terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Notícias História Viva

Tábua encontrada em Israel é parecida com Código de Hamurabi
Fragmento de 3700 anos é contemporâneo à lei babilônica e tem texto semelhante ao código de leis que vigorou na Mesopotâmia
iG São Paulo




Foto: AFP
Fragmento encontrado em Israel: texto guarda semelhanças com lei babilônica


Uma equipe da Universidade Hebraica de Jerusalém descobriu em escavações em Tel Hazor, no norte de Israel, o fragmento de uma tábua cuneiforme que apresenta semelhanças com o conteúdo e o momento da escritura do Código de Hamurabi, um dos mais antigos conjuntos de leis escritas.

O fragmento está escrito na língua acádia, atualmente extinta e usada na antiga Mesopotâmia principalmente por assírios e babilônios no segundo milênio antes de Cristo.

"É a primeira vez que um fragmento de um código de lei é descoberto na Terra Santa e, até mesmo, fora de Mesopotâmia", explicou o chefe da equipe de pesquisas, o arqueólogo Amnon Ben-Tor, da Universidade Hebraica de Jerusalém.

"O texto se refere às regras que regiam as relações entre mestres e escravos", explicou o professor Wayne Horowitz, que decifrou os símbolos. "Essas linhas que evidenciam um conteúdo legal confirmam a ligação entre o reino de Hazor e os reinos da Síria do norte", considerou.

Os arqueólogos dataram a tábua entre os séculos 18 e 17 a.C., o mesmo período do Código de Hamurabi, informou hoje a universidade em comunicado. Ela foi achada recentemente em Tel Hazor, um dos sítios arqueológicos mais importantes de Israel, declarado Patrimônio da Humanidade em 2005.

Localizada no norte da Galiléia, Hazor foi uma das principais cidades do Crescente Fértil durante a idade de bronze. Situada na estrada que liga o Egito à Ásia, Hazor comercializava estanho com as cidades da Babilônia e da Síria para alimentar sua indústria de bronze.

Hazor mantinha ligações políticas e econômicas estreitas com a Mesopotâmia, entre o Tigre e o Eufrates (hoje, Iraque e nordeste da Síria). Hazor prosperou sobretudo durante a metade do período cananeu (1750 a.C) e foi a maior cidade fortificada de Israel durante o período israelita (século 9 a.C.). A Bíblia se refere a Hazor como "a cabeça de todos esses reinos" cananeus (Josué 11:10).

"Leis similares às do Código de Hamurabi são conhecidas pela Torá (corresponde ao Antigo Testamento), mas a diferença de tempo entre as duas escrituras é de mil anos. Agora, temos em nossas mãos o fragmento de uma tábua que contém leis muito similares ao código, mas achada em Hazor e que datam do mesmo período", aponta o professor Amnon Ben-Tor, do Instituto de Arqueologia da Universidade Hebraica.

Os fragmentos encontrados se referem a questões relacionadas com legislação sobre danos pessoais e relações entre amos e escravos, e são esses que guardam similaridades com a peça de Hamurabi descoberta há mais de um século no que hoje é o Irã.

O Código de Hamurabi (por volta de 1750 antes de Cristo) é um dos mais antigos códigos de lei, o primeiro quase completo. Texto babilônio não religioso, mas de inspiração divina, elaborado sob a autoridade do rei Hamurabi, ele prolonga juridicamente a obra militar e política do fundador do reino da Babilônia. Esse código está atualmente no Museu do Louvre em Paris, mas uma cópia também está exposta no museu arqueológico de Teerã.

"Hoje sabemos que em Tel Hazor havia uma escola de escribas que estavam familiarizados com o Código de Hamurabi", aponta Ben-Tor, para quem essa transferência de conhecimento pode ter acontecido na última etapa da Idade do Bronze. Segundo o pesquisador, a descoberta pode ajudar a entender sobre como esse tipo de leis passou para o período israelita.

(Com informações da EFE e da AFP)
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Notícias História Viva

Encontrado tesouro de moedas de bronze na França
Milhares de moedas romanas, cunhadas entre 290 e 310 D.C, foram descobertas dentro de três jarros soterrados
AFP

Foto: AFP
Moedas foram encontradas dentro de três jarros


Arqueólogos franceses anunciaram nesta segunda-feira (7) a descoberta de milhares de moedas romanas enterradas em três ânforas no campo de L'Isle-Jourdain, oeste de Toulouse (França).

As moedas de bronze, um verdadeiro tesouro, foram cunhadas entre os anos 290 e 310 D.C. em Roma, Londres, Lyon (França), Cartago ou Tréveris (Alemanha), de acordo com estudos preliminares.

No final de semana, foram desenterradas e guardadas. "É um achado importante, na medida em que não é frequente falar de objetos do tipo desse período", disseo responsável regional por descobertas arqueológicas, Michel Vaginay.

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Dois pesquisadores encontraram há dois anos 250 peças num campo arado já mencionado antes, pelo serviços de arqueologia, que entrou logo em contato com o proprietário do terreno. Este pediu que as escavações fossem organizadas só depois da colheita de milho", informou Vaginay.

Assim, durante meses, os arqueólogos torceram para que não houvesse nenhum vazamento da notícia.
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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Quem foi Calvino?

O francês João Calvino nasceu em 1509 e faleceu em 1564. Filho de um administrador dos bens eclesiásticos da cidade, estudou Teologia e Direito. Seu pai foi excomungado sob acusação de desvio de fundos, causando à família enorme dificuldade ´para sepultá-lo em terra sagrada (cemitério).
Um retrato de 1535 revela Calvino como um homem de aspecto taciturno, quase tímido, porém dotado de uma energia serena. Olhos fatigados pela vigília, barba farta, ombros curvados, sinais de envelhecimento precoce.
Casou-se em 1540, com Idelette de Bure, filha de um ex-anabatista radical. Tiveram um filho, que faleceu com 15 dias de vida. Ela morreu em 1549. Então, Calvino passou a dedicar-se somente à causa da Reforma.
Para ele, a verdadeira fé estava na Bíblia: É preciso ler as Escrituras com a intenção de encontrar a Cristo. Quem se desviar desse fim, ainda que se atormente por toda a vida para aprender, jamais alcançará o conhecimento da verdade.
Vainfas, Ronaldo e outros, História – Volume 1. Ed. Saraiva, 2010.

Quem foi Lutero?

Martim Lutero nasceu em Eislebem (Saxônia), em 1483. Era o filho primogênito de um camponês enriquecido ao se tornar proprietário de pequenas minas. Recebeu educação religiosa severa e metódica até alcançar o grau de Doutor em filosofia, em 1505, na Universidade de Erfurt. Nesse ano, sentindo-se ameaçado por uma tempestade quando viajava de Mansfeld a Erfurt, fez uma promessa a Santa Ana de que, se sobrevivesse à tempestade, viraria monge. Cumpriu a promessa e entrou na Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho.
Por sua personalidade intransigente, o problema da salvação espiritual tornou-se verdadeira obsessão para Lutero.
Polemista implacável, chegou a dizer que o papado fora fundado em Roma pelo Diabo. Ao mesmo tempo, em linguagem adocicada, expôs no Pequeno Catecismo, de 1529, seu propósito central de educar as crianças e as pessoas simples nas verdades cristãs.
No auge da Reforma, casou-se com uma freira que se refugiara no convento de Wittenberg, Catarina de Bora, com quem teve seis filhos. Para certos historiadores, tornou-se um reformador acomodado e cada vez mais convencido de sua infalibilidade. Seus inimigos o chamavam, ironicamente, de `o papa de Wittenberg`.
No final de sua vida, passou a beber e a comer em excesso, engordando muitíssimo.
Morreu em 1546.

Vainfas, Ronaldo e outros, História – Volume 1. Ed. Saraiva, 2010.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A década em que a mulher voltou a ser feminina




O período entre guerras viu a silhueta se ajustar no corpo a roupa esportiva nascer. No Brasil, costureiras copiavam a Europa
Redação iG Moda

Após a crise de 29 e a euforia dos “anos loucos” de uma década marcada pelo pós-guerra e pela efervescência artística (anos 20), os anos 30 chegaram sem ousadia, inclusive na moda. A silhueta resgata a forma do corpo da mulher, perdida nos vestidos tubulares e com a cintura deslocada da década de 20, e até propõem decotes, mas sem exageros.

O comprimento da vez era longo, tanto para as saias, vestidos e até os cabelos. A modelagem, ajustada ao corpo e reta, ganhava estrutura com boleros e minicapas. Tudo produzido com tecidos e materiais como a casimira e o algodão, mais baratos, por conta do baixo orçamento herdado da crise de 29.

A grande revolução dos anos 30 foi a volta da cauda nos vestidos de baile, idealizada por Lanvin, mas sem as extravagâncias dos anos 20.

O chapéu volta ao posto de acessório número 1 (banido nos anos 20 por conta da moda de cabelos à La garçonne – curtinhos). O modelo capeline era o preferido, usado em quase todas as ocasiões.

Como novidade e uma ponta de ousadia, surgiram os decotes, a maioria da parte das costas, e o corte enviesado. Os seios voltaram a ter forma. As lingeries eram então feitas de malha. Surgiam os sutiãs e as cintas modeladoras (grand corsets), que até hoje prometem fazer milagres nos corpos femininos.

Em um tempo de paz, embora um segundo conflito mundial tenha eclodido no fim da década de 30, a vida ao ar livre ganhava força e com ela a prática de esportes e a exposição diária ao sol. Seguindo esse movimento, a moda adaptou saiotes e anáguas, que encurtaram, possibilitando à mulher bronzear as pernas.

