sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Sacristias e Minas de Ouro




ALBERTO MORAVIA
Texto foi publicado no "Corriere della Sera" em 28 de setembro de 1960. Tradução de Adriana Marcolini.

A história do primeiro assentamento português no Brasil, como observa Paulo Prado, autor de um pessimista e, justamente porque pessimista, patriótico ensaio sobre o seu país ("Retrato do Brasil - Ensaio sobre a Tristeza Brasileira"), é a história do violento estupro de um país virgem por parte de grupos relativamente escassos de conquistadores renascentistas ávidos e cruéis.

Na origem dos Estados Unidos está o lendário desembarque dos puritanos do Mayflower, e não se está dizendo aqui que eles fossem todos perfeitos, mas eram puritanos, como é possível observar ainda hoje estudando a marca que deixaram no seu povo; na origem do Brasil existe, ao contrário, a cobiça, ou seja, a ganância do ouro, isto é, efetivamente, o extermínio sistemático dos índios na prisão perpétua das minas, a escravidão dos negros, a fundação de uma sociedade baseada no tráfico e no latifúndio. Assim, no Brasil foram universais e fundamentais desde o princípio as condições sociais e econômicas encontradas apenas no sul dos EUA. Qualquer um que saiba quão longa é a história da decadência e da lenta corrupção do sul dos EUA não pode deixar de admirar o esforço potente do Brasil, que, apesar do passado incômodo, conseguiu se tornar um país moderno.

Paulo Prado inicia seu ensaio com estas palavras: "Em uma terra radiosa vive um povo triste. Essa melancolia é a herança dos descobridores que revelaram o Brasil ao mundo e o povoaram. O esplêndido dinamismo desse povo rude obedecia aos dois grandes impulsos que dominam toda a psicologia da descoberta e que nunca foram fonte de alegria: a ganância do ouro e a sensualidade desenfreada".

Deixando de lado a sensualidade, que, apesar de tudo, teve a sua importância na drenagem e no esgotamento da energia dos conquistadores, e fixando-nos no primeiro impulso, resta a observar ainda que a diferença entre as duas colonizações, aquela da América do Norte e a do Brasil, é principalmente uma diferença ideológica, como se costuma dizer agora. Não se deve deixar iludir por palavras moralistas como avidez e sensualidade. Na realidade, essas paixões refletem um conceito da vida tão válido quanto o calvinista, isto é, a concepção renascentista e humanística como, de resto, reconhece o próprio Prado. A fatalidade histórica quis que o humanismo, que parecia então ser tão poderoso e florescente, viesse a ser o cavalo perdedor; e o calvinismo, o vencedor; isso pouco importa.

A melancolia sobre a qual discorre Paulo Prado não é apenas aquela que, segundo o velho provérbio latino, acompanha o ato sexual; mas sim a de uma concepção derrotista da vida, que já está embalsamada. A provar que isto seja verdade está a beleza das cidades grandes e pequenas criadas por esta sociedade de aventureiros e latifundiários ao longo do litoral entre Rio e Recife e principalmente no interior de Minas Gerais, ao redor de Belo Horizonte.

Ouro Preto, Sabará, Congonhas, Diamantina, Olinda e tantas outras estão ali, a testemunhar com suas igrejas barrocas, seus prédios majestosos, suas casinhas lusitanas e um urbanismo irregular, elegante, musical e repleto de intimidade que os "bandeirantes", os "paulistas", enfim, os aventureiros, eram sim, cruéis e impiedosos, mas também tinham algo a dizer.

Tome-se, por exemplo, Ouro Preto, cujo próprio nome é revelador. Situada em uma área de minas abandonadas, entre lindas colinas tropicais e verdejantes, já se tornou uma cidade-museu, um museu, justamente, do humanismo que está morto: ruazinhas que sobem, com a pavimentação de pedra, em meio a graciosas fachadas vermelhas e cinzas, e a grandes, suntuosas igrejas barrocas com pátios gramados em frente, nos quais os garotos se dedicam apaixonadamente ao esporte nacional, o futebol, janelas com grades bonitas e robustas, portões fechados e enferrujados, jardins densos, taciturnos por uma estátua escura e uma ou outra fonte entupida, tudo em Ouro Preto respira a graça, a harmonia, a intimidade, a doçura de um viver puro e sem remorsos. Apesar disso, perto da cidade, nas minas hoje abandonadas, morriam aos milhares os escravos índios e negros utilizados na separação das pedras auríferas.

