão da confecção é, em grande medida, obra dos grands magasins, ou lojas de departamento, cujo desenvolvimento se confunde com o desenvolvimento do consumo como atividade de lazer e, talvez se possa coligir, de uma cultura de consumo. É com as lojas de departamento que o “ir às compras” se converte em algo ao mesmo tempo cotidiano e prazeroso.
É mais uma vez Perrot quem nos informa sobre o processo que levou à emergência dos grands magasins na Paris do Segundo Império. A primeira iniciativa nesse sentido teria sido de Pierre Parissot que, a partir de 1830, racionalizou a produção por meio da divisão do trabalho manual e adotou o sistema de vendas a preços fixos e marcados, endereçando-se a uma clientela popular. Com a compra de imóveis para a expansão dos negócios, em 1856 já se apresentava como proprietário de uma empresa próspera, o que suscitou imitações e levou ao surgimento de outros estabelecimentos de roupas prontas. Inicialmente, eram confeccionados e estocados uniformes para o exército. Nos anos 1840, deu-se o desenvolvimento da confecção de vestimenta civil, com a criação do sweating system, resultado do aperfeiçoamento da técnica de costura e da racionalização do trabalho. Esse movimento levou a uma baixa de preços que já ameaçava os pequenos alfaiates. Por volta de 1845, iniciou-se o comércio de roupa confeccionada feminina. Enquanto o comércio de roupas masculinas se mantinha essencialmente popular, o mercado feminino dirigia-se a uma clientela predominantemente burguesa.
Conforme observamos em Steele, com o advento dos magasins de nouveautés, a produção de roupas ficou a cargo de dois tipos de costureiras: as que trabalhavam para o magasin e as que trabalhavam com clientela própria. Essas últimas frequentemente produziam roupas de ótima qualidade, com tecidos fornecidos por elas mesmas. Segundo PERROT (1981, p.96), foram elas que deram a Worth a idéia realizar o triplo benefício resultante da compra direta em fábrica, da venda do tecido e da fabricação da roupa com muitos modelos.
Um novo tipo de comércio surgiu nessa nova Paris, em detrimento das lojinhas escuras que entraram em declínio durante o Segundo Império. Os magasins de nouveautés se especializaram em artigos de moda e difundiram confecções ordinárias. Eles prefiguraram, por suas relações e seus procedimentos comerciais, os grands magasins. Embora a maior parte daqueles não tenha sobrevivido aos cataclismos de 1848, eles são importantes na história social do consumo justamente porque abriram caminho para os grands magasins, os quais darão à produção e à difusão da confecção um impulso sem precedentes, inaugurando uma nova forma de consumo de moda.
De acordo com PERROT (1981, p.111), a primeira e absoluta regra do grand magasin era a redução da margem de beneficio bruto, isto é, de lucro por peça – compensada pelo maior volume de negócios. Outra diretriz era a renovação rápida dos estoques e do capital. Para tanto, foi necessária uma transformação radical das técnicas de produção. No final do XIX, por volta de 1870, surgiu a grande indústria de produtos prontos baseada na produção em série18.
Fundando-se na especialização interna, o grand magasin seria um bom exemplo da concentração de capital e de trabalho que caracterizou a nova fase do capitalismo. Além dessas condições e de outras acima indicadas – como a urbanização crescente, a “haussmanização” do urbanismo parisiense, a melhoria dos transportes e a existência de uma massa de consumidores –, Perrot imputa papéis decisivos à instituição dos preços fixos, herdados dos magasins de nouveautés, e à liberdade de entrada e circulação nos espaços de consumo. Instaura-se uma nova forma de sociabilidade no momento de consumo, já que não é mais preciso perguntar preços ou regatear e o constrangimento no ato da compra, devido à simples presença nas lojas de departamento diminui ou desaparece.
O comércio moderno implica em novas nuances e novas táticas, como incitar o desejo de consumir, estimular as compras impulsivas, estabelecer relações de confiança com os clientes, usar a propaganda para desculpabilizar a compra, oferecer muitos produtos e serviços no mesmo imóvel, criar uma atmosfera sedutora e lúdica com o uso instrumental da arte e da decoração... Além disso, é preciso produzir o extraordinário por meio de um calendário de moda, com lançamentos, exposições sazonais e promoções.
