por Charles Meyer
Grupo de pilotos kamikazes japoneses em uniforme de vôo, em 1945
O culto dos heróis é sem dúvida o mais difundido no mundo desde a Antigüidade. Muitas civilizações têm templos e rituais em homenagem aos "mortos pela pátria".
No país do sol nascente, o Yasukuni jinja, ou "Santuário da nação em paz", receberia as almas dos soldados japoneses mortos em combate. Ele foi construído em Tóquio, em 1869, pelo imperador Meiji, vinculado ao xintoísmo, a religião do Estado, bastante impregnada pelo militarismo. Na história de todas as sociedades humanas, os exemplos de gestos heróicos ou feitos realizados durante as guerras jamais são esquecidos. No Japão, os atos suicidas (jibaku) eram cometidos muitas vezes em caráter individual por soldados carregados com explosivos, que se jogavam sobre as posições inimigas, por aviadores em meio às grandes batalhas aeronavais, tendo na mente o lema banzai "antes a morte que a rendição". Os americanos atribuíam essas atitudes ao "fanatismo".
Os chefes militares japoneses sabiam que o tempo agia contra eles e que a esmagadora superioridade da produção de guerra americana conduzia irremediavelmente à derrota do Japão e, também, à da Alemanha hitlerista. A menos que fossem introduzidas armas novas que revertessem a situação. Em todos os países em guerra, os cientistas desempenhavam o papel de aprendizes de feiticeiro, envolvidos, entre outros projetos, na fabricação de uma bomba atômica. Mas os de Los Alamos, nos Estados Unidos, estavam confortavelmente mais adiantados que seus "concorrentes" alemães de Hechingen e, ainda mais, dos japoneses do centro nuclear de Hunan, na Coréia do Norte. O resultado seria visto em Hiroshima e Nagasaki.
O sonho japonês de levar a guerra ao solo americano ficou patente com o lançamento de 9 mil balões de 10 metros de diâmetro, carregando uma carga explosiva e incendiária de 90 quilos, empurrados para o leste pelos ventos dominantes sobre o oceano Pacífico e que atingiam 300 km/h, acima de 10 mil metros de altitude. Cerca de um milhar deles atingiram os Estados Unidos provocando somente incêndios de extensão limitada. A obsessão era sua eventual utilização na guerra bacteriológica, pois as pesquisas da unidade 731, do general Ishiii Shiro, estavam significativamente avançadas. Mais modestamente, os engenheiros japoneses tinham se inspirado no "torpedo humano" italiano chamado maiale, montado por dois homens-rãs que se soltavam após fixar no casco de um navio inimigo uma carga explosiva de efeito retardado. O engenho japonês, operacional em abril de 1944, chamava-se kaiten (volta ao céu) e, implicitamente, não previa a sobrevivência dos homens-rãs, chamados fukuryu (dragões sorrateiros).
Batizada de kikumizutai (crisântemos d\\'água), a operação de 19 de novembro de 1944 pela primeira equipe de cinco homens-torpedos, transportados por três submarinos cargueiros ancorados na ilha Ulithi, entre as Marianas e as Palau, foi um fracasso. Em janeiro de 1945, uma segunda operação contra navios americanos em Guam obteve resultados tão modestos que os kaiten foram abandonados. Como o seriam as sentinelas suicidas Shinyo (agitadores marítimos), que navegavam a 30 nós com duas toneladas de bombas na dianteira.
Iniciativa isolada
Buscava-se, a propósito, o aumento da eficiência. A superioridade aeronaval americana era evidente, mas havia meses os pilotos da marinha imperial falavam de ataques suicidas contra os navios de guerra americanos para restabelecer o equilíbrio de forças. O comandante da base de Tateyama sugeriu ao almirante Ito organizá-los e torná-los oficiais. A idéia não foi logo aprovada, mas começou a vingar.
O primeiro ataque suicida coordenado foi uma iniciativa isolada dos pilotos de nove aviões Zeros e de oito bombardeiros torpedeiros que decolaram de Iwo Jima em 8 de julho de 1944 (ou 20 de junho, segundo outras fontes); 12 foram abatidos pelos Hellcats americanos, mas cinco outros retornaram à base. Em 15 de outubro, o gesto do almirante Masabumi Arima, que mergulhou com uma esquadrilha ao encontro da frota invasora nas costas das Filipinas, espatifando-se contra um porta-aviões americano, agitou os ânimos.
