Politicagem à brasileira: o gosto pelo poder
Premiada pelo Arquivo Nacional em 2005, tese faz a gênese da velha arte de governar no Brasil.
A elite quer se perpetuar no poder. Para isso inúmeras estratégias são desenvolvidas por ela. Não importa o tipo de regime adotado, desde a independência em 1822 até o Estado republicano foi sempre do mesmo jeito. A elite quer participar e dar as cartas do jogo político. Seus integrantes são unidos por amplas teias de relacionamentos pessoais, negociações entre o público e o privado, entre grupos e instituições, com sucessivos realinhamentos. A dinâmica dessas relações, embora tenha um caráter aparentemente conjuntural, oculta a lógica do modelo político. Essa conclusão, óbvia à primeira vista, reflete muito bem o modo de fazer política na história do Brasil. Mas é dessa forma que a tese de Maria Fernanda Vieira Martins - A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889) - se encerra.
A origem (ou pelo menos parte) do jogo político e das estratégias de poder no Brasil independente pode ser entendida nesse trabalho. O Conselho de Estado (1842-1889) era um órgão que atuava como Poder Moderador e tinha a função de arbitrar as questões nacionais inspirado pelo liberalismo europeu. Isto é, a isenção e o comprometimento com a lei desejáveis numa monarquia constitucional moderna.
Criado em 1823, logo após a Independência, o Conselho de Estado foi extinto em 1834 na reforma constitucional. Recriado em 1841, após a declaração da maioridade de D Pedro II em julho, que acontecera em 1840, atuou de 1842 até as vésperas da proclamação da República em 1889, quando foi extinto.
Para estudar o Conselho, a autora investigou a origem dos membros desse grupo, ou seja, a elite. Maria Fernanda entende como elite brasileira os grupos econômicos ligados aos novos setores (lavoura cafeeira) e a velha nobreza rural. Os homens, filhos dessas poderosas famílias - concentradas nos estados do Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais -, foram influenciados pelos pensamentos liberais europeus e americanos durante seus estudos de direito, principalmente na Universidade de Coimbra. Muitos desses membros da elite alcançavam altos postos na administração pública e poderiam ser simultaneamente capitalistas, negociantes, intelectuais e políticos. Portanto, para entender o Conselho de Estado, diz a autora, é fundamental entender sua relação com as elites.
Esses indivíduos eram políticos de diversas origens e tendências. O cargo era vitalício, e todos os membros deviam atender as consultas dos ministros e do imperador. Deveriam também arbitrar negociações de guerra e paz com outras nações, conflitos entre autoridades administrativas e judiciárias e os abusos da Igreja.
A ênfase desse trabalho vai muito além de simplesmente entender a atuação do Conselho de Estado na política imperial, mas sobretudo em detalhar as redes de relações e estratégias políticas construídas pelos 72 membros que formaram esse grupo, ou, nas palavras da autora, redes de sociabilidade e parentesco. Essas redes definiram as decisões, objetivos e propostas vinculadas aos laços e compromissos assumidos entre os membros dessa elite. É importante ressaltar que a autora entende essas redes tanto como transações inerentes ao próprio Conselho quanto na sua relação com a sociedade, pois muitas vezes os membros estavam ligados entre si por laços de parentesco ou outros tipos de alianças. Para isso recorre aos historiadores da micro-história (Giovanni Levi, Michel Trebitsch, Henrique Espada Lima, entre outros) com o objetivo de analisar o grupo na sua particularidade e na sua relação com o coletivo.
Assim, esses conselheiros encarregados de decidir e aconselhar a política da nova monarquia constitucional muitas vezes trabalhavam em benefício próprio. A lei, representação máxima do Estado moderno, nas mãos de instâncias não representativas - nesse caso as elites deliberando para o Conselho - assume um caráter coercitivo a fim de alcançar seus objetivos e interesses.
O trabalho foi dividido em três partes que comportam um total de cinco capítulos. A primeira delas, "Estado, monarquia e elites do segundo reinado" - capítulo 1 -, contextualiza o cenário político após a independência e as bases do Estado imperial brasileiro no século XIX.
