Lúcia Márcia Cruz Agra
lmcab.al@hotmail.com
Acadêmica do Curso de Psicologia do CESMAC
Luciana Herdy Machado de Albuquerque
luciana.herdy@hotmail.com
Acadêmica do Curso de Psicologia do CESMAC
MORTE À MODA ANTIGA
O homem por sua capacidade racional é o único ser consciente de sua própria morte. Com a certeza de sua finitude o homem vem sofrendo ao longo do tempo e se questionando sobre o sentido de sua existência, tendo como única certeza absoluta que está destinado a morrer.
“É comum em algum momento da vida do ser humano, o tema morte ser pensado e questionado. Dificilmente se aceita que as pessoas morrem porque simplesmente estão sujeitas às leis da natureza.” (MOREIRA; LISBOA, 2006).
Ao longo da história, o homem sempre buscou desvendar a morte e os mistérios que envolvem o antes e o depois de sua existência. (CHAUÍ, 1997). Como tem necessidade de compreendê-la, o homem busca conceituá-la assim como faz com todas as coisas do seu cotidiano.
O significado histórico e social da morte varia de acordo com as diferentes civilizações. O processo do morrer recebe tratamento diferenciado na história dos povos. Uma das características do ser humano é a atribuição de significados e valores que ele imprime às coisas. “[...] Por isso, o significado da morte varia necessariamente no decorrer da história e entre as diferentes culturas humanas.” (COMBINATO; QUEIROZ, 2006, p.210).
De acordo com a cultura e os costumes de cada povo, em épocas diferentes, o sentido dado à morte é distinto. Os sentimentos e ritos ligados a esse acontecimento variam conforme a evolução dos valores cultuados por cada sociedade.
A trajetória histórica dos comportamentos diante da morte desde os primórdios até os dias atuais sofreu alterações conforme a mudança pela quais passaram as sociedades e consequentemente recebeu as suas conseqüências.
[...] Os povos mesopotâmios tinham por costume enterrar os corpos dos mortos da maneira mais escrupulosa, sendo o cadáver cuidadosamente acompanhado de todas as marcas mais distintas de sua identidade pessoal e familiar, como seus pertences, insígnias e objetos de uso, suas vestimentas e até mesmo de suas comidas prediletas. (GIACOIA JÚNIOR, 2005, p.15).
Para as civilizações da Mesopotâmia os rituais de inumação revelavam o significado da vida e da morte. O importante eram as marcas de identidade, personalidade e inserção social da pessoa durante a sua existência terrena. A morte seria uma espécie de rebaixamento da vida, o apagamento dessa mesma existência.
Já entre os antigos hindus a incineração crematória era o destino dado aos seus mortos. O cadáver era consumido pelo fogo, e as cinzas eram lançadas ao vento, ou nas águas dos rios, sendo o morto despojado de todos os seus traços de identidade. (GIACOIA JÚNIOR, 2005, p. 16). A cremação representava a purgação de todos os pecados, sendo a própria vida individual considerada uma transgressão que deveria ser expiada pela morte. “[...] o verdadeiro sentido da vida consiste no despojamento do corpo e na preparação para a morte. [...]” (GIACOIA JÚNIOR, 2005, p.17).
Para os antigos gregos, a incineração determinava dois tipos de mortos: o cadáver do homem comum e o cadáver dos grandes heróis. Ao anônimo cabia o crematório coletivo e o depósito de suas cinzas em vala comum. Os corpos falecidos dos heróis eram cremados na cerimônia da bela morte, onde os seus feitos no campo de batalha eram enaltecidos. A própria morte seria a prova de sua virtude, tornando-o um indivíduo cuja vida é digna de ser lembrada.
Para os judeus e cristãos que acreditavam na ressurreição após a morte, esta seria o acesso para outra dimensão da vida que poderia no inferno ou no paraíso, conforme os seus feitos terrenos a partir da observância dos mandamentos de Deus.
“Dessa maneira, o próprio sentido de imortalidade da alma se diferencia de acordo com as diversas maneiras de integração e gestão simbólica da morte pelas diferentes civilizações. [...]”. (GIACOIA JÚNIOR, 2005, p.18).
Portanto, é possível afirmar que a morte e o morrer, apesar de ser um fenômeno biológico e natural, assumem para o ser humano uma dimensão simbólica, impregnada de valores e significados diferentes conforme o contexto sócio-cultural e histórico em que se manifestam.
Na Idade Média a morte era entendida com naturalidade, fazendo parte do ambiente doméstico. Os cemitérios ocupavam o centro da cidade e faziam parte do cenário de vida das pessoas. Os mortos socialmente importantes eram enterrados no interior das igrejas. Aqueles menos importantes eram enterrados em um terreno ao lado, e os indignos sociais eram enterrados em vala comum que permanecia aberta até a completa lotação. O ritual da morte envolvia tanto a pessoa que ia morrer como os seus parentes e amigos.
a morte é uma cerimônia pública e organizada. Organizada pelo próprio moribundo, que a preside e conhece o seu protocolo [...] Tratava-se de uma cerimônia pública [...] Era importante que os parentes, amigos e vizinhos estivessem presentes. Levavam-se as crianças. (ARIÈS, 1975/2003, p. 34 apud COMBINATO; QUEIROZ, 2006, p.211).
Os ritos e sacramentos da igreja antes da morte como a confissão, comunhão e a extrema-unção, e após a morte como o cortejo fúnebre, ritos de purificação e passagem conduzidos pelo sacerdote, revelavam a espiritualidade e a religiosidade ligadas a esse processo. (COMBINATO; QUEIROZ, 2006, p.211). Tanto a família como os amigos do morto manifestavam o processo do luto através do uso de roupas pretas e da não participação na vida social até que não acontecesse a elaboração do óbito.
As pessoas que sabiam que iam morrer protagonizavam todo o ritual, despedindo-se dos entes queridos, fazendo o testamento, buscando se reconciliar com as pessoas e superar as mágoas. A comunidade participava ativamente de todo esse processo.
De acordo com Moreira e Lisboa (2006), as pessoas morriam em casa, com a participação de toda a comunidade, o que as possibilitava vivenciar o fenômeno da morte de perto e, por estar ocorrendo com alguém tão próximo, era possível que fizessem uma identificação com o outro. “O conhecimento da morte era uma rotina e nenhuma criança crescia sem ter tido a experiência de ver, pelo menos, uma cena de morte.” (ARAÚJO; VIEIRA, 2001, p.105).
Como um marco histórico-social, a revolução industrial trouxe uma nova ordem social que repercutiu nas formas de morrer, nos rituais fúnebres e no luto após a morte. A partir do capitalismo, com a necessidade de produção emergente, o homem passa a ser visto como mão-de-obra para o desenvolvimento da nação, portanto a necessidade de ser portador de um corpo saudável para o trabalho obrigou o deslocamento de doentes para locais apropriados para o seu tratamento. Esses locais seriam os hospitais. Com isso, veio à valorização do individualismo o que fez com que a morte fosse personalizada.
Parte do artigo
TANATOLOGIA: UMA REFLEXÃO SOBRE A MORTE E O MORRER
Revista Científica de Psicologia
Coordenação Pedagógica do Curso de Psicologia do CESMAC
Maceió - Alagoas - Brasil
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