Um Estudo sobre a Trajetória da Obra de Monteiro Lobato na Escola.
LUIZ, Fernando Teixeira¹
Resumo: Paralelo à trajetória de Monteiro Lobato no processo de constituição e consolidação das narrativas infantis enquanto escrituras dotadas de artisticidade, desenvolvem-se algumas concepções de leitura- pautadas em diversas teorias do texto e da linguagem – que fundamentam as práticas de ensino de literatura, formando leitores de acordo com determinado modelo. Este trabalho, portanto, tem a intenção de apresentar as metodologias empregadas para contemplar as riquezas estética, ideológica, polissêmica e altamente sugestiva da ficção de Monteiro Lobato nas séries iniciais.
Palavras – Chave: Literatura, Ensino, Leitura, Metodologias.
Abstract: Parallel to the trajectory of the work of Monteiro Lobato in the process of constitution and consolidation of the children narratives while writings endowed artistically, some conceptions of reading are developed – measured in several theories of the tests and the language – that base the pratices of literature. Thus, it can be noticed a plurality of methodogical proceedings adopted before the publications of the writer of Taubaté, aiming at forming readers according to determinate model. This work, therefore, has the intention of presenting the methodologies applied to contemplate the esthetic, ideological, polysemical and highly suggestive riches of Lobato’s tales in the initial series.
Key Words: Literature, Teaching, Reading, Methodologies.
1.1- Introdução
Segundo Trevizan (1998), a metodologia constitui a organização da ação educativa apoiada em um viés epistemológico. Esta, por sua vez, engloba uma organização formal, calcada na sequenciação do que será desenvolvido no âmbito escolar, e uma organização conceptual, que envolve uma reflexão acerca das categorias conceituais a serem ministradas ( O que é texto? O que é ensino de leitura? O que é ser leitor crítico?). Nesse sentido, o presente artigo pretende expor, sob perspectiva histórica, as propostas metodológicas adotadas nas escolas paulistas, dirigidas à obra infanto-juvenil de Monteiro Lobato. Contribui-se, nesse sentido, com a formação de pedagogos e professores de língua e literatura, oferecendo um panorama sobre a odisséia da produção lobatiana nas unidades de ensino, entre as vertentes educacionais e textuais que vigoram no século XX.
Far-se-á, dessa forma, em um primeiro momento, um breve resgate das práticas pedagógicas com literatura entre 1500 e 1920, fixando-se, a seguir, na recepção de O Sítio do Picapau Amarelo nas salas de aula.
1.2- O Itinerário do Ensino de Literatura na História da Educação Brasileira.
A conquista e a ocupação territorial pelas nações européias, em meio à expansão marítima do século XV, encontravam-se arraigadas aos interesses arrivistas da monarquia e da burguesia comercial. Dessa forma, constituía-se lentamente determinado regime de exploração decorrente da política mercantilista do período. Sua estrutura contemplava absoluta exclusividade econômica por parte da metrópole, gozando esta do direito de extração dos bens naturais - ouro e prata - e das atividades agrárias –algodão e cana-de-açúcar, entre outras. Assim, detendo o monopólio do comércio, a Coroa inviabilizava o surgimento de competidores e delineava uma relação de subordinação com o continente “descoberto”.
Segundo Candido (1965), é nesse fértil cenário em que se desenvolve um rol de manifestações literárias que implicaria, paulatinamente, no processo de projeção, constituição e consolidação da literatura brasileira. Nesse decurso, a arte se apresenta como continuidade do modelo lusitano, e é marcada pela ausência de uma expressão de brasilidade, de algo peculiar à sociedade colonial que se formava paralelamente. Ressalta-se, nesse âmbito, a contribuição barroca e árcade.
Entretanto, a educação da época, mantida pela Companhia de Jesus, não estabelece vínculos com os escritos estéticos das mencionadas vertentes, já que a concepção de preparação do leitor estava atrelava à idéia de moralidade cristã. Assim, as obras disponíveis na Colônia não atendiam às expectativas da escola, com exceção dos Sermões do Padre Antonio Vieira e da Bíblia Sagrada, os quais vigoravam como acessível material à pedagogia jesuítica.
