João Carlos Ramos Magalhães
A origem das favelas na cidade do Rio de Janeiro remonta ao
Brasil colonial. Em 1808, 30% da população carioca é expulsa de suas casas para
dar moradia aos acompanhantes da família real portuguesa. Para permanecerem no
centro da cidade inúmeras famílias passam a residir em habitações coletivas,
cortiços, cujo número cresce após 1822, com o abandono de grandes casas, após o
retorno dos portugueses com a independência.
Na segunda metade do século XIX iniciam-se fortes movimentos a favor do fim da
escravidão no Brasil. Enquanto alguns escravos conseguiam comprar sua
liberdade, carta de alforria, outros fugiam para quilombos. Em 1880 vários
quilombos abolicionistas já haviam se estabelecido na periferia do Rio, como a
chácara do Sr. Le Bron, no atual Leblon, o Quilombo da Penha, atualmente Vila
Cruzeiro no "Complexo do Alemão" e o Quilombo da Serra dos Pretos
Forros, que divide Jacarepaguá do Grande Méier.
A extinção do regime escravocrata em 1888, sem a criação de políticas de
inserção dos ex-escravos no mercado de trabalho ou de garantias básicas de
sobrevivência (alimentação, moradia e saúde), gera migrações em massa para as
cidades de desempregados e subempregados que, sem condições de comprar ou
alugar moradias legais, se alojam em cortiços, antigos quilombos ou constroem
moradias em áreas ilegais e desvalorizadas de morros, grotas e pântanos. Com as
demolições dos cortiços do Centro pelo Prefeito Pereira Passos, entre 1902 e
1906, sem indenização, seus moradores passam a ocupar os morros mais próximos.
No século XX a cidade cresce de forma acelerada e o esforço do Estado em
construir habitações populares não é suficiente para acomodar o fluxo de
imigrantes. Como parte dos salários não era suficiente para a compra ou aluguel
de moradias formais restou a solução de morar em terrenos ilegais, por serem
mais baratos, próximos aos locais de trabalho e permitirem a construção
progressiva e sem regras. A população em favelas cariocas cresce a taxas
superiores ao resto da cidade, mesmo com as políticas de remoção de favelas nas
décadas de 20 e 60. Em 1948 o censo já registrava 139 mil pessoas vivendo em
favelas (7% da população da Cidade do Rio). Esse percentual aumenta para 10,2%
em 1960, 13,3% em 1970, 16% em 1990 e 18,7% em 2000, que representava 1,09
milhões de pessoas. Para alguns especialistas esse número chegava a 1,5
milhões, pois o IBGE considera apenas favelas com mais de 51 domicílios.
Além da grande dimensão, as favelas chamam a atenção por suas características
urbanísticas. A construção desses territórios se dá a partir de uma adaptação
contínua pelos moradores de seus barracos e dos poucos espaços públicos
restantes às suas necessidades. Seus espaços resultam de uma arquitetura do
acaso, de virtudes aleatórias, democráticas e não-formalistas, que permanecem
em continua mutação.
Vários planos de reforma urbana para o Rio de Janeiro viam as favelas como um
obstáculo ao desenvolvimento da cidade e defendiam sua remoção para áreas
distantes. Nos anos 60, com a percepção da vantagem para a indústria, comércio
e serviços da localização próxima da mão-de-obra barata em favelas, dos altos
custos construtivos de moradias populares, e com a busca por parte da elite por
uma identidade nacional, as favelas começam a ser aceitas como elementos
permanentes da cidade. Nessa década, ao mesmo tempo em que são removidas
algumas favelas para a construção de vias, de indústrias na zona norte e de
habitações para alta renda na zona sul, já são executados os primeiros projetos
de urbanização de favelas, que se ampliam após a redemocratização nos anos 80.
Formuladas sem a existência de uma teoria para a "urbanização de
favelas" e muitas vezes sem considerar as soluções arquitetônicas e de
engenharia que os moradores criaram para a geografia particular de cada favela,
muitas intervenções geraram novos problemas, como mortes por contenções de
encostas que deslizaram ou canalizações de rios e valas que transbordaram, ou
foram rapidamente perdidas, como os sistemas de esgoto construídos na década de
90 no "Complexo do Alemão". Localizados abaixo das calçadas das vias
abertas pela intervenção, não puderam ser mantidos após a invasão das calçadas
por novas casas.
Enquanto algumas intervenções conseguiram melhorar as condições
sócio-econômicas dos moradores, outras foram vistas apenas como uma forma de
ampliar o controle social. Algumas obras de alargamento de ruas e becos,
pavimentação, iluminação pública e abertura de acessos a pontos inacessíveis da
favela foram destruídas por alguns moradores por serem interpretadas como a
facilitação do acesso ao território pela polícia.
As intervenções atualmente executadas pelo Estado se beneficiam da experiência
acumulada em mais de três décadas. Estas experiências afirmam a importância do
conhecimento do modo de vida específico da favela que receberá a intervenção,
como suas soluções de arquitetura e engenharia e as necessidades de seus
moradores para a garantia do sucesso da intervenção.
João Carlos Ramos Magalhães é técnico de
planejamento e pesquisa do Ipea
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