Quatro dias depois, o almirante Takijiro Onishi, comandante da 1a frota naval, reuniu os oficiais da 201a esquadra na base de Mabalacat, na ilha de Luzon. Era iminente o confronto no golfo de Leyte e no mar de Sibuyan entre as forças imperiais e a frota americana invasora das Filipinas. O discurso de Onishi, como seria depois contado, não deixou dúvida: a aviação japonesa não tinha os meios de cumprir seu papel na batalha. Salvo com o recurso sistemático às ações especiais "por percussão" e, segundo a fórmula preconizada, "um só homem num Zero, com uma bomba de 250 quilos, para destruir um porta-aviões com uma tripulação de mil homens".
Os estudos demonstram, com efeito, que num ataque clássico a um navio de guerra os tiros não alcançam 10% do objetivo, enquanto a eficiência se eleva para 30% com a tática kamikaze. Os voluntários responderam: os 26 pilotos de Zeros da 201a apresentaram-se todos. Em 25 de outubro de 1944, o primeiro ataque "especial" dos cinco caças da esquadrilha Shikishima custou à esquadra americana, na baía de Samar, os porta-aviões Saint-Lô, que explodiu e naufragou, Suwanee, seriamente afetado, que perdeu 150 homens e dez aviões, e Kalinin Bay, atingido de maneira mais leve. Os almirantes americanos notaram que se tratava, dessa vez, de uma intervenção coordenada, mas limitada, de kamikazes, enquanto os adversários japoneses ali tinham enxergado o preâmbulo de uma nova tática que poderia assinalar uma reversão da guerra.
A iniciativa do almirante Onishi tinha sido convincente. Em 25 de novembro de 1944, nas mesmas paragens, uma formação de 35 kamikazes infligira danos sérios aos porta-aviões Independence, Essex e alguns outros; depois, no dia 27, ao encouraçado Colorado e a dois cruzadores, e, ainda no dia 29, ao encouraçado Maryland. Os japoneses, aliás, poderiam passar a acreditar num sinal do céu quando, no dia 18 de dezembro, um tufão de extrema violência varreu a 3a frota americana, provocando o naufrágio de três destróieres e estragos consideráveis aos porta-aviões e aos cruzadores. Durante a defesa das Filipinas, que não cessaria até a capitulação do Japão, 650 kamikazes decolaram e afundaram 16 navios, além de causar danos em outros 150.
Tradição do sacrifício
O estado-maior imperial japonês convenceu-se da eficácia dos Tokotai, e o imperador Hirohito aprovou o discurso que assegurava que esses garotos de 20 anos estavam indo "morrer felizes e orgulhosos por ele e pela vitória". Os voluntários eram dez vezes mais numerosos que os aviões disponíveis. O ponto de vista oficial da marinha americana sobre a nova tática resumia-se numa frase: "Diabólica mas eficaz, particularmente bem adaptada às circunstâncias, sustentada e estimulada por uma poderosa campanha de propaganda". Essa eficácia não deixava de inquietar, a ponto de, nos Estados Unidos, o blecaute preventivo dos ataques suicidas ter sido mantido até abril de 1945. A abordagem americana da questão militar e técnica era absolutamente rigorosa; deixou os psicólogos americanos alucinados na tentativa de analisar o pensamento e o comportamento dos kamikazes, que se transformaram num enigma até para a juventude japonesa de hoje. Todos os testemunhos confirmam: seu engajamento não era suscitado por uma "lavagem cerebral", nem provocado mediante constrangimento.
Tratava-se de uma decisão pensada, refletida, tomada com toda a liberdade, apoiada por uma "pesquisa espiritual" alimentada pelo ideal xintoísta (promovido a religião nacional), associada à divinização do imperador e ao bushido (o caminho do guerreiro) ou mesmo a uma das escolas da sabedoria budista. Com referências, no entanto, aos velhos mitos lembrados pelos militaristas e pelos ultranacionalistas do governo. Um deles foi o de Amaterasu Omikami, deusa do sol e da origem da dinastia imperial, invocada como protetora dos kamikazes. Enfim e sobretudo, a tradição do sacrifício e da morte voluntária, escolhida e não impingida, tinha ainda um grande fascínio. Maurice Pinguet escreveu: "Como os pilotos sabiam que morreriam cedo ou tarde num combate desigual, era preferível escolher uma morte mais rápida, porém mais eficaz. A esses homens não era prometida, a propósito, nenhuma recompensa, nenhum paraíso, logo eles não esperavam nem mesmo a vitória. Nada embotava para eles o fio cortante da morte".
