Império conquistado: soldados soviéticos erguem bandeira vermelha no topo do 'Reichstag'
Foram quase dez horas de um assalto implacável, com infantaria, divisões armadas e aéreas do Exército Vermelho corroendo cada tijolo do imponente Reichstag. Quando a nebulosa tarde berlinense de 30 de abril começava a cair, o bombardeio cessou e os homens do marechal Georgi Zhukov invadiram a sede do Reich - àquela altura, tal e qual o regime que simbolizava, já praticamente em ruínas. Lutando pela posse de corredores e salões contra uma resistência voluntariosa porém exausta, os soldados bolcheviques impuseram-se sem sobressaltos. No início da noite, com o controle total e definitivo da edificação, os sargentos M. A. Yegorov e M. V. Kontary galgaram até o topo do prédio e desfraldaram, triunfantes, a bandeira da União Soviética em uma das torres.
Tremulando nos céus de Berlim, a foice e o martelo, que ceifaram e esmagaram a defesa da capital alemã após uma inapelável campanha de apenas nove dias, prenunciavam também a iminente queda do império tedesco do mal. Humilhada e subjugada quase por completo, a orgulhosa Alemanha Nacional-Socialista ainda insistiu em resistir. Inútil. Órfã de Adolf Hitler, que saíra de cena na surdina com um providencial suicídio, a impotente Wehrmacht rendeu suas forças na Alemanha, Países Baixos e Dinamarca no último dia 4. Três dias depois, o general Alfred Jodl, do Alto Comando Germânico, assinou a rendição incondicional de todas as forças na terra, no mar e no ar que estavam até aquela data sob o controle alemão.
Sete de maio de 1945. Das ende para o Terceiro Reich, fim da brutal máquina de assassínios idealizada por Hitler mais de uma década atrás. "As Forças Armadas e o povo alemão sofreram mais do que talvez qualquer outra nação no mundo", afirmou Jodl, um dos conselheiros militares mais próximos de Hitler, numa covarde tentativa de angariar pena. "Posso apenas manifestar a esperança de que os vitoriosos os tratarão com generosidade." A capitulação foi assinada em Rheims, na França, às 2h40 da manhã, no primeiro andar do sobrado do College Moderne de Garçons, onde os petizes franceses antes disputavam concorridas partidas de tênis de mesa. A cerimônia, que determinou o cessar-fogo tanto no front soviético quanto no europeu ocidental, contou com a presença do general Suslaparov, representando a União Soviética, do general Bedell Smith, do comando Aliado de Eisenhower, e do general Sevez, da coadjuvante França.
Além de genuflexa, a Alemanha agora se encontra acéfala. O almirante Karl Dönitz, apontado por Hitler como seu sucessor e alcunhado Führer de Flensburg, foi preso em 23 de maio na própria Flensburg, ao lado de outros membros de seu comando. Heinrich Himmler, exterminador dos judeus, foi capturado por uma patrulha próximo a Hamburgo, mas cometeu suicídio enquanto era examinado por um médico britânico. Albert Speer, Ministro dos Armamentos e da Produção de Guerra, também acabou apanhado - e não fugiu à responsabilidade. O antigo confidente de Hitler foi abordado quando estava no banho, em Schloss Glucksburg, e não ofereceu resistência. "Uma boa coisa", afirmou, quando o aliado anunciou a voz de prisão. "Tudo estava sendo apenas uma encenação mesmo." ...
Capital escarlate - Marco zero do militarismo nazista - de onde Adolf Hitler iniciou sua sanguinolenta jornada em busca da hegemonia européia e mundial - Berlim, nos sonhos do Führer, seria o símbolo arquitetônico do triunfo tedesco. Por isso mesmo, sua queda era vista pelos Aliados como um golpe fundamental não só para enfraquecer as Forças Armadas Alemãs como também para solapar de vez o que restava do moral teutônico. O Exército Vermelho havia começado a campanha por Berlim em janeiro deste ano, e a primeira fase fora completada com sucesso pelos marechais soviéticos Georgi Zhukov (comandando o 1º Front Bielorrusso) e Ivan Konev (1º Front Ucraniano). Em fevereiro, ambos encontravam-se às margens do rio Oder, 57 quilômetros a Leste de Berlim.
