terça-feira, 30 de agosto de 2011

Notícias História Viva

Arqueólogo data minas de cobre do rei Salomão

RICARDO BONALUME NETO
PNAS
Caverna virtual usada na reconstituição do sítio na Jordânia; reis David e Salomão poderiam ter obtido o metal ali no século 10 a.C.

Novas escavações em um complexo de mineração e fundição de cobre na Jordânia recuaram a data de utilização do local em mais dois séculos, com isso indicando que os reis israelitas David e Salomão poderiam ter obtido o metal ali no século 10 antes de Cristo.

O sítio de Khirbat en-Nahas fica na região conhecida na Bíblia como o reino de Edom. Ele foi primeiro escavado pelo arqueólogo americano Nelson Glueck na década de 1930. Glueck afirmou ter descoberto as "minas do Rei Salomão".

Esse tipo de interpretação era comum nesse "período de ouro" da arqueologia bíblica, quando as escavações eram feitas baseadas em interpretações literais do Velho Testamento.

"Arqueólogos como Glueck metaforicamente carregavam a colher de pedreiro em uma mão e a Bíblia na outra, procurando na paisagem arqueológica do sul do Levante a confirmação da narrativa bíblica, dos patriarcas até a monarquia unida de David e Salomão, até outros personagens, locais e eventos mencionados no texto sagrado", escreveram os autores do novo estudo.

A pesquisa foi publicada hoje na revista científica "PNAS", da Academia de Ciências dos EUA, por uma equipe internacional de 11 pesquisadores liderada por Thomas Levy, da Universidade da Califórnia em San Diego.

Essas interpretações literais foram perdendo adeptos a partir da década de 1980. Muitos pesquisadores passaram a duvidar da existência histórica de personagens bíblicos que não tinham confirmação por outras fontes. Os eventos mais antigos teriam sido criação dos homens que editaram a forma final dos livros bíblicos, no século 5º a.C.

Sociedades complexas

Levy e colegas fizeram novas datações dos resíduos da fundição, especialmente do carvão usado nos fornos, e obtiveram datas dos séculos 10 a.C. e 9 a.C.

Para Levy, os dados coletados agora são "evidência de que sociedades complexas estavam de fato ativas nos séculos 10 a.C. e 9 a.C. e isso nos traz de volta o debate sobre a historicidade das narrativas da Bíblia relacionadas a este período".

Outra descoberta importante foram amuletos egípcios achados em Khirbat en-Nahas. Eles poderiam estar vinculados a uma invasão militar realizada após a morte de Salomão por Shoshenk 1º, primeiro faraó da 22ª dinastia egípcia -chamado de Sesac na Bíblia.

"Sesac, rei do Egito, marchou contra Jerusalém. Tomou os tesouros do templo de Javé (...); apoderou-se de tudo, até dos escudos de ouro que Salomão fizera", diz a Bíblia.

A incursão do faraó também está descrita em hieróglifos no Egito descrevendo as cidades que ele tomou na Palestina.

Os arqueólogos usaram ferramentas digitais para demarcar precisamente o sítio e fazer reconstruções tridimensionais. Há cerca de cem edifícios antigos em Khirbat en-Nahas, incluindo uma pequena fortaleza.
Folha de S.Paulo

Notícias História Viva

Descoberta no Egito tumba que conserva cores vivas após 4.200 anos

DA EFE, NO CAIRO

EPA
Tumba de 4.200 anos descoberta no Egito; supreendentemente, cores na parede ainda preservam cores vivas

Como se tivessem sido pintados ontem, assim podem ser descritas as cores da tumba construída há 4.200 anos no sítio arqueológico de Saqara, 25 quilômetros ao sul do Cairo e apresentado pelo chefe do Conselho Supremo de Antiguidades egípcio, Zahi Hawas.

"São as cores mais incríveis jamais encontradas em uma tumba", disse Hawas aos jornalistas, que sob o forte sol de julho tentavam tomar nota das antiguidades encontradas e das explicações do egiptólogo mais famoso do país.

Para chegar a tumba, que na realidade são duas, é preciso percorrer vários quilômetros por uma inóspita pista de areia, de onde é possível ver a pirâmide escalonada do faraó Zoser.

Na cripta descansam os restos de dois altos funcionários da 5ª dinastia faraônica (2.500-2.350 a.C): Sin Dua, sepultado na sala principal do túmulo, e seu filho Jonso, cujos restos foram depositados em uma sala adjacente à de seu pai.

Ambos ostentam os cargos de "supervisor de funcionários", títulos dos quais não se tinha conhecimento até agora, e de "chefe dos escribas", entre outros.

No entanto, o que chama mais atenção na descoberta são as cores luminosas com as quais a "porta falsa" da tumba de Jonso está pintada, porta pela qual, como acreditavam os egípcios, a alma do morto devia entrar no mundo dos mortos.

Sobre um fundo branco, nítidos tons de marrom, rosa, amarelo, azul e preto mostram quem foi o chefe dos escribas, junto a hieróglifos que indicam seus diferentes cargos e seu nome.

"O túmulo do filho, Jonso, é único e incrível" explicou o especialista, que acrescentou que na "porta falsa" há "um altar de sacrifícios" e pode se ver Jonso "em diferentes posições que mostram a beleza" das cores. "Uma beleza que possivelmente nunca foi encontrada em outra tumba", disse Hawas.

