domingo, 16 de maio de 2010

Um retrato onírico da América


Um retrato onírico da América
Em Cem anos de solidão, Gabriel García Márquez constrói a base sólida do Realismo Fantástico através da história da malfadada estirpe dos Buendía.


Gabriel García Márquez
Nascido em Aracataca, na Colômbia, em 1926, Gabo, como é conhecido, viveu por muitos anos na casa dos avós maternos, de onde vieram as inspirações basais da maior parte de seus romances e contos. Tendo abandonado o Direito para se dedicar completamente à carreira de escritor, Márquez passou a maior parte de sua vida se dedicando ao jornalismo e à literatura. Morou por muitos anos na Europa, nos EUA e no México, e hoje vive em Cuba, sendo, aliás, amigo íntimo de Fidel Castro. Em abril deste ano, García Márquez decidiu que não escreveria mais livros e anunciou sua aposentadoria.


Prêmio Nobel de Literatura e um dos maiores escritores de Língua Espanhola de todos os tempos, Gabriel García Márquez inaugurou uma nova forma de contar histórias assim que resolveu meter-se com as letras. No entanto, é em Cem anos de solidão que se pode notar o amadurecimento completo da técnica narrativa do autor, que mescla a dura realidade da vida na América Central à atmosfera fantástica que aquela terra, ainda tão virgem e selvagem, suscita nas mentes dos que só a conhecem de ouvir falar.

Em seu ensaio Cien años de soledad. Realidad total, novela total, Mario Vargas Llosa afirma que a obra-prima de García Márquez é um microcosmo que reflete toda a trajetória da América colonizada, desde a chegada dos europeus até a hecatombe da perda de tudo que foi construído através dos anos e do sumiço de toda a humanidade.

O patriarca José Arcádio Buendía, tal qual um Moisés, conduz seu povo através dos pântanos caribenhos e acaba por chegar àquela que lhes será a terra prometida, a mítica e etérea Macondo, que se inicia no mundo com nada mais vinte casas de barro postadas em um lugar onde o mundo é tão novo que certas coisas ainda não têm nome e precisam ser apontadas com o dedo. Ao povoado chegam os ciganos, que trazem consigo ímãs e gelo, para serem exibidos como se fossem artefatos mágicos, o que, de fato, são para os habitantes dessa terra que ainda têm olhos inocentes, pois nada aconteceu ainda. Com os ciganos vêm os árabes, que contribuem para com a magia de Macondo, e o velho Melquíades, misto de sábio e alquimista, que guiará as empresas amalucadas do patriarca da família.

Macondo e a família dos Buendía seguem caminhos paralelos no livro: a estirpe vai crescendo, o povoado também. Estranhos se imiscuem na hospitalíssima casa, guiados pela forte e enérgica matriarca Úrsula, enquanto imigrantes vão chegando e se instalando nas terras áridas do lugar. Macondo vai se ampliando e se tornando o mundo real, mas sem jamais perder o caráter mágico que é encarado por todos os seus habitantes como o normal de cada dia.

Os Buendía vão se proliferando numa árvore genealógica complexa, em que os nomes se repetem exaustivamente, sem que o mesmo aconteça com as pessoas: cada Buendía é um astro no microcosmo de Macondo, com uma história única e pungente que figura no rol da grande sina da família dos fundadores: nunca entender ou gozar completamente o amor. Cada Buendía, a seu próprio modo, ou foge alucinadamente desse sentimento ou o busca com tanta loucura e ímpeto que o que encontram nunca lhes é o bastante.

Em Cem anos de solidão, Márquez reconstrói o universal através do particular, numa perspectiva completamente diferente de tudo o que já se havia visto na literatura até o lançamento do livro, e Macondo caminha vagarosamente, com os Buendía em seu seio, de sua gênese até o trágico final.

Revista Literatura

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