Se a versão moderna do consumo traz em seu bojo a homogeneização oriunda da produção em série, cabe ao mercado dotar as mercadorias de algo além do banal, do comum e do ordinário. O mercado deve ser o reino do extraordinário. A moda não poderia estar mais arejada do que em uma atmosfera como essa, visto que ela pretende ser o reino do especial, do novo, do diferente. Inerentemente moderna, para manter-se e reproduzir-se ela deve ser a negação do mercado moderno e, concomitantemente, reafirmá-lo: deve fugir ao estandardizado, ao conhecido, ao comum. Nela, mercadoria e imaginação se unem e mesmo a reprodução dos produtos originais deve ser imbuída de uma espécie de aura.
Perrot argumenta que a proliferação do artigo confeccionado é manifestação da “era do símile”, caracterizada pela reprodução massiva de modelos autênticos e produtos luxuosos19. Para ele, a confecção seria uma maneira de consumir a cópia do sob medida e também seu valor acessório e secundário, acedendo por simulacro ao mundo do parecer burguês em tudo o que ele significa em termos de comportamento, de modo de vida e de afiliação ideológica. A confecção participaria do “falso luxo industrializado”, constituindo um elemento de socialização e adquirindo papel pedagógico em matéria de postura e moralidade.
Assim, a disseminação da roupa confeccionada – o aburguesamento da aparência notável no “endomingar” das classes trabalhadoras – não atinge somente alvos comerciais. Com os grands magasins, assim como ocorre com as Exposições Universais, os trabalhadores20 ascendem ao universo de um consumo que é também uma “ortopedia mental”, uma moralização estética mediante a interiorização de certas normas do código burguês, como a “correção” ou a “respeitabilidade”, cujos prolongamentos ideológicos auxiliariam no controle social. Nesse sentido, afirma Perrot, será conferida à indústria da confecção uma “missão civilizadora” que deve moralizar as massas e se espalhar pelas províncias, pelo campo e pelos rincões não-ocidentais do mundo. Perrot concebe esse “movimento unificador das aparências” como um movimento de “aculturação”, visto que levaria ao declínio a produção doméstica e ao “desapossamento material e simbólico dos grupos que contamina”21.
A disseminação da moda burguesa possuiria então implicações econômicas, mas também políticas e culturais, funcionando ao mesmo tempo como integração social, por colocar todos em um mesmo código ou standing moral, e como tomada de distância social, ou seja, como escala comum para uma discriminação no interior de uma hierarquia de valores que atribuem à confecção a pecha de vulgar.
A divisão da moda em Alta Costura e confecção faz com que as normas da moda sejam acessíveis a todos, juntamente com o conjunto de valores que ela representa, como a mudança, o novo, o efêmero e a individualidade. A moda carrega ainda consigo os ideais de civilização e de modernidade, mas sua disseminação desigual no espaço, no tempo e nas diferentes classes sociais faz dela um mecanismo de distinção social. Interessante notar a sutileza dessas novas distinções:
Si la consommation vestimentaire exerce son effet de distanciation par le jeu des différences; etablies surtout entre le bon tailleur et la confection, la bienséanse vestimentaire fonctione donc comme discriminant social par le jeu des différences établies entre savoir et ignorance. Mais ces deux tactiques procèdent d’une même stratégie, ces deux institutions produisent et reproduisent um même système d’écarts. Elles visent essentiellement à défendre les dominants de deux désinences d’um même péril: le simili ou l’excès des prétendants [...]. Simile et excès; le “faire-comme” (sur la mode pauvre), ou le “faire trop”(sur la mode riche): voilà la hantise de la bonne societé pour les dangers de confusion qu’ils portent [...] (PERROT, 1981, p.163/4)22.
