segunda-feira, 23 de julho de 2012

Basquete Maia


Disputado durante três milênios pelas civilizações mesoamericanas, o juego de pelota é um dos esportes mais antigos e radicais do mundo. Perder significava ser sacrificado num ritual em que a morte perpetuava a vida.


Por Fabíola Musarra
O México que acabou de sediar os Jogos Pan-Americanos, em Guadalajara, é o berço de uma das mais antigas competições do mundo: o jogo da pelota, uma intrigante disputa na qual o vencido era sacrificado. Sua origem remonta a 1.400 a.C. Vestimentas, pinturas, bolas de látex e canchas descobertas por arqueólogos revelam que o jogo era disputado pelos olmecas, zapotecas, maias, astecas, toltecas e outras civilizações que habitaram a Mesoamérica pré-colombiana, do México até a Costa Rica.

Ao longo de três mil anos, o juego de pelota manteve conotações religiosas e rituais. “As evidências indicam que, ao término da partida, o capitão da equipe perdedora era ritualmente sacrificado”, diz Michael Coe, professor de antropologia da Universidade de Yale (EUA) e autor do best-seller The Maya. Coe baseia-se nas pinturas e esculturas de ruínas mexicanas como Yaxchilan, El Tajín e Chichén Itzá que retratam os sacrifícios. “Talvez o governante de uma cidade, ao ser capturado, fosse obrigado a disputar o jogo, no qual sua vida só seria poupada se vencesse o time adversário.”

O anel de pedra no alto da cancha de Chichén Itzá era a “cesta” do jogo.
As regras variavam de acordo com o período histórico, o lugar e a civilização. Em linhas gerais, a competição era disputada entre duas equipes, de um a sete jogadores. Os times se enfrentavam em um campo em forma de I ou T, medindo aproximadamente 37 m por 9 m, com paredes laterais inclinadas. No centro havia dois anéis redondos (ou armações quadradas), um em frente ao outro, com um buraco de 20 cm de diâmetro, por onde os jogadores tentavam passar uma bola de látex maciça de 10 cm de diâmetro. “Entre os maias parecia uma forma de basquete”, diz Coe. Nas extremidades das canchas havia “arquibancadas” onde o público assistia ao jogo.
O detalhe é que, diferentemente do basquete, o uso das mãos era proibido. Para manter a bola em movimento e quicando, e arremessá-la para a “cesta”, os jogadores empregavam as costas, as nádegas, os antebraços e os ombros. Como a pelota era pesada e veloz, usavam proteções na cintura e nos joelhos (“joelheiras”). Muitas cestas eram feitas por “bundadas” certeiras.



Pintura em vaso maia do ano 650 mostra o jogo em andamento. O jogador à esquerda ajoelhou-se para golpear a bola (em preto) com as cadeiras. Todos usavam cangas e joelheiras protetoras.

Quanto aos critérios da vitória, ainda hoje são desconhecidos, pois os marcadores de pedra nas laterais só apareceram, arqueologicamente, depois de 800 d.C. Um dos raros relatos sobre o placar é a descrição de um jogo maia em Chichén Itzá pelo bispo espanhol de Iucatã, Diego de Landa Calderón (1524- 1579), autor de Relación de las Cosas de Yucatán. Segundo a narrativa, quando uma equipe acertou a bola através do círculo, a partida acabou. Uma versão light do jogo, chamadaulama, ainda é jogada – sem sacrifícios humanos – no Estado de Sinaloa, no noroeste do país.

A cancha de Monte Albán foi feita pelos zapotecas. No detalhe, o disco de Chinkultik, do ano 591, mostra um jogador, com penas na cabeça, golpeando a bola com as cadeiras.
Honra e sacrifício
“O jogo da pelota era o ritual religioso mais importante dos astecas e maias”, afirma a antropóloga Maria Ângela Barbato Carneiro, da PUC-SP. De acordo com Maria Ângela, os marcadores ficavam presos ao lado da figura de um ídolo. O campo era, portanto, um local de sacrifício e de ressurreição. O jogador que “encestasse” a bola no marcador era premiado com um convite para frequentar a casa dos dirigentes, conquistando riqueza e prestígio. A equipe vencedora ganhava o direito de se apossar de todos os objetos que conseguisse da plateia. Quanto ao capitão do time derrotado, era honrado com a morte.

É difícil compreender todo o significado do jogo. Para que disputar uma partida para ser sacrificado? A sociedade contemporânea considera essa lógica inaceitável. Para a civilização pré-hispânica, porém, a morte por sacrifício perpetuava a vida. O arqueólogo francês Michel Graulich, diretor de estudos religiosos na Escola de Altos Estudos de Paris, explica que na concepção de vida e morte maia todos deviam e pagavam aos deuses com autossacrifício ou com sangue.
“O sacrifício era praticado como oferenda aos deuses, na tentativa de amenizar a fúria de fenômenos cósmicos, como secas e inundações. Seu propósito era manter o equilíbrio do universo”, diz Graulich. O México abriga mais de 1,5 mil campos do jogo da pelota. Eles são testemunhas da complexidade das civilizações précolombianas da América Central.
Revista Planeta

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