sábado, 8 de maio de 2010

O açúcar nas ilhas portuguesas do Atlântico séculos XV e XVI


O açúcar nas ilhas portuguesas do Atlântico séculos XV e XVI

Joaquim Romero Magalhães
Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Faculdade de Economia. Av. Dias da Silva, 165, 3004-512 - Coimbra - Portugal. jromero@fe.uc.pt


RESUMO

A expansão marítima portuguesa teve, em suas possessões nas ilhas do atlântico, um ponto estratégico para a implantação de um sistema de colonização assentado na exploração comercial de determinados bens primários, dentre eles destaca-se o açúcar. Enquanto em algumas ilhas a cana-de-açúcar mostrou-se inviável, em outras foi uma importante fonte de renda, principalmente na exportação do produto para a Europa. A escravidão foi um dos alicerçes essencial do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo tranferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou mais vantajosa economicamente.

Palavras-chave: açúcar, povoamento, escravidão, comércio internacional


Tomada Ceuta em Marrocos, no estreito de Gibraltar, em 1415, em breve os portugueses se lançam no Oceano Atlântico, reconhecendo terras que não ficavam muito longe. Por 1418 chegam a uma ilha a que chamam Porto Santo, no ano seguinte a uma outra a que dão o nome de Madeira – nome que já aparecia em mapas anteriores. Ilhas de origem vulcânica, sem ocupação humana. E o mesmo acontecia também nas ilhas dos Açores, reconhecidas a partir de 1427. Área alargada, que permite uma nova apreciação (ainda que difusa) do Atlântico próximo como sem dificuldade podendo ser incorporado nos domínios do rei de Portugal. Amplia-se a concepção do espaço político, militar e económico sobre que começa a estender-se a soberania portuguesa. Soberania sobre as ilhas a que o papado confere legitimidade ao entregar a sua administração espiritual à Ordem de Cristo.

Alguns homens da casa do infante dom Henrique – aos quais se deve a redescoberta das ilhas – por lá pretenderiam fixar-se desde cedo. E para organizar esse colonização o rei dom João I vai delinear logo por 1426 um novo quadro legal. O monarca – ou algum letrado, como o vedor da fazenda real João Afonso – define à partida o ideal de uma sociedade bem diferente da do reino. A propriedade da terra seria plena, forra, sem pensão alguma, e distribuir-se-ia sem condições pelos de maior qualidade. Também caberiam, "rezoadamente", aqueles que, embora vivendo do seu trabalho, dentro de dez anos promovessem o aproveitamento de terras que lhes fossem distribuídas. Este estrato mais humilde também recebia a terra em regime de propriedade plena, por concessão de sesmarias, velho processo português de proceder à sua distribuição, garantindo que os solos seriam arroteados e aproveitados. Sob pena de retorno à Coroa caso não fossem postos em cultura. Com isto se terá querido assegurar que na nova ilha se constituiria uma estrutura fundiária de média e pequena propriedade plena. Divisão da posse dos solos a que a difícil e acidentada orografia era de algum modo favorável. Porque apenas nos vales, em solos de aluvião, a terra permite a agricultura. Aos que não tivessem "possanças" para o cultivo, ou perdessem a terra por não a terem cultivado no prazo da concessão, ficavam em aberto outras actividades. Para a comunidade dos habitantes se assegurava o uso das madeiras, frutas, pastos, rios e ribeiros, para todo o sempre.

Situação que se queria nova,1 a de uma fértil ilha a que se pretendia atrair gente, sem que nela ficasse a pesar a brutal subordinação aos senhores como acontecia em Portugal – e na Europa em geral. Sociedade que se antevia "não demasiado desigual".2 Pouco durou este propósito, embora alguma coisa dele tivesse ficado.

Em 1433 o rei – agora dom Duarte – concede o senhorio das ilhas a seu irmão o infante dom Henrique. A dependência directa dos povoadores à Coroa desaparecia, interpondo-se um senhor com extensos poderes. Que mais depressa quer ver os resultados da colonização, pelo que as terras de sesmaria passam a ter um limite de cinco anos para o seu aproveitamento. Porém o príncipe não pretendia deslocar-se para as ilhas e dirigir em pessoa o povoamento que se iniciava. E delega em homens nobres da sua casa as necessárias tarefas de organizar e administrar as novas terras. Virão assim a ser criadas as capitanias de Machico para Tristão Vaz Teixeira (1440), de Porto Santo para Bartolomeu Perestrelo (1444) e finalmente a do Funchal para João Gonçalves Zarco (1450). A estes capitães dom Henrique entrega a jurisdição do cível e do crime, com as limitações que a ele mesmo eram postas. Como ainda a posse exclusiva de moinhos e de fornos. Os capitães receberiam a décima parte das rendas do senhor. Competia-lhes também continuar a distribuição de terras em sesmaria, ou a sua retirada aos que não as tivessem cultivado nos prazos previstos.3

Como sempre em terras novas, tentam os colonos introduzir os cultivos a que estavam habituados e que mais falta faziam à sua acostumada alimentação. Cortando primeiro as árvores que revestiam a ilha. O que não se revelou fácil. Porque tem esta ilha

tantos matos e rochas, tantos montes e grotas, que afirmam todos que, das dez partes da ilha, não aproveitam as duas, porque a maior parte dela são serranias, terras dependuradas, rochas e grotas e ladeiras, e não há terra chã, senão a bocados, mas esses são tais, que valem mais que outro tamanho ouro; e, geralmente, não tem preço a substância, que tem todas as coisas, que esta ilha de si está produzindo, quer por natureza, quer com arte.4

A produção trigueira logo se revelou muito boa, e de alta produtividade. Por uma semente colhem-se 60 a 70 grãos. Exagero dos primeiros cronistas? É bem provável. Apesar de nela se dar "o mais formoso trigo do mundo", anos andados já se diz que a produtividade é de 1 para 15.5 A "fertilidade e frescura da ilha" ficava bem provada. Em especial dela se louvavam as "muitas ribeiras e fontes d'água de que a terra era abundante".6 Desta ilha, "como das outras, sentiram os nossos reinos grandes proveitos, a saber: de pão e açúcar; e mel e cera; e madeira e outras muitas cousas".7 Poucos anos depois de iniciado o aproveitamento agrícola, a Madeira contribui para o abastecimento de trigo a Portugal e mesmo a Ceuta. Foi a primeira manifestação de êxito da colonização empreendida. Mas o trigo em breve será parcialmente substituído. Em favor de uma outra produção de maior lucro.

Cedo se experimenta a cultura da cana-de-açúcar. Com plantas vindas do Mediterrâneo, como se supõe. É provável que no sul de Portugal, no Algarve, se tivesse plantado a cana doce e se tivesse produzido açúcar antes mesmo da reconquista (meados do século XIII). A longa dominação muçulmana assim o leva a pensar. Há vestígios mesmo de exportação para o norte europeu. Mas não teria a produção atingido uma grande pujança, a ponto de caracterizar uma região em que os frutos secos (figos, amêndoas e passas de uvas) tinham a primazia. Já sob domínio português, em 1404, sabe-se que em Quarteira (no Algarve) se cultivava a cana, numas terras coutadas a "mice João da Palma mercador genovês".8 Mas não é de supor que fosse uma região canavieira, sobretudo pela dificuldade de se conseguir água em abundância. Seriam casos isolados, tentativas, não uma cultura generalizada. Durante a primeira metade do século XV, noutras regiões de Portugal como os campos de Coimbra também se achava cana plantada, difusão que deve datar dessa mesma centúria.