Da necessidade de uma roupa apropriada para a prática de esportes, surge o short, para homens e mulheres. Uma das atividades físicas preferidas dos anos 30 era andar de bicicleta. Os óculos escuros transitam aqui do funcional ao fashion, protegendo os olhos contra raios solares e imortalizando figuras da música e do cinema. Os primeiros esboços do maiô começam a aparecer.

Por meio do cinema, que ganha voz nos anos 30, as mulheres se espelham nas estrelas como Greta Garbo, magra, bronzeada e esportiva. Outras celebridades da época que marcaram o estilo dos anos 30 foram Katharine Hepburn, Marlene Dietrich e Mae West. Esta última, estrela de clássicos dos anos 30 como "Night After Night" e "She Done Him Wrong", foi inspiração para a estilista Elsa Schiaparelli, em 1938, que lançou o perfume "Shocking", com frasco no formato do busto da atriz hollywoodiana.

Na maquiagem, a beleza marcava as pálpebras e sobrancelhas com lápis e não economizava no pó de arroz bem claro, quase branco.

Em 1935, o italiano Salvatore Ferragamo lança sua marca de sapatos. Nasce então uma das mais luxuosas e tradicionais maisons italianas, a Salvatore Ferragamo. A crise na Europa faz a empresa utilizar materiais mais baratos, de onde surgiram os primeiros registros de materiais sintéticos para a produção de calçados. Ferragamo inventou a palmilha compensada. Dona Gabriella Pascolato, falecida no mês de agosto de 2010 e fundadora da empresa têxtil brasileira Santacônstancia, era amiga e cliente de Ferragamo, quando ela ainda morava na Itália. Em sua biografia (“Gabriella Pascolato ¬ Santa Constância e Outras Histórias”. Editora Jaboticaba), Dona Gabriela afirma que só o designer italiano conseguia elaborar sapatos confortáveis para ela, que tinha o pé chato.

No final dos anos 30, com a aproximação da Segunda Guerra Mundial, que estourou na Europa em 1939, as roupas já apresentavam uma linha militar, assim como algumas peças já se preparavam para dias difíceis, como as saias, que já vinham com uma abertura lateral, para facilitar o uso de bicicletas.

Brasil
No Brasil, cuja economia não foi tão duramente atingida como a dos Estados Unidos com a crise de 29, e com o sistema de moda diferenciado do americano, a moda seguiu seu ritmo de sempre – com costureiras caseiras – sem sentir as perdas das ainda raras confecções atingidas pela recessão dos anos 1930.

A moda brasileira alinhava-se à tendência europeia, por meio principalmente das revistas vindas da França e Itália. Pela primeira vez, são aprimorados os trabalhos de adaptação da moda do velho Mundo (por meio das costureiras) ao clima brasileiro.

Surgem as “garden parties”, festas feitas pela elite brasileira à tarde, nos jardins das grandes mansões, localizadas na Zona Sul do Rio de Janeiro e em Petrópolis. O dress code da ocasião eram vestidos chiques e diáfanos (esboços do que seriam as transparências de hoje). Também eram bem-vindos casacos de pele e boleros. A elite brasileira lia revistas como Rio Magazine, Chuvisco e Sombra.

O salto alto era a tendência da vez. As bolsas, pequenas. As joias eram grandes, com pedras coloridas e pérolas. A calça comprida feminina começa a dar as caras, no modelo pantalona, mas só atinge o auge da popularização nos anos 60.

No Rio de Janeiro, as mulheres que queriam se vestir como as europeias iam à Casa Canadá, fundada em no início dos anos 30 por Jacob Feliks. Por lá, a elite carioca tinham em mãos produtos importados, da “última moda”. No início, a casa comprava em Paris o que era moda e fazia cópias no Rio. Vendia, consertava, reformava e guardava as peles mais chiques do país, na época. A Casa Canadá funcionou na Rua Gonçalves Dias, até 1934. Famosa, a Casa abriu uma loja ainda maior, desta vez na Rua Sete de Setembro, uma espécie de maison.

Também no começo dos anos 30, em São Paulo, destacou-se o trabalho de Rosa de Libman, uruguaia chegada no Brasil no início de 1935, em companhia do marido, o Sr. Max Libman. Na rua Rua Barão de Itapetininga, Rosa de Libman abriu sua butique de artigos luxuosos, como peles e o que mais fosse novidade na Europa, chamada Madame Rosita. A loja ficou conhecida pelos badalados desfiles de moda que apresentava no Brasil. Um que ficou conhecido foi realizado em 1938, no Teatro Municipal de São Paulo (embora o primeiro desfile profissional no Brasil seja de 1944).

A ascensão de Rosa de Libman veio ao longo dos anos 40. Ela foi considerada a “primeira dama” da Alta Costura Brasileira e conquistou grandes títulos, como “Sapatinho de Ouro” e “Agulha de Ouro”. Também foi a primeira representante feminina da Alta Costura a ser membro da “Chambre Sindicale de la Haute Couture Francaise”.
Fontes:
História da Moda no Brasil, de Gilda Chataignier
História da Moda, uma Narrativa, de João Braga
Gabriella Pascolato Santa Constância e Outras Histórias, de Sérgio Ribas
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Tensão e personagens diversos ditaram rumo dos anos 30

A Grande Depressão, a ascensão do nazismo e fascismo e as vanguardas artísticas marcaram período
Marsílea Gombata




Foto: Getty Images
Greta Garbo


Um caldeirão em que se mesclaram totalitarismo, recessão, guerras e um inconsciente coletivo cubista e surrealista. A ausência de uma característica única para definir a década de 30 pelo mundo supera a escassez de adjetivos. Os fatos e personagens marcantes da época são diversos e caracterizados por expressões distintas, mas podem ser resumidos em uma mesma palavra: tensão.

Para Osvaldo L. A. Coggiola, historiador especializado em economia política da Universidade de São Paulo, os anos 30 são memoráveis por três acontecimentos: a crise de 29 nos Estados Unidos, que determinou mudanças na economia mundial; a ascensão de movimentos nacionalistas e populistas, como o nazismo e o fascismo; e as vanguardas artísticas capazes de contestação política.

"Houve uma depressão econômica mundial cujo estopim foi a quebra da Bolsa de Nova York. A queda das ações foi apenas um reflexo da crise de superprodução e do processo de deflação que ocorria", disse. "Para o Brasil, a crise de 29 determinou uma fratura da classe dominante no Estado oligárquico, que levou Getúlio Vargas (1930-1945) a recorrer a métodos militares para chegar ao poder", afirmou.



Foto: AP
Franklin Roosevelt


Para Coggiola, o período entre guerras da década de 30 ficou marcado no cenário geopolítico pelo presidente americano Franklin Roosevelt (1933-1945), autor do New Deal (plano para recuperar a economia dos EUA durante a Grande Depressão); o líder da Alemanha nazista, Adolf Hitler (1934-1945), que marcou a Segunda Guerra Mundial (1939-1945); e o líder da União Soviética no auge da influência do bloco comunista, Josef Stalin (1922-1953).

No âmbito cultural, a arte do espanhol Pablo Picasso condenando a destruição da cidade de Guernica durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e cineastas europeus produzindo nos Estados Unidos representaram a ascensão da arte-protesto.


Do conturbado período, lembrou o especialista, herdamos a estrutura industrial, que é base para o Brasil até hoje, políticas econômicas anticíclicas pelo mundo e um sentimento misto de esperança e desilusão com chefes de Estado que governam com mãos de ferro
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Mulheres marcadas



Obra esmiúça a história de campo de concentração nazista onde 117 mil prisioneiras foram mortas

EVA BLAY ESPECIAL PARA A FOLHA
Desvendar o Holocausto, negado pelos ignorantes, punir os nazistas assassinos foi um processo que só se aprofundou na Alemanha depois do julgamento de Eichmann [em 1961], disse Hannah Arendt. E quanto falta conhecer!
Sabia-se da presença de mulheres em todos os campos, mas não que houvesse um campo especialmente destinado a elas e a meninas forçadas ao trabalho escravo.
É o que nos revela Rochelle G. Saidel, em seu magnifico “As Judias do Campo de Concentração de Ravensbrück”. Ravensbrück era um campo só para mulheres. Rochelle Saidel, ao visitá-lo em 1980, constatou que se falava de todas as prisioneiras, especialmente das comunistas, e nada se dizia sobre as judias, mesmo as judias comunistas.
Por que essa omissão? Esclarecer esta questão se tornou seu objetivo. Durante 25 anos, coletou documentos, ouviu sobreviventes, judias ou não, pesquisou bibliotecas em vários países e voltou ao campo diversas vezes por ocasião das comemorações de sua libertação. Rochelle descobriu que, de cada 100 mulheres, pelo menos 20 eram judias. Os responsáveis pelo memorial do campo tentavam se desculpar pela omissão afirmando que faziam uma classificação pelas nacionalidades, e não religião. Paradoxo, pois as deportadas de cada uma das “nacionalidades” o eram em decorrência da condição judaica, mesmo as que tivessem aderido a outras religiões, e não devido à nacionalidade.
No campo havia comunistas, antinazistas, social-democratas, homossexuais, criminosas, prostitutas, ciganas, testemunhas de Jeová e judias. Construído por prisioneiros de campos de concentração próximos, Ravensbrück recebeu a primeira leva de mulheres em 18 de maio de 1939. A cada ano chegavam centenas de deportadas. Vieram de Polônia, Áustria, França, Bélgica, Holanda, Noruega, Iugoslávia e outros países ocupados. Um campo previsto para 3.000 mulheres chegou a ter 132 mil prisioneiras durante seus seis anos de existência.

