terça-feira, 31 de julho de 2012

Igreja e Império Romano


entre Igreja e Império Romano
Historiador entende que a aproximação
entre as partes se deu fundamentalmente
por iniciativa de clérigos

Em dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, o historiador Robson Murilo Della Torre propõe uma nova leitura dos documentos que tratam da relação entre Igreja e Império Romano durante o principado de Constantino (início do século IV), o primeiro imperador a se declarar publicamente cristão. Ao contrário do que frequentemente registram os pesquisadores do tema, o autor do trabalho considera que a aproximação entre as partes teria se dado muito mais pela ação dos bispos, preocupados em defender e ampliar direitos e benefícios das comunidades cristãs, do que pela iniciativa da corte imperial, eventualmente interessada em obter vantagens com a possível submissão dos fiéis às suas políticas. O trabalho foi orientado pela professora Neri de Barros Almeida.
Della Torre conta que começou a trabalhar com a temática ainda na iniciação científica. Na graduação, durante a leitura dos documentos, um aspecto chamou a atenção dele. Vários autores partiam da concepção de que o Império teria cooptado a Igreja, para que esta lhe servisse de instrumento ideológico. “A partir do contato com esses textos, considerei que a relação entre Império e Igreja merecia ser analisada não tanto a partir dos interesses da corte, mas sim dos clérigos. Temos vários indícios na documentação, principalmente nos escritos do bispo palestino Eusébio de Cesaréia, nos quais meu trabalho se baseou, de que os representantes da Igreja se dirigiam com certa frequência ao imperador para pedir a concessão de benefícios ou a ratificação de direitos ancestrais da Igreja, que não estavam consolidados no direito romano”, afirma.
Entre os benefícios pleiteados pelos religiosos estavam, por exemplo, a obtenção de isenções fiscais, de privilégios jurídicos e de recursos financeiros para a construção de templos. “Esse tipo de relação, vale registrar, antecede Constantino. Já é possível identificar o movimento de aproximação entre Igreja e Império desde meados do século III. Em 270, por exemplo, um bispo pediu ao imperador Aureliano que este revertesse a decisão conciliar que o havia afastado da igreja de Antioquia, no que foi atendido. O dado interessante é que o referido imperador, além de pagão, determinou mais tarde uma perseguição aos cristãos, que acabou fracassada, uma vez que ele morreu antes do início das ações”, relata.
O principado de Constantino, conforme o autor da dissertação, é emblemático no que se refere à análise da relação entre Igreja e Império justamente porque o imperador foi o primeiro a se declarar cristão. “Durante o período em que ele esteve no poder, porém, não ocorreu uma ruptura com um suposto passado idílico no qual os cristãos teriam rejeitado todo e qualquer contato com os poderes constituídos, mas sim o ápice de um processo que já vinha em curso, principalmente por iniciativa clerical”, defende Della Torre. Com Constantino, prossegue o historiador, ocorre uma maior abertura aos cristãos. Cria-se, por exemplo, um novo corpus legislativo para tratar de ações da Igreja. “É importante notar que essa abertura seria em vão se não houvesse o interesse da Igreja em participar e se não houvesse esse histórico de busca pelo poder imperial para defender seus interesses”, insiste.
De acordo com Della Torre, Constantino também foi o primeiro imperador a isentar os clérigos de obrigações civis, como prestar serviços públicos. A justificativa apresentada por ele era de que os religiosos não precisavam deixar suas obrigações com Deus para cumprir tais tarefas. A despeito de as comunidades cristãs terem conquistado inúmeras vantagens junto ao poder imperial no período considerado, a relação entre as instituições nem sempre era tranquila, como assinala o autor da dissertação. No final do século IV e início do V, a negociação entre as partes, dependendo do tema em questão, era bastante espinhosa. Um exemplo nesse sentido era confisco dos templos pagãos, que em alguns casos eram revertidos para a Igreja. “O Império tinha dificuldade de atender a esse tipo de interesse dos clérigos porque os pagãos eram súditos como quaisquer outros. Eles pagavam seus impostos e não ofereciam problema ao poder constituído. No começo do século V, o imperador Arcádio se negou a atender esse tipo de pedido, justificando que a medida poderia gerar tumulto, uma vez que os pagãos cumpriram seus deveres normalmente”, explica Della Torre.
Ainda segundo a leitura proposta pelo pesquisador, embora a aproximação entre Igreja e Império tenha se dado fundamentalmente por iniciativa da primeira, o segundo também auferia vantagens com essa relação. A principal delas, no entender de Della Torre, era o fato de os clérigos não provocarem tumulto, dado que tinham poder para isso. “Na época, não era raro as facções eclesiásticas digladiarem entre si, o que perturbava a ordem pública. Há um episódio ocorrido em Roma, em 366, no qual dois candidatos ao episcopado se enfrentaram no interior de uma igreja. Segundo os relatos de um autor pagão, o resultado do confronto foi a morte de 3mil pessoas. Ou seja, o Império tinha todo o interesse de que esses acontecimentos não se repetissem. Em outras palavras, o poder imperial esperava que a Igreja adotasse uma posição conciliadora e não trouxesse problemas”.
Na opinião de Della Torre, ao lançar o olhar para os acontecimentos do século IV, é possível compreender melhor as questões de hoje. “Penso que um ponto importante do trabalho é justamente pensar como as igrejas já lidaram de modo diferente com o poder secular. Atualmente, a relação das igrejas com as diferentes esferas de governo se dá de forma direta, entre bispos, padres e pastores e as autoridades constituídas. Há uma defesa de interesses muito particular. Eu não vejo, como ocorria no século IV, as igrejas mobilizando fiéis para fazer valer os interesses da comunidade. Exceto no caso da última eleição presidencial, em que o tema do aborto deu o tom dos debates e obrigou as igrejas a se manifestarem publicamente a respeito, a relação entre as partes se dá de modo mais restrito”, considera. De certa forma, continua o historiador, esse novo modelo de relacionamento advém do movimento reformista cristão, que estabeleceu uma clara divisão entre Igreja e Estado, o que não havia no século IV.
A pesquisa desenvolvida por Della Torre, como já mencionado, foi baseada fundamentalmente nas obras de Eusébio de Cesaréia, que produziu vários textos sobre o imperador Constantino. “Tentei relacionar essas obras com a produção literária mais ampla de Eusébio. Além disso, também usei documentos que me permitissem confrontar ou ampliar o que ele registrou, como os escritos de historiadores eclesiásticos do século V. Por fim, utilizei ainda tratados teológicos e textos de autores pagãos, bem como breviários dos século IV”, elenca o autor da dissertação.
O trabalho acadêmico, assinala Della Torre, está vinculado ao grupo de pesquisa do Laboratório de Estudos Medievais (Leme), que envolve, além da Unicamp, USP, Unifesp e UFMG. “A atuação do grupo é muito importante porque congrega outros estudos relativos a essa temática. Tenho colegas pensando a relação entre Igreja e Império a partir de outras perspectivas”, observa o historiador, que contou com bolsas concedidas em períodos distintos pelo Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
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■ Publicações
Dissertação: “A atuação pública dos bispos no principado de Constantino: as transformações ocorridas no Império e na Igreja no início do século IV através dos textos de Eusébio de Cesaréia”
Autor: Robson Murilo Della Torre
Orientadora: Neri de Barros Almeida
Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
Financiamento: CNPq e Fapesp
Jornal UNICAMP

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Por que os homossexuais eram perseguidos?


