Fim do mistério: foi uma epidemia de febre tifoide, e não o poder de Esparta, que derrubou o império grego
Luciana SgarbiDERROTA O quadro A peste de Atenas, do pintor belga Michiel Sweerts,retrata o drama dos doentes
Foi no período de maior esplendor da Grécia, a chamada Era de Ouro de Atenas (429 a.C), que um bravo guerreiro tremeu pela primeira vez. Péricles, líder militar e maior personalidade política de seu tempo, estava preparado para vencer qualquer guerra – seus inimigos o temiam sobretudo por sua habilidade como estrategista. Mas dessa vez Péricles tremeu diante de um adversário letal, invisível e com estranho poder de destruição. Atenienses e espartanos disputavam a hegemonia no início das guerras do Peloponeso, quando uma doença misteriosa, o tal do inimigo invisível, infestou Atenas. “(...) Os curadores nada podiam fazer, pois desconheciam a natureza da enfermidade e, além disso, foram os pioneiros no contato com os doentes e morreram em primeiro lugar. O conhecimento humano mostrou-se incapaz. Em vão se elevavam orações nos templos e se dirigiam preces aos oráculos. Finalmente, tudo foi renunciado ante a força da epidemia”, diz um trecho do antiquíssimo relato original do historiador grego Tucídides, contemporâneo da tragédia que ficou conhecida como a “Praga de Atenas”. Essa praga vem sendo estudada durante décadas pelos principais centros de epidemiologia e já se suspeitou de peste bubônica, varíola, tifo transmitido por piolhos (comum em épocas de guerra devido aos aglomerados humanos em lugares de péssima higiene) e até de surto de infecção pelo vírus Ebola. Na semana passada, finalmente a ciência comemorou o fim do mistério com artigos publicados nas mais conceituadas revistas especializadas do planeta.
RELATO
O historiador grego Tucídides
sobreviveu e deixou registros sobre a doença
O infectologista grego Manolis Papagrigorakis, da Universidade de Atenas, valeu-se de testes genéticos em restos mortais (cavidade de dentes) de atenienses da época da guerra do Peloponeso. Descobriu que Atenas ajoelhou-se diante de Esparta não pela força do exército adversário, mas, isso sim, porque era impossível resistir ao micro-organismo Salmonella typhi, causador da chamada febre tifoide. Transmitida por água ou alimentos contaminados com resíduos humanos (comum em situações de higiene precária), a enfermidade provoca problemas cardíacos, gastrointestinais, complicações neurológicos e profunda e inevitável prostração – inimiga maior de um combatente. “Descobrimos uma sepultura coletiva com restos de vítimas da epidemia. Tive certeza de que o enigma estava resolvido”, diz Papagrigorakis. Os pesquisadores conseguiram recolher material suficiente para a identificação do micróbio que causou o surto. Utilizando técnicas de recombinação de genes, fragmentos do material genético de uma bactéria semelhante à atual Salmonella typhi foram recuperados no interior da polpa de dentes ainda existentes em ossadas. A epidemia matou uma a cada quatro pessoas, provocando a derrocada de Atenas. A maioria dos soldados morria nove dias após adoecer. “Naquela época o homem se preparava para uma guerra com grandes armaduras. Atenas jamais imaginou que perderia para um inimigo de menos de um milímetro”, diz Papagrigorakis.
Revista Istoé
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