Tifo e inanição
Mas a crueldade da morte por tifo, tuberculose, inanição ou monóxido de carbono dos escapamentos de caminhões não bastava e, em novembro de 1944, [o chefe da polícia nazista Heinrich] Himmler ordenou que se construíssem câmaras de gás em Ravensbrück.
Das 132 mil mulheres que passaram pelo campo, 117 mil foram mortas. A Cruz Vermelha resgatou 7.500 prisioneiras, enviando-as para a Suíça e a Suécia no último momento da dominação nazista. Quando o Exército russo libertou o campo, em abril de 1945, restavam 3.000 mulheres moribundas.
O livro descreve detalhadamente como as prisioneiras realizavam um trabalho escravo. Construíam estradas, formavam uma fileira como animais para carregar pedras do lago das circunvizinhanças e depois as esmagavam com um cilindro que exigia dez mulheres para ser movido; alinhavam as pedrinhas à mão pelos caminhos do campo. As mulheres trabalhavam também fora do campo: foram escravas da fábrica Siemens na produção de armamentos.
Fome, frio, total ausência de roupas adequadas ao rigoroso inverno, falta de sapatos se somavam a chibatadas e ataques de cães. Mulheres e meninas eram também enviadas para terríveis “experiências” médicas que ultrapassam o limite da razão.
Várias prisioneiras de Ravensbrück tiveram ligações temporárias ou permanentes com o Brasil e suas histórias são relatadas no livro. Elisabeth Saborovski Ewert, conhecida como Sabo, veio ao Brasil enviada pelo Comintern [a Internacional Comunista] para, junto com Prestes, atuar no Partido Comunista.
Presa, teve destino semelhante a Olga Benário Prestes; ambas foram enviadas num navio nazista, em 1936, para a Alemanha. Sabo passou no Brasil por prisões, tortura, foi estuprada diante do marido, acabou em Ravensbrück, onde teve de trabalhar terrivelmente, embora fosse tuberculosa, e seu corpo, apenas pele e ossos.
Quando desmaiou, carregando pedras, foi chutada e mordida pelos cães atiçados pelas guardas do campo. Apesar dos esforços das companheiras, não resistiu.

Vida no campo
A condição de gênero teve várias consequências distintas para homens e mulheres. O perigo dos estupros estava sempre presente. Mulheres grávidas eram mortas ou tinham seus bebês mortos, às vezes por elas mesmas para que não sofressem a vida torturante do campo.
Socializadas para o pudor, sofriam quando tinham de ficar nuas diante de homens e mesmo de mulheres do campo. Mas essa mesma socialização para o “cuidar” ajudou a preservar a dignidade e até a sobrevivência de algumas.
Mulheres preparadas para as tarefas domésticas enganavam a fome trocando receitas, fazendo pequenos presentes como um simples desenho, esculpindo uma escova de dentes, bordando um pequeno pano, lembrando um aniversário. Simples gestos ganhavam enorme significado.
Após o fim da guerra, Ravensbrück ficou sob a supervisão dos comunistas russos e depois da República Democrática Alemã. De início, o Memorial de Ravensbrück ressaltava o heroísmo das mulheres comunistas russas ou alemãs, ignorando inteiramente as judias -mesmo as que também eram comunistas. Só depois de 1995 se abriu um espaço para essas mulheres esquecidas, certamente obra da competente e persistente pesquisadora Rochelle Saidel.

EVA BLAY é professora titular de sociologia na Universidade de São Paulo e autora de “Assassinato de Mulheres e Direitos Humanos” (ed. 34).

AS JUDIAS DO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE RAVENSBRÜCK

Autor: Rochelle G. Saidel
Tradução: Antonio de Pádua Danesi
Editora: Edusp
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Notícias História Viva

Papa classifica o nazismo como "ideologia demoníaca"
Bento 16 encerra neste domingo viagem de quatro dias pelo Reino Unido
EFE

Bento 16 condenou neste domingo em Birmingham o nazismo, que definiu como "ideologia demoníaca", e disse que 70 anos depois da "Batalha da Inglaterra" lembra "com horror e vergonha" o "estremecedor número de mortos e destruição" causado pela guerra. O papa alemão fez estas declarações durante a beatificação do cardeal John Herry Newman, e no aniversário da Batalha da Inglaterra, uma série de operações em céu britânico nas quais a força aérea alemã tentou em vão destruir a britânica para alcançar a superioridade aérea que facilitasse uma invasão das ilhas.

Foto: AP
Bento 16 realizou a beatificação do cardeal John Henry Newman


"Para mim que vivi os sofridos, longos e tenebrosos dias do regime nazista na Alemanha é profundamente comovente estar aqui e lembrar dos concidadãos vossos que sacrificaram suas vidas, resistindo com perseverança às forças desta ideologia demoníaca", afirmou o papa diante de 70 mil pessoas reunidas no Cofton Park.

Bento 16 acrescentou que pensava "em particular" na vizinha Coventry, que sofreu duríssimos bombardeios, com inúmeras vítimas em novembro de 1940. "Setenta anos depois lembramos com vergonha e horror o espantoso preço de morte e a destruição que a guerra traz consigo, e renovamos nossa determinação de trabalhar pela paz e a reconciliação, onde queira que ameace um conflito", afirmou o papa.

Esta é a segunda vez que Bento 16 condena o nazismo durante sua visita de quatro dias ao Reino Unido, que conclui hoje. Na sua chegada a Edimburgo e no discurso que pronunciou para rainha Elizabeth II referiu-se à agressão nazista contra Grã- Bretanha e ressaltou como o povo britânico enfrentou "à tirania nazista que desejava erradicar a Deus da sociedade e negava a muitos, especialmente aos judeus, a quem não considerava dignos de viver".

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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Notícias História Viva




Arqueólogos encontram 'casa de bruxa' do século 17 com gato mumificado

Acredita-se que casa, no norte da Inglaterra, pertencia a uma mulher acusada de bruxaria
BBC Brasil

Arqueólogos britânicos encontraram um gato mumificado em uma casa do século 17 durante um projeto de construção em Lancashire, no norte da Inglaterra.

A casa foi descoberta perto de um reservatório no vilarejo de Barley. A construção tem uma sala fechada e, dentro de uma das paredes, foi encontrado o gato mumificado.

Os historiadores afirmam que a casa pode ter pertencido a uma mulher acusada de bruxaria que vivia na região no século 17 e acredita-se que o gato tenha sido emparedado vivo para proteger os moradores da casa de maus espíritos.

Uma companhia de fornecimento de água, a United Utilities, levou os arqueólogos para o local, um procedimento de rotina da companhia antes de fazer obras de escavação em áreas que podem ter importância arqueológica.

"É como descobrir sua pequena Pompeia. Raramente temos a oportunidade de trabalhar em algo tão bem preservado", disse Frank Giecco, arqueólogo que descobriu a casa.

"Assim que começamos a cavar, encontramos o topo das portas e sabíamos que tínhamos em mãos algo especial", acrescentou.

A região de Lancashire teve muitos registros da presença de mulheres acusadas de bruxaria no século 17, principalmente na área de Pendle Hill, onde a casa foi encontrada.

Na época, distritos inteiros em algumas partes de Lancashire relatavam ocorrências de bruxaria, contra homens e animais, gerando uma onda de acusações contra muitas pessoas.

Em 1612, 20 pessoas, entre elas 16 mulheres de várias idades, foram levadas a julgamento, a maioria delas acusada de bruxaria, em um episódio que ficou conhecido na região como o 'julgamento das bruxas de Pendle'.

'Tumba de Tutancâmon'
Frank Giecco afirmou que a construção encontrada é um "microcosmo da ascensão e queda desta área, do tempo das 'bruxas de Pendle' até a era industrial. Há camadas de história bem na sua frente".

"Não é com frequência que você encontra uma casa de contos de fada completa, incluindo o gato da bruxa", disse Carl Sanders, gerente de projeto da companhia.

"A construção está em ótimas condições, você pode andar por ela e ter um sentimento real de que está espiando o passado."

"Pendle Hill tem uma verdadeira aura, é difícil não ser afetado pelo lugar", afirmou Sanders.

"Mesmo antes de descobrirmos a construção, havia muitas piadas entre os funcionários sobre vassouras e gatos pretos. A descoberta realmente nos surpreendeu", disse.

"Em termos de importância, é como descobrir a tumba do (faraó egípcio) Tutancâmon", disse Simon Entwistle, especialista nas bruxas de Pendle.

"Daqui a alguns meses teremos os 400 anos dos julgamentos das bruxas de Pendle e aqui temos uma descoberta rara e incrível, bem no coração da região das bruxas."

"Gatos aparecem muito no folclore sobre bruxas. Quem quer que tenha dado este destino horrível a este gato, certamente estava buscando proteção de espíritos malignos", acrescentou.
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Notícias História Viva


Documentos antigos revelam cultura judaica no atual Afeganistão
Os cerca de 150 documentos, datados do século 11, foram encontrados no norte do país
Reuters

Uma série de antigos documentos judaicos encontrados recentemente no norte do Afeganistão tem causado alvoroço entre os acadêmicos, que dizem que o achado histórico pode desvendar um lado ainda não revelado dos judeus na Idade Média.

Os cerca de 150 documentos, datados do século 11, foram encontrados na província afegã de Samangan.

O professor emérito israelense Shaul Shaked, que examinou alguns dos poemas, registros comerciais e acordos judiciais que formam o tesouro, disse que, embora se soubesse da existência de antigos judeus no Afeganistão, a sua cultura permanecia até agora um mistério.