Luiz Mott
Gravura de 1741 satiriza padres sodomitas num banquete dentro de um aigreja.
Depois dos cristãos-novos judaizantes, os homossexuais foram os mais perseguidos pela Inquisição portuguesa: trinta homens “sodomitas” foram queimados na fogueira. Proporcionalmente, os gays constituíram o grupo social tratado com maior intolerância por esse MonstrumTerribilem. Foram mais torturados e degredados que os demais condenados e, não bastasse, receberam as penas mais rigorosas. Metade foi condenada a remar para sempre nas galés del Rei.
Mas somente os praticantes do que a Inquisição classificava como “sodomia perfeita” ardiam nas fogueiras. Esta perfeição consistia “na penetração do membro viril desonesto no vaso traseiro com derramamento de semente de homem”. Os demais atos homoeróticos eram considerados pecados graves ou “molice”.  
A sodomia, entretanto, não foi estigmatizada e perseguida em todos os tribunais do Santo Ofício da Espanha, nem mesmo pela Inquisição portuguesa em seus primeiros anos de instalação. Isto demonstra que inexplicáveis fatores históricos, políticos e culturais estariam por trás do maior ou menor radicalismo da homofobia católica.
Variações e contradições da condenação moral dos desvios sexuais refletem a condição pantanosa, imprecisa e ilógica do catolicismo em relação ao amor entre pessoas do mesmo sexo. As razões cruciais que levaram a Inquisição a perseguir os homossexuais masculinos teriam sido duas. Ao condenar à fogueira apenas os praticantes da cópula anal, os Inquisidores reforçavam a mesma maldição bíblica que condenava ao apedrejamento “o homem que dormir com outro homem como se fosse mulher”. Ou seja, o crime é derramar o sêmen no vaso “antinatural”, uma vez que judaísmo, cristianismo e islamismo se definem como essencialmente pronatalistas, quando o ato sexual se destina exclusivamente à reprodução. Daí a perseguição àqueles que ousassem ejacular fora do vaso natural da fecundação, uma insubordinação antinatalista inaceitável para povos dominados pelo dogma demográfico do “crescei e multiplicai-vos como as estrelas do céu e as areias do mar”.
A segunda razão tem a ver com o estilo de vida andrógino e irreverente, quiçá revolucionário, dos próprios sodomitas, chamados de “filhos da dissidência”. Eis o trecho de um discurso homofóbico lido num sermão de um Auto de Fé de Lisboa em 1645: “O crime de sodomia é gravíssimo e tão contagioso, que em breve tempo infecciona não só as casas, lugares, vilas e cidades, mas ainda Reinos inteiros! Sodoma quer dizer traição. Gomorra, rebelião. É tão contagiosa e perigosa a peste da sodomia, que haver nela compaixão é delito. Merece fogo e todo rigor, sem compaixão nem misericórdia!”
Luiz Motté professor da Universidade Federal da Bahia e autor de Sexo proibido: virgens, gays e escravos nas garras da Inquisição (Papirus, 1988).
Saiba Mais - Bibliografia
TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso. São Paulo: Editora Record, 2000.
VAINFAS, Ronaldo. O Trópico dos pecados. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
Revista Galileu

sexta-feira, 27 de julho de 2012

História da Cirurgia


Como eram feitas as cirurgias no passado

Serrar a perna sem anestesia, instrumentos com o sangue de outros pacientes e experiências mal-sucedidas faziam com que a cirurgia fosse temida como a morte no passado, conta o inglês Richard Hollingham

Tiago Mali


Sua mãe, enfermeira, sempre lhe disse: desconfie dos cirurgiões. O escritor inglês Richard Hollingham seguiu à risca os conselhos e descobriu em arquivos guardados nos porões de Londres histórias do lado obscuro da prática desses profissionais, quando a falta de higiene e de anestesia tornavam qualquer operação uma situação arriscadíssima. Entre picadores de gelo usados para furar o cérebro e corações de pessoas vivas tomados “de aluguel”, o jornalista da BBC conta na entrevista abaixo algumas das histórias impressionantes que encontrou durante sua pesquisa para seu livro “Sangue e Entranhas, A Assustadora História da Cirurgia”.


* O que mais o surpreendeu na pesquisa da história da cirurgia?
É chocante ver como, freqüentemente, os cirurgiões não tinham a menor ideia do que estavam fazendo e, mesmo assim, as pessoas confiavam neles. Se você for operado hoje, a não ser que seja uma cirurgia pioneira, você tem 99% de chance de não ter nenhuma complicação. Antes, era o oposto. Havia uma certa arrogância em muitos dos cirurgiões do passado que os levavam a conduzir procedimentos sem pensar nas consequências. 

* Você pode citar exemplos dessa arrogância levou a erros?
O exemplo clássico de é Walter Freeman, que desenvolveu a operação de lobotomia [cirurgia de remoção de partes do cérebro que se acreditava curar a loucura]. Ele usou um número muito pequeno de evidências que esse tipo de operação poderia funcionar com loucos agressivos — talvez isso até funcionasse em poucos casos. Mesmo sem uma base confiável, fazia várias operações. Freeman perfurava um buraco, sem assepsia, na cabeça da pessoa e retirava partes na frente do cérebro. Para agilizar esse processo, desenvolveu uma técnica muito pior, a lobotomia transorbital. Chegou a fazer 25 operações em um dia enfiando um picador de gelo no topo do globo ocular, e fazendo que ele passasse por um osso bem fino até chegar ao cérebro, que seria lesionado. É chocante que ele achasse que isso funcionava e mais chocante ainda que as pessoas deixaram isso acontecer.

Editora Globo
O médico Walter Freeman fazendo uma lobotomia pelo globo ocular com o objetivo de curar doenças psiquiátricas // Reprodução
* Havia menos cuidado que hoje para fazer experimentos cirúrgicos?
A história da cirurgia é cheia de exemplos em que cirurgiões testaram no escuro para ver o que acontecia. Agora não é mais o caso, com o sistema de regulamentação moderna que temos no mundo. 

* Quais foram os mais perigosos experimentos de cirurgiões?
É importante ressaltar que, na imensa maioria dos casos, os experimentos bizarros eram feitos como última alternativa, numa tentativa desesperada de salvar alguém que já iria morrer. Um desses casos foi a técnica de circulação cruzada. Antes da invenção da máquina coração-pulmão [que mantém a circulação e oxigenação do sangue fora do coração quando o órgão está sendo operado]. Tínhamos crianças doentes com um buraco ou mal funcionamento de veias no coração. Não havia forma de tratá-los, estavam condenadas a morrer. Se você tivesse qualquer chance de tratar uma pessoa assim, você deveria tentar. Foi o que fez o cirurgião americano Walton Lillehei (1918-1999). Para continuar filtrando o sangue durante uma cirurgia cardíaca, ele conectava as veias do paciente no coração de uma outra pessoa saudável, liberando o órgão lesionado para que fosse operado. O problema, é que você pode matar o paciente e a pessoa saudável. Ainda assim, na época, foi uma forma de salvar as vidas de crianças desesperadamente doentes e, em muitos casos, funcionou.


* Qual era o significado de ser operado antigamente? 

No século 17, 18 e na maior parte do 19 você só era operado em situações extremas, era o último recurso. A chance de morrer era gigantesca. A razão mais comum para alguém passar por uma cirurgia era a amputação. Era necessária quando havia fratura exposta, porque o osso ficava de fora e causava infecção, a perna gangrenava e a pessoa morria. A opção é cortar uma parte da perna. Mas isso era feito sem anestésicos e sem assepsia. Dependendo da habilidade do cirurgião, era morte na certa. O período mais perigoso da cirurgia foi entre o desenvolvimento da anestesia (1846) e a invenção de antissépticos (final do século 19 e começo do século 20). Quando a cirurgia se tornou sem dor, os cirurgiões ganharam a oportunidade de manter o corpo do paciente aberto por mais tempo, para curar mais problemas. Só que muito mais pessoas morreram, já que o período que o corpo era exposto a uma infecção aumentava e ainda não havia um entendimento entre os médicos da importância da limpeza e do uso de substâncias que matavam os microorganismos que causavam infecções. 