Da assinatura do compromisso até sua morte, adiada mas inelutavelmente programada, podiam transcorrer várias semanas. Os voluntários, entre os quais numerosos estudantes, muitas vezes não recebiam mais do que uma instrução básica de pilotagem. Faziam um estágio especial de uma semana: dois dias para a decolagem com uma bomba de 250 quilos, dois dias para o vôo em formação e três dias para a abordagem e o ataque. Uma grande importância era atribuída à preparação mental para um sacrifício cuja única justificativa era a eficácia, senão a utilidade, exigindo-se daquele que o realizava perfeita lucidez, paz de espírito e autocontrole. A ênfase era colocada na necessidade absoluta de manter os olhos abertos até o "encontro" com o objetivo, pois uma distração de uma fração de segundo poderia provocar o fracasso. Descobriu-se que os kamikazes interrogavam-se vivamente sobre as possibilidades de controle desse último instante.
Suicídio nacional
Num determinado momento, o comandante anunciava que seria na alvorada seguinte: sua última noite e sua última carta - conformista e por vezes crítica ao regime militarista - aos pais. De madrugada, depois da costumeira instrução, eles estavam todos lá, em posição de vôo, com o sabre de samurai ao lado, e na cabeça o cachecol branco batido pelo sol nascente daqueles que iriam morrer. O comandante da base oferecia a cada um deles um copo de saquê, e todos se inclinavam na direção do imperador antes de correr para os aviões sob as aclamações dos camaradas.
Em abril de 1945, o almirante Matome Ugaki, encarregado da coordenação dos ataques especiais para a defesa de Okinawa, onde os fuzileiros navais americanos haviam acabado de desembarcar, dispunha de 700 sentinelas suicidas Shinyo e de uma considerável quantidade de aviões baseados em Kyushu, dentre os quais vários milhares de Zeros e bombardeiros Nakajima Ki-115, que carregavam uma bomba de 500 quilos e tinham um raio de ação de 1.200 km. O método de ataque era o direto.
Os aparelhos kamikazes escoltados por caças deveriam aproximar-se em baixa altitude até perto da frota americana, subir até 4.500 metros e mergulhar em direção aos alvos, para atingir a cabine do elevador central do porta-aviões ou a passagem estreita da passarela entre os outros edifícios.
Em 6 de abril de 1945, 355 aviões suicidas (dos quais 230 da marinha) partiram para o ataque; os americanos abateram 250 antes que eles conseguissem se aproximar de seus objetivos. Mas os sobreviventes puseram fora de combate o porta-aviões Hancock, afundaram dois grandes transportes de assalto, danificaram o encouraçado Maryland e diversos destróieres. Em 12 de abril seriam 185, seguidos por 135 caças e bombardeiros carregando um engenho novo, o Oka 11: 1.800 quilos de explosivos, propelido a mil km/h por três foguetes, disparados a 6 mil metros de altitude, com alcance de 32 km, ao qual os americanos deram o nome japonês de baka (estúpido). As unidades kamikazes de elite que os transportavam tinham sido batizadas de Jinrai Oka (Flores de Cerejeiras do Trovão dos Deuses). Mas os resultados não corresponderam às expectativas.
Os combates encarniçados de Okinawa terminaram em 22 de junho com o sepukku (haraquiri) dos generais Ushijima e Chô, realizado segundo a melhor tradição.
Durante suas 1.900 missões suicidas, os kamikazes da marinha e da aviação tinham afundado cerca de 30 embarcações americanas e danificado cerca de 300, causando diretamente a morte de 4.907 marinheiros. A marinha americana lhes havia oposto uma defesa que, embora eficaz, não era impermeável. Com 14,7% de acertos, os resultados dos ataques kamikazes continuavam ainda muito acima da média dos ataques convencionais. Certos comandantes militares japoneses excederam-se nas considerações de natureza militar. O almirante Onishi, por exemplo, declarava: "Eficazes ou não, esses ataques oferecem ao mundo e a nós mesmos um espetáculo de heroísmo, de orgulho. Eles asseguram, seja qual for o resultado, a sobrevivência de nosso patriotismo espiritual". O discurso pretendia justificar uma espécie de suicídio nacional, que pareceria insignificante depois de Hiroshima e Nagasaki. E totalmente absurdo 50 anos mais tarde.