Na sala reservada a Sin Dua, com dimensões maiores e, assim como a de Jonso, enterrada a quatro metros de profundidade, também se destacam as cores nítidas da "porta falsa", na qual Sin Dua aparece sentado em frente a uma mesa de oferendas.

"Como estas cores, na minha opinião as mais incríveis descobertas em uma tumba, puderam se manter durante 4.200 anos?", questiona Hawas, que ressaltou que os trabalhos de catalogação e conservação começaram no momento da descoberta.

Perante a "porta falsa" da tumba de Sin Dua foi encontrado também um poço, agora coberto, de 16 metros de profundidade, no qual foram encontrados os restos do caixão do morto, afetado pela umidade.

Além disso, os arqueólogos desenterraram diversos artefatos e objetos utilizados nos ritos fúnebres do antigo Egito que, aparentemente, se mantiveram a salvo dos saqueadores de túmulos graças à profundidade na qual foram depositados.

Entre eles, vários recipientes de pedra em formato de pato que continham ossos destas aves, uma cabeça de madeira e um pequeno obelisco de 30 centímetros.

Segundo Hawas, postado em uma plataforma de madeira situada sobre o poço, os egípcios da 5ª e 6ª dinastias costumavam colocar em suas tumbas obeliscos como símbolo de sua crença no deus sol Ra.

Estes sepulcros "fazem parte de um enorme cemitério descoberto recentemente na área de Saqara por uma missão arqueológica egípcia que trabalha na região desde 1988", explicou Hawas.

Esta necrópole, da qual não se tinha notícia, como comentou Hawas, se encontra dentro do complexo arqueológico de Saqara, em uma área conhecida como "Yiser al Mudir" e na qual o arqueólogo egípcio espera realizar muitas descobertas.

Antes de abandonar a tumba subindo por uma escada de madeira rudimentar e junto com seu inseparável chapéu, Hawas fez questão de lembrar aos jornalistas: "Você nunca sabe os segredos que as areias do Egito podem esconder".
Folha de São Paulo

Notícias História Viva

Arqueólogos descobrem estela da época do faraó Apries
DA EFE

CSA/Efe
A peça consta de duas partes de pedra arenosa que têm esculpidos em hieróglifos o nome do faraó Apries

Uma equipe de arqueólogos egípcios descobriu uma estela (bloco de pedra) que data da época do faraó Apries, da 26ª Dinastia (589-570 a.C.), na província de Ismailiya, a leste do Cairo, informou nesta terça-feira o Conselho Supremo de Antiguidades.

A peça consta de duas partes de pedra arenosa que têm esculpidos em hieróglifos o nome do faraó Apries, quinto monarca da 26ª Dinastia, detalhou o secretário-geral da instituição, Mohammed Abdel Maqsud.

Em comunicado, o pesquisador afirmou que a descoberta da estela, que tem várias inscrições em hieróglifos, aconteceu em uma jazida arqueológica situada no lado oeste do Canal de Suez.

A equipe do Conselho Supremo de Antiguidades iniciou há três anos as escavações nessa jazida e já chegou a várias descobertas históricas.

O chefe do conselho lembrou que as descobertas arqueológicas comprovam que o local não era só uma antiga fortaleza militar de mercenários gregos, mas um assentamento egípcio construído pelo faraó Psamético 1º, segundo rei da dinastia.

Ele explicou que há dois anos foi descoberto um grande conjunto de armazéns na região, além de olaria de fabricação local e importada das ilhas do leste da Grécia, o que revela os prósperos laços comerciais que os egípcios mantiveram com os gregos.
Folha de São Paulo

Arquivo secreto do Vaticano publica pedido de divórcio de Henrique 8º

Retrato de Henrique VIII, de Hans Holbein
Revista História Viva

ASSIMINA VLAHOU
da BBC Brasil, em Roma


O Arquivo Secreto do Vaticano anunciou que irá publicar cópias da carta de 1530 em que nobres e religiosos ingleses pedem ao papa para anular o casamento do rei inglês Henrique 8º com Catarina de Aragão para que ele pudesse se casar com Ana Bolena.

O documento original, arquivado no Vaticano com o nome de "Causa Anglica --O atribulado caso matrimonial de Henrique 8º", contribuiu para desencadear o cisma entre a Igreja Anglicana e a Igreja Católica.

O original e um fac-símile, a partir do qual serão feitas outras cópias, foram apresentados para a imprensa na última terça-feira, na sede do Arquivo Secreto do Vaticano.

O lançamento oficial das cópias do documento está marcado para o dia 24 de junho, durante as comemorações dos 500 anos da ascensão de Henrique 8º ao trono da Inglaterra.

O texto é considerado uma das páginas fundamentais da história inglesa. Nele, 85 nobres e religiosos ingleses se dirigem ao papa Clemente 7° pedindo a anulação do casamento do rei com Catarina de Aragão, a primeira das seis esposas de Henrique 8°.

Para se casar com Catarina, o rei da Inglaterra, que subiu ao trono em 1509, já tinha pedido uma autorização especial do pontífice, porque ela era viúva de seu irmão.

Cópias

A primeira cópia da carta vai ser dada ao papa Bento 16, que deve visitar a Inglaterra até o final do ano. As demais publicações serão vendidos a museus, institutos de cultura e colecionadores privados.

Os interessados deverão desembolsar cerca de R$ 130 mil para comprar uma das cópias e, provavelmente, comprometer-se a expô-la a um público mais amplo.

Até agora, o documento podia ser visto apenas por chefes de Estado ou outras autoridades em visita oficial ao Vaticano.

