A nuvem fatal: soldado alemão escapa em meio ao cloro - só os soldados germânicos tinham máscaras para se proteger
A pequena e charmosa cidade de Ypres, na Bélgica, já havia entrado no mapa da guerra no final do ano passado, por causa de uma das mais ferozes contendas entre britânicos e alemães nesta Grande Guerra. Naquela ocasião, os homens da Força Expedicionária Britânica, na maioria veteranos da Guerra dos Boeres, atropelaram os jovens estudantes voluntários que compunham as oito unidades germânicas em uma carnificina que ficou conhecida na Alemanha como "O Massacre dos Inocentes de Ypres". Em busca da vingança, os alemães lançaram no último dia 22 de abril uma avançada mortífera que não apenas surpreendeu os aliados como também causou ultraje na opinião pública internacional. Cinco mil mortos em dez minutos, sem derramamento de sangue: é o resultado assombroso do ataque com gás de cloro às frentes aliadas em Ypres. É a primeira ofensiva do gênero a ser registrada em larga escala na história militar do planeta.
De acordo com o relato de sobreviventes, "apocalipse" é uma palavra que descreve com exatidão a batalha. Os alemães dispuseram 22.000 cilindros contendo 160 toneladas de gás no front de Langemarck, ao norte de Ypres, cujas fronteiras eram defendidas por franceses e canadenses - a primeira divisão imperial britânica a chegar ao front europeu. Na ensolarada tarde de 22 de abril, depois de um bombardeio voraz, uma nuvem cinza-esverdeada começou a viajar das trincheiras alemãs em direção aos oponentes. Em questão de poucos minutos, o pânico se instaurou entre os aliados, que, desesperados, com as mãos na garganta, cambaleantes, tossiam em retirada. Dos 10.000 homens que defendiam a cidade belga, a metade morreu em consequência do efeito asfixiante do gás, que mata ao forçar os pulmões a produzir fluidos suficientes para afogar a vítima. Outros 2.000 aliados, inertes, foram capturados pelos alemães. Munidos de modernas máscaras respiratórias, avançaram com tranquilidade pelos três quilômetros de linhas de frente abandonados pelos defensores.
• • •
Um novo adereço bélico: soldados agora têm de marchar com rostos cobertos
Quid pro quo - Na verdade, as forças tedescas já haviam usado projéteis com brometo xílico (conhecido como gás lacrimejante) no início do ano, contra tropas russas no rio Rawka, a oeste de Varsóvia. Porém, as temperaturas baixas neutralizaram o efeito do agente químico - e ele congelou em vez de se vaporizar. A revolta generalizada diante da matança em Ypres se dá porque a Alemanha é uma das signatárias da Convenção de Haia, que proíbe terminantemente o uso de armas químicas ou venenosas. Das grandes forças mundiais, apenas os italianos, os americanos e os turcos não assinam o pacto. Desde o final do século passado, cientistas alertam para o potencial apocalíptico desta qualidade de armamento de destruição em massa. Todos sabiam, porém, que era questão de tempo até que ela fosse usada num front de guerra.
Cientes da péssima repercussão do assalto em Ypres, os alemães preparam um dossiê para justificar seus atos, alegando que foram os franceses os primeiros a rasgar a Convenção de Haia ao lançar granadas com gás ainda no início da guerra. Circula ainda nas câmaras militares alemãs um documento interceptado do Ministério da Guerra francês, datado de 21 de fevereiro, detalhando as aplicações e as medidas de proteção a serem tomadas pelas tropas quando do uso de granadas e cartuchos com gases que estariam sendo fabricadas pelas fábricas francesas. "Para todos que mantiverem um julgamento imparcial, os documentos oficiais a serem apresentados pela administração militar alemã serão suficientes para provar o uso anterior de gases asfixiantes por nossos oponentes", garante um oficial alemão, que pediu anonimato até a divulgação do material.
Revista Veja na História
Nenhum comentário:
Postar um comentário