A sociedade de Ouro Preto tinha duas caras: de um lado as minas de ouro e pedras preciosas, isto é, a cobiça, a ganância; de outro, as igrejas, ou melhor, aquela parte da igreja em que geralmente são dispostas as peças decorativas sacras, ou seja, a sacristia. No Brasil, apesar da beleza das igrejas, sente-se, de fato, que do ponto de vista social a sacristia foi mais importante que o altar. Isso porque a igreja, aqui, não soube ou não quis se opor ao humanismo violento e aventureiro dos conquistadores. A igreja tão renascentista e humanista quanto a sociedade que teria de cristianizar. Daí a maior importância da sacristia, local social, contra o altar, local religioso.

Sacristias do Brasil. Visitei dezenas e dezenas e todas as vezes reencontrei o fascínio melancólico da antiga sociedade colonial. Em geral, chega-se a essas sacristias não por passagens escuras ou por simples portas, mas sim por amplos corredores luminosos quase sempre decorados com azulejos, aquelas cerâmicas azuis com ilustrações de temas religiosos ou mitológicos que são uma das mais bonitas criações da civilização ibérica.

Os azulejos perderam o revestimento, estão apagados, sem cor, mas seus desenhos continuam a comover ainda hoje, não mais pela inspiração religiosa, quase sempre ausente, mas sim pela humanista, tão amável e vivaz: mitos gregos e romanos, história sacra, vida dos santos, tudo está coberto por uma capa renascentista, tudo está iluminado pelo sol do Mediterrâneo e transformado em uma aventura humana. Os azulejos cobrem as duas paredes, à maneira de um rodapé; entra-se então na sacristia, passando por uma linda porta fechada com uma trave esculpida.

Ela é extraordinariamente vasta e sugere logo a idéia de um lugar de reunião, de associação e discussão. O teto é revestido por grandes caixotões profundos e decorados, as paredes têm um rodapé de azulejos, os pisos são de mármore ou de mosaico. Armários imensos, medindo entre cinco e dez metros, ficam junto às paredes, é importante descrevê-los porque são de longe as peças mais expressivas desses lugares. Esses armários são de jacarandá, uma madeira muito escura, quase preta, com veias vermelhas e brancas, a única, pelo que parece, a resistir às mandíbulas dos cupins.

Esculpidos em um estilo barroco ao mesmo tempo rústico, austero e monumental, esses armários têm portas enormes, trabalhadas, elementos decorativos que saltam para fora, fechaduras de ferro elaboradas. Ao se abrir uma gaveta, ela resiste por um bom tempo, mas depois abre e deixa entrever uma profundidade de cinco, dez metros, grande e extravagante como os móveis de cozinha que outrora eram usados para fazer e conservar o pão, feitos com tábuas maciças de três dedos de altura. Esses armários são baixos a fim de permitir que se coloquem em cima não apenas as peças decorativas, mas também os copos e garrafas dos sucos servidos durante as reuniões.

Os outros móveis das sacristias coloniais são todos do mesmo tipo dos armários: mesas, estantes, cadeiras, poltronas, genuflexórios, banquinhos, tudo é cortado com o machado, esculpido com um cinzel, tudo é maciço, monumental, imóvel, feito para sugerir a idéia da potência e da permanência.

Naturalmente, a sacristia no Brasil era o complemento indispensável do confessionário para uma sociedade que ignorava os próprios pecados mais graves e, de qualquer maneira, submetia-os à avaliação da confissão cristã, mas sentia, do mesmo modo, a necessidade de relacionar, de alguma maneira, as próprias atividades sociais à religião. Nas sacristias do Brasil se sente que todos os acontecimentos e todas as paixões grandes e pequenas da sociedade escravista passaram por ali: casamentos, heranças, conflitos familiares e sociais, amores, ódios, interesses e ambições. O padre que se sentava como juiz de todas esses episódios era o mesmo padre que pouco antes havia escutado as confissões, na igreja.