"Aqui, pela primeira vez, vemos evidência e podemos estudar de fato os escritos dessa comunidade judaica. É muito empolgante", disse Shaked à Reuters por telefone de Israel, onde ensina no departamento de Estudos Iranianos e Religião Comparada na Universidade Hebraica de Jerusalém.

Os documentos estão sendo mantidos por comerciantes particulares de antiguidades em Londres, que têm apresentado uma série de documentos novos nos últimos dois anos. Shaked acredita que foi nessa época que a série de pergaminhos foi encontrada e levada para fora do Afeganistão em uma operação clandestina.
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Notícias História Viva

Túmulo de cantora do deus Amon-Rá é descoberto no Egito
Achado comprova que no vale dos Reis há também sepulturas de personalidades da época, além dos sarcófagos dos faraós
EFE



Foto: AFP


Túmulo de cantora de Amon-Rá foi descoberto a 600 quilômetros do Cairo, no Egito


Uma equipe de arqueólogos suíços descobriu o túmulo de uma cantora do deus Amon-Rá, da 22ª dinastia (712-945 a.C.), no vale dos Reis na cidade de Luxor, a 600 quilômetros do Cairo.

O Ministério de Estado para as Antiguidades do Egito anunciou neste domingo que os arqueólogos encontraram o sarcófago durante os trabalhos de limpeza de um corredor que leva ao túmulo de um faraó Tutmósis III (1490-1436 a.C.).

Nesse corredor, os especialistas encontram um poço que dá acesso a uma sala de sepultamento, onde a equipe suíça achou o sarcófago da cantora, conforme comunicado divulgado pelo Ministério.

O túmulo, de madeira e pintado de preto, tem escrituras em hieróglifo, que incluem o nome da artista "Ni Hems Bastet".

Os arqueólogos acharam ainda perto do túmulo do faraó um muro onde o nome da cantora também aparece inscrito.

A importância dessa descoberta, de acordo com as autoridades egípcias, é provar que no vale dos Reis, na margem ocidental do Nilo, que há sepulturas de outras personalidades da época da 22ª dinastia, além dos faraós.
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Notícias História Viva

Cientistas encontram esqueleto de homem pré-histórico homossexual
Pesquisadores observaram que indivíduo, que morreu há 5 mil anos, foi enterrado segundo ritos normalmente destinados às mulheres
BBC Brasil



Foto: Sociedade Arqueológica Tcheca
Enterro seguiu normas que mesclam tradições masculinas e femininas


Cientistas tchecos escavaram o que acreditam ser o esqueleto de um homem pré-histórico homossexual ou transexual que viveu entre 4.500 e 5.000 anos atrás.

A equipe de pesquisadores da Sociedade Arqueológica Tcheca constatou que os restos - retirados de um sítio arqueológico neolítico em Praga - indicam que o indivíduo, de sexo masculino, foi enterrado segundo ritos normalmente destinados às mulheres.

A arqueóloga Katerina Semradova disse à BBC Brasil que o enterro “atípico” indica que o indivíduo encontrado fazia parte do “terceiro sexo”, provavelmente homossexual ou transexual.

"Trabalhamos com duas hipóteses: a de que o indivíduo poderia ter sido um xamã ou alguém do terceiro "terceiro sexo'. Como o conjunto de objetos encontrados enterrados ao redor do esqueleto não corroboravam a hipótese de que fosse um xamã, é mais provável que a segunda explicação seja a correta", disse Semradova.



Foto: Sociedade Arqueológica Tcheca
Objetos encontrados na tumba não eram comuns em enterros masculinos daquele período


As escavações foram abertas ao público e a visitação tem sido intensa.

Os restos são de um membro da cultura da cerâmica cordada, que viveu no norte da Europa na Idade da Pedra, entre 2.500 AC e 2.900 AC.

Neste tipo de cultura, os homens normalmente são enterrados sobre o seu lado direito, com a cabeça virada para o oeste, juntamente com ferramentas, armas, comida e bebidas.

As mulheres, normalmente sobre o seu lado esquerdo, viradas para o leste e rodeada de jóias e objetos de uso doméstico.

O esqueleto foi enterrado sobre o seu lado esquerdo, com a cabeça apontando para o oeste e cercado de objetos de uso doméstico, como vasos.

"A partir de conhecimentos históricos e etnológicos, sabemos que os povos neste período levavam muito a sério os rituais funerários, portanto é improvável que esta posição fosse um erro", disse a coordenadora da pesquisa, Kamila Remisova Vesinova.

"É mais provável que ele tenha tido uma orientação sexual diferente, provavelmente homossexual ou transexual."
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Notícias História Viva

Armadura medieval exigia alto desempenho físico dos soldados

Roupa de até 50 quilos e limitação para respirar demandava mais que o dobro de energia necessária para se locomover.

Foto: Universidade de Leeds
Exame de esforço: para ser soldado medieval exigia físico de atleta



Pesquisadores europeus e da Nova Zelândia analisaram a dificuldade que era guerrear usando armaduras do século 15 e constataram que a vida de um soldado medieval era ainda pior do que contam os livros de história. Exames de esforço em uma esteira feitos por voluntários mostraram que o uso da armadura medieval, um traje feito de aço que pesava entre 30 e 50 kg, exigiu mais que o dobro de energia para a locomoção que roupas normais.

Além do peso, outro problema está na dificuldade para respirar. De acordo com Alberto Minetti, da Universidade de Milão e um dos autores do estudo, a respiração era afetada por duas coisas. A primeira é que a ventilação era mais alta que o normal por causa da adição de carga. “Eles precisavam de mais energia”, disse ao iG. Outro problema estava na restrição da expansão do tórax para respirar. Espremido pelas placas de metal, os soldados eram obrigados a aumentar a frequência respiratória.

“Nós descobrimos que carregar este tipo de peso espalhado pelo corpo requer mais energia que carregar o mesmo peso concentrado em uma mochila” disse Graham Askem, da Universidade de Leeds e um dos autores do estudo publicado nesta quarta-feira (20) no periódico científico Proceedings of the Royal Society B. Ele explica que ao vestir a armadura, pernas e braços eram carregados com o peso, exigindo mais esforço para movimentá-los.

Vale lembrar que nem todos os soldados usavam as armaduras completas. “O arqueiro inglês era levemente protegido e soldados menos nobres também deviam ter armaduras incompletas”, disse Askem ao iG.

A limitação provocada pelas armaduras explica a juventude dos exércitos medievais, devido à necessidade de um alto desempenho físico. “Certamente estes soldados estavam em forma. Caminhar pelos campos de batalha era pesado. Os músculos eram importantes, mas a capacidade aeróbica deles tinha que ser muito alta”, disse Minetti. Ele concorda com a opção do cinema de sempre retratar cavalheiros atléticos e jovens vestindo armaduras.
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Notícias História Viva

Jackie Kennedy não gostava de De Gaulle, Indira Gandhi e Luther King
Trechos de entrevista com mulher de John F. Kennedy revelam que o ex-presidente estava preocupado que Lyndon Johnson o sucedesse
AFP


Foto tirada em 5 de outubro de 1960 mostra Jacqueline Kennedy escrevendo seu semanário 'Esposa do Candidato'


Jacqueline Kennedy não gostava do general Charles de Gaulle, que considerava "desagradável", nem dos franceses, por achá-los egoístas. Essas confissões da mulher do ex-presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy (1961-1963) foram gravadas em 1964 e só reveladas em um programa exibido pela rede de TV americana ABC na noite desta terça-feira.

"De Gaulle era meu herói quando me casei com Jack", declarou Jacqueline ao historiador Arthur Schlesinger. "Mas, na verdade, ele era muito desagradável", acrescentou, ao se recordar da viagem que fez à França em maio de 1961 com John F. Kennedy, que havia assumido a presidência quatro meses antes.

Jacqueline, que falava muito bem o francês por ter estudado um ano na Sorbonne quando tinha 20 anos, também não tinha um bom conceito dos franceses em geral. "Detesto os franceses (...) Eles não são gentis, só pensam em si mesmos", declarou.

Schlesinger gravou mais de oito horas de conversas com Jackie Kennedy quatro meses depois do assassinato de seu marido, em novembro de 1963, em Dallas. Ela tinha na época 34 anos.

Mas De Gaulle não era a única personalidade política que foi alvo de suas críticas escancaradas. Jackie disse também que Indira Ghandi, então futura primeira-ministra da Índia, era uma mulher "amarga, arrivista e horrível", e também não escondeu suas dúvidas sobre Marthin Luther King. Ela teria dito ao seu marido que considerava o líder dos direitos civis negros uma pessoa "falsa".

Além disso, ela revelou que Kennedy estava preocupado com o país caso seu vice-presidente, Lyndon Johnson, viesse a sucedê-lo.

A viúva do presidente disse que seu marido e seu cunhado, Robert Kennedy, haviam comentado a questão. "Bobby me disse isso mais tarde, e sei que Jack falou disso comigo algumas vezes. Ele disse: 'Oh, Deus, pode imaginar o que aconteceria com o país se Lyndon fosse presidente?'", recordou a ex-primeira-dama.

Jacqueline afirmou que seu marido tinha a intenção de manter Johnson na chapa eleitoral em 1964, mas com esperanças de impedir que se candidatasse em 1968, ao final do que poderia ter sido o segundo mandato de John F. Kennedy. "Ele não gostava da ideia de que Lyndon fosse presidente porque estava preocupado com o país", explicou.

Em outros trechos da entrevista, Jackie comentou que Kennedy chegou a brincar sobre seu próprio assassinato depois da crise dos mísseis cubanos.