Ressaltava-se, outrossim, as indicações de autores da Antigüidade Clássica, como Virgílio, Demóstenes, Homero, Horácio, Hesíodo e Esopo, analisados com o escopo de atender à educação cristã. Tal produção, traduzida e adaptada para o clero e, posteriormente, importada de Portugal, compreendia o compêndio de leitura do período. Com o tempo, passam a incluir obras dos próprios portugueses e dos jesuítas da Colônia, cabendo aqui destacar os escritos de Anchieta. Toda a citada literatura, como salienta Mortatti (1992) e Aguiar e Bordini (1993), era utilizada dentro das possibilidades oferecidas pelo local, na tentativa de garantir o ensino consolidado pelo Plano de Estudos da Companhia de Jesus.
O ensino de literatura ministrado pelos clérigos, portanto, voltava-se ao texto artístico com o objetivo de problematizá-lo como pretexto para o bom uso do vernáculo. Ademais, era conclamado para a extração de noções de moral, cidadania e bons costumes. O acervo disponibilizado, por conseguinte, encontrava-se nesse ensejo a serviço de uma proposta altamente didática.
Com as reformas educacionais promovidas pelo Marquês de Pombal, influenciadas pelo ideário iluminista de Verney, tem-se, como aponta Andrade (1982), o ensino de leitura dirigido à introdução das primeiras letras, às regras gerais da ortografia portuguesa e à sintaxe com o único intuito de possibilitar ao educando a ordenada e correta escrita. A literatura ainda não é objeto de estudo, e os livros que circulavam entre os pupilos eram de caráter científico. As narrativas e poesias, diante da inexistência da crítica, teriam sua relevância instaurada a posteriori com os avanços das teorias da linguagem.
Com a emancipação política do Brasil, reflexo do desenvolvimento econômico incompatível com o regime colonial, projeta-se a intenção de unificar o território sob um poder central. A trajetória da monarquia é, entretanto, marcada por batalhas provincianas e o desenvolvimento de dois grandes movimentos artísticos de inegável contribuição à cultura nacional: O Romantismo e o Realismo.
Com o conhecimento adquirido sobre o fenômeno literário, conquistado em meio ao progresso da crítica textual, os escritos estéticos do período, a partir da conduta mimética adotada pela escola, inserem-se na vida dos estudantes como modelos a serem imitados. Como afirma Zilberman (1992), prescreve-se que boas obras ensinam a falar e a escrever corretamente, e os cânones da literatura romântica e realista firmam-se como incontestáveis exemplos a serem acatados. O conceito de literatura e de leitura adotado nesse momento, que remonta a pedagogia jesuítica e se estenderia posteriormente pelo século XX, é aquele de cunho pragmático, ou seja, justifica-se apenas quando explicita sua finalidade – a de ser aplicado, investido, para se conseguir determinado efeito. Nesse caso, o domínio único e exclusivo da língua, ou seja, de um conjunto de normas parcialmente estáticas.
De acordo com Carvalho (1982), com a chegada da Família Real no país inaugura-se uma nova fase, em que se abrem amplas perspectivas à vida cultural da nação. Nesse sentido, atribui-se uma nova dimensão ao ensino, investindo-se na formação de professores e na produção de livros-textos. Compreendia o material educacional incorporado no ensejo, com fragmentos de poemas e narrativas da literatura nacional e internacional. Estes eram devidamente examinados como pretexto para as aulas que se centravam em questões de morfologia e de sintaxe.
Além dos apontados livros, os exemplares de clássicos universais constituíam, outrossim, materiais de total importância nos colégios instalados em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Os modos de ensino dirigidos a tais títulos são perfeitamente descritos em um romance da época que, atualmente, consagrou-se como referência aos estudos historiográficos concernentes à educação do Império: trata-se de O Ateneu, de Raul Pompéia.