* Quão precária era a higiene?
Era chocante. Não se sabia de microorganismos. As pessoas achavam que havia algum miasma, algo no ar que causava infecção. Até onde os cirurgiões sabiam, não importava realmente quão sujo algo estava porque não havia razão para não estar sujo. Havia cirurgiões que reaproveitavam bandagens e emplastros sujos de sangue e pus em outros pacientes. Por que não? Não se sabia de razão para que isso não fosse feito. Nada era esterilizado. Os bons cirurgiões trabalhavam bem rapidamente, o que minimizava o risco de infecção, mas essa não era a razão pela qual eles trabalhavam rapidamente. Faziam isso para minimizar o sofrimento do paciente, já que não havia anestesia. Os locais de operação eram encardidos, extremamente sujos. Os cirurgiões tiravam roupas limpas com as quais vinham das ruas para colocar um jaleco sujo. Você tinha uma sala cheia de pessoas respirando sobre o paciente, sangue e sujeira no chão. 

* Os pacientes tentavam fugir das cirurgias?
Os principais cirurgiões vitorianos tinham porteiros que transportariam os pacientes de uma ala do hospital para a sala de cirurgia. Durante o transporte havia seguranças acompanhando a maca para impedir que o paciente escapasse. Muitos ajudantes também tinham a função de segurar o paciente na mesa de cirurgia para que ele não se mexesse muito quando fosse se debater. Se você estivesse numa mesa cirúrgica na época, veria uma série de estudantes olhando para você e te segurando enquanto o cirurgião, sem anestesia serrava a sua perna. Era certamente uma experiência horrível. 
Revista Galileu

Matriarcado - História ou mito?



reprodução
A grande mãe?
Descoberta em 1908, a Vênus de Willendorf foi por muito tempo tida como imagem religiosa
Imagine viver numa sociedade que desconhece a guerra e a violência sistemática, que não possui classes nem estrutura rígida de poder, que não oprime mulheres nem homens e que celebra a vida a ponto de adorar a natureza como expressão de um ser divino. Soa como um sonho dourado de futuro? Pois, em linhas gerais, é assim que muitas pessoas acreditam que foi o passado da humanidade. Essa fase aparentemente idílica é conhecida por alguns como período matriarcal. Tal sociedade teria existido na Europa e na Ásia, pelo menos desde o ano 35.000 a.C. Mas os traços dessa cultura teriam sido progressivamente extintos a partir de 4.000 a.C., quando invasores vindos das estepes teriam tomado os continentes e introduzido o machismo, a cultura da guerra e a sociedade patriarcal.

A possível existência de uma fase matriarcal na história da civilização foi sugerida no século 19 e chegou a ser considerada um fato histórico por importantes arqueólogos e antropólogos até meados do século passado. Ao longo dos últimos 20 anos, porém, houve uma reviravolta no debate, e hoje boa parte da comunidade científica tende a rejeitar a idéia. Fora da academia, porém, a convicção de que houve um passado onde as relações entre homens e mulheres eram igualitárias permanece forte entre os adeptos das religiões neopagãs e as feministas. Mas ambos os grupos estão mostrando que são capazes de aceitar o revisionismo histórico sem abrir mão de suas crenças fundamentais.
A hipótese matriarcal surgiu em 1861, quando o suíço Johann Bachofen sugeriu a existência de sociedades matriarcais na pré-história. Suas idéias influenciaram fortemente antropólogos e arqueólogos do final do século 19 e começo do século 20. Quando os pesquisadores da chamada era do gelo (40.000 - 10.000 a.C.) desencavaram grande quantidade de estátuas femininas conhecidas como vênus (essa que você vê acima é a vênus de Willendorf), foram rápidos em identificá-las como representações de deusas-mãe. Em 1901 o arqueólogo britânico Sir Arthur Evans descobriu a civilização minóica, que teve seu auge na Grécia entre os século 27 e 11 a.C., e afirmou tratar-se de uma sociedade matriarcal.
Para explicar mais exatamente o que isso seria, foram surgindo mais especulações: além da descendência matrilinear, nesses povos as mulheres ocupariam os postos de liderança e até os bens herdados seriam passados de mãe para filha. Em 1958 foi descoberto na Turquia um imenso povoado do período neolítico (8.000-5.000 a.C.). Batizado de Çatalhouyk, era uma cidade que abrigava 8.000 moradores em 2.000 casas, construídas umas sobre as outras, numa área de 26 acres.
O descobridor, o arqueólogo inglês James Mellaart, estava bem familiarizado com a idéia de matriarcado ancestral. Por isso, ao encontrar em suas escavações estátuas mostrando poderosas figuras femininas, ele não exitou em identificá-las como representações de deusas, e sugeriu que a base da estrutura social em Çatalhouyk era matriarcal.
As descobertas de Mellaart, divulgadas nos anos 1960, chamaram a atenção de Marija Gimbutas, uma arqueóloga lituana residente nos Estados Unidos. Gimbutas se interessava pela "velha Europa", que era como chamava as culturas que habitaram o continente durante o período neolítico. Gimbutas estudou os artefatos produzidos numa extensa área, que ia da Rússia até a Itália, Turquia e Grécia. Ela defendia a tese de que todas essas sociedades compartilhavam uma mesma matriz cultural. O ponto central dessa cultura era o culto a uma deusa que simbolizava a Natureza, cujas raízes antiquíssimas remontariam ao paleolítico. Seu modo de vida, que ela chamava de matrifocal, seria agrária e não-violento.
Ruína dá pistas para entender modo de vida e relações entre os sexos na pré-história
PINTURAS
A maior parte das pinturas mostra homens e caçadas. Os retratos sugerem que os homens controlavam os festins rituais
ÍCONES ESTRANHOS
Esculturas de cabeças de boi encontradas em santuários chegaram a ser apontadas como símbolos de uma deusa antiga, pois representariam o útero (cabeça) e as trompas de falópio (chifres). Mas hoje tais idéias são contestadas
TRABALHO
O cultivo de plantas era uma atividade feminina. Mas outras tarefas, como a produção de ferramentas, não parecem ter sido privilégio de nenhum sexo
UMA CASA
A entrada era pelo telhado, e um forno garantia o aquecimento ambiente. Os mortos eram enterrados no subsolo das casas.
DESCENDÊNCIA
Alguns corpos tiveram sua cabeça removida e enterrada em outro lugar. Isso sugere que fossem chefes de linhagens, e que a descendência era transmitida
tanto pelo pai como pela mãe
COLMÉIA
Não havia ruas, pois as casas eram erguidas sob o telhado de uma habitação anterior. Foram encontrados 18 níveis de construção
Gimbutas explicava ainda o fim da antiga Europa: uma cultura invasora teria aos poucos submetido os povos locais. Ela identificou essa cultura com os kurgans, um povo que veio das estepes russas em 3.500 a.C. Gimbutas acreditava que os kurgans fossem uma cultura nômade e guerreira, que teria introduzido o cavalo e o idioma original indo-europeu na Europa. As idéias de Gimbutas se tornaram muito populares nos anos 1970. Surgiram seguidoras que usaram seu modelo para explicar também a pré-história de sociedades fora da "velha Europa", como a hindu. Mas a maior parte do seu público estava longe da academia, entre as feministas e os adeptos das religiões neo-pagãs.
A antropóloga americana Cynthia Eller, uma estudiosa do movimento neo-pagão, está na linha de frente do combate ao legado de Gimbutas. Ela causou polêmica ao lançar em 2000 o livro "O Mito da Deusa", no qual dissecava a crença num matriarcado pré-histórico. "Sociedades tem costumes diferentes. A idéia de que povos separados por milhares de quilômetros tivessem a mesma religião e os mesmos costumes não faz sentido", ataca. "E o fato de cultuar uma deusa não implica numa vida boa para as mulheres. Na Índia existem muitas deusas, e isso não se reflete nas condições da população feminina".
As críticas de Eller encontram eco na pesquisa arqueológica mais recente. Desde 1993 retomaram-se as escavações em Çatalhouyk. As novas pesquisas não sugerem que as mulheres usufruíssem de status especial, embora a vila pareça não ter abrigado grandes distinções entre os papéis sociais dos dois sexos.
O paraíso perdido
A suposta era matriarcal, que teria existido até cerca de 3.500 a.C., é descrita como uma época tranqüila e criativa. Para a antropóloga Cynthia Eller, a narrativa é apenas um mito moderno que explica a origem do sexismo. Confira:
Pacífica
Nessas sociedades as armas seriam usadas apenas para caçar. Os homens não receberiam treinamento militar, e as cidades não tinham muros
Igualitária
As mulheres não seriam submissas aos homens. Elas ocupariam posições de poder, e seriam honradas pela capacidade de conceber. A descendência pela linhagem materna
Religiosa
A principal atividade seria o culto a uma deusa-mãe, e as mulheres seriam reverenciadas como sacerdotisas e representações dessa deusa
A invasão
Os kurgans, uma cultura que vivia nas estepes às margens do Mar Negro, teriam migrado para o sul e dominado as sociedades matriarcais
O fim
Os invasores teriam trazido o cavalo domesticado e o idioma indo-europeu original. Eles influenciaram a cultura dos seus conquistados, introduzindo as práticas militares, as divindades guerreiras e a crença numa "inferioridade feminina" que embasariam a atual "idade patriarcal"
Brinquedo ou ícone?
reprodução
Muitas Vênus
Predominância de esculturas femininas durante o paleolítico foi apontada como sinal de alto status feminino na época
A interpretação das estátuas neolíticas como representações de uma deusa está sob fogo cerrado. "Estátuas de deusas-mães costumam mostrá-las segurando crianças, parindo ou copulando. Não é o caso das vênus, onde a mulher parece ser objetificada", analisa o britânico Timothy Taylor, especialista em arte pré-histórica. "Não há consenso sobre o significado das vênus entre os estudiosos, mas a teoria do matriarcado tem pouquíssimo apoio", diz. Ele aponta mais novidades. "Hoje conhecemos fortificações e covas coletivas que datam do período neolítico, mostrando que já existia matança e violência antes dos kurgans", diz. Além disso, questões como a domesticação do cavalo e a difusão das línguas indo-européias têm se mostrado muito complexas para serem explicadas só através de uma invasão.
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Poderosas
Estátuas de Çatalhouyk mostram mulheres fortes
As novas idéias não parecem embaraçar feministas ou neo-pagãos. A escritora Rose Marie Muraro, referência do feminismo no Brasil e autora de um livro sobre a sociedade matrifocal, não desqualifica as contestações. "Agora as opiniões se inclinam num sentido, mas já apontaram na direção oposta. É assim que funciona o debate científico", diz. "O essencial é que ou construímos uma sociedade calcada em valores como cooperação e respeito à natureza ou não haverá futuro".
O pesquisador Cláudio Quintino, autor de "A Religião da Grande Deusa", também acolhe ambas as visões. "Não acho que haja evidência de um culto à deusa vindo da pré-história. Penso que nossa sociedade sofre de uma carência do elemento feminino, que se manifesta pela religião várias vezes ao longo da história, sem necessidade de continuidade entre as manifestações", explica. "E essa necessidade é ainda mais premente hoje". Ou seja, quem acredita na importância de criar um mundo mais aberto aos valores femininos, seja na área da espiritualidade, dos relacionamentos ou em ambas, nada tem a temer por parte da ciência.
Revista Galileu