A viúva recordou que seu marido perguntou uma vez ao historiador de Princeton David Donald se Abraham Lincoln teria sido considerado um grande presidente se não tivesse sido assassinado.

Donald respondeu que provavelmente não, porque, com a Guerra Civil, Lincoln teria que lidar com "o problema insolúvel" de reconstruir o sul devastado pelos combates. "E eu lembro do Jack dizendo que... depois da crise dos mísseis de Cuba, quando tudo acabou tão fantasticamente... ele disse: 'bom, se alguém for atirar em mim, esse seria o dia em que deveriam fazer isso", contou Jackie.

As memórias de Jacqueline Kennedy provêm de uma série de entrevistas realizadas pelo historiador Arthur Schlesinger, que foram mantidas em particular pela família Kennedy até agora.

As transcrições estão incluídas no livro "Jacqueline Kennedy: Conversas históricas sobre a vida com John F. Kennedy", que será publicado este mês. Essas gravações foram divulgadas por iniciativa de Caroline Kennedy pelo aniversário de 50 anos em que seu pai assumiu a presidência do país.
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Notícias História Viva

Abrigo nuclear de Kennedy guarda história da Guerra Fria
Vizinhos de bunker acreditam que local tem potencial para pôr a ilhota artificial de Peanut Island, perto de Palm Beach, no mapa

Um abrigo nuclear era algo necessário nas décadas de 1950 e 1960. O presidente John F. Kennedy, que enfrentava na época uma série de confrontos com os soviéticos, chegou até mesmo a recomendar um abrigo para todos os americanos "o mais rápido possível", em um discurso de outubro de 1961.


Foto: The New York Times
Turistas entram em abrigo à prova de radiação construído em 1961 para o presidente John F. Kennedy perto de sua casa em Palm Beach

Dois meses depois, Kennedy recebeu o seu próprio abrigo antiaéreo secreto na área costeira de Palm Beach, na Flórida, perto de uma enseada do Oceano Atlântico.

Poucas pessoas sabem que ele existe, mas alguns moradores da área acreditam que o abrigo é uma atração imperdível que poderia colocar Peanut Island, uma ilhota artificial, no mapa.

"O governo nunca declarou que existia até 1974", disse Anthony Miller, membro do conselho executivo do Museu Marítimo de Palm Beach, uma organização sem fins lucrativos que arrenda parte das terras da Peanut Island e realiza visitas ao abrigo. "Mas esse foi o segredo mais mal guardado em Palm Beach."

Com a intenção soviética de levar ogivas nucleares para Cuba, Kennedy teria um refúgio à prova de radiação a poucos minutos de helicóptero de sua casa de inverno à beira-mar em Palm Beach.

O abrigo da Flórida, que caiu em desuso na década de 1990, foi limpo e aberto para visitação em 1999, pouco depois de o museu alugar o local. Sepultado sob camadas de concreto e construído com um quarto de polegada de espessura, paredes de aço e chumbo, o abrigo parece algo pertencente ao programa de televisão Lost.

O abrigo permanece decorado mais ou menos como era na época, com peças de réplica e um selo presidencial.

Mas quanto tempo o museu poderá continuar operando o abrigo é outra questão. Ele o tem operado no vermelho há anos, segundo Miller, e os curadores estão envolvidos em uma disputa de décadas com alguns comissários do condado de Palm Beach para abrir um restaurante, como muitos museus fazem, para ajudá-los a sustentar o projeto.

Priscilla Taylor, uma comissário do condado que disse estar aberta a um restaurante caso alguns problemas sejam abordados, disse que a questão pode ser reconsiderada. "É um lugar muito bonito", disse. "O abrigo tem uma história para contar, e ele deve ser incluído em qualquer coisa que possamos fazer para promover o turismo na ilha."

*Por Lizette Alvarez
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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Como evolui o conceito de morte ao longo dos séculos?

Historiador identifica mudanças nessa representação social desde a Idade Média

Adriana Melo

"Antigamente, a morte era uma tragédia - muitas vezes cômica
- na qual se representava o papel daquele que vai morrer.
Hoje, a morte é uma comédia - muitas vezes dramática - onde
se representa o papel daquele que não sabe que vai morrer."
Philippe Ariès

A visita ao túmulo de um ente querido nos parece um ato corriqueiro, tão familiar que pensamos ser um hábito que sempre existiu e que já é parte da natureza humana. No entanto, em seu livro História da morte no Ocidente, o historiador francês Philippe Ariès (1914-1984) mostra que a atitude do homem diante da morte mudou muito ao longo dos séculos e que a forma como ela é hoje encarada é, na verdade, muito recente.

As transformações da representação social da morte passam despercebidas por serem muito lentas, seguidas por longos períodos de estabilidade. O tempo que as separa equivale a várias gerações e ultrapassa a capacidade da memória coletiva. Para traçar um panorama dessas mudanças desde a Idade Média, Ariès se baseou em textos literários, inscrições em túmulos, obras de arte e até diários pessoais.

Segundo o historiador, havia no início da Idade Média uma familiaridade com a morte, que era um acontecimento público. Ao pressenti-la, o moribundo se recolhia ao seu quarto, acompanhado por parentes, amigos e vizinhos. O doente cumpria um ritual: pedia perdão por suas culpas, legava seus bens e esperava a morte chegar. Não havia um caráter dramático ou gestos de emoção excessivos.

O corpo era enterrado nos pátios das igrejas -- que também eram palco de festas populares e feiras. Mortos e vivos coexistiam no mesmo espaço. A partir de 1231 foram proibidos jogos, danças e feiras nos cemitérios: começava a soar incômoda a proximidade entre mortos e vivos. As sepulturas, anônimas até o século 12, passaram a ser identificadas por inscrições, efígies e retratos: era importante preservar a identidade mesmo após a morte. A arte funerária evoluiu muito do século 14 ao 18.

Túmulo de Inês de Castro em Portugal (séc. 14). Na época, era costume a representação do morto por uma estátua, às vezes a reprodução de uma máscara modelada no rosto do defunto

A partir do século 18, conta Ariès, a morte tomou um sentido dramático, exaltado. Passou a ser encarada como uma transgressão que roubava o homem de seu cotidiano e sua família. Inaugurava-se o culto aos cemitérios. O luto era exagerado: o personagem principal era então a família, e não mais o morto. Não se temia mais a própria morte, mas a do outro. A partir da segunda metade do século 19, a morte se transformou em tabu: os parentes do moribundo passaram a tentar poupá-lo, esconder a gravidade do seu estado.

A partir dos anos 1930, a medicina mudou a representação social da morte: já não se morre em casa, entre parentes, mas no hospital, sozinho. Os avanços da ciência permitem prolongar a vida ou abreviá-la. Pacientes podem ser condenados a meses ou anos de vida vegetativa, ligados a tubos e aparelhos.

História da morte no Ocidente é o resultado de 15 anos de pesquisa de Ariès sobre o tema. Suas 305 páginas reúnem um apanhado de diversos artigos e conferências preparados pelo autor entre 1966 e 1975. Esses ensaios foram produzidos de forma independente, o que explica eventuais redundâncias. O tema da obra, no entanto, é fascinante, e a edição brasileira traz dezenas de fotos e reproduções de obras de arte para ilustrá-los.

História da morte no Ocidente -
da Idade Média aos nossos dias
Phillippe Ariès (trad.: Priscila V. de Siqueira)
Rio de Janeiro, 2003, Ediouro
312 páginas
Adriana Melo
Revista Ciência Hoje

Quem aboliu a escravidão?

Keila Grinberg

Outro dia, lembrei-me de uma aula de história que tive na escola sobre a abolição da escravidão no Brasil. O professor perguntou para a turma quem tinham sido os principais beneficiários do fim do regime de trabalho escravo no país.

Ao ouvir de um aluno a resposta algo espantada (não seria óbvio?) “os escravos”, o professor não teve dúvidas: sapecou um “errado” em alto e bom som e seguiu discorrendo sobre como os verdadeiros beneficiários do ato foram os republicanos, que a partir de então angariaram simpatia entre os cafeicultores do Vale do Paraíba para derrubar o Império em 1889.

Naquela época, idos dos anos 1980, não havia nas escolas, salvo raras exceções, professor que ensinasse que a abolição teve como efeito primeiro libertar aqueles que em 1888 ainda estavam cativos.

E isso independentemente das relações políticas que tenham existido – e das que possam ser feitas em sala de aula – entre a abolição da escravidão e a proclamação da República. Professores que defendessem que a luta pela liberdade pudesse ser feita pelos próprios escravos, então, nem pensar.

Para além do chavão à época comum dos livros didáticos (“os escravos não podiam ter se beneficiado da abolição da escravidão porque, no fundo, continuavam cativos da pobreza“), se dizia que eles não poderiam mesmo ter tido papel ativo. A justificativa era simples: não sendo sujeitos históricos, os escravos não seriam capazes de ser protagonistas de seus próprios destinos.

A lembrança da aula me veio à mente ao assistir à conferência de Robin Blackburn, historiador da Universidade de Essex e da New School for Social Research de Nova York, na abertura do seminário internacional O século 19 e as novas fronteiras da escravidão e da liberdade, ocorrido na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)
Blackburn iniciou sua fala jogando luz sobre a relação entre a resistência escrava e a abolição da escravidão nas Américas. Era uma maneira de formular novamente, ainda que em outros termos, a questão que, 20 anos atrás, meu professor sugeriu a seus alunos na escola.