Segundo o diretor do Arquivo Secreto do Vaticano, monsenhor Sergio Pagano, o dinheiro arrecadado com as vendas vai ser usado para restaurar parte do acervo da instituição, um dos mais ricos do mundo.

Cisma

A carta ao papa foi redigida em duas cópias, ambas assinadas pelos nobres e religiosos com os tradicionais lacres. Uma delas está no Arquivo Secreto Vaticano e a outra no arquivo Nacional de Kew, na Inglaterra.

Um trecho do documento, publicado pela imprensa italiana, mostra que os nobres ingleses já previam a possibilidade de que uma resposta negativa do papa pudesse agravar a situação já delicada da Igreja Católica na Inglaterra.

"Mas se [o papa] não quiser fazê-lo [anular o casamento de Henrique 8º], menosprezando as exigências dos ingleses, eles se sentiriam autorizados a resolver a questão sozinhos e procurariam soluções em outro lugar. A causa do rei é a causa deles. Se [o papa] não intervir ou demorar a agir, a condição deles se tornará mais grave, mas não irresoluta: os remédios extremos são sempre os mais desagradáveis. Mas o doente quer sobretudo sarar", diz o documento.

O cisma entre os anglicanos e a Igreja Católica ocorreria quatro anos mais tarde, em 1534.

Conservação

Segundo os técnicos da editora que vai publicar as cópias para a Santa Sé, o texto de propriedade do Vaticano está em excelentes condições.

"No pergaminho [do Vaticano] estão pendurados lacres magnificamente conservados, enquanto o documento que ficou na Inglaterra está em estado de conservação precário. Em algumas partes chega a ser ilegível e não há nenhum lacre", diz um comunicado da editora.

O pergaminho com os 85 lacres, emoldurados em metal e unidos por uma fita de algodão e seda de 40 metros de comprimento, pesa 2,5 kg.

Arquivo secreto

No Arquivo Secreto Vaticano, criado em 1610, são conservados mais de 2 milhões de documentos relativos a 800 anos de história, em um espaço de 85 quilômetros de prateleiras.

Usado sobretudo pelo papa e pela Cúria romana, o arquivo secreto foi aberto aos estudiosos e pesquisadores a partir de 1881.

Além de documentos sobre a história cristã, o arquivo possui importante material sobre a história dos vários países.
Folha de São Paulo

A Parte Obscura de Nós Mesmos: Uma História dos Perversos


"A Parte Obscura de Nós Mesmos: Uma História dos Perversos"]
Elisabeth Roudinesco

A renomada psicanalista e historiadora da psicanálise Elisabeth Roudinesco alude, oportunamente, ao Marquês de Sade --"Príncipe dos Perversos"-- no subtítulo de seu mais recente livro, "A Parte Obscura de Nós Mesmos: Uma História dos Perversos" (Zahar, 2008).

Ao mesmo tempo em que tenta responder onde começa a perversão e quem são os perversos, Roudinesco critica a superficialidade dos estudos anteriores sobre a perversão, sobretudo por serem assaz abrangentes, pouco atentos a questões específicas que carecem de aprofundamento, como, por exemplo, as estruturas da perversão (ou perversões), e enfatiza que as políticas modernas, que se apóiam nas ciências para governar, obtiveram sucesso pertinente com doenças orgânicas, mas não no âmbito do sofrimento psíquico.

À maneira de Foucault, influência profunda na metodologia da autora, autor de "História da Sexualidade" [obra sem antecedentes], ela, abrindo o caminho a futuras investigações, delineia uma breve história das perversões através dos "perversos" do Ocidente, como Sade, o nazista Rudolf Höss, místicos medievais da autoflagelação, como Gilles de Rais, Liduína (Lidwina) de Schiedam, santa da Igreja Católica canonizada em 1890 que mortificava o corpo com jejuns, Barba Azul, pedófilos e terroristas de nossos dias etc., e mostra que a perversão é, de certo modo, intrínseca à civilização e talvez não possa ou não deva ser banida, pois é o fundamento de nossa civilização; este paradoxo ganha sua apologia ao serem tratados lado a lado como perversos santos e assassinos.

Perversão não é maldade, mas desvio, como indica a etimologia do termo, que ganhou a conotação que tem hoje na Idade Média. A felicidade com a destruição, o gozo pelo mal que é infligido a si mesmo ou a outrem em um transbordamento de sentido é descrito por Roudinesco sem jargões médicos ou psicanalíticos, o que, contudo, não priva o livro de sua cientificidade, sua leitura é muito agradável. A revista "Le Magazin Littéraire" escreveu "ler Roudinesco é uma tarefa urgente".

Folha de São Paulo

crítica de "O Poder - História Natural de seu Crescimento"


MARTIM VASQUES DA CUNHA

Quando era um dissidente político, o ex-presidente tcheco Vaclav Havel afirmava que, ao sair de casa, tinha de levar um "pacote de emergência" com cigarros, roupas de baixo, escova de dente e alguns livros, caso fosse preso sem aviso.

Se algum dia eu precisar de um "pacote de emergência", entre os livros escolhidos estará "O Poder - História Natural de seu Crescimento", de Bertrand De Jouvenel.

De Jouvenel foi uma figura polêmica na França de seu tempo. Teve um caso com sua madrasta, ninguém menos que a escritora Colette. Foi acusado de ser fascista. Depois, acusado de ser socialista. Em 1945, escreveu o livro apresentado nesta resenha, enquanto se refugiava da Ocupação alemã em um castelo abandonado com a esposa e os filhos.