A história por baixo dos panos


Com quantos amantes se faz um reinado? O poder é afrodisíaco? Aprenda o que seu professor nunca disse

Cristina Amorim
Ilustrações: Alexandre Camanho

Por trás dos grandes feitos da humanidade, há grandes personagens, pessoas que deixaram sua marca e, por causa disso, são vistas como ícones, não como gente de carne e osso, sujeitas a todas as virtudes e falhas de caráter que marcam a raça humana.
Muitos desses personagens utilizaram o poder e a projeção para satisfazer desejos e egos inchados. O ex-presidente dos EUA, Bill Clinton, admitiu em seu recém-lançado livro, "My Life" (Minha Vida), que teve um caso com a estagiária apenas porque podia. Assim como ele, outros tiveram suas vidas públicas modificadas por questões pessoais. Se o jovem Napoleão não sentisse ciúmes de sua Josefina, ele teria vencido batalhas com tanta eficiência? A "Rainha Virgem" Elizabeth seria tão rígida se a infância não fosse marcada pela morte da mãe, decapitada a mando do pai, que se casou com outra logo depois?
"A vida sexual das pessoas é muito mais peculiar do que se poderia imaginar", disse o escritor inglês Nigel Cawthorne. Ele sabe do que fala: Cawthorne se dedica a desvendar o que se passou sob os lençóis de famosos, informações que já renderam oito livros, três publicados no Brasil. Conheça o lado picante de alguns desses personagens nas próximas páginas. Certamente, a partir de agora os livros tradicionais de história vão parecer um pouco sem sal.
336 a.C.
Alexandre, o Grande assume o trono da Macedônia

Na sua adolescência, Alexandre tinha como amigo e amante um jovem chamado Hephaestion, prática bastante comum na época. Porém, o que mais marcou a vida de um dos maiores generais do mundo não foi a homossexualidade, mas sua mãe: Olympias odiava o marido, Filipe 2o, rei da Macedônia, e infernizou todas as mulheres que tinham filhos do rei a fim de garantir o poder para sua prole. Quando Alexandre morreu, ela foi entregue aos parentes de suas vítimas, que a mataram. 






323 a.C.
Alexandre morre aos 33 anos. O Império Macedônico é fragmentado por causa de disputas internas.

264 a.C.
Começam as Guerras Púnicas entre Roma e Cartago, que terminam em 149 a.C., após três edições, com a vitória romana.

44 a.C.
Júlio César se autoproclama imperador de Roma e é assassinado no mesmo ano.

31 a.C.
Otaviano vence Marco Antônio na Batalha de Actium

Amor e poder, para Cleópatra 7a, eram sinônimos. Essa femme fatale da Antiguidade foi a última rainha do Egito antes de a nação ser subjugada pelo Império Romano. Em uma tentativa de manter sua posição e a soberania do Egito, ela se envolveu primeiro com Júlio César, com quem teria um filho, e depois com Marco Antônio. Infelizmente, os casos não foram suficientes para manter o rival de Antônio, Otaviano, bem longe das terras férteis do Nilo. 

27 a.C
No reinado de Otaviano, doravante Augusto César, tem início a Pax Romana, período de relativa tranqüilidade no Império Romano que se estende até Marco Aurélio, que reinou dos anos 161 a 180.

27
O imperador romano Tibério decide viver em Capri
O sexo e a violência caminharam de mãos dadas pela ilha de Capri nos últimos anos de reinado de Tibério. Ele adorava ver homens e mulheres copulando sob estátuas pornográficas ou nos jardins projetados para esse fim. Quem se recusasse a ir para a cama com ele sofria nas câmaras de tortura antes de ser jogado em um abismo - tudo sob o olhar vigilante do imperador.
33
Jesus Cristo é crucificado em território romano.