Apropriado se mostrou o clima e o solo da ilha da Madeira para esta produção: "porque é terra tão fértil que em cima de qualquer rocha ou pedra que cobrir dois ou três dedos de terra e tenha água logo faz cana de 18 palmos de açúcar".9 Por iniciativa do infante dom Henrique, que teria ordenado que se fizessem canaviais,10 novas e melhores plantas teriam sido trazidas de Sicília ou de Valência, que depressa se desenvolveram sobretudo na fachada sul da ilha. O que depois exigiu trabalhos de grande empenhamento e dureza. Porque nem sempre por essas bandas abundava a água e havia que fazê-la chegar de onde era mais abundante – na fachada norte, de clima atlântico –, à fachada sul, subtropical, onde se cultivava a cana. Para o conseguir construíam-se levadas por onde a água corria de norte para sul, através das serranias. Assim se conjugava a necessária água para rega com a temperatura-ambiente obtendo-se o desejado género. Que também cedo começa a ser usado para fazer confeitos e outros mimos de conservas doces.11

Nas pequenas produções dos inícios usavam-se as alçapremas, em que, à mão, se moía a cana. Anos andados, em 1452, ao senhor da ilha, dom Henrique, se deve o investimento num "engenho d'água (...) para se nele fazer açúcar" – antes, o mesmo infante já possuía um lagar. O senhorio ficaria a receber um terço do produto da laboração, sem nada entregar em troca. Nesses aparelhos se moeria toda a cana, reservando-se autorizar a feitura de outros, se lhe aprouvesse e tal se revelasse indispensável.12 Era simplesmente um tributo que os lavradores tinham de pagar ao detentor do monopólio da fabricação. Elevadíssimo. Os testemunhos contemporâneos enaltecem a actividade açucareira que ao príncipe devia o decisivo impulso. Que em breve quer comerciar. Conta o veneziano Luís de Cadamosto que vindo da sua pátria e chegado numa galé ao Cabo de São Vicente, no Algarve, servidores do infante vieram "com algumas amostras de açúcar da ilha da Madeira, e de sangue de drago e outras boas coisas também trazidas dos lugares e das ilhas do sobredito senhor".13 Passava-se isto em 1454. Ainda mal começara e já o açúcar era mercadoria considerada importante para ser vendida. A produção no entanto não seria bastante para começar a avultar na exportação. Ainda nada de muito volumoso, mas que já se revelava interessante: aí uns 23 mil kgs. seria o que se apurava.14 Os bons resultados naturalmente desencadeavam o aumento do cultivo na ilha. Com algumas tentativas de exportação, desde cedo. Pelo menos em 1456 já há sinais de açúcar da Madeira na alfândega inglesa de Bristol.15

Se não foi lento, o povoamento da Madeira, também não terá sido muito célere. E os colonos que chegavam, com o atractivo de passar a proprietários de sesmarias, não estariam dispostos ao trabalho em canaviais alheios. Por isso se torna premente dispor de mão-de-obra. E aí estavam agora as Canárias e a África ocidental próximas para fornecer escravos para o penoso trabalho. A captura de nativos Guanches canarinos teria nessa actividade um estímulo determinante. E também de negros africanos. Que eram apanhados nas costas de África e vendidos na ilha. Os navios que para lá se deslocavam saíam de Portugal fazendo escala na Madeira "para receberem suas vitualhas". Em contrapartida, esses mantimentos – nomeadamente trigo – eram pagos com o produto da venda dos escravos ou outras mercadorias africanas. Tratos em que os colonos da Madeira participavam, armando caravelas para os resgates.16

Assim a cana-de-açúcar se liga cedo com a escravidão. Mas não vai ainda a Madeira conhecer uma agricultura de plantação. A primitiva partilha das terras não deixara de marcar a distribuição da propriedade. E por isso não se formaram grandes unidades, que exigissem uma mão-de-obra muito numerosa. Pequenas e médias eram as áreas que cada lavrador cultivava, mesmo se não demorou a que alguns começassem a concentrar a propriedade dos campos. Enquanto, por outro lado, as sucessões obrigavam a fragmentação da posse das terras. E que a separação entre o domínio útil e o domínio directo fosse introduzida com a enfiteuse, em seguida à doação do senhorio ao infante dom Henrique. Mas o açúcar, então produto raro e caro, começa a mostrar-se muito mais rentável do que o trigo. Em 1467 os moradores afirmam que "tinham vontade e com ajuda de Deus entendiam fazer daqui em diante novamente muitos açúcares e aproveitar muita terra em eles". Novamente significa pela primeira vez, que não uma continuação ou renovação.17 No ano seguinte já se encontra açúcar da Madeira à venda no mercado flamengo de Bruges. E famoso ficou ele em breve por toda a Europa. A notícia da Crónica de Nuremberg, de Hartman Schedel (1495), assim o diz: a ilha da Madeira "produz vários frutos, principalmente a cana sacarina, que traz à ilha consideráveis lucros, inundando a Europa de óptimo açúcar, que é conhecido por açúcar da Madeira".18 Às primitivas alçapremas e aos engenhos de água juntam-se ainda os trapiches de bestas, moinhos de tracção animal. Utensilagem melhorada que vai permitir o crescimento da produção e o seu lançamento no mercado internacional, fazendo concorrência ao açúcar da Sicília e do Levante.19

O espaço insular vai especializar-se e ganhar uma dinâmica nova com a exportação do açúcar. Naturais e estrangeiros são atraídos por este novo e potencialmente rendoso território. Trazem capitais e um bom conhecimento de mercados onde colocar o produto: genoveses e judeus, diz-se. E também flamengos, sabe-se. Gentes que "não empregam seus dinheiros sem certa esperança de ganho", advertia Zurara.20 Estrangeiros mercadores que depressa se relacionam com os moradores e com os produtores, aliança de hábeis contratadores feitos no grande comércio com rústicos cultivadores. Ligados por uma comunidade de interesses. Se por 1470 se estima que a produção andava pelas 20 mil arrobas, nos finais do século atingirá as 105 mil, admitindo-se como máximo para exportação as 120 mil. O êxito inicial empurra para o alargamento das áreas ocupadas por canaviais. O que tinha por limites as condições naturais dos solos e a sua situação na proximidade de águas. Águas para irrigação, quando necessário, águas para a instalação e funcionamento dos engenhos para a transformação da cana.

A participação desta nova periferia na economia mercantil europeia é rápida. Muitos mercadores levam o açúcar para vender no Mediterrâneo e sobretudo no Norte flamengo, fazendo concorrência aos produtores instalados em outras áreas. Os preços depreciam-se com a chegada deste novo fornecedor. O que o senhorio quer evitar, para que as suas rendas não sofram baixas, numa produção em que nada investira. Estrangeiros financiam a expansão dos canaviais, comprando o açúcar antes de produzido, o que perturba o mercado e agudiza a baixa dos preços.21 Para fazer frente a isso o senhorio, o infante dom Fernando, em 1469, tenta criar um monopólio de mercadores de Lisboa que comprasse toda a produção e lhe garantisse a manutenção dos preços – e assim das suas elevadas e seguras rendas. O que os moradores no Funchal – produtores ou não, todos interessados na produção e prosperidade da ilha – não consentem. Manter-se-ia o mercado livre.22 O senhorio não consegue levar avante o seu propósito. Mas vai instalar uma fiscalidade complexa, calculada a partir de estimativas da produção de cada um dos lavradores, para conseguir assegurar a qualidade do açúcar e a estabilidade dos preços. Processo que se manteve durante alguns anos.23

Em 1470 apresenta-se à câmara do Funchal um mercador que queria exportar meles de açúcar. Os produtores impedem-no, com boas razões: não deixariam passar os "ditos meles salvo cozidos". Assim o açúcar, grosseiramente refinado e não em bruto, valeria mais. Bem sentiam os implicados no comércio açucareiro que alguma coisa de essencial se decidia então. Havia que optar entre a exportação da matéria-prima em bruto ou a do produto transformado. Do que determinassem decorreria a posição da Madeira e do seu açúcar no mercado. E acabam por escolher o que mais valorizaria o que tinham para vender. O que não satisfaz o senhorio, que teria as suas próprias vistas sobre a exportação do produto. No entanto, a câmara do Funchal não desarma nem cede: meles por refinar só podem sair para os Açores e para as Canárias, e para consumo nessas ilhas. Mas os estrangeiros insistem em participar pelo menos na refinação. E nova determinação surge: "Que nenhum estrangeiro não possa cozer meles (...) somente aqueles que terras tiverem per arrendamento possam cozer os meles que da dita terra houverem". O que o duque senhorio aceita, em 1491.