Respostas aparecem anos depois
Só que, naquela época, ainda estava longe de chegar aos bancos escolares os resultados das pesquisas acadêmicas que então mudaram os estudos sobre escravidão no Brasil. De meados da década de 1980 até o inicio dos anos 1990, jovens autores como Maria Helena Machado, Hebe Maria Mattos e Sidney Chalhoub não apenas demonstraram o papel ativo dos escravos e seus descendentes na gestão de suas próprias vidas, como também argumentaram que as diferentes formas de resistência à escravidão contribuíram sobremaneira para a extinção do regime de trabalho escravo no país.


From rebellion to revolution, livro de Eugene Genovese, põe em debate os significados e as intenções das várias formas de resistência escrava (reprodução).


Vinte anos depois, a resposta à pergunta de Blackburn pareceria óbvia. Hoje em dia, não há quem endosse a antiga afirmação de que os escravos seriam coisas, objetos sem qualquer ação social própria.

Nenhum professor que se preze se aventura a dizer que os escravos não tenham tido papel significativo na construção da história deste país. E em nenhum livro didático se lê que o fim da escravidão resultou da ação exclusiva de grandes nomes como Wilberforce na Inglaterra ou a princesa Isabel no Brasil.

E, no entanto, a pergunta não é obvia. Como argumentou Blackburn, desde o fim dos anos 1970, quando o norte-americano Eugene Genovese publicou From rebellion to revolution (‘Da rebelião à revolução’), se discutem os significados e as intenções das várias formas de resistência escrava, das pequenas ações cotidianas às rebeliões.

As revoltas escravas teriam como objetivo a destruição do sistema escravista? Os escravos e seus descendentes livres teriam papel importante no movimento abolicionista? Teriam sido eles fundamentais para a abolição final da escravidão ou meros coadjuvantes em um processo liderado por brancos?

A discussão reacendeu com a divulgação das ideias do historiador português João Pedro Marques, que lançará no ano que vem o livro Who abolished slavery? (‘Quem aboliu a escravidão’, Berghahn Books). Ele argumenta que, nos últimos trinta anos, teria havido um exagero no papel conferido aos escravos na análise dos processos que, em diferentes países, levaram ao fim da escravidão.

Segundo o historiador, a emancipação não teria sido, na maioria dos casos, um processo dominado pelos escravos ou pelos ativistas abolicionistas negros. Para ele, a pergunta “quem aboliu a escravidão?”, se feita na escola, não poderia ter como resposta “os escravos”.

Pergunta mais complexa com o passar do tempo?
Para me intrometer no debate, arrisco dizer que a questão talvez não seja exatamente a de tentar explicar a abolição da escravidão pelo maior ou menor grau de participação dos escravos no processo.


Dois escravos posam com a sua senhora: foto sugere subserviência de um e postura altiva de outro, de modo diferente do que era ensinado nas escolas (reprodução / Wikimedia Commons).


Seria impossível tentar explicar um episódio complexo e continental como esse sem levar em conta fatores como conjuntura internacional, movimentos abolicionistas, opinião pública, economia mundial e, claro, resistência escrava.

Mas impossível também é desconsiderar que todos esses fatores acima elencados, dentre eles as ações de escravos e de seus proprietários, assim como as de negros livres, foram ganhando diferentes significados ao longo do tempo e em contextos espaciais diferentes.

Esta pode ser uma chave interessante para aprofundarmos a pergunta inicial de Blackburn. A análise da correlação entre as ações dos escravos e os processos de abolição da escravidão nos diferentes cenários nacionais das Américas é, no fundo, uma reflexão sobre o lugar das ações humanas nas grandes rupturas de cada tempo.

E é também uma reflexão sobre os papéis diferenciados que os grupos sociais têm na definição das questões econômicas e políticas que, a cada época, marcam as vidas das pessoas. Isso só torna o problema mais difícil. Refletir sobre os significados das ações humanas no passado implica também pensar sobre os efeitos que aquilo que fazemos ou deixamos de fazer tem nas grandes transformações do nosso tempo.

A esta altura, está bem mais complicado responder a pergunta do meu professor agora do que no contexto em que foi feita. Quem aboliu a escravidão? Quem se beneficiou com ela? A resposta depende, no fundo, das nossas próprias concepções sobre os limites e o alcance da agência humana. Mas não será esta mesma a função das perguntas – tornarem-se mais complexas com o passar do tempo?

Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Revista Ciência Hoje

Luta de classes e malandragem cem anos atrás

Estudo retrata trabalho e lazer de comerciantes cariocas na virada dos séculos 19 e 20

Liza Albuquerque

Os empregados do comércio do Rio de Janeiro do final do século 19 e início do 20 viviam em condições desumanas. Seu trabalho se estendia pelo dia inteiro e eles não tinham direito a descanso semanal. Como também eram funcionários de bares e casas de espetáculo da cidade, trabalho e lazer se misturavam. Apesar da lealdade aos patrões que aparentavam ter, os caixeiros, como eram então conhecidos, reivindicavam redução da jornada e melhores condições de trabalho, mas buscavam evitar o conflito direto com os empregadores. Tudo era feito com muita perspicácia e malícia...

A charge acima, publicada em A Vida Fluminense de 30/10/1869, mostra a reivindicação dos caixeiros por um descanso semanal. Assim, os caixeiros poderiam se divertir aos domingos (no alto), enquanto os patrões fariam seu serviço (abaixo)


Descrever a realidade social dessa classe foi o objetivo da tese de doutorado da historiadora Fabiane Popinigis, recém-defendida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Por meio da análise de jornais, atas da Câmara Municipal, cartas e até processos criminais, Popinigis retratou as condições de trabalho e moradia e as relações sociais dos trabalhadores de comércio carioca entre 1850 e 1912. Ela também abordou os encontros dos caixeiros fora do ambiente de trabalho, sobretudo nas casas de show e botequins, dos quais os caixeiros eram freqüentadores e funcionários.

Os caixeiros trabalhavam nos armazéns de 15 a 16 horas por dia. No começo e fim do mês, a jornada podia chegar a 22 horas. Moravam no centro da cidade e a grande maioria dormia no próprio local de trabalho. Eram eles que atendiam no balcão, pesavam, embrulhavam, vendiam, organizavam e carregavam as mercadorias, faziam as entregas e cobranças aos fregueses; eram responsáveis ainda pela contabilidade e pela limpeza e arrumação da loja.

Muitos deles aturavam essa sobrecarga de trabalho graças ao sonho de ascensão profissional, que gerou o estereótipo do caixeiro oportunista e ambicioso, cuja única intenção era subir na hierarquia social. Porém, com o crescimento do comércio e o conseqüente distanciamento entre patrão e empregado, esse sonho se tornou cada vez mais distante e os caixeiros passaram a lutar de forma mais agressiva primeiramente pelo descanso dominical e, depois, pela diminuição das horas de trabalho diário.



A charge acima, publicada em O Malho em 18/08/1906, representa o movimento conhecido como fechamento das portas. Naquele ano, muitas manifestações de reivindicação estouraram no centro do Rio


"Essa luta era travada cotidianamente dentro das próprias casas comerciais", diz Popinigis. "Ao contrário do que se pensa, os trabalhadores do comércio não viviam inteiramente no mundo dos patrões, mas conquistavam seu espaço de maneira bastante sutil, na base da patuscagem, que é como a malandragem era chamada na época."

Segundo a historiografia tradicional, os trabalhadores, sobretudo os operários de fábricas, criavam sindicatos combativos contra a classe dominante como forma de assegurar seus interesses e direitos. Já os trabalhadores do comércio do Rio do final do século 19 evitavam esse conflito direto com os empregadores, até porque conviviam diariamente com eles, o que se modificou nos primeiros anos do século 20, quando as reivindicações tomaram formas mais coletivas e combativas. "Quis mudar o enfoque da historiografia tradicional ao mostrar que existem diferentes formas de se combater injustiças sociais", disse Popinigis.

Liza Albuquerque
Revista Ciência Hoje

E o samba conquistou as elites

Tese defende que popularização do ritmo serviu a interesses políticos de Getúlio

Julio Lobato

A história do samba pode ser uma boa pista para se compreender importantes transformações sociais que marcaram a primeira metade do século 20 no Brasil. Foi nessa época que esse tipo de música, originária de manifestações religiosas e culturais da população de ascendência africana, deixou de ser objeto de perseguição e sinônimo de vadiagem para entrar no circuito comercial do país e, aos poucos, se transformar num dos principais símbolos de nossa cultura.


Getúlio Vargas (1882-1954) em foto de 1945
(foto: CPDOC / Fundação Getúlio Vargas)


Mas quais foram as condições que permitiram que o samba entrasse nos salões das elites e fosse executado por todo país em rádios e toca-discos? O historiador Magno Bissoli defende em sua tese de doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) que a nacionalização desse tipo de música esteve em larga escala associada à industrialização do país e ao projeto político e econômico de Getúlio Vargas.

Intitulada "Caixa Preta: samba e identidade nacional na Era Vargas", a tese, orientada pelo professor Wilson do Nascimento Barbosa, procurou avaliar o impacto dessa música na formação da identidade na sociedade industrial entre 1916 e 1945. Bissoli propõe que a transformação do samba proibido em ritmo nacional relaciona-se com a cooptação da mão de obra negra como força de trabalho para o processo de industrialização pelo qual passava o país e com a necessidade de se estabelecer um símbolo nacional aceito pela elite.

"A comercialização do samba criou condições favoráveis para que o Estado atraísse, por meio da identificação, uma mão de obra até então desprezada", aponta o historiador. No entanto, ele ressalta que, à medida que era popularizado, o samba sofreu um 'embranquecimento' decorrente de sua apropriação por uma camada média da população e pela mídia, acentuadamente durante o governo nacionalista e autoritário de Getúlio Vargas.