É construída ainda uma hierarquia temporal e espacial que define a escala das categorias sociais. O que é moda em Paris não o é ainda em outros lugares e isso é útil no escoamento dos excedentes de produção. A moda se constrói tanto se opondo ao démodé, quanto às novidades dos “recém-chegados” e do demi-monde. Ela se torna signo de bom pertencimento social intercalando-se entre o ritmo muito curto das novidades excêntricas e o ritmo muito lento das imitações confeccionadas. A escassez material é parcialmente ultrapassada por meio da confecção industrial, que permite a um maior número de pessoas e classes o consumo de algum tipo de moda. No entanto, no jogo das distinções, é instituída uma “raridade temporal” como quesito de valor social de determinada moda.
Ainda hoje esse jogo está presente no funcionamento da moda, ajudando a definir les dessus et les dessous da sociedade. Assim, falar em democratização da moda significa ocultar a sutileza das novas estratégias distintivas que se instauram graças ao uso diferencial dessas marcas temporais. Pelo lugar ocupado nos degraus da duração de uma moda, que é também um degrau de preço, a roupa ainda significa o estatuto de seu portador, o que revela certa inércia nas estruturas econômicas, sociais e culturais.
Há uma vertente de análise da moda que afirma que essa obsolescência sistemática promovida pela moda atende apenas a objetivos econômicos. Outra concepção igualmente reducionista defende que a criação planejada do novo pela moda é mera expressão de uma espécie de Zeitgeist do mundo moderno. Existem ainda aquelas análises que não fazem mais que engrossar o coro que a considera como mecanismo de distinção social23. Mas há alguns autores que conseguem conceber a moda em suas múltiplas faces: como atividade econômica, como expressão e elemento constitutivo da modernidade, como estratégia de distinção e ainda como uma dominante cultural relevante no mundo contemporâneo. Walter Benjamin, por exemplo, logra captar a complexidade do fenômeno social da moda, vislumbrado-a como um amálgama entre mercadoria e imaginário, indústria e diversão, novo e “sempre-igual”, mito e utopia24.
Torna-se patente, portanto, que o consumo e a moda, assim como a modernidade no âmbito da qual se inscrevem, são compostos por uma dimensão material e também por um substrato simbólico, cultural. Sendo assim, tentamos evitar
as perspectivas reducionistas ou deterministas com o propósito de compreender a modernidade como tensão, visto que os fenômenos, processos e relações sociais que se desenrolam em seu seio são multifacetados, contraditórios.
Assim, para além de seu conteúdo específico, o presente artigo pretendeu suscitar uma reflexão de cunho epistemológico, ao revelar que o estudo de objetos contraditórios ou ambíguos, como a moda e o consumo, deve buscar respeitar tais ambigüidades e contradições históricas. Os objetos aqui discutidos são perpassados por tensões que podem ser expressas por pares de opostos, a um só tempo antagônicos e complementares: liberdade e coerção, homogeneização e diferenciação, distinção e anonimato, afirmação e negação do indivíduo, objetividade e subjetividade, mercadoria e sonho, material e simbólico. Parece-nos que o grande desafio é, mesmo sabendo ser impossível captar e compatibilizar todas as nuances que compõem um determinado contexto ou um determinado objeto de estudo, não abdicar de tentar apreendê-las e levá-las em consideração na análise.
01 “Chaque époque rêve la suivant”. A afirmação é retomada de Michelet.
02 Segundo MARINAS (2001, p.17), “el consumo no es la compra: abarca escenarios y dimensiones que [...] lo convierten en un hecho social complejo que recorre la totalidad de nuestra vida”. Tal concepção leva esse autor a considerar o consumo como “fato social total” - tal qual este é teorizado por Marcel Mauss -, visto que a economia, a cultura, a formação individual e, assim, a própria sociedade são grandemente influenciadas pela esfera do consumo, seja como atividade objetiva, seja como configuração cultural.
03 Atualmente, em tempos de globalização da economia e de mundialização da cultura (ORTIZ, 1996), Paris não pode ser considerada como a única capital mundial da moda, devido à importância que adquirem centros como Londres, Nova Iorque e Milão, por exemplo. Esse processo merece ser investigado mais detidamente, contudo, não seria possível fazê-lo aqui. De qualquer maneira, é conveniente destacar que, embora a moda já não pareça contar com uma única força centrípeta hegemônica, Paris continua sendo uma referência principal no setor.