Grande é a preocupação dos vizinhos do Funchal com o preço dos açúcares, exercendo sobre o mercado forte vigilância, estabelecendo o valor das várias qualidades para as transações. O interesse generalizado da população neste trato revela-se nos contratos que se fazem com os compradores, contratos discutidos e aprovados em câmara, o que implicava a concordância da maioria dos produtores. Satisfazendo assim os seus interesses de grupo. Em 1471 estabelecera-se que os mercadores que levavam os açúcares a vender fora deveriam tornar com o respectivo dinheiro ou mercadorias em janeiro. Mas afinal faltaram, e os vizinhos preparam-se para decidir que "cada um vendesse seu açúcar melhor que pudesse e a quem o quisesse e fizesse dele seu proveito".24 O que significava uma desregulação que não passou de ameaça. Antecipadamente os carregadores (compradores que carregavam o produto para fora da ilha), têm necessidade de estimar os quantitativos de açúcar que cada produtor se dispõe a vender – ou de que dispõe para venda – o que se regista até dia de São João (24 de junho). Contra o que irá a possibilidade de se pagar em dinheiro ou em mercadorias. Compra direta. Mas com o crescimento dos negócios não faltam os que querem abusar, fazendo-se passar por corretores, ilicitamente mediando a relação entre o lavrador e o carregador. O que não vai ser consentido. A necessidade de um mecanismo de intermediação fica bem patente para finais do século, quando os cidadãos do Funchal apelam para o rei – com a subida ao trono o duque dom Manuel, anterior senhorio, passa a ser rei – para que fixe o preço do produto. Também convém ao monarca evitar a continuada baixa na valia do açúcar que então está a dar-se, resultado do aumento da produção. Porém, não era fácil encontrar o meio de a tal atalhar.

Desde muito cedo, desde 1469 o senhorio (afinal senhorio-capitalista)25 faz repetidas tentativas para a fixação de um contrato que entregasse a uma só mão o comércio do açúcar, solução sempre rejeitada pelos produtores, por mais que o senhorio insistisse. Para garantir lucros. Outras medidas se aventam, como a que implicaria reduzir as áreas cultivadas, regressando à sementeira do trigo que a cana quase totalmente substituíra. Também sem resultado. Mas havia que encontrar a forma de se fixar um máximo de produção que estivesse conforme com a procura, o que vai sendo tentado. A menos de se depreciar o valor da mercadoria que se pretendia colocar nos mercados externos. Em 1472 querem os contratadores que o limite máximo da oferta se quede pelas 15 mil arrobas. No que a câmara do Funchal não convém. Porque ainda continuava a expansão da cultura canavieira, embora já começasse a ocupar solos menos bem expostos, na fachada norte, por "detrás da ilha".26

Em 1498 o rei dom Manuel, vendo como o açúcar está "em tão grande abatimento que se pode dele já mal tirar os custos que nele se fazem e considerando que se nisso não fosse algum remédio e provisão poderia vir em tão grande quebra que esta novidade que é uma das mais proveitosas de nossos reinos se poderia perder", determina um máximo de produção de 120 mil arrobas. Para Portugal bastavam 7 mil arrobas, mas poderia ser enviado mais, assim como para Castela. Já para a Flandres iriam 40 mil arrobas, para Inglaterra 7 mil, para Ruão 6 mil e para La Rochelle 2 mil, enquanto que para a Bretanha bastavam mil. Para o Mediterrâneo, para Aigues-Mortes iriam 6 mil, para Génova 13 mil, para Livorno 6 mil e para Roma 2 mil. Para Veneza 15 mil e para Chios e Constantinopla as mesmas 15 mil para cada uma dessas cidades.27 Não durou esta limitação mais de cinco anos, ficando depois livre a venda.

Estava já o açúcar da Madeira inserido no grande mercado internacional. Em volta da exportação engendram os mercadores situações em que os produtores se sentem a perder. E por isso procuram estes restringir-lhes os negócios, proibindo-lhes a actividade. Sempre com recurso ao senhorio, que se interessava de perto pelo trato do açúcar. Não lhe era indiferente o que recebia do produto dos dízimos. Usando dos seus privilégios, nomeava dois estimadores, aos quais competia calcular o valor do que se produzia, para que a arrecadação do tributo não falhasse. Um terceiro estimador era escolhido pelos vizinhos. Procurava-se um equilíbrio entre os protagonistas. Como se elegiam os alealdadores, que procuravam garantir a qualidade do açúcar, nomeadamente a sua limpeza. Desde 1467 que o senhorio recebia um quarto da produção, pago no próprio género, calculado pelo estimo dos canaviais. Só mais tarde, em 1515, o quarto será reduzido para o quinto.

Apesar da quase constante dificuldade em lidar com o senhorio, das muitas sujeições e opressões que dele sofrem, os vizinhos da Madeira buscam estar nas suas boas graças. E fazem-no através do concelho, em reuniões alargadas convocadas ao som da "campa tangida". Reuniões em que devem figurar todos os fidalgos, cavaleiros, escudeiros e povo, e todos os mercadores naturais do reino. Porque eram assuntos que interessavam a toda a sociedade insular. Era o "bem comum" que estava em causa. Grandes, médios e pequenos. Mais pequenos e médios que grandes. Porque a propriedade era predominantemente de pequena e média dimensão – embora houvesse grandes, mas grandes à escala da ilha. Pelo que uma boa parte da população se interessava e tomava parte activa nos negócios públicos respeitantes ao açúcar.

Por 1504 a produção teria atingido as 182 mil arrobas, subindo às 230 mil em 1506. Mas depois começa a baixar, atingindo apenas 115 mil arrobas em 1518. Pior será daí em diante. Das 106 mil em 1521 já só chegará às 46 mil arrobas em 1537.28 Por exaustão interna? Havia todo um equilíbrio a preservar para se manter a produção das elevadas quantidades de açúcar, que o mercado externo continuava a absorver. Mas poderia a concorrência ser eliminada? Os mercados produtores das Canárias, de São Tomé, das Antilhas e mesmo, anos depois, do Brasil decerto contribuíram para esta baixa arrastada. Porque na qualidade, dizia-se, nenhum lhe fazia frente. Mas em breve se começa a temer a chegada de outros produtores. Logo em 1522 dois procuradores dos concelhos da ilha vão a Lisboa expor a el-rei as dificuldades por que passam em virtude "do açúcar que se na ilha de São Tomé faz", isto à custa dos lavradores que pagam a diligência.29 O que se entende, porque eles eram os interessados em afastar a concorrência.