"O Poder" mostra as marcas do tempo da sua redação, mas vai além, muito além. Tornou-se também uma profecia dos nossos tempos.

O livro destrói qualquer espécie de ingenuidade que se possa ter a respeito desta palavrinha mágica chamada "Poder". Graças à cumplicidade dos intelectuais e, claro, dos políticos, o Poder - escrito em maiúscula, como se fosse uma entidade viva, com uma lógica idiossincrática, quiçá misteriosa - cresceu exponencialmente no final do século 19 e início do 20.

Antes ele queria apenas o seu dinheiro (através dos impostos), o seu sangue (através da guerra) e a livre-iniciativa (através da burocracia); agora, quer nada mais nada menos do que a sua alma.

Como bom profeta, De Jouvenel mostra que isso aconteceu sem que ninguém suspeitasse. Na verdade, o argumento mais perturbador é o de que deixamos o Poder invadir nossa vida íntima porque gostamos disso.

Usar o termo "gostar" é um eufemismo. A palavra certa é "idolatrar". É nesta distinção que De Jouvenel supera, por exemplo, Elias Canetti em "Massa e Poder" e se iguala a Ortega y Gasset em "A Rebelião das Massas".

Como Ortega, o escritor francês reconhece que o ser humano só se torna pleno quando aceita a sua existência como um constante naufrágio, repleto de incerteza. O Poder inverte as expectativas: dê a sua alma, ele diz, que darei a segurança que você precisa para continuar a sua vidinha com a paz e o conforto que merece.

O homem democrático aceitou o pacto sem reclamações. Entre a dor e o nada, em vez de escolher a primeira, ficou com o segundo, disfarçado de grandes oportunidades e de sonhos jamais realizados.

Parece um vaticínio terrível, e é. Mas De Jouvenel mostra que a solução existe na capacidade do homem escolher e conquistar a sua própria liberdade - e mantê-la sob constante vigilância. O Poder quer permanecer a qualquer custo, independente das ideologias de esquerda e de direita; e o ser humano também, com a diferença de que ele sempre esteve acima de tudo isso.

Afinal, se não fosse por esse bom combate, valeria a pena viver tal história? Ou será que já escolhemos viver com "pacotes de emergência", um atrás do outro, esperando a prisão sem aviso?

MARTIM VASQUES DA CUNHA é editor da revista "Dicta&Contradicta" e doutorando pela USP.
O Poder - História Natural de seu Crescimento
AUTOR Bertrand de Jouvenel
EDITORA Peixoto Neto


Folha de São Paulo

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico negro

São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 481p.

Reis, João José; Gomes, Flávio dos Santos; Carvalho, Marcus Joaquim de. O alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico negro (1822-1853)

Diogo da Silva Roiz

Doutorando em História (UFPR), bolsista do CNPq. Departamento de História da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) - Campus Amambai. Cidade Universitária de Dourados. Caixa Postal 351. 79804-970 Dourados - MS - Brasil. diogosr@yahoo.com.br

A história de Rufino ... não foi de maneira alguma típica. O interesse em narrá-la decorre de que a história não é somente feita do que é norma, e esta pode amiúde ser mais bem assimilada em combinação e em contraste com o que é pouco comum. Foi, aliás, o que buscamos aqui fazer: nosso personagem nos serviu de guia para uma história bem maior do que caberia na sua experiência pessoal. Ele foge com enorme regularidade de nosso campo de visão para dar lugar ao drama colossal da escravidão no mundo atlântico no qual desempenhou seu pequeno mas interessante, às vezes nefasto, papel. (p.360)

Ao estudarem a trajetória de Rufino José Maria, João José Reis, Flávio dos Santos Gomes e Marcus de Carvalho nos oferecem um extraordinário painel, no espaço micro e macrossocial, do que foi o tráfico transatlântico de cativos africanos para o império do Brasil no século XIX. Por certo o tema não é novo, mas a maneira como foi abordado, sem dúvida é muito inovador. Se houve, realmente, um considerável aumento no número de pesquisas sobre o assunto desde o final da década de 1980, que culminou com o primeiro centenário da Lei Áurea, além de se terem firmado novos marcos para a análise do sistema escravista e das políticas inclusivas no país, o tema do tráfico de escravos também recebeu revisão significativa, como indicam trabalhos como Em costas negras, de Manolo Florentino.

Nos Estados Unidos, assim como no Brasil e no Caribe, o tema do tráfico de escravos e do sistema escravista tem sido repensado, como indica Gerald Horne em O sul mais distante. Destoando dos estudos indicados, os autores deste O alufá Rufino deixam os dados quantitativos apenas como complemento, para abordarem a trajetória de um desses africanos que se tornou cativo nas Américas, onde alcançaria a alforria. Rufino tornou-se também traficante e dono de escravos, e nesse percurso transatlântico aprendeu a ler e escrever e cultivou a religião segundos as regras do Alcorão, praticando-a no Império do Brasil, motivo pelo qual foi preso. É bem presumível que a escolha do objeto deva-se não apenas à sua riqueza documental e exemplaridade, mas também às evidências que João José Reis trouxe com Domingos Sodré, um sacerdote africano. Contudo, diferentemente desse livro, em O alufá Rufino os autores aproveitam-se mais do que o personagem oferece para, a partir dele, reconstituírem certos nexos entre atores sociais que povoaram o mundo do tráfico de escravos. Circunstanciam os grandes comerciantes do período, descrevem suas principais embarcações e expõem como burlavam o bloqueio inglês nas costas do continente africano, como agiam quando eram capturados e que tipo de mercadorias levavam das Américas, para tornarem o negócio ainda mais lucrativo. Nesse ponto, habilmente os autores demonstram que quase toda a tripulação das embarcações fazia parte desse comércio, com caixas e rubricas próprias, como foi o caso de Rufino - embora até onde o acompanharam não tenham encontrado suas iniciais entre as mercadorias. Como cozinheiro, Rufino aproveitava o ensejo para comerciar doces - e até, provavelmente, comprar escravos - na África. Outra diferença entre os dois livros é que neste as afirmações seriam mais pautadas em suposições do que em comprovação documental.