"Vargas incorporou o samba durante o Estado Novo com dois objetivos complementares: enquanto promovia a identificação da comunidade negra com a nação brasileira, mostrava às elites e ao resto do mundo uma nacionalidade branca." Para que isso acontecesse, Bissoli explica que o governo estimulava a difusão do samba por meio de propagandas oficiais, enquanto a indústria criava um novo produto altamente rentável.

A composição de Ary Barroso "Aquarela do Brasil", de 1939, exemplifica bem o caráter ufanista que agradava aos setores do governo comprometidos com a construção de uma nova nacionalidade brasileira. As imagens idílicas de seus versos , cadenciados pelo samba, levaram ao mundo o retrato de um Brasil que, no entanto, não correspondia à realidade daqueles que criaram o ritmo.

"A história reservou aos negros a função de operários", aponta Bissoli. "Enquanto a indústria fonográfica produzia dinheiro contratando músicos e intérpretes brancos, os compositores negros, verdadeiros artistas do samba, se mantinham marginalizados na mesma condição de pobreza."

Julio Lobato
Revista Ciência Hoje

Refugiados de ontem e de hoje

Keila Grinberg compara a situação das pessoas que fogem atualmente dos conflitos na Tunísia, na Líbia e no Egito com a dos judeus na época do Holocausto.

Keila Grinberg


Refugiado da Líbia em acampamento da Organização das Nações Unidas na Tunísia. Milhares de líbios estão fugindo da guerra civil que se instalou no país após manifestações contra o atual governo. (foto: Spencer Platt/ Getty Images – CC BY 2.0)
Impossível não lembrar do comissário Salvo Montalbano, criação do escritor italiano Andrea Camilleri (1925-), ao ler no noticiário as últimas sobre os milhares de refugiados da Tunísia e da Líbia recentemente chegados a Lampedusa, pequena ilha italiana localizada entre a Tunísia e a Sicília.

O comissário, geralmente sisudo e meio mal-humorado, assistia a um desembarque de tunisianos na cidade imaginária de Vigata, na Itália, quando viu um menininho saltar do barco de mãos levantadas, em sinal de rendição.

“Afinal, de que buraco do inferno vinha aquele garoto”, perguntou-se Montalbano, “se já com tão pouca idade havia aprendido aquele terrível gesto de mãos ao alto, que certamente não tinha visto nem no cinema nem na televisão?”

A imagem é famosa: tirada no gueto de Varsóvia, mostra um menino de casaco e boné com um soldado nazista apontando a arma por trás“A resposta veio rápida: de repente, dentro de sua cabeça, houve uma espécie de relâmpago, um verdadeiro flash. E, dentro desse relâmpago de curta duração, o caixote, o beco, o porto, a própria Vigata, tudo desapareceu e depois ressurgiu reconstituído no granulado preto-e-branco de uma velha fotografia, vista muitos anos antes mas batida havia mais tempo ainda, durante a guerra, antes que ele nascesse, e que mostrava um menininho judeu, ou polonês, com as mãos para o alto, os mesmos olhos arregalados, a mesma vontade de não começar a chorar, enquanto um soldado apontava o fuzil contra ele.” (Guinada na vida, Record, p. 46)

A imagem é famosa demais para merecer descrição minuciosa: tirada no gueto de Varsóvia (Polônia), ela mostra em primeiro plano um menino de casaco e boné com um soldado nazista apontando a arma por trás.


Foto tirada em 1943, quando os soldados nazistas capturaram os últimos habitantes do gueto de Varsóvia (Polônia), onde centenas de milhares de judeus foram confinados em condições sub-humanas durante o Holocausto. (foto do relatório de Jürgen Stroop para Heinrich Himmler)Hoje considerada uma das imagens mais fortes e emblemáticas do Holocausto, ela foi objeto, recentemente, de investigação do professor Dan Porat, da Universidade Hebraica de Jerusalém (Israel), que sobre ela escreveu o livro The boy: a Holocaust story (Hill and Wang, 2010). Porat queria saber quem era o tal menino, se ele tinha sobrevivido à guerra.

Não foi o primeiro: em A child at gunpoint: a case study in the life of a photo (Aarhus University Press, 2004‏), o pesquisador Richard Raskin se fez a mesma pergunta. E sugeriu que o impacto causado pela foto está no fato de ela propiciar, como poucas, a identificação entre o observador e o menino.

Hoje ninguém tem dúvidas de que lado está quando vê aquela foto – embora naquela época alguns não tivessem essa certeza. Da mesma forma, Montalbano não hesitou, na história de Camilleri, em tentar ajudar o pequeno refugiado, que o acabou enredando em uma trama que só lendo (e vale muito a pena ler!).

Imigrantes rejeitados
As revoltas que resultaram na deposição dos presidentes da Tunísia e do Egito, bem como na guerra civil que cerca o governo de Muammar Kadhafi na Líbia, produziram, como em qualquer conflito de grandes proporções, um grande número de refugiados.


Manifestantes protestam em uma cidade a 50 km da capital da Líbia contra o regime de Muammar Kadhafi. (foto: Flickr/ Reuters/ Ahmed Jadallah – CC BY 2.0)Só que, enquanto os Estados Unidos e a Europa celebram os movimentos como sinal de modernização e valorização da democracia, nem querem ouvir falar de mais imigrantes em seus territórios.

Há alguns meses, o governo francês emitiu um comunicando declarando que não aceitará nenhum imigrante tunisiano que não seja portador de visto válido. E o ministro da Alemanha rejeitou em fevereiro passado a proposta da Itália de redistribuir os refugiados por vários países.

Pouca gente vem se sensibilizando com os cerca de 30 mil refugiados da Tunísia, da Líbia e do EgitoSem contar o comissário Montalbano e a agência que cuida da questão dos refugiados na Organização das Nações Unidas (ONU), além de algumas outras organizações não-governamentais, parece que pouca gente vem se sensibilizando com os cerca de 30 mil refugiados da Tunísia, da Líbia e do Egito, que desde o início dos protestos em janeiro deste ano vêm tentando chegar à Europa, geralmente por mar.

Destes, estima-se que 800 tenham morrido nos últimos quatro meses em naufrágios. O episódio mais drástico talvez tenha sido o do barco que saiu da Líbia em março, segundo o jornal britânico The Guardian, com 72 passageiros. À deriva no Mediterrâneo por falta de combustível, 61 pessoas acabaram morrendo de fome e de sede, enquanto esperavam o socorro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que não chegou.

Pode parecer meio piegas acabar esta coluna lembrando que refugiado é refugiado, independente de época, lugar, cor e religião. Mas, assim como aqueles que assistiram àquela cena do gueto de Varsóvia provavelmente não sentiram a menor identificação com o garoto, talvez por ele ser judeu, estamos deixando passar algo ao não darmos a devida atenção ao que está se passando agora, neste momento, no Mediterrâneo, talvez por estarmos tratando de refugiados muçulmanos.

Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Revista Ciência Hoje

A honra e as revoluções


Livro recém-lançado nos Estados Unidos defende que a preocupação com a honra é um fator essencial para que a sociedade promova mudanças em práticas consideradas chocantes e ofensivas. Keila Grinberg comenta a ideia em sua coluna deste mês.

Keila Grinberg

Para o filósofo anglo-ganês Kwame Appiah, o fim do costume de enfaixar e quebrar os pés das mulheres chinesas para que não crescessem foi motivado pela associação da prática à desonra internacional da China. (foto: Flickr/ DrJohnBullas – CC BY-NC-ND 2.0)
Como as sociedades mudam? A pergunta embala inúmeros historiadores e filósofos, cujas respostas variam conforme a época em que vivem, as teorias nas quais acreditam e suas próprias ambições intelectuais.

Em tempos de ocupação da Wall Street (coração do centro financeiro de Nova Iorque) por jovens manifestantes e revoltas no mundo árabe, o filósofo anglo-ganês Kwame Appiah, professor da Universidade de Princeton (Estados Unidos) conhecido por seus estudos de linguagem, defende uma ideia que parece até meio fora de moda: a honra. Isso mesmo. Para ele, a honra foi um importante motor de mudança nas sociedades nos últimos 200 anos.

Conhecido do público brasileiro por seu livro Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura (Contraponto, 1997), Appiah publica agora a obra The Honor Code: how moral revolutions happen, com lançamento previsto para março de 2012 no Brasil pela editora Companhia das Letras.

Dessa vez, ele tenta entender como, olhando para o passado, nos deparamos com práticas tão chocantes sem que algo tivesse sido feito para modificá-las. Ao se perguntar “o que estávamos pensando que não fizemos nada para acabar com tal situação?”, ele arrisca afirmar que atitudes deploráveis só chegaram ao fim quando a honra – dos indivíduos ou das nações – foi atingida.

Isso teria acontecido na Inglaterra do início do século 19, tanto no caso do fim dos duelos da aristocracia – a certa altura considerados absurdos e ridículos – quanto em relação à proibição do comércio de escravos.

Outro exemplo ocorreu na China do início do século 20, com o fim da prática de enfaixar e quebrar os pés das mulheres chinesas para que permanecessem pequenos. E estaria acontecendo hoje em dia com os crimes de honra contra mulheres no Paquistão, que ainda não geraram nenhuma revolução moral, mas (é o que Appiah espera) ela estaria a caminho.

Ofensa à honra
Para Appiah, nenhuma dessas mudanças teria ocorrido pela força de argumentos morais. Embora a sensibilidade e a compaixão em relação ao sofrimento do outro tenham crescido substancialmente na Europa do século 18, não teriam sido os argumentos morais contra essas práticas que as teriam destruído. As pessoas não deixam de aceitar a situação porque o que está acontecendo é errado. Elas mudam quando sentem vergonha, quando sua honra está em perigo.