Na segunda parte, "Trajetórias e Redes" - capítulos 2 e 3 -, a autora problematiza o perfil da elite imperial: suas origens, seus bens, sua formação e produção intelectual. Além disso, nessa parte são analisadas as relações de sociabilidade e parentesco. Nesse momento, a tese toma proporções. Percebe-se no detalhe a importância das relações interpessoais, os interesses de grupo e suas estratégias políticas.
Na terceira parte, "A prática institucional" - capítulos 4 e 5 -, a autora mostra a prática política do Conselho de Estado e sua principal função de auxiliar a monarquia a exercer o papel de árbitro dos conflitos e a conciliação de interesses. O último capítulo traz uma reflexão acerca da fase final do Conselho e sua postura diante da escravidão, do declínio de sua ação às vésperas da Proclamação da República em 1889, quando se extingue, consolidando o projeto político da elite no modelo de Estado que foi construído no Brasil.
Com essa tese, Maria Fernanda inova e consolida seu trabalho na historiografia brasileira. Para além da bipolaridade das relações entre conservadores e liberais ou burocratas e a classe senhorial no interior das elites - comuns às análises da historiografia de referência de Ilmar R. Mattos e José Murillo de Carvalho, entre outros -, a autora propõe uma nova abordagem. Esta leva em conta as múltiplas direções que esse processo apresenta na história dessas elites, de sua cultura política e de sua necessidade de manter-se no poder, mesmo que a estrutura estatal mude.
Defendida na Universidade Federal Fluminense em maio de 2005, a tese teve a orientação de João Luís Ribeiro Fragoso e contou com a banca de argüição de Angela de Castro Gomes (UFF), Lúcia Maria Paschoal Guimarães (UERJ), Maria de Fátima Gouvêa (UFF) e Marieta de Moraes Ferreira (UFRJ). Recebeu o prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa no ano de 2005 e será publicada no ano que vem.
Sobre o trabalho
TÍTULO: A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889)
AUTORA: Maria Fernanda Vieira Martins
INSTITUIÇÃO: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
ORIENTADOR: João Luís Ribeiro Fragoso
DEFESA: abril de 2005
Revista História Viva
Premiada pelo Arquivo Nacional em 2005, tese faz a gênese da velha arte de governar no Brasil.
A elite quer se perpetuar no poder. Para isso inúmeras estratégias são desenvolvidas por ela. Não importa o tipo de regime adotado, desde a independência em 1822 até o Estado republicano foi sempre do mesmo jeito. A elite quer participar e dar as cartas do jogo político. Seus integrantes são unidos por amplas teias de relacionamentos pessoais, negociações entre o público e o privado, entre grupos e instituições, com sucessivos realinhamentos. A dinâmica dessas relações, embora tenha um caráter aparentemente conjuntural, oculta a lógica do modelo político. Essa conclusão, óbvia à primeira vista, reflete muito bem o modo de fazer política na história do Brasil. Mas é dessa forma que a tese de Maria Fernanda Vieira Martins - A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889) - se encerra.
A origem (ou pelo menos parte) do jogo político e das estratégias de poder no Brasil independente pode ser entendida nesse trabalho. O Conselho de Estado (1842-1889) era um órgão que atuava como Poder Moderador e tinha a função de arbitrar as questões nacionais inspirado pelo liberalismo europeu. Isto é, a isenção e o comprometimento com a lei desejáveis numa monarquia constitucional moderna.
Criado em 1823, logo após a Independência, o Conselho de Estado foi extinto em 1834 na reforma constitucional. Recriado em 1841, após a declaração da maioridade de D Pedro II em julho, que acontecera em 1840, atuou de 1842 até as vésperas da proclamação da República em 1889, quando foi extinto.
Para estudar o Conselho, a autora investigou a origem dos membros desse grupo, ou seja, a elite. Maria Fernanda entende como elite brasileira os grupos econômicos ligados aos novos setores (lavoura cafeeira) e a velha nobreza rural. Os homens, filhos dessas poderosas famílias - concentradas nos estados do Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais -, foram influenciados pelos pensamentos liberais europeus e americanos durante seus estudos de direito, principalmente na Universidade de Coimbra. Muitos desses membros da elite alcançavam altos postos na administração pública e poderiam ser simultaneamente capitalistas, negociantes, intelectuais e políticos. Portanto, para entender o Conselho de Estado, diz a autora, é fundamental entender sua relação com as elites.