Nesse contexto, inserem-se no país diversos contos italianos, franceses, dinamarqueses, ingleses e alemães direcionados à criança, que já haviam seduzido diferentes nações e se firmado no mercado editorial, embora ainda não fossem considerados pela crítica como literários, e, por isso, não se encontravam disponíveis nos materiais pedagógicos de leitura. Segundo Carvalho (1982), tais ficções foram traduzidas ou adaptadas em Portugal, fascinaram multidões por todo território nacional e serviram, mais tarde, como inspiração aos precursores da literatura infanto-juvenil brasileira e, em especial, a José Bento Monteiro Lobato. Uma vez explicitado o percurso da literatura na história da educação brasileira, faz-se mister tecer algumas considerações a respeito do mestre da produção infanto-juvenil nacional para, a seguir, discutir a recepção de sua obra em diferentes momentos do século XX.
1.3- A Formação da Literatura Infanto-juvenil e suas relações com a Escola.
Autor da série O Sítio do Picapau Amarelo, Monteiro Lobato se consagra com a coletânea Reinações de Narizinho (1921), e os livros O Saci (1921), Viagem ao Céu (1932), Histórias do Mundo para Crianças (1933), Caçadas de Pedrinho (1933), Emília no País da Gramática (1933), Geografia de D. Benta (1935), Memórias de Emília (1936), Serões de D. Benta (1937), Histórias de Tia Nastácia (1937), O Minotauro (1937), O Poço do Visconde (1937), A Chave do Tamanho (1942) e Os Doze Trabalhos de Hércules (1944).
Assim, edificando uma extensa produção, o escritor de Taubaté adentra o mercado editorial brasileiro com aventuras que conseguem a aceitação imediata entre as crianças.
Tais publicações, por ainda não serem avaliadas pela crítica como literatura, apenas integrarão os currículos escolares com absoluto fervor na segunda metade do século XX, quando são contemplados como objetos artísticos.Até aqui, são entendidos como manifestações de caráter inferior, incorporados por algumas escolas a serviço de “práticas pedagogizantes”.
Como o próprio romancista comenta em O Poço do Visconde, nos anos 30, seus escritos são aclamados pelos garotos e adolescentes e, paralelamente, vituperados por professores e pedagogos, que encontram na insubordinação de Emília um modelo a ser extirpado dos colégios.
Com a revisão da obra lobatiana e o boom da literatura infanto-juvenil nos anos 60, a saga dos netos de D. Benta é exposta nos livros didáticos de Língua Portuguesa, que enfocavam o trabalho pautado nas categorias Leitura, Texto e Exercícios.
Os compêndios que se fazem presentes no espaço escolar, como salienta Chiappini (in GERALDI, 1999), contribuem com a fragmentação entre o ensino de língua e o de literatura: “Ontem, como hoje, dificilmente conseguimos integrar o estudo da língua e o estudo da literatura. Sempre as aulas de língua tenderam a se concentrar na gramática, estudada abstratamente, através de exemplos soltos, de frases pré-fabricadas sob medida para os fatos gramaticais a exemplificar ou a exercitar” (p.18)
Não haverá, com o tempo, alterações significativas nesses procedimentos metodológicos, os quais serão parcialmente mantidos no decorrer das décadas. Segundo Zilberman (1982), a expansão do ensino brasileiro no século XX se apresenta vinculada ao crescimento da indústria livreira nacional, o que permite detectar um amálgama entre o material de leitura e o sistema capitalista em vigor. Nesse sentido, os livros didáticos foram aperfeiçoados com o tempo em meio à intenção de ingressar no competitivo mercado editorial.
1.4- Mapeando o Ensino de Literatura Infanto-juvenil no século XXI.