Como mostram os autores, a "história dos africanos no Brasil do tempo da escravidão", assim como a de Rufino, "em grande parte, é escrita a partir de documentos policiais" (p.9), que têm sido vasculhados de modo mais sistemático nas últimas décadas pelos pesquisadores brasileiros. Assim, com a história de Rufino os autores nos apresentam o perfil de alguns dos compradores de escravos no Império do Brasil, como João Gomes da Silva, homem pardo que exercia o ofício de boticário. Provavelmente, Rufino foi seu aprendiz por certo período, antes de seguir para Porto Alegre e lá ser vendido, porque é "possível que suas habilidades na cozinha viessem a ter alguma valia na preparação de remédios de origem animal e mineral" (p.31). No início da década de 1830, Rufino desce para o Rio Grande do Sul em companhia de seu senhor-moço, Francisco Gomes, que algum tempo depois o venderá para José Pereira Jardim, comerciante em Porto Alegre, onde "Rufino encontrou ... alguma gente de sua terra escravizada ou já alforriada" (p.52). Em 1835, alguns meses após o levante dos malês na Bahia, ironicamente, Rufino alcançaria sua alforria pagando a quantia de 600 mil-réis.

Com a liberdade, Rufino passaria a figurar de volta na documentação, meses depois seguindo para o Rio Grande, "onde funcionava o governo legal antifarroupilha, talvez na companhia de seu ex-senhor, o desembargador José Maria Peçanha", e lá "ficou ... envolvendo-se com a comunidade muçulmana local até que, no final de 1838, teve lugar a ação policial em Porto Alegre contra aquela escola muçulmana" (p.69). Com isso, como sugerem os parcos documentos sobre ele, provavelmente seguiu para o Rio de Janeiro, entre o final de 1838 e o início de 1839, "e não três anos antes, como deixou transparecer no Recife em 1853, quando tinha boas razões para omitir a verdadeira história de sua saída do Rio Grande do Sul: preso por suspeita de conspiração, ele não podia revelar que suspeita semelhante já havia pairado sobre ele quinze anos antes" (p.70).

No Rio de Janeiro, "Rufino teria percebido que podia conseguir proteção e boa vida - além de dinheiro - alistando-se como trabalhador do tráfico" (p.81). Aqui, os autores demonstram como Rufino participará do comércio transatlântico de escravos, além de pormenorizarem o perfil de tripulantes dos navios negreiros e suas mercadorias (além das quantidades médias de escravos transportados na viagem de volta), e também circunstanciarem os principais organizadores desse mercado arriscado, em função da proibição inglesa, desde o início da década de 1830, mas, ainda assim, incomparavelmente lucrativo.

Nesse percurso, os autores nos apresentaram as histórias de vários personagens do tráfico da época, dos tripulantes aos chefes do comércio. Ao lado da Ermelinda, embarcação na qual Rufino trabalhou, eles indicam os destinos da escuna Paula, do patacho São José e da União (embarcação em que Rufino esteve antes de ir para a Ermelinda), quando estas foram confiscadas e julgadas pelos ingleses em Serra Leoa, juntamente com outras embarcações. Destaque-se ainda que havia muitas evidências, apesar da fiscalização inglesa, de que "traficantes e ingleses se irmanavam nos entrepostos do trato de gente", pois "os verdadeiros 'irmãos' dos ingleses no terreno eram outros brancos, mesmo se traficantes, e não os negros traficados, de quem se diziam 'irmãos' os abolicionistas na distante Inglaterra" (p.157).

Embora não tenha sido condenada, apesar das tentativas na reunião de indícios que a apontassem como embarcação de tráfico negreiro - o que de fato era -, os prejuízos foram evidentes para a Ermelinda, sua tripulação e seus donos. Ainda que extraordinariamente rica a exposição dos autores, não há como em tão poucas linhas circunstanciarmos todas as ramificações e detalhes desse empreendimento e suas consequências, ao serem capturadas as embarcações e levadas até Serra Leoa, onde foram julgadas.

De Serra Leoa para o Recife, Rufino, como toda a tripulação e os comerciantes do trato de gente, teve de computar os prejuízos do empreendimento, não levado a cabo em função da captura inglesa nas costas do continente africano. Em Recife, Rufino se fixaria na rua da Senzala Velha, nome representativo para um ex-cativo e traficante, como ele. Os autores fazem uma primorosa análise do perfil e das características das práticas religiosas na Recife do século XIX, onde Rufino não estaria sozinho, haja vista a pluralidade étnica, cultural e religiosa ali presente. Como alufá, Rufino conhecia os meandros de sua religião, e a sua prática o ajudou a ultrapassar aquele período conturbado. Quando foi detido em meados de 1853 pela prática de rituais religiosos, Rufino manteve uma atitude serena, apesar de a "preocupação das autoridades pernambucanas" ter sido "atiçada não só porque sabiam que na Bahia os rebeldes possuíam papéis escritos em árabe como aqueles encontrados com Rufino, mas também porque, segundo as notícias que circularam o país, muitos dos rebeldes malês eram africanos libertos e nagôs como ele" (p.331). Dito isso, vale destacar ainda que "Rufino certamente desenvolveu uma visão cosmopolita de um mundo dificilmente alcançada pela maioria dos africanos e, menos ainda, dos brasileiros seus contemporâneos" (p.355), o que torna mais representativa sua trajetória.