Produto de luxo, o açúcar usava-se para conservas e mesmo para com ele se fazerem efémeras peças ornamentais. O terceiro capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara, conhecido como o Magnífico, enviou ao papa Leão X uma embaixada em que como prenda iam "muitos mimos e brincos da ilha, de conservas, e o sacro palácio todo feito de açúcar e os cardeais iam todos feitos de alfenim dourados a partes, que lhe davam muita graça". Conta o cronista que o papa e os cardeais muito estimaram e louvaram tal bizarria.30 O feitor português em Antuérpia – agente oficial do rei – recebia anualmente 10 arrobas de conservas da Madeira do rei dom Manuel para as grandes festas que dava.31

Em 1515 dom Manuel assenta com os lavradores de cana da Madeira uma forma de imposição que foi aceite sem dificuldade: porque baixava de um quarto para um quinto o que o rei recebia.32 Por 1518 o rei propõe mesmo que os moradores tomassem "a renda sua desta ilha com sua conta de certas mil arrobas de açúcar". As rendas mostrar-se-iam em tendência para a baixa, pelo que lhe convinha manter um ingresso fixo. Mas o povo recusa-se a uma tal transação. Como vai sempre repontar cada vez que o rei quer bulir no que está aceite. Mas em 1532, dom João III decide impor um outro regimento, mais gravoso. Os conselhos da ilha logo protestam, e enviam seus procuradores a Lisboa, dado recusarem qualquer inovação. Era grande "a perda que esta ilha e moradores dela recebiam". E o mesmo ocorre em 1550, quando o rei aperta as formas de vigilância do pagamento dos quintos. Qualquer inovação que subisse os tributos – na letra da lei ou na sua execução – seria mal recebida. Com a produção a baixar ainda mais insuportável isso se tornaria. Nem por isso se descuidavam os procedimentos com a cana. Ainda nesse mesmo ano de 1550 se reafirma uma postura municipal do Funchal em que se determinava "sobre o modo que se há-de ter no esburgar das canas que hão-de ser cortadas rentes com a foice e arrumadas e da maneira que mais proveito for para os lavradores".33

Condicionado pelos solos, pela irrigação e pela temperatura, o açúcar exigia ainda abundância de lenhas para a sua transformação. Que na Madeira começa a ser limitada para fim do século. Logo em 1492 se aplicam penalizações a quem se atrever a cortar cedro e barbuzano. Também para quem exagerasse na quantidade de lenha que fizesse para o consumo doméstico. Os fogos ateados nos matos e nos canaviais mereciam especial vigilância. Proibia-se mesmo cortar lenha a quem não possuísse bens de raiz.34 Em 1519 está em causa a proibição de se fazerem fornos de cal, pois a lenha "vai desfalecendo e pela míngua dela o povo da dita ilha poderá receber muita perda para o fazer de seus açúcares".35 Lenha e paus que os moradores no Funchal querem ir buscar em 1520 ao vizinho Machico, porque já não restavam nenhun na área do conselho.

As terras cansam-se, as dificuldades aumentam, a produção baixa. Inevitável. Mesmo na ilha os interesses começam a virar-se para outras culturas, nomeadamente a das vinhas, que vai desenvolver-se e ocupar o lugar primeiro nas exportações. Em 1546 já se escreve que "nesta ilha as mais pessoas dela vivem de vinhos". Isto apesar de ainda se considerar que o acréscimo de tributos sobre o açúcar "é em muito prejuízo de todos os moradores da ilha".36 Fórmula que teria servido por muitos anos. Mas agora o açúcar da ilha da Madeira tinha o seu tempo passado. Era o vinho que doravante avultava no comércio internacional.37 Nos anos oitenta a média anual de produção terá andado pelas 36 mil arrobas. Por menor que fosse a produção continuava a ser vigiada. Em finais do século XVI a câmara do Funchal ainda elege juízes do ofício de mestre de açúcar e purgadores. Todavia já no mesmo ano de 1590 uma nau normanda se vai sem fazer o seu negócio comprando açúcares. Muito embora continuem a aprovar-se posturas municipais quanto ao funcionamento dos engenhos.

Em 1597 um navio de Lisboa vindo do Brasil com açúcar aporta ao Funchal. Estaria conluiado com um mercador escocês para despachar na cidade a mercadoria, o que a câmara pretende evitar. É a concorrência a instalar-se, mesmo na ilha. Cada vez é mais frequente a entrada de navios provenientes do Brasil com o estimado produto.38 De 1598 é a proibição de os moradores enviarem barcos ao Brasil, porquanto os açúcares que de lá vinham "abatem os da ilha que é o fruto e comércio principal dela". Provisão que não teria sido cumprida.39 A realidade econômica impunha-se. Em 1611 o rei autorizara a entrada de açúcares do Brasil. Os mercadores do Funchal assinam tranquilos um contrato com a câmara em que se obrigam a vender "uma caixa de açúcar do Brasil e outra da terra (...) enquanto houver açúcar da terra e não o havendo então poderá carregar do Brasil livremente".40 Tinha acabado uma bonita história. Outros produtos, nomeadamente o vinho, continuaram a manter a ilha entre os agentes dinâmicos da economia atlântica. E na Madeira a cana produzida passará a ser utilizada sobretudo para a feitura de aguardente.

A Madeira destacou-se como o centro de lançamento da nova cultura atlântica, como a terra de referência de onde saem os mestres e trabalhadores experimentados da cana e do açúcar. De lá terão ido os que ensinaram a faina nas outras ilhas, inclusive nas Canárias, e no Brasil. Duarte Coelho, o colonizador de Pernambuco, não dispensará a presença de madeirenses entre os trabalhadores que lhe asseguravam a produção. Porque as operações dos engenhos neles tinham a garantia de um saber já velho. E também se pode pensar que a Madeira seria o modelo da Nova Lusitânia, com médios e pequenos proprietários livres, com o aproveitamento apenas subsidiário de mão-de-obra servil.41 Projeto que não vingou.

Mais tardio é o começo da colonização dos Açores – redescobertos em 1427. Em que ao tempo do achamento terão sido lançadas ovelhas para lá se criarem. Porém, só em 1439 o infante dom Henrique receberá licença régia para dirigir o povoamento. E ainda demorará algum tempo, até 1449, para que morto o infante dom Pedro – primeiro donatário de São Miguel que terá iniciado o seu povoamento – possa ter o senhorio de sete das nove ilhas do arquipélago. Senhorio que não manterá até fim da sua vida.42 O que dá sinal seguro do atraso com que a colonização se deu. E de como muito menos rendiam os Açores do que a Madeira, a ponto de deles o infante se desinteressar. Povoamento que foi moroso. Só a partir de 1444 deve ter havido um aumento na população, sendo que só em 1449 um arranque notório deva ter ocorrido.43

O primeiro capitão de São Miguel, Gonçalo Velho, como o segundo, João Soares de Albergaria, pouco de lá terão recebido. Por isso João Soares vendeu a sua capitania a Rui Gonçalves da Câmara, filho do capitão do Funchal, por 2 mil cruzados em dinheiro e 4 mil arrobas de açúcar – da Madeira, que o novo donatário era filho de João Gonçalves Zarco, o capitão do Funchal. Mesmo assim, ainda à data da venda, em 1474, se diz que a ilha de São Miguel "é mui mal aproveitada e pouco povoada".44 A colonização dos Açores foi empreendida nos mesmos moldes da Madeira, com a instituição de capitanias. Em que, uma vez mais, a preferência dos colonos se virou logo no início para a cultura do trigo. De que as ilhas açoreanas se mostram grandes produtoras. Mas uma vez confirmado o êxito da cana na Madeira, havia que tentar introduzi-la nos Açores. Assim terá sido feito.