Vi na Bahia uma cena de outros tempos, em uma dessas sacristias. Em uma enorme mesa branca, na penumbra, estava sentado um pad re de fisionomia pálida e aristocrática, com uma expressão singular que era uma mistura de inteligência arguta e estóica resignação. Escutava as confissões de uma volumosa negra jovem e graciosa, que falava com uma voz baixíssima, mas torrencialmente, quase o submergindo nas palavras. As mãos da mulher se agitavam, decoradas por anéis cintilantes e baratos; as do padre, brancas, longas, magras, com as unhas bem cuidadas, se contorciam uma dentro da outra, de leve, às vezes.

Mas, como dissemos, as sacristias são um dos aspectos da sociedade colonial, o outro é a cobiça, ou seja, a ganância do ouro. Em Sabará, um pequeno, mas muito didático museu é dedicado exclusivamente aos instrumentos e à história dessa ganância.

A cidade de Sabará invoca plasticamente a maldição originária do metal estéril que os conquistadores, com uma obsessão hoje quase incompreensível, colocavam sobre o simples e criativo trabalho humano. Sabará é um povoado antigo situado em um lugar parecido com aquele de Ouro Preto: colinas verdejantes, um rio, campos e mata. Mas o rio, não sei se devido aos dejetos industriais ou por causa da natureza do terreno que atravessa, é preto, preto mesmo, e esse rio de tinta corre em meio a uma densa vegetação tropical, carregada e corpulenta, totalmente desprovida de frescor e alegria.

Outrora, o leito daquele rio era aurífero. Para extrair o ouro, nesses declives hoje cobertos de vegetação, foram construídos sistemas complexos de comportas, canais e filtros que permitiam, após longas lavagens, separar o ouro da areia. Inicialmente, os escravos e os índios, e mais tarde, quando os índios foram todos mortos, os negros, subiam e desciam esses declives, do rio às comportas e vice-versa.

Como acontecia essa lavagem de ouro? Escreve Paulo Prado, em seu livro já mencionado: "Escavavam dia e noite até que os escravos se esgotavam completamente... mudavam o curso dos rios, abriam vales, remexiam nas entranhas da terra... Sebastião Pinheiro Raposo, da Bahia, fazia seus escravos trabalharem nos riachos de Mato Grosso, desde o amanhecer até às dez da noite, à luz de tochas, recolhendo nove arrobas de ouro por dia".

No museu montado em uma antiga e graciosa casa da época colonial na qual outrora se encontrava a sede da agência estatal para a coleta de ouro, à luz dessas informações, todos os instrumentos para a busca de ouro, rústicos e maciços, exalam um ar de grande solidez e parecem instrumentos de tortura. Diante dos baús de madeira e ferro nos quais, no dorso dos burros, viajavam os lingotes destinados à casa da moeda de Lisboa, não se pode deixar de pensar na quantidade de vidas humanas que foram necessárias para cada lingote.

Não se trata de retórica humanitária, mas de simples cálculo. De fato os índios adultos, homens e mulheres, outrora habituados à liberdade infinita, morreram de cansaço nos seixos dos rios; seus filhos morriam em casa por falta de assistência, uma vez que os pais estavam nas minas. Foi dessa maneira que os índios desapareceram. E assim, uma vez mortos os índios, cresceu o tráfico negreiro.

Contudo, também nesse museu o humanismo, ou seja, a concepção da vida renascentista embeleza os velhos instrumentos da dor, cobrindo com um verniz de melancolia os grilhões da escravidão. Os baús de ferro nos quais eram guardados os lingotes são mais bonitos que os cofres modernos; os livros contábeis, com grandes páginas de um papel grosso com o brasão de armas de Portugal, escritos com caligrafias decoradas e trabalhadas, são mais atraentes que os frios registros atuais; e os poucos móveis, pesados e envelhecidos, são mais calorosos e decorativos que os adornos metálicos e funcionais dos nossos escritórios.

Mas também é verdade que foi justamente essa indiferença ou, pior, a conivência do humanismo brasileiro e não brasileiro com os mais terríveis sistemas de servidão que acabou por introduzir o germe da retórica. O humanismo se tornou retórico porque era desumano. Ao final, quando a concepção humanista da vida evaporou, permaneceu apenas a retórica.
Folha de São Paulo

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