terça-feira, 17 de setembro de 2013

1929 A grande crise

O primeiro best-seller a tratar dos colapsos econômicos mundiais
Por James K. Galbraith

Ao fim de seu relato, meu pai se esforçou, mostrando uma relutância que, já sabia, não seria levada a sério, para fazer comentários sobre a eventualidade da ocorrência de outro colapso. Havia muitas razões, entre elas a memória e a nova regulamentação, pelas quais isso não se daria. Certamente aí está a relevância principal do 1929, a grande crise para a crise ocorrida em 2008. Em ambos os casos o governo sabia o que deveria fazer. Também não o fez nas duas crises. No verão de 1929, ordens vindas de altos escalões do governo, um aumento na taxa de desconto, uma séria investigação dos esquemas de pirâmide e a casa de cartas de baralho de Wall Street, o maior centro financeiro dos Estados Unidos, teria desmoronado antes de a queda vir a destruir toda a economia. Em 2004, o FBI advertiu publicamente sobre “uma epidemia de fraudes hipotecárias”. Mas o governo nada fez. Além da inércia, havia uma combinação de baixas taxas de juros, desregulamentação e sinais evidentes de que as leis não seriam aplicadas. Segundo a Doutrina Greenspan, as bolhas não podem ser prevenidas, a tarefa do governo é apenas fazer a limpeza depois.

A prática de Greenspan foi criar uma bolha após a outra até finalmente surgir uma tão vasta que destruiu o sistema ao longo do caminho.

Ela surgiu de um ataque predatório às salvaguardas que haviam, durante décadas, mantido o financiamento habitacional seguro e estável.

Nos primeiros anos após 2000, a administração Bush enviou sinais claros de que as regulamentações sobre as hipotecas não seriam aplicadas. Os sinais não foram sutis. Seguiram-se todos os tipos de trama para espoliar os crédulos – empréstimos mentirosos, empréstimos sem documentação, empréstimos de risco explosivo eram os termos técnicos do negócio –, todos reunidos, classificados e securitizados, depois espalhados pelo mundo e deixados entregues ao declínio até que taxas de juros crescentes e preços que caíam estrondosamente fizeram o sistema naufragar. Tratava-se de fraude perpetrada, em primeira instância, pelo governo contra a população e pelos ricos contra os pobres. Os mutuários eram, é claro, cúmplices em alguns casos, contraindo hipotecas que jamais esperavam pagar. Aceitavam as alegações dos credores de que o valor das moradias sempre aumentava, que maus empréstimos podiam sempre ser refinanciados. Assim como em 1929, os arquitetos do desastre formam uma rica galeria de trapaceiros. O Velho Objetivista, Alan Greenspan, estava a par do desastre prestes a acontecer e mostrava indisposição resoluta em detê-lo.

O naufrágio de reputações infladas faz parte do divertimento de um colapso, ao menos em profunda retrospectiva. Em 1929, milhões de pessoas pensavam que podiam ficar ricas com facilidade, e algumas o conseguiram. O momento paralelo na história moderna ocorreu no fim da década de 1990, sob a presidência de Clinton, no boom da tecnologia da informação, que se dissolveu na virada da década. Os anos sórdidos após a guerra eleitoral Bush versus Gore, os anos após o 11 de Setembro, a guerra ao terror e a invasão ao Iraque não constituíram elementos nada semelhantes.

Sobre os autores
John Kenneth Galbraith (1908-2006) foi um dos economistas mais influentes do século XX. Escreveu dezenas de livros e milhares de artigos sobre economia política. Seus três livros mais famosos são Capitalismo americano (1952), A sociedade afluente (1958) e O Novo Estado industrial (1967).
James K. Galbraith nasceu em 1952. Leciona na Texas University, em Austin, e é autor dos livros The Predator State: How Conservatives Abandoned the Free Market e Why Liberals Should Too, ainda inéditos no Brasil. Filho de John K. Galbraith, escreveu uma nova introdução, que contempla a crise de 2008, para esta edição de 1929 – A grande crise.


As vítimas da insolvência estendem-se de um lado a outro da classe média americana, a milhões de cartões de crédito com empréstimos semipagos, a planos de aposentadoria e a um pouco de dinheiro, cujos rendimentos em juros, valor das ações possuídas e patrimônio imobiliário foram por água abaixo. Aquilo que em 1930 tomou a forma dramática de corrida aos bancos – o enxugamento das economias e da riqueza da classe média –, em 2009 tomou a forma de um colapso simultâneo, mês a mês, em valores de ativos, seguido pela falência, pela diminuição da estrutura e pela liquidação de negócios. Em tudo isso ocorreu com frequência menor privação extrema imediata – não há escassez de comida no país – do que o estancamento expressivo de possibilidades – de cursar uma faculdade, de conseguir um trabalho e de garantir uma aposentadoria. Isso também lança uma nuvem sobre nosso tempo. Assim como nos anos anteriores à crise não houve alegria, no mundo após a crise o desespero arrisca ser menos extremo, porém mais meramente assustador do que o foi na era de Roosevelt e do New Deal.

Também não se sabe se os acontecimentos após a crise seguirão os desastres de 1930 e as ocorrências dos anos posteriores. Nesta época de governo ultracontrolador, que os economistas chamam de estabilizadores automáticos, e estímulo fiscal imediato, as quedas são mais brandas e as recuperações ocorrem mais cedo do que foi o caso há quase um século. Levou quatro anos para os Estados Unidos chegarem a Roosevelt, enquanto, por um acidente de ajustamento político, os americanos conseguiram eleger e instalar Barack Obama logo após os desastres de Bush. A situação enfrentada pelo país, no momento, é menos medonha, o consenso atrás de medidas radicais é mais fraco e os instintos da administração são menos heroicos.

No entanto, tudo ainda pode dar errado. Por ora, a ampla economia parece ter se estabilizado e peritos debatem se o renascimento do mercado de ações do início de 2009 constitui o começo de uma recuperação ou uma nova onda de extorsão. A produção pode ser retomada, mas com uma parcela maior das importações. A administração parece determinada, por razões de política de poder que desafiam a lógica bancária, a manter todos os bancos e empresas de seguro, mesmo aqueles com vícios operacionais, vivos e intatos. Ninguém espera um ressurgimento precoce do emprego e não há nenhum plano sendo arquitetado para reempregar os milhões que perderam o trabalho. A Grande Crise até agora não produziu seus Harry Hopkins, Harold Ickes, Frances Perkins, Henry Wallace e outros cuja emergência final está aqui implícita.

Por todas essas razões, parece inteiramente improvável que os livros sobre a Grande Crise venham a ser tão interessantes quanto este sobre o Colapso de 1929.

Livro: 1929 - a grande crise 
Número de páginas: 192 
Autora: John Kenneth galbraith 
Editora: larousse 

Sobre o livro
Em 1997, John Kenneth Galbraith disse que havia paralelos óbvios e absolutos entre a crise do final da década de 1920 e a grande bolha do final da década de 1990. É claro, ele enfatizava, que toda bolha financeira desde 1929 era comparável à Grande Crise, razão pela qual este livro nunca saiu de catálogo desde que se tornou um best-seller em 1955. E novamente Galbraith mostra que sua análise está mais sedimentada do que nunca. E que a leitura de suas teorias ainda tem muito a oferecer a todos que querem entender o mundo econômico globalizado e os efeitos que ele pode ter na vida de cada um.
Revista Sociologia

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