Na ilha de Santa Maria, e a mando do Infante dom Henrique, se terão começado as primeiras plantações. Um catalão, mestre António, teria sido para aí enviado com esse propósito. E "deram-se muito boas". Mas ainda não havia moendas, o que exigiu que as canas fossem levadas para São Miguel, "e fez-se delas muito bom açúcar". Porém, ou "pela pouca curiosidade dos homens, ou por não haver regadias, ou pelo pouco poder, cessou a granjearia delas". Falta de interesse, de capitais e escassez de águas.45 Nos finais do século XV a ilha rendia bem em trigo e em urzela, mas não há vestígios de açúcar. Nas outras ilhas também se experimentou, mas o êxito terá sido sempre limitado, salvo em São Miguel. A conjugação de abundantes chuvas com temperaturas relativamente quentes não era fácil de ocorrer num clima atlântico temperado. Mas algum açúcar se ia fazendo. O que era uma esperança de mais rendimentos: o foral da alfândega dos Açores, de 1499, ainda o referia. E de 1502 a 1505 a fazenda régia arrecadou 5 mil arrobas cada ano no arquipélago. O que pode significar um total de 15 mil arrobas de produção. Em 1509, será da ordem das 20 mil arrobas, enquanto na Madeira atingiria por esse tempo as 70 mil.46 Não era abundante, nem viera para ficar. Quando muito interessava para o consumo local, longe de atingir a qualidade e as quantidades de uma colheita para exportação como a que se instalara na Madeira. Em 1515 o rei dom Manuel faz mercê à Misericórdia de Ponta Delgada de 2 arrobas de açúcar "para provimento dos doentes que à sua casa se vem curar". Açúcar a ser retirado dos rendimentos dos quintos do açúcar da Madeira.47 Pouco em quantidade seria em São Miguel e, provavelmente, também pouco seguro seria que o houvesse todos os anos. Tinha acabado o "tempo dos açúcares"48 – que nunca chegara a ser.

Todavia, a cultura sacarina não terá ficado completamente esquecida: por 1540 houve algumas tentativas de retomar o cultivo – talvez como resposta a uma crise generalizada na agricultura regional – e também pela sua baixa na Madeira.49 Aconteceu em São Miguel, na fachada sul da ilha, nas imediações de Vila Franca do Campo. Trazendo mesmo mestres de engenhos da Madeira. Parecia que as coisas iam bem, e estiveram os engenhos "moentes e correntes alguns anos". Em 1552 na ilha Terceira há uma tentativa de plantar cana na esperança de que se dê açúcar, "como se dá na ilha de São Miguel". Era ainda uma experiência, que o requerente queria fazer, para o que pedia a utilização de águas de um ribeiro.50 Na Ribeira Grande, na ilha de São Miguel, em 1554, mais de 517 arrobas houve de produção, estando em laboração pelo menos um engenho. A qualidade do açúcar e a forma de o tratarem pode ter contribuído para o insucesso dos carregamentos. Pelo menos isso aconteceu em 1563 em Vila Franca, em que venderam os açúcares "sem serem purgados e os estrangeiros que os levaram escandalizados d'isso, dizem agora que nem de graça tomarão açúcar d'esta ilha". Problemas com a transformação e com a qualidade que dela resultava. Por não ser bem purgado nem ficar enxuto como convinha.51

Porque o mercado externo era exigente, havia que pôr todo o cuidado na preparação do que se exportava. Sob pena de se arredar a procura. O que significa que os compradores sabiam bem o que queriam, talvez por habituados aos muitos cuidados que a produção madeirense e mediterrânea conheciam. Com mestres sabedores na feitura, com alealdadores competentes na verificação da qualidade. Destes não os havia nos Açores, e como resposta a estas queixas a prevenção não era a mais capaz, pois encarregava a câmara de Vila Franca de atestar a bondade do produto quando a venda passasse as 2 arrobas...

Em finais do século XVI o cronista das ilhas, Gaspar Frutuoso, já diz que numa ribeira em São Miguel "estiveram quatro engenhos de açúcar, no tempo em que as canas dele floresciam (...) e estes todos estão desfeitos de tudo, sem haver sinal deles, depois que o bicho das canas prevaleceu". Mas ainda se insistia nessa safra, e em 1584, algum açúcar se fazia, embora "não tão bom como na ilha da Madeira". Por finais do século ainda próximo de Vila Franca um engenho rendia muitas arrobas de açúcar.52 Em 1597 os assaltantes ingleses ainda aí acharam açúcar para saquear.53 Também na Ribeira Grande, os "moradores não são tão ricos como honrados e nobres, por perderem muito de suas fazendas com fianças e invenções de canas-de-açúcar que o bicho comeu". Mesmo nas serranias do meio da ilha se tentou o cultivo, sem êxito. Na ilha das Flores se deram "canas-de-açúcar, mas, por não acharem proveito nelas, as deixaram".54 Entusiasmados com a fortuna que se sabia que o produto podia proporcionar, muitas teriam sido as tentativas. Mas o rendimento obtido desencorajava a continuação. Enquanto na Madeira o açúcar "alevantava e engrossava muito os homens," nos Açores os canaviais "somente estavam viçosos".55

Interessaria à fazenda real que o açúcar se tivesse expandido nos Açores? Talvez não, num primeiro momento. A estas ilhas destinava-se a produção de trigo que interessava ao Portugal deficitário em cereais – o que permitia ainda à ilha da Madeira dedicar-se ao açúcar, recebendo o pão dos Açores. A especialização ocorreu. E a cultura da cana doce, por fracos rendimentos iniciais, terá sido abandonada, ou menos prezada. Por 1540, para fazer frente a dificuldades grandes, tentou-se retomar uma produção que em outros lados se sabia que tinha mercado no exterior. E que permitia diversificar as culturas, pelo menos na ilha de São Miguel. Com resultados que não atingiram o que se pretendia. Por razões naturais, pela pouca aptidão do clima em especial. Sem que se esqueçam as razões comerciais. É que nos finais do século XVI já nem a qualidade do açúcar madeirense podia fazer frente à produção brasileira. Porque esta era agora a região exportadora de açúcar. Com dois concorrentes tais – apesar de ocorrerem em dois tempos diferentes –, o açúcar açoreano nunca se destacou no mercado internacional. E acabou por ser quase esquecido: no século XVII não há vestígios dessa cultura nas posturas municipais de Ponta Delgada. Fora um breve namorico.56 Mas em Vila Franca do Campo repegou. Por meados do século XVII aí se assinalam "muitos e bons açúcares pela muita lavrança de canas que hoje na dita vila há". Mas não seria muita, pois o açúcar continuava a vir também do Brasil.57

Por 1460-1462 mais ilhas foram descobertas no Atlântico "contra Guiné através do Cabo Verde". Dever-se-á o achamento a Diogo Gomes e António da Noli, as cinco primeiras (Santiago, Fogo, Maio, Boavista e Sal) – e a Diogo Afonso, as restantes (São Nicolau, Santa Luzia, São Vicente, Santo Antão); só depois se verá a que denominaram Brava.58 Era uma nova formação insular de origem vulcânica, desabitada, que entrava na soberania portuguesa. Onde, uma vez mais, era preciso tratar primeiro do povoamento para se alcançar o aproveitamento econômico. Recebeu-as em senhorio, por doação da Coroa, o infante dom Fernando, irmão do rei dom Afonso V e filho adotivo do infante dom Henrique, já senhor da Madeira e de algumas das ilhas dos Açores. Que, como os outros infantes donatários, também se limitou a administrá-las de longe. Tendo continuado a delegar funções de administração direta em capitães escolhidos por ele. Com as limitações que já se tinham estabelecido para os capitães-donatários da Madeira e dos Açores.