37
Calígula assume o império romano
Quem diria que alguém com o singelo apelido de Calígula ("botinhas" em latim) viria a se tornar referência de depravação e instabilidade mental? Ele andava com um carrasco particular, sempre pronto para cumprir as ordens do patrão, conversava com o deus Júpiter em pé de igualdade e partilhava a divindade - e a cama - com sua irmã Drusila.
54
Nero assume o império Romano

Nero tinha motivos para amar sua mãe, Agripina, a Jovem, após ela abrir caminho para seu filho tomar o poder - a amava tanto que ela era também sua amante. Até que o imperador se cansou do papel duplo e se livrou dela. Suas esposas também foram mortas, muitas por entediá-lo, até que Nero se aborreceu do universo feminino, castrou um adolescente e casou-se com ele.











64
Um incêndio destrói grande parte de Roma; enquanto os romanos culpam Nero, ele culpa os cristãos.

395
Morre Teodósio, o que provoca a divisão do Império Romano; o fato marca o início da Idade Média.

1453
Constantinopla é invadida pelos turcos otomanos, um marco do fim do Império Romano Oriental; termina a Guerra dos Cem Anos, com a expulsão dos ingleses do território francês.

1469
Os reinos espanhóis de Aragão e Castilha são unidos pelo casamento de Ferdinando de Aragão e León e Isabela de Castilha, pais de Joana, a Louca.

1496
Joana, a louca, conhece seu marido, Filipe, o belo
Neurótica, a princesa espanhola protagonizou cenas inesquecíveis em nome da paixão por seu marido, Filipe, o Belo: talhou o rosto de uma suposta amante do marido, para em seguida ser trancafiada por ele. Quando Filipe morreu prematuramente, aos 28 anos, Joana endoidou de vez e proibiu que qualquer mulher se aproximasse dos restos mortais, os quais ela abraçava de tempos em tempos.

Ilustrações: Alexandre Camanho

1496
Henrique 8º

Um é pouco, dois é bom... mas seis esposas? Em sua busca por um filho varão, e atrás de um rabo de saia, o rei inglês se divorciou de três esposas, degolou outras duas e rompeu com a Igreja Católica, que desaprovava a separação entre ele e sua primeira "vítima", a rainha Catarina de Aragão - que foi exilada e separada de sua filha, Maria, a Sanguinária.











1535
O País de Gales é anexado à Inglaterra.

1558
Elizabeth 1a toma posse do trono inglês
Elizabeth gostava de ser conhecida como "Rainha Virgem", alusão ao fato de governar a Inglaterra sem um comparsa. Virggem, porém, só no nome: ela sempre se cercou de jovens nobres e cortesãos. Às mulheres da corte a vida amorosa era difícil: o casamento dependia da autorização da rainha, que nem sempre estava de bom humor para concedê-la.
1589
Morre Catarina de Médici
Essa católica dividiu por uma década a afeição do marido, o rei Henrique 2o, com a amante oficial, Diana de Poitiers. O esforço foi compensado: três de seus filhos, Francis 2o, Carlos 9o e Henrique 3o (que adorava se embonecar com sedas e babados), foram reis. A matriarca, ao lado de Carlos, foi responsável pela Noite de São Bartolomeu, massacre de protestantes que comemoravam o casamento da princesa Marguerite, filha da própria Catarina.
1598
O rei francês Henrique 4o permite a prática do protestantismo no reino, com exceção de Paris.

1643
Luís 14, o Rei-Sol, assume o poder
A duração do seu reinado (72 anos) só se igualava a seu ego, ainda que Luís 14 usasse saltos de 40 centímetros para projetar a autoridade. Seu irmão, o duque d'Orleans, era a drag queen do palácio: estava sempre vestido como uma mulher. Porém, a preferência estética e sexual do conde não afetou suas habilidades no campo de batalha.
1762
Catarina 2ª, a Grande, tira seu marido do trono
Após se livrar do provável impotente marido, Pedro 3º, Catarina tornou-se uma das maiores monarcas da Europa e dominou a Rússia por 34 anos. Dominou também diversos amantes, que eram selecionados por damas de companhia que "provavam" o candidato antes de passar para a rainha. Tudo sob o crivo de seu amante maior, Gregório Potemkin.
1796
Napoleão Bonaparte casa-se com Josefina
Napoleão conheceu Josefina quando era apenas um oficial promissor e ela, uma das madames que mais visitaram camas de poderosos em Paris. A relação sofreu altos e baixos, até que os dois se separaram sem que Josefina engravidasse - apesar de ela ter dois filhos de primeiro casamento. Em 1821, durante a autópsia do imperador, um capelão corso teria lhe cortado o pênis fora, o qual se dizia ser "atrofiado". Hoje, o mimo faz parte da coleção de um urologista.
1848
Karl Marx publica seu "Manifesto Comunista".

1898
Vladimir Lenin casa-se com Nadya Krupskaya

Uma bela história de amor é composta por dois personagens, certo? No caso de Lenin, por três: apesar de casado com a camarada Nadya em 1898, ele se apaixonou pela revolucionária Inessa. Para evitar cismas internos na Revolução Russa, os três viveram juntos por anos - segundo alguns historiadores, Lenin, Nadya e Inessa criaram o círculo interno de poder que originou a União Soviética. 

1905
Em janeiro, tropas do czar russo Nicolau 2o abafam uma marcha de trabalhadores com violência, no episódio conhecido como Domingo Sangrento.

1910
Ekaterina, mulher de Joseph Stalin, morre
A brutalidade que marcou a ditadura de Joseph Stalin parece ter surgido quando sua primeira mulher, Ekaterina, morreu. Com o coração endurecido, ele se casou com Nadya Alliluyeva. Ela costumava confrontar Stalin em casa, até se matar em 1932 após encontrá-lo na cama com outra. A filha deles, Svetlana, tornou-se freira aos 70 anos para "expiar os pecados" do pai.
1915
Começa a Primeira Guerra Mundial.

1917
Lenin retorna do exílio e comanda a Revolução Russa, que tira o czar Nicolau 2º do poder.

1919
Acaba a Primeira Guerra Mundial com a assinatura do Tratado de Versalhes.

1931
A sobrinha de Hitler, Geli, morre com um tiro

Hitler nunca teve uma relação saudável com o sexo. Quando criança, assistiu a sua amada mãe ser estuprada pelo pai. Na juventude, em Viena, contraiu sífilis e uma aversão às prostitutas da cidade. No poder, ele mandou milhares de homossexuais para a morte, mesmo tendo ele próprio amigos gays. Ele obtinha prazer máximo quando urinavam em seu rosto, uma prática que ele levou a sério com sua sobrinha, Geli, que morreu aos 23 anos quando tentou se livrar do tio. 