04 Não há, na bibliografia especializada, consenso sobre as datas e locais de surgimento da moda.
05 Talvez falar em “moda moderna” seja uma espécie de pleonasmo, visto que a moda e a modernidade são elementos imbricados. Nesse sentido, é bem possível que falar em “moda” antes da abertura da sociedade às disputas de classe constitua um anacronismo. A noção de moda poderia ser contraposta a de ancien régime vestimentaire, quando as aparências eram reguladas por lei. Assim, por definição, talvez não seja apropriado falar em moda no Antigo Regime.
06 [...] inércia e imobilidade, sobretudo no que concerne às classes populares e aos meios rurais; a coincidência entre vestimenta e posição social; a vontade de controlar, que dita às autoridades as leis suntuárias e a todos as normas de etiqueta e de bons usos. (tradução livre).
07 ROCHE (1989, 1997) estabelece uma análise das dificuldades de vocabulário encontradas ao se estudar o tema da moda. Para ele, l’habillement é o ato individual de vestir, por meio do qual cada indivíduo se apropria do que é proposto pelo grupo. Já os termos costume e vêtement referem-se a realidades mais propriamente sociais, dizendo respeito a um sistema formal, normativo, consagrado pela sociedade. Entre os dois últimos, o autor prefere o emprego de vêtement, posto que designaria “tudo o que serve para cobrir os corpos, enquanto a noção de costume seria ainda mais ampla e ambígua, designando “verdade de maneira” e de “hábito”, respectivamente modo de comportamento e modo de vestir. Considerando essa e outras dificuldades, adotamos uma tradução livre no presente trabalho.
08 Historicamente as esferas do luxo, do vestuário e da etiqueta foram concebidas como sinônimos de civilização.
09 [...] contra a obrigação da redistribuição, o poder da acumulação e do enriquecimento; contra o peso do costume e da tradição, a força da escolha e da renovação; contra a crença que o luxo deve ser reservado às manifestações do poder e da classificação que dita as precedências em matéria de vestimenta, a certeza liberal das capacidades, a utilidade econômica e moral do consumo. A moda se inscreve de agora em diante entre a coação (constrangimento) e a liberdade. (tradução livre).
10 Nenhuma pessoa poderá constranger nenhum cidadão ou cidadã a se vestir de uma maneira particular, sob pena de ser considerada e tratada como suspeita e perseguida como perturbadora da paz pública; cada um é livre para usar a roupa ou ornamento conveniente a seu sexo (tradução livre do decreto lançado pela Convenção em 29 de outubro de 1793 - 8 brumaire an II).
11 PERROT (1981, p.43) indica que a evolução das substâncias e formas das vestimentas encontra-se sensivelmente ligada à evolução técnica e às variações geo-comerciais dos têxteis e tinturas. No entanto, ele argumenta também que, às vezes, a aparição de novas representações (como a criança no século XVIII) e de novos usos (como a bicicleta no final do século XIX) ou de novas condições sociais (como o trabalho das mulheres no século XX) levam a novas silhuetas e novas formas nas quais a influência das condições históricas é flagrante. No entanto, o mesmo autor destaca que a Revolução Francesa modifica a roupa masculina, mas não a feminina. Desse modo, o contexto histórico e as condições políticas de uma época nem sempre se inscrevem diretamente nas formas da moda exibidas na época.
12 ORTIZ (1991) destaca que, na Idade Média, o fausto era coletivo. Com a emergência do poder monárquico, esse luxo impessoal se individualiza, mas liga-se à necessidade de representar um papel social, tornando-se signo da “superioridade” e do poder e monárquico e aristocrático. Já na era burguesa, o luxo se vincula mais ao consumo individual e mesmo a satisfações “subjetivas”, embora ainda detenha função de emulação social e, portanto, de prestígio. No momento em que o consumo se torna uma atividade “massiva”, vem a público a idéia, defendida por Georges d’Avanel, de uma “democratização do luxo”. No entanto, WILLIAMS (1991, p.102) contra-argumenta que o luxo não pode se democratizar porque, por definição, ele é uma forma de consumo limitada a poucos. Assim, a autora afirma que a sociedade moderna promove a “proliferação da superfluidade”, mas não a democratização do luxo.