Logo por 1461 ou 1462 terão começado os propósitos de colonização da ilha de Santiago, com a costumada distribuição de sesmarias a genoveses e a portugueses.59 Todavia, difícil e moroso se tornou encontrar gente disposta a ir para lá. Isto por "ser tão alongada de nossos reinos".60 Isto também apesar das isenções fiscais que o monarca concedeu. Mais: os moradores ficavam livres de pagamento de direitos alfandegários na introdução no reino de produtos do trato com as costas africanas fronteiras. Desde que os conseguissem por troca com "suas novidades e colheitas". O que acabou por significar fazer do arquipélago um entreposto no trato de escravos africanos, que era o que de mais comum e de maior valor os moradores traziam dos rios de Guiné. A que havia que juntar milho, arroz, marfim e cera, também daí provenientes.61 Ilhas que nos primeiros anos de colonização receberam degredados como povoadores que a isso se não podiam escusar. Mas estas ilhas na sua maioria áridas, com difíceis condições para a agricultura, não foram de imediato aproveitadas. Apesar disso logo em 1490 se assinala a existência de cana-de-açúcar na Ilha de Santiago.62

Começa a colonização do arquipélago precisamente pela ilha de Santiago, a maior do conjunto destas ilhas, de razoáveis ancoradouros e com alguma água. A que se reconhece alguma fertilidade. "Esta ilha dá todas as frutas de Portugal que se nela plantam, figos, uvas, melões, açúcares, e todas as outras frutas há por todo o ano. Não dá trigo nem cevada. Dá milho e arroz como em Guiné. Ele tem grandes criações d'animálias e gados"; assim se pode ler no Códice de Valentim Fernandes (1506-1508), onde o mapa mostra um traçado bem próximo da realidade.63 Mas com estes louvores habituais para terras novas não se enriquecia a população. Logo por 1512 se sabe que na "dita Ilha não há pão, nem vinho, nem azeite, nem ferramentas, nem pano de vestir. E tudo isto levam os mercadores de Lisboa, Setúbal, Algarve, ilhas da Madeira, Açores, Canárias, Castela". Em troca do que traziam escravos.64 Mesmo assim, às vezes sofriam "muitas mínguas" de mantimentos. Porque Santiago interessava, mas como escala dos navios que iam e vinham para Guiné, Mina, Angola, Brasil e Índia e como fornecedor de algodão para com ele se resgatarem escravos nos rios de Guiné.

Como as temperaturas pareciam propícias, também em Cabo Verde se tentará aclimatar a cana doce. Mas aí não se poderão multiplicar explorações extensivas. Só se planta junto das ribeiras, que a água era escassa: "os frutos não se dão nesta terra senão de regadio".65 As boas terras de aluvião também não abundavam, limitando-se a alguns vales ou junto da costa. Os canaviais instalam-se próximos de outros cultivos, de árvores de frutos ou de legumes. E até de criações de gado. A policultura prevalece. Tirando em Santiago, os produtos agrícolas nas ilhas são poucos e difíceis de obter. Salvo a pecuária que, para ilhas não-ocupadas por humanos, vinha a contento. De onde algum rendimento se podia obter. Sebo e couros são os mais rentáveis dos recursos existentes, de gado solto — gado bravo que a gente era pouca para o apascentar. Ou cavalos, tratados com outros cuidados, que eram uma boa oferta para os escambos na costa africana. Ou a apanha da urzela espontânea, líquen que se propaga nas rochas junto ao mar e que continha uma substância corante que tinha procura na exportação para a Europa. A agricultura, salvo a do algodão na ilha do Fogo – cultura de sequeiro – para pouco chegava, tendo as subsistências muitas vezes de ser importadas. Para os que nas ilhas moravam e para fornecimento aos que iam aos tratos nos rios de Guiné vai biscoito de Lisboa, ou de Castela. Como vai farinha, trigo, passas, figos e outros comestíveis. E até mesmo algum açúcar das Canárias, em 1515.66 Embora exporte couros e mesmo alguma carne salgada. O atrativo comercial de Santiago residiu desde cedo nos escravos, que em grandes quantidades aí eram embarcados com destino à Europa ou à América.

Não era o açúcar, pois, uma produção que tivesse nas ilhas de Cabo Verde uma expressão que se destacasse. Mas nem por isso deixava de se tentar. Por 1540, se sabe que em Santiago dentro da fazenda da Trindade "estão dois engenhos trapiches de fazer açúcares, com todo o cobre e mais cousas necessárias aos ditos engenhos". Em Santa Cruz, uma outra fazenda do mesmo senhorio, se escreve que havia "um engenho trapiche de açúcar".67 Poucos engenhos se poderiam estabelecer nessa ilha, que poucas eram as águas correntes que podiam ser aproveitadas para isso. As pequenas produções pisariam as canas em pilões, trabalho penoso, manual. Pequenas áreas de cultivo de cana que teriam persistido, resistido às longas estiagens que afectam duramente as ilhas. Mas obtinham-se algumas quantidades açúcar, embora o ignore o piloto anónimo que cerca de 1540-1541 aí se detém contando dos produtos da terra.68 O que significa que não dava nas vistas, mesmo a um visitante curioso dos recursos das ilhas. Em finais do século Gaspar Frutuoso assinala que a "ilha de Santiago dá muito açúcar, e fazem-se nela muito boas conservas, ainda que nada disto chega ao da ilha da Madeira".69 Tem de ser considerado exagero de quem ouviu contar sem ter observado. Porque isto se escreve num tempo em que o açúcar da Madeira já estava em perda e a ser substituído pela vinha e em que o açúcar do Brasil já estava presente no mercado europeu.

Embora continuando a ser cultivada, desde cedo se constatou que a cana doce apenas dava para algum abastecimento local em açúcar e em aguardente, não sendo suficiente para exportação. Abastecimento local, pois, e para o trato nos rios de Guiné onde a aguardente era apreciada e se tornará valiosa para a troca de mercadorias.70 Na maioria das ilhas de Cabo Verde a secura e a aridez do clima não podiam ser vencidas. Os três meses de chuvas por ano, e por vezes escassas, para mais não dariam. E esses eram os principais obstáculos, porque não faltaria mão-de-obra servil, proveniente da costa africana fronteira para os trabalhos da plantação e mesmo da transformação.

Da colonização de Cabo Verde se pode dizer que se formou uma sociedade escravocrata. E encontram-se até escravos especializados em tarefas ligadas com o açúcar – mesmo um "mestre de açúcares".71 Açúcar que não está isento do pagamento do terço ao rei, todavia avaliando-se pelos preços da ilha da Madeira.72 Mas isso não basta. E os resultados dessa muito pequena produção ficam evidentes logo no princípio do século XVI: para 70 mil arrobas na Madeira (1508) e 20 mil nos Açores (1509), não mais de 4 nas ilhas de Cabo Verde (1508 e 1509).73

Os portugueses persistem nos seus intentos de devassar o Atlântico para sul. Durante o período de arrendamento das explorações da costa africana a Fernão Gomes – 1469-1473 – os navegadores descobrem mais ilhas no golfo de Guiné. Serão Fernando Pó, Ano Bom, Santo António (depois chamada Príncipe) e São Tomé. Destas, pela sua posição e pela fertilidade do solo, será a de São Tomé que atrairá as atenções da Coroa. Também pela sua situação favorecer as relações marítimas.74 E será essa uma ilha que satisfará plenamente os requisitos para a aclimatação da cana-de-açúcar – água em abundância, temperaturas elevadas, solo fértil – que primeiro havia que limpar da sua densa cobertura de árvores de grande porte. A colonização arrancou de forma mais lenta do que a das demais ilhas do Atlântico anteriormente achadas. A distância a que fica de Portugal explica essa demora. O senhorio da ilha sempre se manteve na posse da Coroa. Os infantes ou os seus sucessores não a receberam em doação, como ocorrera com as outras ilhas. Novos tempos em que a aristocracia já não tem o mesmo poder dos tempos anteriores? É muito provável.