1934
O secretário-geral russo, Joseph Stalin, dá início do Expurgo, política contra antigos comunistas.

1939
Começa a Segunda Guerra Mundial.

1941
Joseph Stalin é alçado ao posto de premiê da Rússia

1945
Benito Mussolini é capturado e fuzilado
O ditador italiano com freqüência usava na cama a violência que marcou sua permanência no poder. Apesar de ter diversas amantes e filhos ilegítimos, ele ficou casado com Rachele Mussolini até o fim. Porém, foi outra mulher que morreu ao seu lado: sua devotada amante Clara Petacci, que seguiu o ditador em sua fuga e colocou-se em sua frente enquanto os metralhavam, no fim da Segunda Guerra.
1963
John F. Kennedy é assassinado
Um dos mais populares presidentes dos EUA sabia desfrutar os prazeres da cama e dizia sofrer de dores de cabeça se não fizesse sexo todos os dias. Além de ter ao seu lado a jovem e bela Jacqueline, ele se divertia com famosas, como Marylin Monroe, sua mais célebre amante, e desconhecidas.
1991
Boris Yeltsin é eleito presidente da Rússia
O primeiro presidente eleito por voto popular na história do país misturava episódios de depressão com porres homéricos. Na volta de uma visita ao presidente americano Bill Clinton - na qual ele permaneceu sóbrio -, ele se entregou à bebida de forma a perder encontros com o premiê da Irlanda e o chanceler da Nova Zelândia. Nada que seus compatriotas, e o mundo, não acompanhassem pela mídia.
1998
Enquanto enfrenta escândalos em sua administração, Bill Clinton ordena o bombardeio do Iraque em resposta à falta de cooperação do ditador Saddam Hussein com a ONU.

1998
Estoura o caso de Bill Clinton com uma estagiária

Poucos líderes podem se vangloriar de seus feitos sexuais quanto Bill Clinton. Quando era governador do Arkansas, um dia baixou as calças e pediu a sua funcionária Paula Jones que lhe fizesse sexo oral. Quatro anos depois, na Casa Branca, recebeu o favor da estagiária Monica Lewinsky, o que lhe rendeu (além do prazer momentâneo) um pedido de impeachment e uma fama que rodou o mundo. 











1999
Os EUA lideram o bombardeio feito pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na Iugoslávia.

Para ler
 "Escândalos reais", Michael Farquhar. Ediouro. 2003
"A Vida Sexual dos Papas", Nigel Cawthorne. Prestígio Editorial. 2002
"A Vida Sexual dos Ditadores", Nigel Cawthorne. Prestígio Editorial. 2003
"Virgens de Veneza", Mary Laven. Imago. 2003

Revista Galileu

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Livro dá voz aos mapuche do Chile



Elba Guillermina Soto Veloso, autora do livro:" Espero levar uma contribuição para o avanço na interlocução entre os mapuche e os chilenos" (Foto:Antoninho Perri/Divulgação)
Mapu significa terra e che, pessoa. Os mapuche são pessoas da terra. Suas terras iam do Chile à região de Buenos Aires. Na sua viagem por terra ao Brasil, a chilena Elba Guillermina Soto Veloso identificou denominações mapuche em placas indicativas até as proximidades da cidade gaúcha de Uruguaiana. "Com a criação das repúblicas do Chile e da Argentina, passamos a ser um povo separado em dois países. Não somos mais considerados uma nação".

Antropologia e análise do 
discurso embasam a obra
Elba Soto fala dos mapuche na primeira pessoa do singular e do plural. Explica que seu povo dá muita importância à palavra, mas que isso não implica ser ouvido e compreendido pelos chilenos. Por isso, ela decidiu buscar a força da palavra na academia. 
Elba Guillermina Soto Veloso, autora do livro: "Espero levar uma contribuição para o avanço na interlocução entre os mapuche e os chilenos" (Foto:Divulgação/Antoninho Perri)
Depois de sete anos na Unicamp, onde obteve o doutorado pela Faculdade de Educação (FE) e o pós-doutorado pelo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), Elba Soto voltou à terra natal. Na mochila, seu livro Sonhos e lutas dos mapuche do Chile, publicado pelo Centro de Memória da Unicamp e a Editora Arte Escrita. 

"A idéia do livro é dar voz aos mapuche. Tentei mostrar a nossa versão da história no contato com os winka (os espanhóis e depois os chilenos). É uma história que os chilenos não conhecem, embora tudo o que lemos seja a interpretação dos outros sobre o que seríamos. Espero levar uma contribuição para o avanço na interlocução entre os mapuche e os chilenos", afirmava a autora dias antes do retorno.
Ela percebeu a falta de conhecimento dos winka sobre os mapuche quando ainda trabalhava como agrônoma em comunidades indígenas e camponesas. Logo, tornou-se crítica do pragmatismo dos projetos de desenvolvimento do Estado, que aposta exclusivamente na geração de recursos econômicos como forma de suprir as necessidades de comunidades que apresentam realidades diferentes. "Os projetos fracassam porque não fazem sentido para nós".
Elba Guillermina Soto Veloso, autora do livro: "Espero levar uma contribuição para o avanço na interlocução entre os mapuche e os chilenos" (Foto:Divulgação/Antoninho Perri)
Durante seu mestrado em desenvolvimento rural, Elba Soto defendeu a prioridade de ouvir as comunidades indígenas e camponesas para que os projetos atingissem seus objetivos. No entanto, algo mais a incomodava. "Mesmo nos discursos aparentemente melhor intencionados, o sentido das palavras é o de ajudar um povo "primitivo", incapaz de se sustentar".

Segundo a autora, seu povo rejeita a definição de "índio" justamente por causa da carga preconceituosa que o termo carrega na América e no mundo. Lembra que os mapuche ostentam uma história de séculos de luta para preservar a sua filosofia de vida e uma cultura simbolizada no mapudungum, que é falado até hoje, apesar da imposição da língua oficial.
Para escrever o livro, Elba Soto muniu-se de ferramentas da sociologia, filosofia, antropologia e lingüística. Assim, numa ótica transdisciplinar, ela criou uma metodologia baseada na antropologia e na análise de discurso que permitisse mostrar como são os mapuche – o pensamento, a espiritualidade, a organização, as lutas sociais e as especificidades da língua. Interpretou o discurso dos mapuche para que eles sejam reconhecidos pelos chilenos. 

A autora é grata à professora Suzy Maria Lagazzi-Rodrigues, do IEL, pelo apoio na caminhada e pelo alerta contra o uso de um discurso militante que poderia diluir o valor do seu trabalho acadêmico. O resultado é uma obra densa, que mostra porque a lógica ocidental de desenvolvimento não cabe no pensamento mapuche. 


Séculos de luta – "Os mapuche não
Cenas do cotidiano mapuche: povo rejeita a definição de "índio" em razão da carga preconceituosa que o termo carrega (Foto:Divulgação/Antoninho Perri)
seguem a lógica das hegemonias, em que uns dominam e outros se submetem. As pessoas tendem a pensar que o mundo sempre se organizou sob esta ótica, o poder em torno das hegemonias – que hoje vivemos no sistema capitalista. Meu povo submete-se a Deus (Ngünechen), mas não a outras pessoas", explica Elba Soto.

Vem daí a capacidade de resistência dos mapuche, primeiro diante das investidas dos incas e depois dos espanhóis, durante séculos. "Sempre fomos à guerra para nos defender, nunca tentamos dominar um povo. Havendo tantos grupos diferentes na humanidade, defendemos a idéia de buscar espaços para coexistir".
No mapudungum sequer existe a palavra "chefe". Os mapuche organizavam-se em agrupamentos de comunidades em torno do número nove – considerado poderoso – e tem os seus lonkos (que não são chefes e sim os guias). "Nos parlamentos [negociações], a ausência de um chefe único representava uma grande dificuldade para os espanhóis, que eram obrigados a convencer muitos lonkos".
Entre guerras e parlamentos, os espanhóis avançaram por várias vezes sobre as terras do sul, chegando a fundar cidades, algumas destruídas pelos mapuche. O período mais 
Cenas do cotidiano mapuche: povo rejeita a definição de "índio" em razão da carga preconceituosa que o termo carrega (Foto:Divulgação/Antoninho Perri)
doloroso, porém, começaria com criação da república do Chile, em 1810. "A Espanha reconhecia os mapuche como nação e, passado longo tempo de tentativas de conquista e resistência, chegou-se a estabelecer uma fronteira. Depois da independência, essa fronteira acabou".


