Antropologia dos Militares: Reflexões sobre pesquisas de campo é um livro organizado pelos pioneiros em pesquisas antropológicas sobre militares no Brasil – Celso Castro e Piero Leiner. O livro conta com a contribuição de Maximo Badaró dando ensejo para a discussão em outro contexto etnográfico que não o Brasil – Argentina. Uma boa leitura que com certeza torna-se referencia às pesquisas sobre Militares no campo das Ciências Sociais.
Os trabalhos pioneiros dos organizadores foram feitos ainda no final da década de 80 e início dos anos 90 pari passu a uma situação histórica em que as relações entre militares e sociedade civil andavam meio abaladas, implicação que de problema será contornada trazendo um ponto de interlocução para abertura de um novo campo de pesquisa; proposta dada a partir, inicialmente, no campo da Antropologia do Estado.
A proposta de estudar os militares a partir de uma abordagem etnográfica, apesar de uma iniciativa inovadora, esteve de frente com questões da política na etnografia e coincidentemente, ou não, surgiu conjuntamente com as criticas pós-modernas que além de questionarem a escrita etnográfica tencionavam uma discussão da política em etnografia.
A antropologia a partir dos anos 80 vinha abrindo-se, em grande medida, a outros campos que não a Etnologia e os Estudos de Comunidade; sabe-se que tais temas foram profundamente marcados pelo papel da Antropologia em projetos de Estado, no sentido de uma Antropologia para o Estado. Esta orientada por uma perspectiva de análise dos problemas sociais brasileiros em que as ciências sociais e seus fundadores desempenharam papel fundamental.
A primeira etnografia do livro é a de Celso Castro, devido ao trabalho precursor do mesmo, texto intitulado: “Em campo com os Militares”. Diz respeito à sua etnografia feita a partir de 1987 tendo como lócus de investigação a (Aman) – Academia Militar das Agulhas Negras. O autor acompanhou um exercício de guerra chamado FIT; Castro nos mostra alguns pontos chaves para os militares que orientarão os demais trabalhos. O primeiro ponto a ser tratado pelo autor será a dificuldade de inserção no campo. O que tem a ver com o fato da etnografia de Castro ter sido a primeira deste cunho no país, ainda no final dos anos 80.
Ao fim e ao cabo, a informação, como demonstrada pelas etnografias, é uma das armas de guerra e o controle destas dentro do saber militar não é menos que tática. Justificado este uso, foi de fundamental importância para levar a pesquisa de Castro a efeito, o que depois viraria tema de investigação por outros pesquisadores da área, a categoria nativa de ‘família militar’.
Com a autorização concedida, Castro esteve sozinho em toda sua incursão em campo, conseguindo a confiança dos militares diante de suas provas de resistência, mesmo no exercício de guerra a que se propôs acompanhar. A maior dificuldade de Castro talvez tenha sido a autorização mesmo, já que os códigos simbólicos e a etiqueta tão forte entre os militares e que, às vezes se tornam um problema para os pesquisadores não acostumados com tais regras, como demonstrada em outras experiências presentes no livro, o autor já possuía certa familiaridade pela condição de ter sido filho de militar e estudado em um colégio Militar.
Também, ao contrário das outras experiências, o processo de continuidade da pesquisa ex post campo, para Castro, teve outro desfecho: foi agraciado com duas medalhas oferecidas pelo próprio Exército.
A pesquisa depende, como mostra o autor, do poder e da vontade de dar a autorização ao longo da cadeia hierárquica de comando pela qual o pedido de Castro passou. A cadeia de comando será um tema que Leiner desenvolverá em pormenor em sua análise, etnografia a seguir; sendo pioneiro também no tema só que com sua pesquisa feita na (Eceme) – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
A pesquisa de Leiner foi realizada entre os anos de 1992 a 1997. O autor baliza sua pesquisa na problemática sugerida por uma etnografia militar e uma etnografia dosmilitares; nas palavras do autor: “uma antropologia de ‘posse’ dos militares e uma antropologia relativa aos militares”. O autor chama atenção para o fato da atividade militar utilizar a “cultura inventada” pelos antropólogos como prospecção bélica, a despeito de já se ter conhecimento disto já nas antropologias de Império e dos Estados Nação.
Assim, as questões propostas por Leiner são analisadas a partir de sua experiência de campo e orientado pela pergunta de como uma etnografia dos militares enseja um diálogo direto com o mundo dos militares partindo da projeção da vida militar como “um campo ou sistema de guerra” (Leiner 2009:35).