Recentemente, com as novas teorias do texto e da linguagem – Semiótica, Análise do Discurso, Estética de Recepção e Teoria da Intertextualidade – redimensionou-se as concepções e práticas do ensino de textos. As atuações pedagógicas em sala de aula, contudo, encontram-se ainda calcadas em perspectivas teóricas anteriores às que prevaleciam na década de 70.
Segundo Aguiar (1983), uma porcentagem significativa de educadores das séries iniciais não possui uma metodologia adequada para desenvolver atividades com os textos estéticos lobatianos nas dimensões gramatical, semântica e pragmática. Tal situação reflete a problemática da formação docente, evidenciando lacunas na preparação do profissional para a atuação em sala de aula.
Mizukami (1990) ressalta que a ação do professor no Brasil acha-se norteada por cinco abordagens educacionais, as quais compreendem, respectivamente: a) Tradicional, centrada na figura do professor, entendendo-o como principal pólo no processo de ensino e aprendizagem, e restringindo o aluno a elemento secundário no ato pedagógico. b) Comportamentalista, pautada nos trabalhos de Skinner, a qual defende o princípio de que o comportamento humano pode ser moldado através de estímulos significativos. c) Humanista, enfocando o educando como único eixo nas atividades didáticas. d) Cognitivista, sustentada pela produção científica de Jean Piaget, e que revolucionaria, a partir dos anos 80, os procedimentos com alfabetização, até aqui sob postura Empirista. e) Sociocultural, de caráter marxista, marcada por concepções que enfocam a escola como instrumento de conscientização e transformação social.
Cada tendência, edificada em distintos momentos, evidencia diferentes visões de educação, metodologia, relação professor-aluno, avaliação e ensino.
No que concerne especificamente aos estudos literários, verifica-se, no decorrer do século XX, o surgimento de múltiplos olhares sobre o texto artístico, os quais implicariam em propostas para o ensino com narrativas. As análises concentravam-se, em princípio, na figura do autor, desconsiderando-se outros elementos também essenciais na comunicação artística (contexto, recepção...). Com o Formalismo Russo, valoriza-se os aspectos intrínsecos da obra (estilo, personagem...). Apenas a partir da crítica bakhtiniana, aponta-se e problematiza-se a perspectiva diacrônica do texto, ou seja, o diálogo texto/contexto, não se privilegiando a atenção exclusiva da obra em si mesma, nem em qualquer outro elemento isolado do ensejo histórico da produção textual.
Em consonância com as contemporâneas contribuições das pesquisas no campo da lingüística e da semiótica, o Ministério da Educação elabora diretrizes para o aperfeiçoamento do ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa. Essas orientações articulam-se, em um primeiro momento, na Proposta Curricular da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, que se organiza em duas grandes categorizações: as atividades de linguagem e as atividades de operação e reflexão sobre a mesma, procedendo com exercícios de uso, de reflexão sobre o uso e de problematização sobre o processo de comunicação. Com a formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, documento que subsidia a educação nacional na ultima década do século XX, fez-se menção à leitura, à prática de produção de textos e à análise sobre a língua. Nos dois referenciais citados, contudo, detecta-se o pouco espaço atribuído à questão da especificidade do texto estético infanto-juvenil, o que implica nos poucos títulos teóricos elencados nas bibliografias.
Partindo do pressuposto de que as novas teorias do texto e da linguagem adentram o Brasil somente após a década de 80, e que grande parte dos profissionais atuantes nas redes estaduais de ensino graduou-se em períodos anteriores a tais contribuições, compreende-se a atuação docente perante o texto artístico como reflexo de concepções teórico-metodológicas do passado.
Nesse sentido, selecionaram-se seis escolas paulistas com a intenção de verificar os modos de ensino direcionados à série do literato de Taubaté. Questionaram-se os educadores destas instituições quanto aos procedimentos metodológicos adotados para conduzir os estudantes às ideologias circunscritas nos escritos lobatianos. Detectou-se, por conseguinte, que o livro didático de Língua Portuguesa constituía a única fonte em que os alunos tinham acesso ao Sítio do Picapau Amarelo, além de ser a ferramenta indispensável do docente para as atividades com leitura, interpretação e produção de textos.