De acordo com Elba Soto, o governo republicano procurou "chilenizar" os mapuche, incorporando-os como indivíduos a pretexto de fundar uma nação de irmãos, onde todos seriam iguais. "O conceito da unidade na igualdade era então disseminado na América Latina. Somente nos dias atuais passamos a trabalhar com o conceito da unidade na diversidade".


A "pacificação"– Os primeiros anos de república foram de calmaria, mas a partir de 1859 o governo chileno declarou uma guerra violenta, com investidas para nacionalizar seu território mapuche. Houve uma aliança
Cenas do cotidiano mapuche: povo rejeita a definição de "índio" em razão da carga preconceituosa que o termo carrega (Foto:Divulgação/Antoninho Perri)
 entre o Chile – que acionou a campanha pela "pacificação da Araucania" – e a Argentina – com sua "guerra do deserto".

Abrindo parênteses, a autora explica que até recentemente não se falava nos mapuche em seu país, apenas em araucanos. "Arauco vem de ragko, região argilosa. Os espanhóis entenderam ragko como arauco e, desde então, nós viramos araucanos".
Segundo Elba Soto, o governo chileno incitou a pior das guerras, enviando uma laia de marginais que adquiriam a posse do gado e de outras riquezas que conseguissem tomar em território mapuche. "Estão vivas na memória do meu povo as queimadas dos cultivos e das pessoas trancadas em suas casas. Foi um aniquilamento".
Perdida a guerra em 1881, os mapuche foram oficialmente incorporados à república do Chile e radicados em pequenos espaços distantes das terras férteis. A autora não encontrou registros da população mapuche de antes da guerra e de quantos sobreviveram. Segundo o censo de 1992, eles eram cerca de 1 milhão para um total de 15 milhões de chilenos; em 2002, eram 600 mil. 
Elba Soto observa, entretanto, que o povo mapuche não diminuiu. "Entre os critérios utilizados no censo, apenas quem carr
Cenas do cotidiano mapuche: povo rejeita a definição de “índio” em razão da carga preconceituosa que o termo carrega (Foto:Divulgação/Antoninho Perri)
egasse sobrenome indígena ou tivesse nascido em comunidade indígena poderia se declarar como tal. Isso influiu para que quase metade dos mapuche acabasse identificada como de chilenos".

Em tempos de globalização, 
a luta continua

Mesmo depois da "pacificação da Araucania", os mapuche nunca aceitaram a perda do seu território e da sua identidade como nação, duas questões fundamentais de uma existência inteira, assim como da cultura que persiste e, dentro dela, o mapudungum. "A autodenominação mapuche só ficou conhecida pela população chilena com as lutas do meu povo nas últimas décadas do século 20", reitera Elba Soto.
A pesquisadora admite que os outros movimentos indígenas nas A
Cenas do cotidiano mapuche: povo rejeita a definição de “índio” em razão da carga preconceituosa que o termo carrega (Foto:Divulgação/Antoninho Perri)
méricas e o próprio processo de globalização – que tem acirrado as diferenças e feito com que muitos povos subjugados ganhem visibilidade – contribuíram para um olhar mais respeitoso aos mapuche por parte de muitos cidadãos chilenos.

"Mas no país ainda prevalece o discurso da unidade na igualdade: que o indígena é mais um chileno. É importante que o mapuche seja identificado como outro e não como igual. Essa alteridade – uma relação em que mapuche e chilenos reconheçam a diversidade – é fundamental para tornar a interlocução possível", observa a autora de Sonhos e lutas dos mapuche do Chile.
Nesse sentido, Elba Soto lembra a história contada pelo antropólogo José Bengoa, sobre a primeira festa da república do Chile, quando todas as damas ligadas ao poder vestiram roupas e jóias das mulheres mapuche. "É difícil para o chileno de hoje imaginar que tínhamos roupas e comidas de qualidade e um bom esti
A capa do livro
lo de vida. Tendo perdido muito da nossa cultura e riqueza, hoje somos discriminados e vistos como os pobres do país".

Também em relação ao território, a lógica dos mapuche nunca foi compreendida, na opinião de Elba Soto. As terras do seu povo não eram de uso pessoal, cabendo à comunidade decidir onde plantar e onde morar. Esta lógica ainda se manteve na reforma agrária com Allende, mas a ditadura de Pinochet acabou por dividir a terra entre as pessoas da comunidade. "Esta partilha afetou bastante a nossa maneira de pensar e se organizar".
A luta permanente inclui a ocupação de fazendas no território que era dos mapuche, em um esforço reivindicatório sem violência. Como forma de conter o movimento, as lideranças são levadas ao cárcere sob acusação de "atentado contra a segurança nacional" e lá mantidas sem julgamento, por anos. "Isso demonstra a violência com que são tratados os mapuche pelo Estado chileno, que na verdade está a serviço dos grandes empresários tidos oficialmente como os donos da terra".
No seu livro, Elba Soto buscou uma outra forma de compreensão do que os chilenos vêem como "o problema mapuche". "Ele permite perceber uma inter-incompreensão entre o meu povo e os chilenos. A interpretação do discurso mapuche mostra que, para nós, o mapuche não é chileno e o chileno não é mapuche. Para possibilitar o processo de mudança social dos mapuche, é preciso o seu reconhecimento pelos chilenos. Este livro oferece elementos para que isso aconteça".
Jornal UNICAMP

Desafios, limites e novas pistas no retorno de Marx


Platéia na última edição do Colóquio Internacional Marx e Engels, realizado na Unicamp entre 6 e 9 de novembro (Foto: Divulgação)
Em outubro 1997, quando as bolsas de valores de Hong Kong começavam a cair alimentando uma espiral de pânico e crashes, John Cassidy narrou nas páginas da cultuada revista New Yorker um interessante diálogo que manteve com um amigo seu, executivo de um grande banco de investimentos em Wall Street. “Quanto mais tempo passo em Wall Street mais convencido fico de que Marx estava certo”, disse o executivo. Vários pânicos e crashes depois, em março de 2005, o Financial Times comentava que Colin Graham, da Merrill Lynch Investment Management, aconselhava seus ouvintes a terem cautela com os hedge funds relembrando o que havia aprendido em seus primeiros dias na empresa justamente naquele fatídico outubro de 1997: “nosso chefe saiu e comprou Das Kapital para ver o que ocorreria quando o capitalismo ruísse.”


As vozes provenientes dos lugares mais inesperados anunciando que Marx estava vivo se tornaram mais fortes e numerosas nos últimos anos. Repetidamente, o autor d’O capital foi interpretado por inesperados leitores como um profeta da globalização, um arauto do colapso do capitalismo ou um defensor do determinismo econômico. Mas não foi apenas por leitores apressados – e amedrontados – que Marx foi lembrado. A reemergência do conflito social e os movimentos altermundialistas de resistência às políticas neoliberais encontraram muitas vezes na obra de Marx um ponto de apoio e uma fonte de inspiração. A retomada da mobilização sindical na Europa a partir de 1995; os protestos que tiveram lugar depois da manifestação de Seattle por ocasião da reunião da Organização Mundial do Comércio, em 1999; a organização do Fórum Social Mundial a partir de 2001; e os levantes populares que ocorreram na Argentina, Equador e Bolívia, nos primeiros anos deste século, desenharam um contexto favorável à difusão da teoria marxista.


Revalorização internacional
Desde que sua enésima morte foi anunciada, imediatamente após a queda do muro de Berlim, jovens pesquisadores (e outros nem tanto) se puseram a trabalhar sobre as ruínas de uma apropriação dogmática do marxismo. A crítica à transformação pelo stalinismo do marxismo em uma ideologia de Estado implicava encarar o desafio de uma reconstrução crítica do pensamento de Marx. 

