Jornal de 1860 ilustra navio capturado quando ia para Cuba (Imagem New York Public Library)
O mais completo banco de dados já organizado sobre o tráfico de escravos no mundo confirma que o Brasil e os portugueses tiveram um papel central no comércio negreiro durante séculos.
Hegemonia
Para pesquisadores brasileiros, a nova edição online é ainda mais importante porque o grosso das informações adicionadas no banco trata de expedições à América Latina, em especial ao Brasil.
Mais de 5,2 mil jornadas de navios brasileiros e portugueses foram mapeadas pela primeira vez. Levando em conta todas as nacionalidades, quase 20 mil viagens que já estavam incluídas na primeira edição ganharam novos dados.
Eltis e Richardson sublinham que os novos dados mostram uma hegemonia de portugueses e brasileiros no comércio de escravos "bem maior do que pensávamos há cinco anos".
Embarcações brasileiras e portuguesas carregaram quase 5,8 milhões de escravos, cerca de 95% deles para o Brasil. Navios britânicos, que o senso comum julga serem os mais ativos no comércio negreiro, levaram cerca de 3,1 milhões.
"Os ingleses, na verdade, não foram os maiores mercadores de escravos, como muitos supõem. Agora, parece que a dominância britânica do tráfico de escravos se resumiu a apenas oito de treze décadas entre 1681 e 1807, entre dois longos períodos de hegemonia brasileira e portuguesa em que a participação britânica foi trivial", escrevem os pesquisadores.
'Chutômetro'
Os novos dados conferem nova dimensão a fatos já conhecidos de historiadores brasileiros, como o de que o comércio de escravos era dominado por agentes baseados no Brasil e não em Portugal – ou seja, na colônia, e não na metrópole.
Estudos conduzidos pelo historiador da UFRJ Manolo Florentino mostraram que três quartos dos mercadores que controlavam o tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro entre 1790 e 1830 eram sediados no Brasil.
Outra informação que o banco de dados contesta é a de que um contingente igual ao dos mais de 10 milhões de escravos que chegaram às Américas morreu na travessia.
O mapeamento indica que 12,5 milhões deixaram a costa africana durante o período da escravatura, ou seja, o número de mortos ficaria em torno de 2,5 milhões.
"Estas estimativas foram feitas em uma época em que se trabalhava com o 'chutômetro'", diz Florentino. "O trabalho de Eltis e Richardson tem o mérito de criar uma padronização, e de aproximar da realidade as estatísticas."
Mar de informação
Usuários poderão examinar de onde saiu e onde chegou cada uma das embarcações, a duração da viagem, quantos escravos foram comprados e vendidos (e a que preço), a nacionalidade do navio e até o nome do capitão.
Na introdução da obra, a ser publicada pela imprensa da Universidade de Yale, os organizadores esperam oferecer subsídios para o que chamam "uma nova era de estudos sobre o comércio escravagista".
Os artigos, assinados inclusive por pesquisadores brasileiros, como o historiador Manolo Florentino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, oferecerão uma primeira interpretação da mais completa base de dados sobre o tráfico negreiro disponível no mundo.
O professor David Richardson, da Universidade de Hull, explica que a idéia por trás do banco de dados é prover informações para que pesquisadores se debrucem sobre aspectos menos conhecidos do tráfico negreiro.
"Existe uma mudança em relação à pesquisa sobre o tráfico negreiro. Já temos o quadro geral de como a atividade funcionava, agora precisamos desconstruir essas viagens e analisar o que realmente acontecia nos navios", diz Richardson.
"O estudo do dia-a-dia do tráfico negreiro é que vai trazer seres humanos para dentro da História, fazer com que os escravos deixem de ser apenas números."
BBC Brasil - abril de 2007
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