Portanto, os autores nos oferecem a interpretação de um personagem rico e complexo, inserido no próprio núcleo do movimento dinâmico do tráfico de cativos do século XIX. Desse modo, tracejando pela microanálise (com a trajetória de Rufino) e pela macroanálise (com o estudo pormenorizado do tráfico de escravos), o texto também sugere avanços e traz inovações sobre o uso desses instrumentais metodológicos de análise das fontes e apresentação dos dados.

Revista Brasileira de História

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Notícias História Viva


Arábia Saudita estará finalmente se interessando por seu próprio legado?

JASON BURKE

A Arábia Saudita vem há anos obliterando qualquer evidência de seu passado de politeístas moradores no deserto. Agora, porém, essa maré pode estar começando a mudar, aos poucos.

Diga a pessoas em Riad, a capital saudita, que você está partindo para a província de al-Qassem, e elas reagirão com expressões de espanto. Al-Qassem é um lugar profundamente conservador, mesmo pelos padrões deste país profundamente conservador. Fica a duas ou três horas de distância de Riad pela rodovia principal em direção oeste, bem no meio do interior árido. Nas últimas décadas, várias cidades de al-Qassem foram palco de revoltas contra a autoridade da família real saudita, lideradas por clérigos que denunciaram os líderes sauditas como reformadores e moderados perigosos. Há poucos turistas na Arábia Saudita e menos ainda em al-Qassem.

Ibrahim Darwish, estudioso religioso e sociólogo que comanda um instituto de estudos em Rass, a terceira maior cidade da província, descreve uma sociedade "fechada e sólida" que é "tradicional, hospitaleira, generosa e de fala direta, sem rodeios".

É também uma sociedade que vem mudando muito rapidamente --mesmo em uma região em que é comum falar sobre a rapidez das transformações. Na Arábia Saudita, onde uma população desértica sem o legado cultural de outros Estados da região, como o Egito, Irã ou Turquia, foi beneficiada por riqueza excepcional, a vida de seus pais é irreconhecível para os jovens --o que dirá as de seus avós ou bisavós.

Assim, em Rass, as autoridades locais ergueram um museu dedicado ao passado. Ele ocupa a esquina de um dos shopping centers modernos que, ao lado das mesquitas, concentram a maior parte da vida pública na Arábia Saudita. O museu não é muito grande. Uma sala é ocupada por uma reconstrução de uma moradia rural, completa com poço e tubulação engenhosa de barro que permitia aos agricultores se banharem. Outra é repleta de fuzis e espadas. Uma terceira sala é ocupada por teares e têxteis.

O maior espaço é uma reprodução de um café, com tapetes no chão e persianas pintadas. É o lugar onde Suleiman Mohammed al'Dubayan, 56 anos, geralmente pode ser encontrado. Soldado aposentado, ele é empregado pela prefeitura local para vestir roupas tradicionais e fazer café para os visitantes, da maneira tradicional.

Al'Dubayan conta que vê até cem pessoas por dia, em sua maioria "rapazes que vêm para cá em busca de algo. Eles querem saber como eram as coisas no passado. Me perguntam sobre como se fazia o café, sobre os velhos tempos. Então conto a eles."

O museu em Rass faz parte de um fenômeno mais amplo na Arábia Saudita: a redescoberta do passado do reino. Ninguém prestou muita atenção à preservação durante as primeiras décadas da consolidação do país, que tem 79 anos de idade, ou durante a corrida instigante do desenvolvimento e enriquecimento estupendo vivida desde o início da década de 1970. Há muito poucas construções que tenham mais de 30 ou 40 anos.

Em Riad, há o "masmak" --o forte antigo que foi usado pelos governantes da cidade no século 19, perto do quartel-general da polícia religiosa_ e há um labirinto de casas velhas de adobe no centro da cidade, onde trabalhadores migrantes da Índia e do Oriente Médio vivem no meio da sujeira. E há o palácio restaurado do século 19, a pouca distância de carro da cidade, onde você pode ver bengaleses mal-pagos, com vistos de trabalho temporários, representando o papel de moradores de vilarejos sauditas "dos velhos tempos". Mas quase todo o resto é sistematicamente demolido para dar lugar ao mais recente arranha-céus ou prédio de apartamentos.

O museu em Rass é um dos muitos sinais de que isto está mudando. Hoje existem no país dois sítios tombados pelo Unesco --as ruínas da cidade de Ad-Dir'iyah e os resquícios antigos do oásis Al-Hijr, no noroeste, e espera-se que a cidade velha de Jedá, porto no mar Vermelho, se junte a eles em breve.