Aos poucos o trabalho desses pesquisadores assentou as bases para uma lenta, mas segura revalorização da obra de Marx na qual as certezas eram deixadas de lado para abrir lugar à pesquisa paciente e rigorosa. Já em meio aos escombros era possível vislumbrar esse trabalho, mas ele começou a emergir e a tornar-se mais visível em 1995 com a realização do Congrès Marx International, organizado pela revista Actuel Marx. Em sua primeira edição o congresso aglutinou cerca de cem revistas e instituições constituindo uma rede plural de pesquisadores. Um ano depois, teve lugar na University of Massachusetts-Amherst, no Estados Unidos, a conferência Politics and Languages of Contemporary Marxism, organizada pela Association for Economic and Social Analysis e pela revista Rethinking Marxism. 

O Congrès Marx International realizou em 2007 seu quinto encontro, mesmo número de edições que a Rethinking Marxism Conference completou no ano anterior. Mais recentemente, a revista britânica Historical Materialism, publicada desde 1997, iniciou uma importante série de conferências anuais. Também merece destaque o evento, embora de menor dimensão, organizado em 2006 pela revista Capital & Class, também na Inglaterra, bem como a URPE Summer Conference, que tem lugar anualmente desde 2001 nos Estados Unidos, promovida pela Union of Radical Political Economics.


A experiência do Cemarx
O desenvolvimento dessa revalorização da obra de Marx seguiu no Brasil um ritmo desigual e combinado. A ascensão às esferas de poder nacionais e subnacionais de partidos e lideranças políticas que em algum momento tiveram o marxismo como uma referência produziu um fenômeno de transformismo de intelectuais que passaram a ocupar posições nos aparelhos de Estado abandonando uma perspectiva crítica. Contraditoriamente foi na tentativa de compreender o que estava ocorrendo no Brasil e no mundo que o marxismo foi novamente convocado a ocupar um lugar de destaque no debate contemporâneo. As universidades brasileiras não são o locus exclusivo dessa revalorização, mas têm, sem dúvida, um importante papel. 

Expressões desse movimento são as atividades do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx), sediado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas e a organização por esse Centro do Colóquio Internacional Marx e Engels. Desde 1999 o Colóquio é realizado bianualmente, reunindo pesquisadores de todo o país e convidados internacionais que assumem o pensamento de Marx e Engels como um objeto de pesquisa e/ou como um método de investigação. A evolução desse evento surpreende. No 1º Colóquio, em 1999, foram apresentados 31 trabalhos. Em sua 5º edição realizada entre 6 e 9 de novembro de 2007, inscreveram-se 300 comunicações e 100 painéis e foram selecionados para participar do evento 160 comunicações e 73 painéis. 
Experiências similares, algumas delas explicitamente inspiradas no Cemarx, começam a surgir em outras universidades. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, os professores Aloísio Teixeira e José Ricardo Tauile, falecido em 2005, criaram no Instituto de Economia o Laboratório de Estudos Marxistas. Na Universidade do Estado da Bahia, foi fundado em 2006 um centro de estudos homônimo ao da Unicamp. Em 2007 tiveram início as atividades do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Marx e o Marxismo na Universidade Federal Fluminense. Na Universidade de São Paulo foi realizado, neste ano, sob a iniciativa dos professores Ricardo Musse e Ruy Braga, ambos do Departamento de Sociologia, o 1º Colóquio Marx e os Marxismos. Também em 2007 ocorreu em Salvador o 3º Encontro Brasileiro de Educação e Marxismo, reunindo quase mil participantes. 
O marxismo tem marcado presença também nas associações nacionais de pesquisa e pós-graduação. Merecem destaque o Grupo de Trabalho Marxismo, ativo desde 2003 na Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia; o Simpósio Marxismo e Multidisciplinaridade realizado em 2007 no espaço da Associação Nacional de História; e o Seminário Temático Marxismo e Ciências Sociais, realizado no 31º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, em 2007. 

Por último caberia citar a intensa atividade editorial que tem distinguido a recente evolução do marxismo brasileiro. Revistas como Crítica Marxista, Outubro, Margem Esquerda e Novos Rumos já se encontram plenamente consolidadas, deixando para trás uma longa linhagem de publicações efêmeras ou esporádicas. A publicação de novas edições de obras de Marx pelas editoras Civilização Brasileira e Boitempo, o relançamento dos seis volumes da História do Marxismo no Brasil, pela editora da Unicamp, e a reedição da monumental História da Revolução Russa de Leon Trotsky pela jovem editora Sundermann, marcam esse novo momento editorial. 


Novas direções para a pesquisa
Quatro parecem ser as direções sobre os quais esse diversificado movimento de renovação dos estudos marxistas tem fixado a atenção. Em primeiro lugar o desenvolvimento da crítica da economia política tem assumido como objeto as transformações da economia capitalista e, particularmente, os fenômenos de mundialização e financeirização do capital e as novas formas do imperialismo. A caracterização do neoliberalismo como um momento atual do capitalismo tem motivado importantes debates e os problemas teóricos da análise desse momento tem exigido uma abordagem inovadora tanto da teoria do valor, como da teoria do imperialismo.

Em segundo lugar, a crítica da divisão do trabalho enfrenta a análise das transformações nos processos de trabalho decorrentes da utilização de novas tecnologias e da reorganização gerencial do espaço da produção de mercadorias por meio dos processos de reengenharia, terceirização, downsizing, etc., bem como o estudo da reação das classes trabalhadoras a esses processos. Aqui os problemas teóricos mais importantes são a relevância do trabalho como uma categoria chave da análise social, a permanência das classes trabalhadoras como sujeitos sociais ou políticos, a nova morfologia dessas classes e as práticas de resistência e emancipação afirmadas por elas.
Em terceiro lugar, a crítica da política tem tratado das novas formas que a dominação política capitalista assumiu, bem como os movimentos de oposição a essa dominação, em um contexto no qual o regime democrático liberal dá sinais em nosso país de uma longevidade sem precedentes e o neoliberalismo impõe uma profunda reconfiguração das relações entre política e economia. As questões apresentadas nesta direção dizem respeito fundamentalmente à definição do Estado-nação e da política. Discussões sobre as formas atuais do Estado capitalista e sua relação com as classes sociais, liberdade e igualdade, nação e nacionalidade, estratégia socialista no século XXI e a emergência de novos atores políticos têm recebido forte atenção por parte dos pesquisadores. 
Por último, a crítica da ideologia encontra-se às voltas com a análise do processo de mercantilização das relações sociais e o novo lugar funcional que a cultura, aproximando-se da economia, passou a ter na organização do modo de produção capitalista. Na medida em que a produção estética passou a integrar o processo de produção de mercadorias, novos problemas foram colocados para a pesquisa crítica. O debate sobre o pós-modernismo e a lógica cultural do capitalismo embora tenha arrefecido nos últimos anos, permanece importante.
Os desafios levantados por essas quatro críticas são grandes e um novo “retorno” a Marx torna-se necessário para esses estudos merecerem o adjetivo marxista. Não se trata mais de encontrar o “verdadeiro” Marx para contrapô-lo às interpretações consideradas desviantes. Se há algo que o século XX ensinou foi a duvidar dos dogmas. Esse retorno só fará sentido se enfrentar de modo crítico os desafios impostos pela sua obra, reconhecer seus limites e encontrar nela novas pistas para a análise do presente.
Alvaro Bianchi é professor do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (IFCH) e diretor do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx)
Jornal da UNICAMP