Esses indivíduos eram políticos de diversas origens e tendências. O cargo era vitalício, e todos os membros deviam atender as consultas dos ministros e do imperador. Deveriam também arbitrar negociações de guerra e paz com outras nações, conflitos entre autoridades administrativas e judiciárias e os abusos da Igreja.
A ênfase desse trabalho vai muito além de simplesmente entender a atuação do Conselho de Estado na política imperial, mas sobretudo em detalhar as redes de relações e estratégias políticas construídas pelos 72 membros que formaram esse grupo, ou, nas palavras da autora, redes de sociabilidade e parentesco. Essas redes definiram as decisões, objetivos e propostas vinculadas aos laços e compromissos assumidos entre os membros dessa elite. É importante ressaltar que a autora entende essas redes tanto como transações inerentes ao próprio Conselho quanto na sua relação com a sociedade, pois muitas vezes os membros estavam ligados entre si por laços de parentesco ou outros tipos de alianças. Para isso recorre aos historiadores da micro-história (Giovanni Levi, Michel Trebitsch, Henrique Espada Lima, entre outros) com o objetivo de analisar o grupo na sua particularidade e na sua relação com o coletivo.
Assim, esses conselheiros encarregados de decidir e aconselhar a política da nova monarquia constitucional muitas vezes trabalhavam em benefício próprio. A lei, representação máxima do Estado moderno, nas mãos de instâncias não representativas - nesse caso as elites deliberando para o Conselho - assume um caráter coercitivo a fim de alcançar seus objetivos e interesses.
O trabalho foi dividido em três partes que comportam um total de cinco capítulos. A primeira delas, "Estado, monarquia e elites do segundo reinado" - capítulo 1 -, contextualiza o cenário político após a independência e as bases do Estado imperial brasileiro no século XIX.
Na segunda parte, "Trajetórias e Redes" - capítulos 2 e 3 -, a autora problematiza o perfil da elite imperial: suas origens, seus bens, sua formação e produção intelectual. Além disso, nessa parte são analisadas as relações de sociabilidade e parentesco. Nesse momento, a tese toma proporções. Percebe-se no detalhe a importância das relações interpessoais, os interesses de grupo e suas estratégias políticas.
Na terceira parte, "A prática institucional" - capítulos 4 e 5 -, a autora mostra a prática política do Conselho de Estado e sua principal função de auxiliar a monarquia a exercer o papel de árbitro dos conflitos e a conciliação de interesses. O último capítulo traz uma reflexão acerca da fase final do Conselho e sua postura diante da escravidão, do declínio de sua ação às vésperas da Proclamação da República em 1889, quando se extingue, consolidando o projeto político da elite no modelo de Estado que foi construído no Brasil.
Com essa tese, Maria Fernanda inova e consolida seu trabalho na historiografia brasileira. Para além da bipolaridade das relações entre conservadores e liberais ou burocratas e a classe senhorial no interior das elites - comuns às análises da historiografia de referência de Ilmar R. Mattos e José Murillo de Carvalho, entre outros -, a autora propõe uma nova abordagem. Esta leva em conta as múltiplas direções que esse processo apresenta na história dessas elites, de sua cultura política e de sua necessidade de manter-se no poder, mesmo que a estrutura estatal mude.
Defendida na Universidade Federal Fluminense em maio de 2005, a tese teve a orientação de João Luís Ribeiro Fragoso e contou com a banca de argüição de Angela de Castro Gomes (UFF), Lúcia Maria Paschoal Guimarães (UERJ), Maria de Fátima Gouvêa (UFF) e Marieta de Moraes Ferreira (UFRJ). Recebeu o prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa no ano de 2005 e será publicada no ano que vem.
Sobre o trabalho
TÍTULO: A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889)
AUTORA: Maria Fernanda Vieira Martins
INSTITUIÇÃO: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
ORIENTADOR: João Luís Ribeiro Fragoso
DEFESA: abril de 2005
Revista História Viva
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