Pesquisa desenvolvida para a tese de doutoramento de Joely Ungaretti Pinheiro, apresentada ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp, mergulha num dos mais importantes episódios da história do Brasil, o processo de colonização, e promove um resgate minucioso dos conflitos ocorridos entre jesuítas e colonos por conta do uso da mão-de-obra escrava indígena.
De acordo com o levantamento feito pela autora, após consulta a documentos da época arquivados no Brasil e em Portugal, a relação entre as duas partes, que sempre foi marcada pela tensão, tornou-se crítica com a promulgação do breve (espécie de decreto) do papa Urbano VIII em abril de 1639.
De acordo com o levantamento feito pela autora, após consulta a documentos da época arquivados no Brasil e em Portugal, a relação entre as duas partes, que sempre foi marcada pela tensão, tornou-se crítica com a promulgação do breve (espécie de decreto) do papa Urbano VIII em abril de 1639.
Senhores de São Paulo e do Maranhão expulsaram missionários
O documento ameaçava de excomunhão todo aquele que mantivesse um índio cativo. A posição da Igreja contrariou os senhores de escravos, que reagiram de forma surpreendente: hostilizaram e, no caso das capitanias de São Paulo e do Maranhão, expulsaram os religiosos.
O trabalho de Joely Pinheiro, orientado pelo professor Fernando Novais, um dos mais prestigiados historiadores nacionais, concentrou-se no período compreendido entre 1640 e 1700, no qual estava em curso o processo de colonização da América Portuguesa, dentro do Antigo Sistema Colonial.
As áreas de conflitos estudadas pela pesquisadora correspondem aos atuais estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Maranhão. À época, explica a autora, essas zonas caracterizavam-se, entre outros aspectos, pelo isolamento, falta de dinamismo da economia e quase impossibilidade da aquisição de escravos africanos, quando comparadas ao nordeste açucareiro.
Assim, o uso da mão-de-obra compulsória do índio apresentava-se como fundamental para a sustentação das atividades produtivas. Ocorre, porém, que um dos principais argumentos utilizados pela Coroa Portuguesa para a colonização da América era converter os gentios à fé católica, obviamente com as bênçãos de Roma.
Surge aí um primeiro paradoxo, conforme a economista. Uma vez evangelizado, o índio passaria a ser considerado cristão ou, em outras palavras, um irmão. Conseqüentemente, não poderia ser mantido como escravo. Por outro lado, o fim da escravidão acarretaria um enorme impacto para a exploração econômica da Colônia, que em última análise sustentava as obras da própria Igreja.
A solução encontrada por Roma para o problema foi a criação das missões jesuíticas, por meio da Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola. O principal objetivo dessa ordem religiosa na colônia era catequizar os gentios. “Embora tenham enfrentado o desafio de ‘catequizar sem explorar’, na América Portuguesa em particular os jesuítas participaram de um processo em que a escravidão conviveu com a servilização do índio”, destaca Joely.
As primeiras missões jesuíticas chegaram ao Brasil em 1549, portanto menos de meio século depois do “descobrimento”. Nos anos subseqüentes, de acordo com a autora do estudo, cresceu o poder político e financeiro da Companhia de Jesus no país, ao mesmo tempo em que aumentou o número de aldeias e missões voltadas ao objetivo de assegurar a liberdade dos indígenas.
“Nessa época, já se registravam conflitos entre padres e colonos em razão dos interesses divergentes entre as duas partes. Afinal, o fim da escravidão representaria uma grande perda econômica para os fazendeiros e senhores de engenho. Essa tensão, porém, ganhou contornos dramáticos após a promulgação do breve papal em 1639. Por conta da posição da Igreja, os jesuítas foram hostilizados, sofreram ameaças de morte e chegaram a ser expulsos das capitanias de São Paulo e Maranhão”, revela.
O trabalho de Joely Pinheiro, orientado pelo professor Fernando Novais, um dos mais prestigiados historiadores nacionais, concentrou-se no período compreendido entre 1640 e 1700, no qual estava em curso o processo de colonização da América Portuguesa, dentro do Antigo Sistema Colonial.
As áreas de conflitos estudadas pela pesquisadora correspondem aos atuais estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Maranhão. À época, explica a autora, essas zonas caracterizavam-se, entre outros aspectos, pelo isolamento, falta de dinamismo da economia e quase impossibilidade da aquisição de escravos africanos, quando comparadas ao nordeste açucareiro.
Assim, o uso da mão-de-obra compulsória do índio apresentava-se como fundamental para a sustentação das atividades produtivas. Ocorre, porém, que um dos principais argumentos utilizados pela Coroa Portuguesa para a colonização da América era converter os gentios à fé católica, obviamente com as bênçãos de Roma.