Observando detalhadamente seis manuais de Comunicação e Expressão das editoras Ática, Moderna e Scipione, detectou-se que apresentavam em média trinta textos de diferentes autores, dos quais apenas um ou dois pertenciam ao ciclo lobatiano, o que permite constatar que sua obra se apresenta de forma diminuta em sala de aula. Corrobora-se esta informação com o fato de que os dois compêndios referentes à ultima editora citada não continham nenhuma menção ao criador de Emília.
Segundo Trevizan (1998), tal material didático não permite ao leitor a interpretação do conto abordado, captando a pluralidade de sentidos conferidos às palavras, atualizadas no processo de comunicação linguística.
Concatenando esta formulação metodológica às práticas dos professores abordados, nota-se em ambos a presença de procedimentos inadequados para as atividades centradas sobre a obra de Lobato. Com efeito, recorre-se a estas narrativas apenas em datas específicas, como o dia do Folclore – 22 de agosto – pelo fato do Saci ser uma das mais expressivas figuras do Capoeirão dos Tucanos, e o dia do Livro – 18 de abril – que corresponde à data de nascimento do discutido autor.
Os exercícios de interpretação são desenvolvidos a partir de questões que exigem do aluno a transcrição literal de determinados fragmentos da narrativa, inviabilizando-lhe adentrar a esfera ideológica inerente à configuração textual. A presente atuação justifica-se pelo fato do profissional possuir conceitos equivocados de leitura, literatura e ideologia, como confirmam Aguiar e Bordini (1993). Em face a este quadro, o educador se detém continuamente nos manuais didáticos com o objetivo de preencher as lacunas deixadas em sua formação acadêmica, a clamar por modelos a serem aplicados nas aulas em que ministra e a criticar a contribuição das Universidades, julgando-as desconectadas com a realidade escolar.
No campo da produção de textos, as condutas dos professores, calcadas no conteúdo programático disponível nos compêndios, fundamentam-se na idéia de redação. Segundo Geraldi (1999), o texto representa uma reflexão por meio da modalidade escrita, estabelecendo a interlocução com leitores possíveis. A redação, ao contrário, baseia-se em fragmentos de reflexões, observações ou desarticuladas evocações. Nesses termos, o estudante é avaliado não pela capacidade de se expressar, mas pela forma (ortografia, pontuação, conectivos, concordância etc.) com que estrutura o texto, mesmo que este não apresente uma unidade de sentido.
Por fim, efetuou-se um levantamento com os entrevistados sobre os livros do escritor de Taubaté mais conhecidos. A significativa maioria apresentou a coletânea Reinações de Narizinho como a grande cotada. Justifica-se tal dado pelo fato desta publicação constituir a primeira produção do autor e a mais divulgada entre aqueles que conhecem sua biografia. A imagem de Lobato como pioneiro na literatura infanto-juvenil nacional está intimamente atrelada a tal ficção, o que a torna um referencial para o público brasileiro sobre o criador de Emília.
Em segundo plano, encontra-se a menção à adaptação da TV Globo, cujo título serve de nomenclatura à série que retrata a saga dos netos de D. Benta: O Sítio do Picapau Amarelo. Compreende, especificamente, uma porcentagem que representa o número de não leitores da literatura lobatiana, destituído de qualquer referência às narrativas e que tem acesso ao universo do autor somente através da TV. Os demais títulos cogitados correspondem a textos presentes nos livros didáticos de Comunicação e Expressão, como “A Pílula Falante”, ou fragmentos da antologia Fábulas, exploradas com a intenção pedagógica de enfocar as ações de boa conduta, as lições de moral.