Logo na carta de privilégios que segue de perto a doação ao primeiro capitão da ilha, o escudeiro João de Paiva, em 1485, se prevê a cultura da cana sacarina. Pelo mesmo tempo aos moradores é concedido o privilégio de navegarem para o litoral do golfo de Guiné, na região a que chamavam os "Cinco rios dos Escravos" que ficavam para além da Mina – ou seja, na costa norte do Golfo. Com excepção do resgate do ouro, que se reservava em monopólio para a Coroa.75 Poderoso incentivo, este do trato de escravos. Que depressa se desenvolve. Atenta às primeiras experiências de aclimatação de plantas logo a realeza se convenceu que aí as "canas crescem três vezes mais que na ilha da Madeira", o que implica alguma observação já feita. Mas o primeiro donatário, como o segundo, o fidalgo João Pereira, em 1490, não conseguiram que se iniciasse a colonização da ilha. O falhanço destas primeiras tentativas não apressaria a chegada de povoadores, embora se presuma que alguns tenham ido. Com a entrega da capitania ao fidalgo da casa real Álvaro de Caminha, que para lá se deslocou em 1493, então sim se começa o povoamento de mais uma ilha.76 Com ele foram uns 2 mil meninos de 8 anos para baixo, que tinham sido retirados aos pais, judeus castelhanos, e enviados depois de baptizados à força. Cerca de 600 terão sobrevivido, contribuindo para o povoamento de São Tomé. Também seguiram degredados, como tinha acontecido para a Madeira e para os Açores, e para aqui em bom número.

Poucos anos depois aí se contavam uns mil moradores, alguns que para lá foram "por seu grado (...), deles por soldo, deles pelo resgate de Guiné, porém os mais são os degredados". Sociedade que arranca logo com uma ampla base de escravos. A cada degredado mandava o rei que fosse entregue um escravo ou uma escrava negra "para sua ajuda e serviço qual ele quisesse." Depressa se instalam e multiplicam os servos, "que lhe trabalham e roçam e criam inhames e milho com que ganham bem". Mais de 2 mil seriam os escravos na ilha, em princípios de quinhentos, a que há que somar os que por lá transitavam, por vezes 5 ou 6 mil. Aproveitando a abundância de águas e as elevadas temperaturas equatoriais, logo se plantam "grandes canaviais de açúcar e as canas maiores que da ilha da Madeira, de que já fazem melaço e daqui avante quer o capitão mandar fazer açúcar e cada dia cresce mais".77 Em 1499 ainda se não fazia açúcar, embora o capitão tivesse consigo os necessários utensílios de cobre para as operações. Era a espera para ver o que dava a produção dos canaviais. Poucos anos depois, em 1506, se escreveu que nesta "ilha se criam as canas d'açúcar em tanta vantagem das outras partes que não pode mais ser".78 O que coloca o plantio da cana doce já bem dentro do século XVI, a que se vai juntar alguma produção na pequena e próxima ilha do Príncipe.79 Mas os colonos de São Tomé ter-se-iam dedicado de início sobretudo aos negócios no espaço marítimo em que se encontravam, e muito em especial navegando para São Jorge da Mina. No trato de escravos.

O binómio açúcar-escravos instala-se pela primeira vez no império português. Porque se o trabalho escravo já ocorrera nas outras ilhas, nada de semelhante dimensão até então acontecera. Em 1515 e em 1517 os escravos e descendentes dos que acompanharam os primeiros povoadores foram alforriados. Faziam parte do grupo diversificado que iniciara a exploração da ilha e teriam relações de trabalho e de solidariedade com os colonizadores europeus que primeiro se instalaram. Ligações de interesses que se estabelecem em sociedades isoladas. Mas ficariam a formar um grupo social bem distinto. Como antigos servos que se não confundem com os escravos que continuamente vêm de Benim, de Guiné, do Gabão e do Manicongo.80 A somar – e a complicar – esta diversidade estavam os mestiços que entretanto se criaram. Que formariam um estrato social crioulo diferenciado.

Primeiro houve que desbravar a ilha, desbastando a cobertura vegetal cerrada. Derrube e queima, que deixaram tratos de solos bons para o plantio das canas-de-açúcar, sobretudo junto das costas. Porque a exuberante floresta equatorial continuou no interior montanhoso. A produtividade logo se revela alta, e contínua: "em todos os meses as plantam e cortam [as canas]". O número dos engenhos vai multiplicar-se, sobretudo no Nordeste da Ilha, com boa aptidão para a cultura canavieira.81 Por 1517 já a cana doce devia produzir com toda a pujança. Tratava-se então de construir o terceiro engenho, grande, que dois outros já laboravam. Havia água, não faltava lenha. "E as canas as mais façanhosas que em minha vida vi. (...) Há cá muitas canas tão grandes que nenhum homem em pé alevantado a mão lhe pode alcançar. E pela mor parte são todas tais".82 A cana estava em plena expansão. Em 1522 teme-se na Madeira a concorrência desta nova produção. Que por 1525 devia atingir as 111 mil arrobas ou talvez mais.83 E que tinha saída para a Flandres. Em 1532 a câmara de Lisboa proibiu o uso do açúcar de São Tomé misturado com açúcar da Madeira em conservas, o que indignou os mercadores e confeiteiros da capital. O próprio rei negocia em açúcar que manda comprar na ilha.

Em 1540-1541 contam-se ali "cerca de 60 [engenhos] movidos a água, com a qual se mói e espreme a cana". "Esta ilha produz à volta de 150 mil arrobas de açúcar e até mais". O surto açucareiro de São Tomé contou com a ida de homens da ilha da Madeira, experimentados na fabricação. Já então era comum a ida de navios de Lisboa para carregar açúcares a São Tomé. Porque a "principal ocupação dos habitantes é fabricar açúcar e vendê-lo aos navios que todos os anos o vão buscar". Mercado para o açúcar – agora o de São Tomé – continua a ser o flamengo.84 112 navios entram com açúcar no porto de Antuérpia de 1535 a 1548, quase exclusivamente de São Tomé.85 Atividade assente no trabalho de escravos, que cultivam "a terra para plantar e fazer o açúcar. E há homens ricos que possuem 150, 200 e até 300 [escravos], entre negros e negras, os quais têm a obrigação de trabalhar toda a semana para o seu senhor, menos ao sábado, em que trabalham para a sua sobrevivência". Servidão, mais do que escravidão? As duas situações coexistem, e tornam-se muitas vezes conflituais.

No entanto, a qualidade do açúcar não seria a melhor devido à humidade elevada, que não permitia que enxugasse e endurecesse como convinha ao seu transporte. Apesar de o guardarem com cuidado, as condições naturais punham limites à sua conservação, pelo que havia pressa em o vender.86 A sua qualidade, porém nunca foi considerada como semelhante à da ilha da Madeira. Pelo contrário, em 1578 a arroba de açúcar de São Tomé valia 4 vezes menos do que a da Ilha da Madeira. Mas ainda seria muito volumosa a produção, da ordem das 200 mil arrobas nos anos terminais do século XVI.87 Para rapidamente decair. No que pode ter intervindo a moléstia das plantas. Em 1579 deu sobre as canas "o mal de praga, nunca visto", de que resultou que "se não fez açúcares nenhuns". Seria doença temporária, ligada com ocasional escassez de chuvas, mas que causou fortes abalos à regularidade da produção.88

Ao contrário da Madeira, dos Açores ou mesmo de Cabo Verde, é aqui que surge a primeira cultura de plantação. Obtida a terra, a pessoa que se quer tornar produtor

compra imediatamente uns tantos negros com as suas negras e põe-nos a cultivar o terreno, isto é a abater as árvores e depois a queimá-las para plantar a cana-de-açúcar. O senhor não fornece coisa nenhuma a estes negros, mas como ficou dito acima, eles trabalham toda a semana para o senhor e apenas ao sábado para garantir o seu próprio sustento.