13 Existe na historiografia da moda uma indicação de que, no período revolucionário, houve mudanças significativas na moda no sentido de uma retomada dos modelos “clássicos” da antiguidade grega, bem como da valorização de uma maior liberdade de movimentos, expressa no uso do vestido tipo camisola. No entanto, essa maior liberdade de movimentos durou pouco e logo é restabelecida a ornamentação característica da moda anterior à Revolução, culminando na crinolina da “Era Vitoriana”. BRAGA (2004) estabelece uma descrição concisa, porém panorâmica, da evolução estética das modas no século XIX.
14 O impulso da indústria têxtil, o desenvolvimento considerável do mercado de confecção, o impacto inaudito dos grandes magazines que a distribuem abundantemente, o declínio correlato do comércio multissecular de roupas usadas e uma ascensão dos níveis de vida serão as primeiras condições de um processo que generalizará o “aburguesamento” das aparências. (tradução livre).
15 No século XIX o triunfo da burguesia trará o triunfo de seu modo de vestir, fazendo-o atravessar classes e oceanos, impondo progressivamente, com sua ordem econômica, política e moral, seu código de se vestir em todas as suas implicações comerciais e ideológicas. (tradução livre).
16 A moda entrou em uma nova fase econômica durante a segunda metade do século XIX, o período do ‘alto capitalismo’. A produção tradicional de roupa se desenvolve em duas direções: a grand couture (produções exclusivas de grandes costureiros como Worth e Madame Paquin) e a confecção (produção em massa de roupas prontas). (tradução livre).
17 É à emergência da confecção, produto típico da produção em massa na qual figura a cópia industrial de um modelo já existente e sua reprodução mecânica, que se opõe a cada dia esse valor raro do sob medida, criado e consagrado pelo oligopólio dos alfaiates e costureiras de renome. No entanto, essa oposição se apresenta de maneira mais complementar que antagonista, na medida em que cada um de seus termos produz e reproduz o jogo dos sinais distintivos que se inscrevem em uma mesma hierarquia, classificando diferentemente a autenticidade do sob medida e o símile da confecção em nome de valores comuns. E esses dois produtos só existirão um pelo outro, na interdependência de seu mercado respectivo. (tradução livre).
18 Nesse ínterim, talvez seja interessante indicar que a idéia de se costurar através de uma máquina surgiu por volta de 1760 e passou muito tempo despercebida. Inúmeros inventores desenvolveram projetos e patentearam modelos de máquinas de costura, de modo que nenhuma pessoa pode ter isoladamente o crédito total pelo invento. No entanto, a primeira patente de uma máquina de costura eficiente, com potencial industrial, teria sido depositada por Isaac Merrit Singer em 1851. IN: www.singer.com.br. Acesso em 02/03/2009.
19 A criação das grifes ou marcas, já no século XX, representa o momento de racionalização dessa tentativa de dotar de unicidade o produto produzido em série.
20 ORTIZ (1991, p.144 e segs) destaca que “uma parte considerável da população francesa encontra-se excluída do acesso aos novos bens de consumo. As lojas de departamento não eram freqüentadas pelos operários ou camponeses; elas se dirigiam fundamentalmente à burguesia e às classes médias [...] a sociedade francesa, na virada do século [XIX ao XX] aciona um sistema de produção de bens materiais sem precedentes, mas ele não se constitui globalmente como uma sociedade de consumo. Dele são excluídos segmentos importantes da população. Porém diante do ritmo imposto pelo industrialismo, os que vivem esse momento percebem com clareza uma rotação do eixo histórico”.
21 Esse processo não decorre sem suscitar resistências. A emergência dos trajes regionais típicos seria uma resposta ao movimento de expansão do vestuário burguês.