Emília no País da Gramática é uma aventura que já se previa encontrar, por contemplar temáticas exclusivas do ensino da língua materna, calcadas no pressuposto de instruir deleitando. A narrativa, porém, é introduzida na sala de aula como pretexto para a exposição das categorias da morfologia – substantivo, verbo, advérbio, adjetivo, numeral, interjeição, conjunção, preposição, pronome e artigo – desconsiderando-se os aspectos estilísticos, estéticos e ideológicos subjacentes às malhas textuais. Dessa forma, observa-se ainda no discurso docente a ausência de qualquer alusão a outras publicações e a indicação de livros inexistentes, como “Tia Nastácia” e “O Sapo e o Boi”, o que permite delinear o perfil do professor leitor de textos de Lobato e os impasses inerentes ao percurso dos moradores do Sítio pela escola brasileira.
Constata-se, por meio dessa exposição, certos percalços no que concerne à recepção da obra de Monteiro Lobato no limiar do século XXI. Diagnostica-se que os docentes, reproduzindo os modos de ensino do período em que se licenciaram, não propiciam a leitura dos textos estéticos na perspectiva pragmática, recorrendo, quase sempre, à literatura como pretexto para os estudos com gramática, ortografia, morfologia e sintaxe. Por conseguinte, a própria denominação da disciplina espelha este comportamento, típico da época em que se graduaram. A língua é um conjunto de normas mais ou menos estáticas a serviço da fala, e constitui o objeto central de problematização da Lingüística.
1.5 Considerações finais:
Com base na exposição tecida, verificou-se que os materiais utilizados na Colônia contemplavam as escrituras sagradas e as fábulas, além das produções sobre Gramática Latina, História e Aritmética, enaltecidas por servirem de modelos acerca do correto uso da língua. No império, o público tem acesso a determinados títulos estrangeiros – clássicos da literatura infanto-juvenil universal – enquanto a mais densa literatura nacional se delineava, servindo de referência aos jovens leitores.
A República, marcada pelo sucesso das narrativas de Monteiro Lobato e, não obstante, pela consolidação do livro didático, torna-se espaço para o surgimento de múltiplos olhares sobre as publicações disponíveis no país. Critica-se a postura mimética dos exemplares escolares no que tange à insistência de que os textos devem, necessariamente, ensinar a escrever e a falar bem. Em contrapartida, a conduta de imitação torna-se tradição e é exigida dos estudantes. Assim, observa-se que os conceitos de leitura e literatura adotados no passado, e que ainda predominam nos modos de ensino inerentes ao cenário contemporâneo, são de cunho utilitarista, ou seja, justificam-se quando explicitam sua finalidade – ser aplicado, investido e instituído, visando um certo efeito.
Referências Bibliográficas:
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ANDRADE, A. A. B. Contributos para a História da Mentalidade Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1982.
CANDIDO, A. Literatura e Sociedade. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1965.
CARVALHO, B. V. Literatura Infantil: Visão Histórica e Crítica. São Paulo: Global, 1985.
GERALDI, J.W. O Texto na Sala de Aula. Cascavel, Assoeste, 1999.
MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: As Abordagens do Processo. São Paulo: EPU, 1986.
MORTATTI, M. R. Leitura, Literatura e Escola; Sobre a Formação do Gosto. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
TREVIZAN, Z. As Malhas do Texto. São Paulo: Clíper, 1998.
ZILBERMAN, R. Leitura em Crise na Escola. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1993.
ZILBERMAN, R. “O Livro Didático e o Ensino de Literatura na Escola”. In:. O Livro Didático de Comunicação e Expressão. 36ª Reunião da SBPC/ São Paulo, 1982.
¹Mestre em Educação, Doutorando em Literatura e Vida Social pela Universidade Estadual Paulista, e membro do Grupo de Pesquisa “Formação de Professores e Práticas Educativas em Literatura, Leitura e Avaliação do Texto Literário”. Docente do curso de Pedagogia da Faculdade de Presidente Prudente/ UNIESP.
Revista Multidisciplinar UNIESP - http://www.uniesp.edu.br/revista/revista1/
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