domingo, 5 de dezembro de 2010

Contador de histórias do povo

JORGE AMADO

Contador de histórias do povo

{agosto de 2003}

Malandros, prostitutas, trabalhadores. Coronéis. Políticos, bêbados, fofoqueiras. Em suas páginas o escritor baiano imortalizou o povo brasileiro.

Jorge Amado

Jorge Amado

Os números dizem muito, mas não tudo, sobre a trajetória literária de Jorge Amado. Apenas no Brasil, vendeu mais de 21 milhões de exemplares desde 1977. Foi traduzido para 48 idiomas. Editado em 52 países. Mas não é só.
Em 1976, 11 milhões de pessoas foram aos cinemas ver o triângulo amoroso formado por Sônia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça:Dona Flor e Seus Dois Maridos (escrito em 1966) bateu recordes. Bruno Barreto filmou ainda Gabriela, Cravo e Canela, de 1958. Tenda dos Milagres (1969) e Jubiabá (1935) ganharam versões de Nelson Pereira dos Santos. Tieta do Agreste (1977), de Cacá Diegues.
Pela televisão, milhões de brasileiros conheceram suas histórias: Capitães da Areia (1937),Tereza Batista Cansada de Guerra (1972).

Olho na rua
Como explicar o apelo da obra de Jorge Amado? O poeta e ensaísta cubano Severo Sarduy dá pista: “Não conheço nenhum caso de identificação maior entre um homem e uma cidade, um homem e uma língua. Amado conseguiu compreender, falar e rezar na língua de seus ancestrais.”
A identificação foi traçada cedo. Nascido em Itabuna, seu primeiro emprego foi como repórter policial do Diário da Bahia. Embrenhava-se pela noite de Salvador e iniciava uma convivência com marginais, aspirantes a artistas, pescadores e prostitutas. Personagens que povoariam suas histórias.
O primeiro romance sai em 1930: O País do Carnaval, sátira aos literatos que ignoram a cultura das ruas. Primeira edição, mil exemplares. Com Cacau, de 1933, surpreendeu. Sucesso para a época: 2 mil exemplares esgotados em 40 dias.

Escritor vermelho
No início da década de 1930, envolve-se com o Partido Comunista Brasileiro. Sua produção se embebe do engajamento político. O Cavaleiro da Esperança (1942), Seara Vermelha(1946), Os Subterrâneos da Liberdade (1954). É preso diversas vezes. Em 1945 elege-se deputado federal. Com a cassação do PCB, foge do Brasil. A aproximação política faz com que venda mais de 10 milhões de exemplares nos países do bloco comunista.
Em 1958, lança Gabriela, Cravo e Canela, marco do distanciamento entre sua literatura e a política. Com a venda dos direitos de filmagem do livro para Hollywood, compra casa no bairro do Rio Vermelho, em Salvador. A casa torna-se centro cultural, ponto de encontro de escritores, bailarinos, pintores, jornalistas.

Amado imortal
Foi sobretudo contador de histórias. Não lhe importava o estilo lingüístico, o refinamento das construções literárias. Na varanda de casa, recebia convidados e reproduzia em longos bate-papos o que gravava sobre os papéis. O local preferido era a sombra da mangueira, plantada em 1961. Sobre ela desejou ter suas cinzas depositadas quando morresse.
Parte da alegria do escritor perdeu espaço em 1998. Problemas na retina tiraram sua visão central. Já não podia ler, seu maior prazer. Sem ler, deixou de escrever. Morreria três anos depois, em 6 de agosto de 2001, por problemas cardíacos.
O corpo foi velado por dois dias. Ao lado de velhos amigos, autoridades, jornalistas e artistas, compareceram milhares de desconhecidos - tantos personagens quanto poderia imaginar em suas histórias. Foi amado até a morte. Com seu mergulho na vida brasileira, imortalizou nosso povo. E imortalizou-se.

SAIBA MAIS

Curta-metragem dirigido por Fernando Sabino e David Neves em 1974.

Reprodução/AB

“O melhor produto do Brasil ainda é o brasileiro”
Câmara Cascudo

João Rocha
Almanaque Brasil

Um comentário:

Anabela Jardim disse...

Não só contou como registrou muito bem os dilemas da sociedade de seu tempo.