Surge aí um primeiro paradoxo, conforme a economista. Uma vez evangelizado, o índio passaria a ser considerado cristão ou, em outras palavras, um irmão. Conseqüentemente, não poderia ser mantido como escravo. Por outro lado, o fim da escravidão acarretaria um enorme impacto para a exploração econômica da Colônia, que em última análise sustentava as obras da própria Igreja.
A solução encontrada por Roma para o problema foi a criação das missões jesuíticas, por meio da Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola. O principal objetivo dessa ordem religiosa na colônia era catequizar os gentios. “Embora tenham enfrentado o desafio de ‘catequizar sem explorar’, na América Portuguesa em particular os jesuítas participaram de um processo em que a escravidão conviveu com a servilização do índio”, destaca Joely.
As primeiras missões jesuíticas chegaram ao Brasil em 1549, portanto menos de meio século depois do “descobrimento”. Nos anos subseqüentes, de acordo com a autora do estudo, cresceu o poder político e financeiro da Companhia de Jesus no país, ao mesmo tempo em que aumentou o número de aldeias e missões voltadas ao objetivo de assegurar a liberdade dos indígenas.
“Nessa época, já se registravam conflitos entre padres e colonos em razão dos interesses divergentes entre as duas partes. Afinal, o fim da escravidão representaria uma grande perda econômica para os fazendeiros e senhores de engenho. Essa tensão, porém, ganhou contornos dramáticos após a promulgação do breve papal em 1639. Por conta da posição da Igreja, os jesuítas foram hostilizados, sofreram ameaças de morte e chegaram a ser expulsos das capitanias de São Paulo e Maranhão”, revela.
Excomunhão – Apenas para se ter uma idéia do clima que reinava na Colônia, em 1640, um ano após a divulgação do decreto do papa Urbano VIII, todas as pessoas que desembarcavam no porto de Santos eram revistadas para saber se não traziam consigo cópias do documento emitido por Roma. O decreto condenava à excomunhão os que mantivessem um índio cativo.
“Tratava-se de uma determinação muito séria, pois a excomunhão trazia subjacente uma série de restrições de ordem social, como não poder receber os sacramentos ou casar-se na igreja”, esclarece Joely Pinheiro.
Apesar dessa ameaça, prossegue a pesquisadora, os colonos reagiram duramente. As manifestações mais violentas foram registradas em São Paulo. “Além de serem hostilizados, os padres foram expulsos e permaneceram exilados da capitania por 13 anos. Os religiosos só puderam voltar depois de garantir que a pena imposta pelo pontífice não seria aplicada”.
No Rio de Janeiro, de acordo com a economista, ocorreram vários tumultos e ameaças aos jesuítas, mas eles não chegaram a ser expulsos. Entretanto, para permanecer na capitania os padres também tiveram que se render às exigências dos colonos. Ao cederem a essa pressão, analisa Joely, os religiosos se viram diante de uma segunda contradição.
Enquanto os membros das outras ordens religiosas fazem três votos no momento da ordenação (obediência, castidade e pobreza), os integrantes da Companhia de Jesus fazem quatro, sendo acrescido o voto de obediência ao papa. Assim, ao não excomungarem os patrocinadores da escravidão indígena, eles deixaram de obedecer ao chefe da Igreja.
No Maranhão, aponta a pesquisa de Joely, os jesuítas apresentaram maior resistência aos protestos dos colonos. “Lá foram travadas longas e intensas batalhas jurídicas entre as duas partes em torno da liberdade do índio, principalmente por causa do padre Vieira. Como não poderia deixar de ser, isso acentuou as divergências e tornou o clima entre os dois lados ainda mais belicoso. O resultado desse embate é que os padres foram expulsos por duas vezes daquela capitania: uma em 1661 e outra em 1684”, relata a autora da tese.
“Tratava-se de uma determinação muito séria, pois a excomunhão trazia subjacente uma série de restrições de ordem social, como não poder receber os sacramentos ou casar-se na igreja”, esclarece Joely Pinheiro.
Apesar dessa ameaça, prossegue a pesquisadora, os colonos reagiram duramente. As manifestações mais violentas foram registradas em São Paulo. “Além de serem hostilizados, os padres foram expulsos e permaneceram exilados da capitania por 13 anos. Os religiosos só puderam voltar depois de garantir que a pena imposta pelo pontífice não seria aplicada”.
No Rio de Janeiro, de acordo com a economista, ocorreram vários tumultos e ameaças aos jesuítas, mas eles não chegaram a ser expulsos. Entretanto, para permanecer na capitania os padres também tiveram que se render às exigências dos colonos. Ao cederem a essa pressão, analisa Joely, os religiosos se viram diante de uma segunda contradição.