Há mais em jogo, contudo, que um novo interesse pelo passado ou um desejo de atrair turistas, como parte dos esforços do reino para diversificar sua economia, predominantemente dependente do petróleo. Como é o caso em outros lugares, controlar a história é a chave do poder. A Casa de Al'Saud só vem podendo governar seu reino com a colaboração e o apoio do clérigo, em grande medida ultraconservador. É possível promulgar reformas --como a introdução do ensino para as mulheres, que na década de 1960 provocou tumultos em al-Qassem, mas apenas com o consentimento da maioria dos clérigos.

Para os conservadores religiosos no reino, qualquer resquício físico da história, até mesmo da história dos primeiros muçulmanos, desvia a atenção de Deus e levanta o espectro do politeísmo. Assim, há anos vêm sendo destruídos todos os traços de religiosidade passada no reino, o que dirá qualquer coisa que possa ser considerada anti-islâmica. Dezenas de santuários, cemitérios e sítios históricos foram demolidos, danificados, ou construiu-se em cima deles. Isso aconteça até mesmo nas cidades sagradas de Meca e Medina --na realidade, talvez aconteça especialmente lá.

Logo, preservar qualquer coisa que restou do passado constitui resistência religiosa --e, portanto, política.

Não apenas Deus, mas também o dinheiro exerce um papel na nova disputa pela história do país. Mais recentemente surgiu uma disputa entre construtoras que querem erguer apartamentos com vista da grande mesquita de Meca --imóveis que renderiam valores astronômicos-- e, por outro lado, conservacionistas locais. Como o conflito mais amplo em torno do "legado", essa discussão não será resolvida em pouco tempo.
Seu resultado --ou, melhor, sua evolução-- será uma janela fascinante para ter uma visão de uma sociedade extremamente conservadora que, por uma série de razões, ainda está engajada em obliterar todos os traços de um passado mais pobre.

"Eu não gostaria de viver no Ocidente", me diz um burocrata enquanto dirigimos pela rodovia de seis pistas que faz as vezes de rua central de Riad, passando por enormes arranha-céus novos, shopping centers em sequência e quilômetro após quilômetro de apartamentos com fachada de concreto. "Nunca estive lá, mas olho para a vida no Reino Unido, França ou América e acho que o problema é que vocês perderam todas suas tradições."

Tradução de Clara Allain

Fernando Morais reconstrói atuação de espiões cubanos nos EUA

SYLVIA COLOMBO
Os anticastristas mandavam explodir bombas em hotéis de Havana e metralhar navios para espantar turistas. Golpe duríssimo para o pequeno país, que, após o fim da União Soviética (1989), passou a depender muito dos ingressos do turismo.

Bem ao estilo da Guerra Fria, Cuba respondeu foJustificarrmando um grupo de espiões, a Rede Vespa, que se instalou na Flórida a fim de descobrir o que tramavam os inimigos.

Conseguiram, assim, impedir uma série de ataques à ilha. Até que foram pegos pelo FBI, em 1998.

Letícia Moreira/Folhapress

O escritor e jornalista Fernando Morais, que lança o livro " Os ultimos soldados da guerra fria", no seu apartamento em Higienopolis

O jornalista e escritor Fernando Morais, 64, velho conhecedor e amigo de Cuba, autor de "A Ilha" (1976) e "Olga" (1985), investigou o assunto e o resultado é "Os Últimos Soldados da Guerra Fria", lançado agora pela Companhia das Letras.

Morais fez várias viagens à ilha e aos EUA, entrevistou familiares dos envolvidos e alguns dos espiões presos.

Em 2008, conseguiu que o governo cubano lhe entregasse uma documentação valiosa sobre a Rede Vespa. Os papéis só foram parar em suas mãos devido a suas boas relações com Cuba, que já têm mais de 40 anos.

Entre os documentos, está o material que Fidel Castro enviou a Bill Clinton para pedir que os ataques à ilha parassem. O inusitado do diálogo é que ele foi intermediado por Gabriel García Márquez; o Nobel colombiano é amigo de Fidel e defensor de seu projeto político.

"É um episódio importante, porque Clinton ouviu Fidel e os ataques pararam", conta Morais.

O autor relata como os espiões da Rede Vespa se instalavam na Flórida. Mantinham segredo de suas atividades até de suas famílias. "Há o caso de uma das mulheres que se sentiu traída e está ressentida até hoje", conta.

Com poucos recursos, os agentes tinham de achar trabalho para se manter nos EUA. "Visitei apartamentos em que eles moraram, eram quitinetes, lugares muito precários", diz Morais.

Os disfarces eram construídos pela inteligência cubana. Os espiões recebiam novas identidades, às vezes roubadas de bebês mortos nos EUA, e eram obrigados a decorar fatos fictícios sobre toda uma vida pregressa que não haviam vivido.

O autor entrevistou condenados por e-mail e enviou perguntas por meio de suas mulheres, que têm permissão de falar com eles por telefone algumas vezes por mês.

A obra de Morais resgata também a participação de mercenários da América Central contratados pelos anticastristas. Uma das histórias mais interessantes é a do salvadorenho Cruz León.

Fã de Sylvester Stallone, Cruz León conta que se envolveu nos ataques porque queria viver aventuras parecidas com as de seu ídolo.

Com essa motivação, aceitou uma missão quase suicida: colocar bombas em hotéis e num restaurante em Havana por apenas US$ 1.500 cada uma. Acabou descoberto e condenado à morte.

"Os mercenários centro-americanos não conheciam a situação cubana nem sabiam o que estava em questão", diz Morais.