22 Se o consumo de roupas exerce seu efeito de distanciamento pelo jogo das diferenças, estabelecidas sobretudo entre a boa alfaiataria e a confecção, o bom gosto em matéria de vestimenta funciona então como discriminador social através do jogo de diferenças estabelecidas entre saber e ignorância. Porém, essas duas táticas advêm de uma mesma estratégia, essas duas instituições produzem e reproduzem um mesmo sistema de criação de distâncias e separações. Elas visam essencialmente defender os dominantes de duas desinências de um mesmo perigo: a cópia ou o excesso dos pretendentes. Cópia e excesso, o ‘fazer igual’ (sobre a moda pobre) ou o ‘fazer demais’ (sobre a moda rica): eis o medo da boa sociedade em relação aos perigos de confusão que eles trazem. (tradução livre).
23 Se, no presente trabalho, carregou-se nas tintas ao versar sobre o caráter distintivo da moda não é porque consideramos esse seu único ou principal aspecto. Essa dimensão foi privilegiada porque nosso foco principal é a moda nascente e seus desenvolvimentos no século XIX e, nesse momento, a dinâmica da moda foi sobremaneira influenciada pelas disputas distintivas entre aristocracia e burguesia e depois pelas tentativas burguesas de se distanciar da classe trabalhadora.
24 Essa mesma perspectiva está presente nas análises benjaminianas sobre as Exposições Universais, as quais também constituem um objeto de reflexão para se entender como se desenvolveu a organização social e cultural calcada na noção de consumo. Para um estudo mais detalhado sobre o assunto ver PESAVENTO (1997) e ainda ORY (1982). Sobre as análises benjaminianas acerca das relações entre moda e modernidade ver MICHETTI (2009), bem como a bibliografia que embasa tal texto.
Benjamin, W. Paris, Capital do século XIX. In: KOTHE, F. (org). Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1991.
BENJAMIN, W. Moda. IN: BOLLE, W. (org). Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.
BRAGA, J. História da Moda: uma narrativa. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2004.
LIPOVETSKY, G. O Império de Efêmero. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
LIPOVETSKY, G. & ROUX, E. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
MARINAS, J. M. La fábula del bazar: orígenes de la cultura del consumo. Madrid: La Balsa de la Medusa, 2001.
CHETTI, M. Sobre a moda: uma abordagem benjaminiana. IN: BUENO, S.F. (org).
Teoria Crítica e Sociedade Contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 2009.
ORTIZ, R. Cultura e modernidade: a França no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1991
ORY, P. Les expositions universelles de Paris. Paris: Éditions Ransay, 1982.
PESAVENTO, S. J. Exposições universais: espetáculos da modernidade do século XIX. São Paulo: Hucitec, 1997.
PERROT, P. Les dessus et les dessous de la bourgeoisie: une histoire du vêtement au XIXe siècle. Paris : Fayard, 1981.
PERROT, P. Le travail des apparences: ou les transformations du corps féminin XVIIIe – XIXe siècle. Paris : Editions du Seuil, 1984.
ROCHE, D. La culture des apparences: une histoire du vêtement XVIIe- XVIIIe siècle. Paris: Fayard, 1989.
ROCHE, D. Histoire des choses banales: naissance de la consommation XVIIe – XIXe siecle. Paris : Fayard, 1997.
SIMMEL, G. A moda. IN: ______.. Fidelidade, gratidão e outros textos. Lisboa: Relógio d’água Editores, 2004.
SOUZA, G. M. O Espírito das Roupas: A Moda no século XIX. São Paulo: Cia da Letras, 1996.
STEELE, V. Paris fashion: a cultural history. New York: Oxford University Press, 1999
VEBLEN, T. A Teoria da Classe Ociosa. São Paulo: Pioneira Editora, 1965.
WILLIAMS, R.H. Dream Worlds: mass consumption in late nineteenth-century France. Los Angeles: University of California Press, 1991.
ZOLA, E. O Paraíso das Damas. São Paulo: Cia Brasil Editora, 1956.
Revista Proa
Nenhum comentário:
Postar um comentário