terça-feira, 27 de setembro de 2011

Uma história do algodão

Jangada Brasil
Renato Almeida
Foi Heródoto, o célebre historiador grego, que viveu no século V antes de Cristo, quem se referiu a uma planta da Índia, que, em vez de fruto, produzia lã, melhor do que a do carneiro, com a qual se faziam vestimentas. Essa árvore era o algodoeiro. Ela aparece também na América, onde já era conhecida quando chegaram os conquistadores. Os indígenas o fiavam e teciam.

Contavam os índios mundurucu uma lenda, que associa o aparecimento do algodão com o dos homens no mundo. Em resumo é a seguinte - o primeiro homem, Caro Sacaibu tinha um filho Rainu, tipo inferior a quem odiava. Para livrar-se dele, imaginou um estratagema, que era fazê-lo desenterrar um tatu, o que não conseguiu, sendo assim levado pelo bicho para dentro da terra, de onde volveu não se sabe como. O certo é que disse a Caro Sacaibu que havia encontrado nas profundezas onde estivera uma grande quantidade de homens e de mulheres, que conviria de lá tirar, para lavrar a terra e fazê-la produzir. Aceita a idéia plantou Sacaibu uma semente e dela nasceu o algodoeiro. Depois que o arbusto cresceu e deu algodão, o deus tomou um pouco e fez um longo fio, a cuja ponta amarrou Rairu e fê-lo descer novamente pela terra a dentro. E de lá foi trazendo homens e mulheres, a princípio muito feios, depois mais belos e graciosos. Mas a cada descida e subida o fio ia se gastando até romper-se e assim muitas criaturas das mais perfeitas se perderam no abismo. Por isso a maior parte da humanidade é feia. Sacaibu dividiu os homens em tribos e lhes deu destino. O rebotalho, de fracos e miseráveis, transmudou em aves, e desde então os mutuns andam pelas florestas soltando gemidos plangentes.

Os cronistas e as cartas jesuíticas do primeiro século de nossa vida falam longamente do uso do algodão pelos indígenas, que o fiavam e teciam, as diversas utilidades que tinha, inclusive como arma de guerra, primitivos lanças-chamas, pois ateavam fogo em tochas de algodão na ponta das flechas incendiando aldeias inimigas, e como alimentação, cozinhando os caroços pisados, para fazer mingau.

(Almeida, Renato. Manual de coleta folclórica. Rio de Janeiro, Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1965, p.106)
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