Enquanto os membros das outras ordens religiosas fazem três votos no momento da ordenação (obediência, castidade e pobreza), os integrantes da Companhia de Jesus fazem quatro, sendo acrescido o voto de obediência ao papa. Assim, ao não excomungarem os patrocinadores da escravidão indígena, eles deixaram de obedecer ao chefe da Igreja.
No Maranhão, aponta a pesquisa de Joely, os jesuítas apresentaram maior resistência aos protestos dos colonos. “Lá foram travadas longas e intensas batalhas jurídicas entre as duas partes em torno da liberdade do índio, principalmente por causa do padre Vieira. Como não poderia deixar de ser, isso acentuou as divergências e tornou o clima entre os dois lados ainda mais belicoso. O resultado desse embate é que os padres foram expulsos por duas vezes daquela capitania: uma em 1661 e outra em 1684”, relata a autora da tese.
Idas e vindas – O período tomado para análise por Joely Pinheiro foi marcado por uma série de idas e vindas em relação às leis de cativeiro indígena. Dependendo das circunstâncias e da autoridade de plantão, a legislação ora privilegiava a liberdade do índio, agradando os jesuítas e conseqüentemente Roma, ora defendia a escravidão, atendendo os interesses dos moradores da Colônia, cujas atividades produtivas geravam riquezas à Coroa Portuguesa.
A despeito desta “queda de braço”, a economista considera que, no caso específico da América Portuguesa, a Igreja Católica soube se adaptar à realidade política, cultural e econômica em vigor. De acordo com ela, Roma e seus emissários tinham claro que a escravidão era um “mal necessário”.
Dito de outro modo, se não houvesse o uso compulsório da mão-de-obra indígena, a exploração econômica da Colônia, que ajudava a sustentar as obras da Igreja em todo o mundo, seria afetada. Por outro lado, a continuidade da escravidão apresentava-se como um impedimento à conversão dos gentios.
Um artifício empregado para resolver esse impasse foi a “guerra justa”, cujo conceito mais amplo era admitido pela Igreja. No caso específico do índio, o princípio era aplicado para escravizá-lo, sob duas justificativas: a recusa à conversão e a prática de atos hostis contra os portugueses.
A despeito desta “queda de braço”, a economista considera que, no caso específico da América Portuguesa, a Igreja Católica soube se adaptar à realidade política, cultural e econômica em vigor. De acordo com ela, Roma e seus emissários tinham claro que a escravidão era um “mal necessário”.
Dito de outro modo, se não houvesse o uso compulsório da mão-de-obra indígena, a exploração econômica da Colônia, que ajudava a sustentar as obras da Igreja em todo o mundo, seria afetada. Por outro lado, a continuidade da escravidão apresentava-se como um impedimento à conversão dos gentios.
Um artifício empregado para resolver esse impasse foi a “guerra justa”, cujo conceito mais amplo era admitido pela Igreja. No caso específico do índio, o princípio era aplicado para escravizá-lo, sob duas justificativas: a recusa à conversão e a prática de atos hostis contra os portugueses.
“Ocorre que, não raro, os indígenas eram atacados e escravizados sob a falsa alegação de que haviam cometido alguma violência contra os portugueses ou negado o recebimento do evangelho”, afirma Joely. Para a realização da pesquisa, a economista recorreu a uma vasta documentação da época, como correspondências, alvarás, decretos, leis etc. A maior parte das fontes manuscritas são oriundas de arquivos portugueses: Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Nacional da Torre do Tombo e Real Biblioteca d’Ajuda.
No Brasil, a pesquisadora valeu-se, entre outros, de documentos pertencentes à Biblioteca Nacional, que fica no Rio de Janeiro. Uma das preocupações da autora foi tornar, na medida do possível, a grafia e a gramática do século XVII compreensíveis ao leitor da atualidade. O estudo contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo(Fapesp).
No Brasil, a pesquisadora valeu-se, entre outros, de documentos pertencentes à Biblioteca Nacional, que fica no Rio de Janeiro. Uma das preocupações da autora foi tornar, na medida do possível, a grafia e a gramática do século XVII compreensíveis ao leitor da atualidade. O estudo contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo(Fapesp).
Uma razão para a colonização
“(...) Porque a principal coisa que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gente dela se convertesse à nossa Santa Fé Católica, vos encomendo muito para isso se pode ter, e de minha parte lhes direi que lhes agradecerei muito terem especial cuidado de os provocar a serem cristão, e para eles mais folgarem de o ser, tratem bem todos os que forem de paz, e os favoreçam sempre, e não consintam que lhes seja feita opressão nem agravo algum, e fazendo-se façam corrigir e emendar de maneira que fiquem satisfeitos e as pessoas que lhas fizerem sejam castigadas com justiça”.
(Regimento de Tomé de Sousa – 17/12/1548)
(Regimento de Tomé de Sousa – 17/12/1548)
Jornal Unicamp
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