sexta-feira, 19 de junho de 2009

A agenda política dos revisionistas - A morte de inocentes

Ao negar um fato cabal da história do século XX, a morte de inocentes a mando do governo nazista, David Irving foi, parafraseando um jornal inglês, “o artífice de sua própria queda”
por Renato Alencar Dotta
THE ADELAIDE INSTITUTE

Conferência Internacional sobre o Holocausto, provocação do Irã a Israel

Com o recente caso da reabilitação do bispo britânico Richard Williamson pelo papa Bento XVI, o sinistro tema da negação histórica do Holocausto volta à pauta.

Outros fatos fazem com que essa estranha idéia saia das sombras e ganhe as páginas de jornais e revistas, como a Conferência Internacional sobre o Holocausto, iniciativa do governo do Irã, em 2006, que também promoveu um concurso de charges considerado anti-semita. Ou o fechamento da editora gaúcha Revisão que, como o próprio nome indica, era porta-voz do “revisionismo” entre nós.

O bispo Williamson esteve há alguns meses numa festa na casa do historiador britânico David Irving. Este foi pivô de um dos casos mais divulgados pela mídia envolvendo negadores da Shoah: em novembro de 2005, Irving foi preso pela polícia austríaca sob a acusação de negar a ocorrência do Holocausto em público, o que é crime naquele país. Condenado, cumpriu um ano de prisão.

Dentro da corrente – pequena, mas barulhenta – dos negacionistas, Irving é um dos casos mais surpreendentes. Outrora cronista respeitado do nazismo e da Segunda Guerra Mundial, ele tem colocado sua reputação em risco sempre que faz declarações a respeito do genocídio nazista.

Em 1962, aos 24 anos, Irving – que não tem formação acadêmica em História – publicou seu primeiro livro, A destruição de Dresden, um best-seller. Escritor prolífico, várias de suas obras são elogiadas por especialistas do porte de John Keegan, Norman Finkelstein e Christopher Hitchens.

O turning-point de sua carreira começa com uma biografia polêmica de Hitler, Hitler´s war, de 1977. Nela, Irving alega que nunca foi encontrado qualquer documento assinado pelo Führer ordenando uma ação do Holocausto. Depois de Hitler, investe no filão de biografias, retratando figurões do III Reich. Seguem-se Rommel (1978), Hess (1987), Goering (1989) e Goebbels (1996). Acusada de anti-semita, a última biografia desencadeou uma série de protestos nos Estados Unidos, e teve sua publicação suspensa.

Em 2000, Irving processou a historiadora americana Deborah Lipstadt, que o acusou de “manipulação de documentos”. Perdeu e teve de pagar todas as despesas do processo.

Ativo e polêmico palestrante, o escritor tem se tornado persona non grata em países como Nova Zelândia, Austrália e Canadá. Recusando a pecha de anti-semita, declarou em recente entrevista que Hitler foi, na verdade, “um amigo dos judeus”.

Ao negar um fato cabal da história do século XX, a morte de inocentes a mando do governo nazista, David Irving foi, parafraseando um jornal inglês, “o artífice de sua própria queda”.

Alegando ser pesquisadores independentes de “fatos questionáveis”, os negacionistas são, na verdade, motivados por uma agenda política comprometida com o ressurgimento do anti-semitismo e a descriminalização do nazismo. Usando ainda para sua campanha os massacres de palestinos no Oriente Médio, poderíamos nós aplicar-lhes a frase de Brecht: “A cadela que deu à luz [ao nazismo] está no cio novamente”?

Renato Alencar Dotta é mestre em história social pela Universidade de São Paulo e co-autor do livro Integralismo: novos estudos e reinterpretações (Arquivo Municipal de Rio Claro)

Revista Historia Viva

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