Andam nus, só resguardando as partes vergonhosas. A "raiz do inhame é o seu sustento".89 Bastante escravaria ocupada em permanência; em grandes quantidades ainda a escravaria que por ali transita a caminho de outros destinos. A ilha é um "depósito e centro distribuidor" de escravos.90 E poucos são os colonos para dirigirem o aproveitamento da ilha.

Porque poucos eram os europeus aí moradores. Muitos os escravos, muitos os mestiços. O que vai pôr em perigo o estabelecimento colonizador do golfo de Guiné. Desde cedo os escravos fogem, organizam-se em comunidades, revoltam-se. Assim evitavam serem enviados para as plantações do Brasil ou das Caraíbas. Quilombos agressivos. Pelo menos desde 1530 que ocorrem as fugas de grande número de escravos. Nesse ano foram para as serras 230. Eram chefiados pelos designados mocambos. Mocambo é nome depois dado a estes grupos de escravos fujões. É

verdade e notório que o mocambo com muita gente andam no mato fazem quanto dano podem em matar e roubar homens e destruir fazendas, o que todo é perda e dano do povo desta ilha e moradores dela e desserviço d'el-rei nosso senhor e muita perda de sua fazenda e rendas que em esta ilha tem,

escreve-se em 1535.91 O que vai provocar uma repressão destes desmandos. Em que avulta um novo cargo de "meirinho da serra." Que irá organizar uma persistente "guerra do mato". Por meados do século enceta-se um movimento inverso, de regresso destes fugidos. Que eram acolhidos como homens livres.

A grande rebelião de 1574 dos angolares provoca destruições nos engenhos e leva à quebra da produção açucareira. A exportação baixa, naturalmente. No fim do século também já se diz que as plantações estão diminuindo, devido a uma doença que rói as raízes das canas. Mas a doença social não seria menos grave. Porque se temiam sempre os "negros alevantados" que podiam provocar mortes e pilhagens. Os revoltosos chefiados pelo proclamado rei Amador destroem 70 engenhos de açúcar, em 1595. O grupo dominante da sociedade local também se não entendia dentro de si mesmo, lutando pela riqueza e reputação, com conflitos graves entre as autoridades civis e religiosas.92 O "governador queria ser prelado, o cabido queria ser governador, o ouvidor queria ser soldado e todos eles queriam ser tudo". E de tudo a economia se ressente. Inevitável. Com esta instabilidade interna e em período de concorrência com o Brasil, o açúcar de São Tomé entra em depressão.

O açúcar e os escravos fizeram a fortuna da ilha. Ilha que, arruinada a cultura sacarina, se mantém atrativa para o trato de mão-de-obra, pelo que será atacada e pilhada por piratas e por tropas estrangeiras. Conquistada pelos holandeses e de seguida retomada, no século XVII. Porque era considerada indispensável para sustentar o fornecimento de escravos ao Nordeste brasileiro. A prosperidade açucareira dos anos de quinhentos fica para ser lembrada.

Oriundo do sueste da Ásia, estabelecido e desenvolvido no mar Mediterrâneo pelos árabes, conhecido na Europa com as Cruzadas, o açúcar vai expandir-se pelas ilhas do Atlântico durante os anos de quatrocentos e de quinhentos. Onde quer que cheguem os portugueses tentam adaptá-la ou pelo menos observar a existência de condições favoráveis à aclimatação. Na África, também se poderia ter instalado a nova cultura. Na região do Gâmbia se sabe que "se podiam fazer formosos canaviais de açúcar".93 Também no vale do Quanza, em Angola, poderia ter sido tentada uma boa produção.94 Mas não: nos anos de quinhentos a África não interessava como produtora de plantas, mas como fornecedora de cativos e de metais preciosos: ouro, que se resgatou em grandes quantidades, prata que em vão se procurou. Por isso nem sequer a cultura canavieira foi experimentada. A concessão da capitania de Angola a Paulo Dias de Novais foi tardia: 1571. Mais tardio ainda o início da instalação: 1579-1580. Os rendimentos que imediatamente se esperavam eram os da venda de escravos e as miríficas minas de prata que a fantasia europeia por ali tinha colocado, não se sabia onde. Minas buscadas sem nunca se acharem. Em ocupação do território dificultada pelas resistências dos naturais, que levaram a imprimir à presença portuguesa o cariz de verdadeira conquista à mão armada. Embora a cana sacarina se adaptasse bem, não se seguiu a sua exploração.95 Com o estado de guerra quase permanente e a preocupação com o trato de escravos não ficavam lugares para uma pacífica economia agrária destinada à exportação.

A cana doce foi sendo experimentada nas ilhas do Atlântico, passando depois ao Brasil – como pelas Canárias terá chegado às Caraíbas. Arrancando com alguma lentidão na Terra de Santa Cruz a partir do litoral de São Vicente, em breve se diz na Paraíba do Sul que há "muitos engenhos d'água feitos e pode já agora render muito havendo paz na terra".96 Mas a grande produção vai estabelecer-se em Pernambuco, com o capitão Duarte Coelho. Por volta de 1570 o açúcar já atingia enormes quantidades além-Atlântico, chegando a 1200 mil arrobas por 1600. A cana estava transformada numa grande produção tropical.97 Ao conquistar o Brasil o açúcar tinha conquistado o mundo.98 Foi uma das grandes culturas que de especiaria cara, usada em medicina por gente de posses, se tornou comum e de consumo muito elevado. Embora mantendo-se como produto de luxo, porque nem todos, em toda a parte, lhe podiam chegar. Ao encontrar solos, climas e águas propícias volveu a mais próspera indústria de base agrícola da cristandade. Para o que contou com o ser-lhe afetado um contingente de mão-de-obra numerosa. Mão-de-obra forçada ao trabalho, mão-de-obra escrava, espoliada à África negra.

As primeiras canas-de-açúcar idas para o Brasil seriam de São Tomé? Não se sabe, mas é mais provável que tenham sido levadas da Madeira. Porque se o açúcar da Madeira era considerado o melhor dos dois, não seria do que se tinha por menos bom que se iriam transportar as plantas para que se aclimatassem e expandissem além-Atlântico. Tanto mais que experientes mestres madeirenses para o Pernambuco foram, logo entre os povoadores que acompanharam Duarte Coelho. De São Tomé teriam sido transportados muitos escravos. Isso sim. Alguns tendo aí feito a aprendizagem dos trabalhos de cultura e transformação.

Açúcar e escravos: a doçura do produto vinha amargada pela violência a que eram forçados os que plantavam, cortavam e transportavam a cana de açúcar e ainda os que moíam, vigiavam a cozedura, purgavam, secavam, enformavam e embalavam o açúcar. Para além da apanha e carreto da lenha para aquecer as caldeiras. Entre o lavrador e o consumidor interpunham-se muitas e especializadas operações até se obter o doce final que chegava às mesas e às mezinhas dos que podiam comprá-lo. Açúcar e escravos, conjugação que vai ter consequências de monta no que se irá passar no Novo Mundo, no Brasil e nas Caraíbas. Porque cedo se articularão. E um não vai sem os outros. Exigindo a violência da captura, prisão e transporte de africanos para as Américas. Multiplicando as cores dos homens com que se vai povoando o mundo.

NOTAS

Revista Varia História

Um comentário:

Anônimo disse...

Seu trabalho pode, até mesmo ser considerado bom,mas, por falta de etica, em não possuir uma bibliografia, citações de teoricos que elucidariam mais a sua pesquisa, cai no descredito, portanto, todo trabalho deve possui as fontes primarias, secundarias, etc, de pesquisas, pois, essas informaçoes postadas nao foram conquistadas por você, mas sim, por outros e conhecida posteriormente por você, portanto não caia no plagio, pois, é crime, faça todas as citaçoes possiveis para demonstrar quem você é realmente