Sobrevida indecorosa
Em 15 de agosto de 1945, eles ouviram em pé, com as cabeças baixas, abatidos, incrédulos, o imperador Hirohito anunciar a capitulação. De volta à vida civil, muitos desenvolveram, durante um tempo mais ou menos longo, um complexo de culpa por não terem levado a termo seu compromisso e por não terem seguido os 4.615 pilotos kamikazes que haviam se juntado aos deuses. Na época, eles eram milhares que a derrota mergulhara na desordem ou no desespero e que não conseguiam mais conferir sentido à palavra "futuro". Seus inspiradores, em grande número, optaram pelo suicídio e muitos os imitaram. Em 15 de agosto, o almirante Ugaki, comandante da V Frota, de Kyushu, voou para Okinawa acompanhado por uma dezena de pilotos suicidas e, antes de desaparecer, transmitiu uma última mensagem, na qual se dizia "(...) convencido mais do que nunca da eternidade do império e da exaltação sem cessar renovada do espírito dos kamikazes".
A desmobilização das forças armadas japonesas efetuou-se em seis semanas no arquipélago nipônico. Vários milhares de kamikazes retornaram a seus lares, abandonados pela falência da ordem social até então dominada pelos guerreiros, em meio ao desmoronamento da ordem mental em que vivia o povo japonês. As antigas classes dirigentes, responsabilizadas pela guerra e pela derrota, foram expurgadas, mas reapareceriam em 1948. Os velhos militaristas proclamaram seus feitos de armas, "com o rosto voltado para o passado, o coração cheio de desgosto e desespero diante do presente", difundindo imprecações contra o governo e a administração americana; eles caíram no esquecimento.
Os "heróis" tinham logo compreendido que os chefes lhes haviam mentido, que eles tinham sido enganados, manipulados, sacrificados. Marcados pela terrível familiaridade com a morte, os kamikazes muitas vezes transformaram sua amargura em furor contra o que havia oprimido a sua juventude, a instituição imperial e a familiar, as concepções religiosas, ideológicas, militaristas e favoráveis à idéia de Estado, agrupadas sob o nome kokkotai, que os americanos não estavam empenhados em respeitar. Nos anos 1946-1948, alguns se juntaram ao partido comunista, outros foram seduzidos pelo niilismo. E os nostálgicos da vida coletiva e do enquadramento agregaram-se em grupos de todas as tendências políticas, por vezes aos bandos de saqueadores e malfeitores que tiveram sua idade de ouro nessa época. Sua reintegração ao conformismo social se efetuaria sem ruído depois de 1951, graças ao milagre econômico japonês. Os kamikazes, aureolados de glória em 1945, fizeram carreira nas sociedades Sony, Honda, Denzu ou outras. Eles são hoje retratos serenos que falam pouco dos fantasmas do passado.
O vento dos deuses
O nome kamikaze foi inventado em referência a um episódio histórico conhecido por todos e que acabou associado à ameaça de invasão da época. Em junho de 1281, o imperador mongol Kublai Khan havia lançado uma nova e muito poderosa expedição contra o Japão, que se recusava a pagar-lhe tributos. Uma forte armada de mais de 3 mil navios desembarcou 160 mil conquistadores mongóis, chineses e coreanos em Kyushu e nas ilhotas de Takashima e Hirado. Os defensores estavam em deplorável situação quando, em 15 de agosto, um terrível tufão dispersou e afundou a esquadra mongol. Essa "intervenção" que salvou o Japão ficou na memória coletiva como "o vento dos deuses" (kamikaze). A palavra entrou no Larousse para designar indiferentemente o avião ou o piloto suicida, mas teria, diz-se, sido preservada pelo vocabulário japonês. Em outubro de 1944, a designação oficial era Taiatari Tokubetsu Kogekitai (a contração é Tokotai), que significa "corpo especial de ataques por choque corporal". Falava-se, todavia, kamikaze ou shimpu.
Charles Meyer é historiador, especialista em Extremo Oriente.
Revista Historia Viva
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