Talvez o caso da China tenha sido, dos três primeiros (o quarto ainda estaria por vir), o mais convincente. Séculos e séculos de denúncias contra a prática de enfaixar os pés das mulheres chinesas para impedir que eles crescessem não foram suficientes para acabar com ela. Muito pelo contrário: antes restrita à realeza e às famílias ricas, aos poucos o costume de enfaixar o pés foi sendo adotado por toda a sociedade chinesa, tornando-se cada vez mais popular, até mesmo nas áreas rurais. Ter os pés pequenos, além de ser bonito, era fundamental para ter um bom casamento e um bom status social.

Para os intelectuais chineses reformistas, os pés pequenos das mulheres tornavam a China ridícula aos olhos dos outros paísesSó com as reformas do fim do século 19, a questão dos pés das mulheres chinesas começou a ocupar o lugar que merecia na agenda política do Império chinês. Para os intelectuais chineses reformistas, os pés pequenos das mulheres tornavam a China ridícula aos olhos dos outros países – na verdade, dos países europeus civilizados (embora Appiah não diga, é isso o que ele quer dizer). Para estabelecer relações em pé de igualdade com as outras potências, eles deviam abandonar seus “bárbaros costumes”.

E assim foi. Em 1912, a prática foi proibida na China. Mesmo que ainda tenha persistido em algumas regiões do país até a década de 1940, não deixa de ser curioso que, depois ter existido por mais de 900 anos (desde o século 10), em tão pouco tempo ela tenha chegado ao fim. Hoje só existe em mulheres muito idosas, marcas de um tempo que já passou.

Raízes múltiplas
Mas assim como é difícil atribuir o fim dos pés pequenos das mulheres chinesas apenas à desonra internacional, isolar um único fator como responsável por mudanças tão significativas em sociedades tão diferentes é o ponto frágil do argumento central do livro.

Como toda interpretação ambiciosa e generalizante, ela corre o risco de não resistir a um olhar mais acurado sobre cada um dos casos analisados. Vide a crítica de David Brion Davis, historiador especialista em abolição da escravidão no Império britânico, ao capítulo sobre o fim do tráfico de africanos publicada na New York Review of Books.

O comércio de escravos na Inglaterra no século 19 é outra prática que teria sido proibida por ter se tornado um perigo à honra da nação, mas o argumento é contestado por historiadores. (foto: Wikimedia Commons)Da mesma forma, embora seja impossível compartilhar qualquer simpatia por práticas tão repulsivas como as descritas no livro, também é difícil assumir como universal, ainda que apenas nos últimos 200 anos, o conceito de honra adotado por Appiah.

Mesmo que, como ele afirma, “duelar tenha sido sempre homicida e irracional, diminuir os pés tenha sempre sido de uma dor alucinante; escravidão tenha sempre sido um assalto à humanidade do escravo”, não dá para deixar de pensar que, embora essas três práticas tenham sido de fato sempre assim, elas nunca foram só isso.

Para não parecer a historiadora rabugenta vociferando contra as idiossincrasias dos filósofos, quero dizer que gostei do livro. Contra as muitas vezes cansativas contextualizações dos historiadores, é inspirador ler um texto livre de contrangimentos factuais e compromissos teóricos.

Mas não posso terminar sem dizer que acabei o livro com a sensação de que faltou explicar por que seguimos substituindo práticas sociais deploráveis como a de apequenar os pés das mulheres chinesas por outras, tão deploráveis quanto as anteriores. Nos falta honra? Ou ela não é mais capaz de alimentar revoluções morais?

Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Pós-doutoramento na Universidade de Michigan (bolsista da Capes)

Revista Ciência Hoje

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

História do Rio de Janeiro fora do lugar-comum

Obra retrata a cidade nos séculos 16 e 17, época pouco documentada e estudada. Keila Grinberg destaca o mérito do autor por reunir, durante 15 anos de pesquisa, informações sobre esse período em que o Rio ainda não se destacava no cenário nacional.

Keila Grinberg

Detalhe do painel da Igreja de São Sebastião dos Frades Capuchinhos que retrata a fundação da cidade do Rio de Janeiro pelos portugueses, sob o comando de Estácio de Sá, no dia primeiro de março de 1565. (foto: Wikimedia Commons/ Junius – CC BY-SA 3.0)
Eu sei que não se deve começar – nem terminar, para falar a verdade – um texto com um lugar-comum, mas não resisto: tem obras que nascem clássicas. Não há outra maneira de classificar o monumental trabalho de Mauricio de Almeida Abreu Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502-1700). A obra, de dois volumes, foi publicada pela editora Andrea Jakobsson Estúdio em 2010.

O lançamento do livro, que teve o apoio da Prefeitura do Rio de Janeiro, pode ser imputado à recente enxurrada de novas obras historiográficas sobre o Rio de Janeiro – com a qual conviveremos nos próximos anos, efeito altamente positivo do interesse pela cidade gerado pela proximidade da Copa do Mundo e das Olimpíadas.


Capa do livro ‘Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502-1700)’, de Mauricio de Almeida Abreu.No entanto, a obra do geógrafo Mauricio Abreu, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro e também autor do conhecido Evolução Urbana do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, IplanRio, 1987), não tem nada a ver com o boom de lançamentos sobre a cidade. Ao contrário: o trabalho é fruto de 15 anos de pesquisa que agora, em boa hora, vêm a público.

Como o próprio autor afirma, o propósito de seu livro é “discutir um lugar que não existe mais”: o Rio de Janeiro dos séculos 16 e 17. Daí o porquê de ser um trabalho de ‘geografia histórica’, como o título diz.

Na melhor tradição da escola dos Annales – movimento historiográfico que se destaca por incorporar métodos das ciências sociais à história e que gerou livros como O Mediterrâneo, do historiador francês Fernand Braudel (1902-1985), e Montaillou, do historiador francês Emmanuel Le Roy Ladurie (1929-) –, o que Mauricio Abreu quer é discutir, no âmbito do Rio de Janeiro, a confluência de tempo e espaço, processo social e forma espacial.

O simples fato de se dedicar aos dois primeiros séculos de existência do Rio de Janeiro já colocaria a obra em lugar de honra na historiografia sobre a cidadePara isso, analisa o processo de conquista do território, a formação da sociedade colonial – incluindo os indígenas, que dela participavam ativamente –, a produção açucareira e, por fim, a própria cidade, sua organização interna e seus espaços coletivos.

O simples fato de se dedicar aos dois primeiros séculos de existência do Rio de Janeiro já colocaria a obra em lugar de honra na historiografia sobre a cidade, dominada por trabalhos sobre os séculos 18 e 19.

Ao direcionar a narrativa rumo à virada para os anos 1700, Mauricio Abreu opta, conscientemente, por estudar um lugar pobre e periférico, que, embora já açucareiro, estava longe de ser o grande exportador de ouro e importador de escravos, capital do Brasil, que viria a ser no século 18.

Escassez de registros
Se a região não era tão próspera como seria no século 18, também não produzia tantos documentos, como aconteceu depois. Desse material, aliás, se aproveitaram muito bem historiadores como Nireu Cavalcanti e Maria Fernanda Bicalho, autores de obras fundamentais sobre o Rio de Janeiro no século 18 (respectivamente, O Rio de Janeiro setecentista e A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII).


Mapa da baía de Guanabara feito em 1955, ano em que os franceses estabeleceram-se na região. Durante os séculos 16 e 17, poucos foram os documentos produzidos sobre o Rio de Janeiro. (imagem: Duval)É conhecida a escassez de fontes documentais dos séculos 16 e 17, se comparadas às produzidas nos períodos posteriores. Mauricio Abreu tentou suprir essa falta vasculhando, um a um, todos os arquivos que pudessem ter documentos sobre seu tema.

E encontrou. Muitos. De fato, esse seria um trabalho de síntese como tantos outros, se Mauricio Abreu não tivesse sido picado pela famigerada mosca do arquivo, aquela que ataca os pesquisadores fascinados pelos documentos, que não largam o arquivo enquanto não conseguem esgotar todas as possibilidades de pesquisa.

Mauricio Abreu parte justamente da constatação de seu desconhecimento inicial sobre o começo do período colonial no Rio de Janeiro para mudar o tema original de seu trabalho – seria um estudo sobre a cidade no século 19, precedido de um capítulo introdutório sobre o período colonial – e mergulhar em uma outra época.

O resultado é um trabalho que evita as generalizações e as caracterizações grandiosasO resultado é um trabalho que evita as generalizações e as caracterizações grandiosas e, por isso mesmo – para acabar esta parte com outro lugar-comum – é leitura obrigatória para pesquisadores, estudantes e interessados em geral em conhecer a história do Rio de Janeiro.

Em tempo: A boa notícia é que Mauricio Abreu não está sozinho. Na semana que vem, será lançado o livro Povoamento, catolicismo e escravidão na Antiga Macaé, organizado por Claudia Rodrigues, Carlos Engemann, Márcia Amantino e Jonis Freire (editora Apicuri). A obra é justamente resultado de um esforço de pesquisa coletivo para resgatar, com base na documentação local, a história da região de Macaé desde o século 17.

Esse trabalho vem se somar a outros esforços de busca e análise das fontes da história do Rio de Janeiro, como o projeto de digitalização de documentos eclesiásticos dos séculos 16, 17, 18 e 19 da arquidiocese de Niterói e das dioceses de Nova Iguaçu, Petrópolis e Valença. Para terminar com um último lugar-comum: vale a pena conferir.

Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro


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