O mecanismo de comando, em parte decantado por Leiner, contempla a descrição de sua inserção no campo, pois seria através de uma carta de aceite que toda pesquisa estará autorizada a começar. Nesse sentido, o fato de se repetir a operação em cada caso faz com que toda a operação se reinicie, procedimento pelo qual o autor toma como um efeito da cadeia de comando.
Outro ponto fundamental para o tema é a relação entre amigo e inimigo do exército, no sentido de como estas categorias aparecem contextualmente. Leiner, afirma que: “A modulação amigo/inimigo é absolutamente central como categoria nativa. Sua centralidade se deve, sobretudo, à quantidade de dimensões que consegue articular: países, exércitos, comandantes, políticos e simples etnógrafos podem ser amigos ou inimigos do exército.” (Leiner 2009:41)
Essas questões retomadas por Castro e Leiner, aqui mais detidamente descritas no limite do caráter deste texto, são importantes para todos os estudos apresentados na coletânea como ver-se-á a seguir. É assim que o trabalho de Takahashi sobre Cadetes pioneiras na AFA – Academia de Força Aérea – também utiliza a reflexão sobre a rigidez no processo de formação dos cadetes – enquadramento disciplinar – fornecida por estes autores, como também a maneira de aproximação do campo seguindo Piero Leiner (1997) mobilizando a insígnia universitária para o aceite.
Já Albertini faz uma reflexão de sua trajetória acadêmica que migra de uma análise institucional dos militares para a opção da pesquisa de campo e da etnografia, dando conta de certos aspectos da vida militar operando com o par sugerido pelos autores de amigo e inimigo em “O Exército e seus outros”. Ao contrário das pesquisas até então aqui mencionadas, a pesquisadora relata menos dificuldade de inserção no campo.
Chinelli em ‘Pesquisa e Aliança: O trabalho de campo com mulheres de militares’, utiliza-se da noção de ‘familia militar’ para constituição de seu próprio objeto de pesquisa. A inviabilidade de sua pesquisa na caserna conduziu a pesquisadora ao tema da vida das mulheres de oficiais no (EPV) – Edifício Praia Vermelha – onde reside a maioria dos alunos da Eceme.
Rodrigues da Silva retorna à temática do gênero e faz sua pesquisa novamente na AFA pesquisando o momento de formação dos cadetes, ou seja, a passagem da ‘vida civil’ para a ‘vida militar’ como demonstra a autora. Posteriormente, desenvolve pesquisa na Academia Militar das Agulhas Negras mostrando relativa facilidade de inserção no campo também.
Cavilha propõe seu estudo a partir de entrevistas com oficiais de reserva e observação do desfile do Dia da Pátria: uma etnografia de um ritual militar. Relata também boa facilidade de inserção no campo pela qual sua entrevista com Romeo, seu informante, possibilitou, a pedido da pesquisadora, o contato para outras entrevistas.
Colli de Souza enfrentou dificuldades para estabelecer sua inserção no campo, mas justamente nos limites de sua pesquisa começou a refletir sobre os fatos ocorridos. No final, fez uma ‘manobra’ inusitada com relação às pesquisas precedentes, onde a partir da negativa de seu pedido, partiu para contatos informais como o de um tenente coronel no Centro De Aviação do Exército (CavEx) em Taubaté, através do qual logo seria recebido pela instituição. O que importa destacar é a necessidade de insistência já que em um primeiro momento teve seu pedido de pesquisa ‘negado’.
O trabalho de Atassio preocupa-se mais com a estrutura institucional e organizacional do Exército, bem como com a procedência sociológica dos militares brasileiros; desenvolve pesquisa na EsSA com dificuldades de inserção no campo também, sua autorização levou mais de um ano.
Souza partiu de uma proposta de trabalho totalmente inovadora no tema. Sua pesquisa, além de seguir os caminhos difíceis da imersão em um campo pelo qual se orienta uma cultura de hierarquia e de disciplina, faz uma etnografia em Arquivos Militares que, não obstante não tenha a Caserna como lócus de pesquisa, também não deixou de enfrentar muitas restrições. Problematiza a construção da memória militar, se inscrevendo radicalmente em uma historiografia de cunho antropológico.
Todavia, como nos mostrou Colli de Souza (2009) o que valerá são as respostas aos desafios do campo, no seu caso, os limites impostos à sua pesquisa foi o que possibilitou o rendimento de novas perguntas. Já a qualidade das perguntas e respostas oferecidas pelos autores ficará a critério de outros leitores. Antecipo que material de sobra o livro oferece.
BIBLIOGRAFIA
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http://cpdoc.fgv.br/
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