Josef Stalin, porém, protelou o início da segunda fase do ataque, permitindo que Hitler agrupasse as sobras da 3ª Terceira Divisão Panzer e do 9º Exército sob um novo epíteto: Grupo de Exército Vistula. Enquanto não recebia a ordem do líder soviético para seguir rumo a Berlim, Konev aproveitou uma oportunidade de atacar a 4ª Divisão Panzer pelo rio Neisse, em fevereiro; exitosa, a manobra logrou criar também uma ameaça de invasão a Berlim pelo Sul. O Führer, então, determinou que a salvaguarda da cidade fosse feita em quatro círculos concêntricos de defesa. O anel mais externo ficava a 32 quilômetros do centro, enquanto o mais interno agrupava o distrito governamental e o Führerbunker, a toca do lobo nazista. E prescreveu: "A defesa de Berlim será feita até o último homem e o último disparo."
Em 31 de março, ressabiado com o avanço dos americanos e britânicos a Oeste do Reno, Stalin ordenou o reinício do ataque à Alemanha. Zhukov seria brindado com a honrosa tarefa de tomar Berlim - marchando em linha reta, sentido Leste-Oeste - , enquanto Konev, além de apoiá-lo pelo flanco esquerdo, atacaria Dresden. Já o 2º Front Bielorrusso, sob o comando do marechal Konstantin Rokossovsky, apoiaria Zhukov pelo flanco direito. As primeiras investidas do Exército Vermelho foram bravamente defendidas pelos germânicos, fazendo Stalin mudar os planos. Zhukov atacaria a cidade pelo Norte, com Konev e Rokossovsky pressionando ao Sul.
Três dos exércitos de Georgi Zhukov alcançaram o primeiro anel defensivo de Berlim entre 21 e 22 de abril; o círculo foi fechado com a chegada da armada de Konev, no dia 25. Hitler tentou chamar reforços, mas sua mais confiável guarnição, o 9º Exército, estava igualmente cercada. O Führer também apelou para o 12º Exército do general Walther Wenck, que, como força militar, existia apenas na cabeça do líder alemão: o destacamento, que incluía adolescentes da Juventude Hitlerista, nem sequer conseguiu assustar as tropas soviéticas que já dominavam o anel externo de Berlim. A cidade ficou defendida por soldados em pandarecos, refugos de batalhas anteriores, e por idosos e jovens recém-convocados.
No dia 29 de abril, o comandante da cidade, tenente-general Karl Weidling, reportou ao comando da Wehrmacht que possuía munição para apenas mais um dia de combates. Do lado de fora dos anéis, o chefe do Alto Comando das Forças Armadas, marechal-de-campo Wilhelm Keitel, informava que as tentativas de levar tropas ao socorro de Berlim não progrediam. Em 30 de abril, o Reichstag é tomado pelo Exército Vermelho. Dois dias depois, Weidling anuncia oficialmente a rendição da cidade. Acabava a batalha por Berlim. A Alemanha não aguentaria o golpe. ...
Europa livre - No momento da assinatura da rendição incondicional das forças alemãs do Ocidente, em uma tenda no pântano de Luneberg, o almirante Hans Georg von Friedeburg, emissário de Dönitz, trouxe um pedido pouco usual ao marechal Bernard Montgomery. O alemão desejava que a rendição das divisões Panzer, esmigalhadas nas batalhas contra os soviéticos, fosse feita aos britânicos, assim como a dos civis nas redondezas de Berlim - para isso, claro, o Exército Vermelho deveria permitir a passagem dos oponentes por suas linhas de combate. Montgomery rejeitou a idéia, afirmando que os soldados que lutavam contra os russos deveriam render-se aos próprios. Von Friedeburg foi às lágrimas.
Mais de 500.000 soldados se renderam, somando-se aos outros 500.000 que haviam sido tomados como prisoneiros entre 3 e 4 de maio. Cinco dias depois, Praga, a última capital européia sob o jugo nazista, foi libertada, também pelas mãos do Exército Vermelho. Os soviéticos chegaram ao auxílio dos guerrilheiros tchecos, que travavam feroz batalha contra os oficiais da SS desde o anúncio da rendição tedesca, não obedecida pelos soldados nazistas lotados na cidade. No mesmo dia 9, as Ilhas do Canal, havia cinco anos ocupadas pelos alemães, voltaram às mãos britânicas. O mácula nazista fora removida de vez do continente. De acordo com a profecia de seu arquiteto-mor, Adolf Hitler, o Reich se estenderia ao longo de 1.000 anos. Sobreviveu por pouco mais de duas décadas - tempo irrisório quando comparado à pretensão do Führer, mas suficiente para provocar chagas indeléveis na história do Velho Mundo. VEJA, Maio de 1945
Revista Veja na História
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