Ao contar sua história ao jornalista, Cruz León explicou o que o moveu a ajudar os anticastristas: "Eu ia pôr bombas num país que nem sabia qual era, voltaria para casa e iria para a cama com a Sharon Stone. Me senti um espião. Me senti o máximo".

Hoje, cinco espiões do grupo seguem presos --os outros foram libertados, beneficiados por delação premiada.

Morais crê que, se Obama se reeleger, deve rever o julgamento. "Pode tentar trocar espiões cubanos por presos políticos americanos em Cuba. Só não faz isso já para não perder votos na Flórida."

Leonel Brizola e a defesa da legalidade

Reprodução

Brizola comanda pelo rádio a "Cadeia da Legalidade" para garantir a posse do vice-presidente João Goulart
ELEONORA DE LUCENA
A renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, deixa o país perplexo. João Goulart, o vice-presidente eleito, está em viagem oficial à China. Os militares não aceitam a posse do vice e anunciam que prenderiam Goulart quando desembarcasse no Brasil. O golpe está armado.

Em Porto Alegre, o governador Leonel Brizola (1922-2004) resolve resistir. Com metralhadora e microfone em mãos, passa a transmitir pelo rádio discursos contra os golpistas e pela legalidade da posse de Jango. O comandante do 3º Exército, do Sul, recebe ordem para bombardear o Palácio Piratini --e não a cumpre.

Uma multidão vai para a praça da Matriz, onde fica a sede do governo estadual. Estudantes arrancam bancos de cimento e fazem barricadas. Sargentos se rebelam. Armas são distribuídas a voluntários civis. O Exército no Sul apoia a campanha. O golpe é contido --ou, melhor, adiado.

Jango volta e toma posse em 7 de setembro, sob um recém-implantado parlamentarismo.

REBORDOSA
A história completa 50 anos e ainda está viva na memória de Carlos Bastos, 77, então repórter da "Última Hora". Lembra que a renúncia provocou uma "rebordosa": "Fiquei morando no palácio por 12 dias. Só ia para casa para tomar banho e trocar de roupa. Recebi um revólver".

A 2.000 km dali, Almino Affonso, 32 anos, líder do PTB (partido de Jango) na Câmara dos Deputados, discursou logo após a renúncia --que, diz à Folha, "na minha opinião, de forma intuitiva, era um golpe que Jânio tinha tentado fazer através do gesto" (leia a íntegra das entrevistas em folha.com/ilustrissima).

A mesma visão tem Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor de livros sobre o período. Na época repórter do "Diário de Notícias" carioca, cobriu a campanha eleitoral de Jânio. "Ele manifestava inconformismo por ter de governar dentro dos marcos legais; queria poderes extraordinários", avalia, em entrevista à Folha.

Jânio não obteve apoio para voltar com poderes ditatoriais. Desagradava à direita, em razão de sua política externa independente, e à esquerda, que protestava contra a sua política econômica. Autor de "Raízes do Golpe" [Marco Zero, 1988], Almino recorda que a Campanha da Legalidade "levantou o Rio Grande do Sul, com Brizola tendo um apoio fantástico, com o povo nas ruas. O país inteiro acompanhava. Meus pais moravam em Porto Velho e ouviam pelo rádio e me narravam depois".

ONDAS CURTAS
O governo federal tinha fechado três rádios por divulgarem os manifestos de Brizola. O governador então mandou transferir para os porões do Piratini os estúdios da rádio Guaíba, com os transmissores protegidos pela Brigada Militar (a PM gaúcha). Outras 15 rádios do país e do exterior se incorporaram à Cadeia da Legalidade. Por ondas curtas, os discursos e despachos eram traduzidos para várias línguas.

No "porão da legalidade" do Piratini, Erika Kramer era uma das poucas mulheres. Tinha 23 anos e estudava jornalismo. Conta que foi incumbida de fazer a redação e a locução em alemão das transmissões da rádio. Filha de imigrantes de Hamburgo, ela aprendera a língua com os pais, que produziam aspargos e frutas em Pelotas. "Fiquei 12 dias fazendo noticiário, na base de cafezinho e sanduíche. Fazíamos pelo civismo", afirma.

A situação ficou mais tensa quando um radioamador interceptou uma mensagem com a ordem de que a Força Aérea e o 3º Exército bombardeassem o Piratini. Ninhos de metralhadoras foram instalados no alto do palácio e na vizinha catedral. Carros, jipes, sacos de areia e bancos defendiam o lugar. O comandante militar da região, general José Machado Lopes, pediu um encontro com Brizola, que de metralhadora em punho, pegou o microfone no porão do palácio e fez um célebre discurso. Alguns trechos:

"Não nos submeteremos a nenhum golpe. Que nos esmaguem. Que nos destruam. Que nos chacinem nesse palácio. Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo. Esta rádio será silenciada. O certo é que não será silenciada sem balas. Resistiremos até o fim. A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Podem atirar. Que decolem os jatos. Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo. Joguem essas armas contra este povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário. Um dia, nossos filhos e irmãos farão a independência de nosso povo."

O jornalista Bastos, que estava no Piratini, afirma: "Quando Brizola começou a falar, havia umas 5.000 pessoas na praça da Matriz. Cinquenta minutos depois, quando ele acabou, eram mais de 50 mil". A massa esperava a chegada do comandante do 3º Exército.

BRIZOLA
Leonel Brizola era filho de pequenos agricultores do interior gaúcho. Seu pai tinha morrido na guerra civil gaúcha de 1923. Pobre, foi engraxate, vendedor de jornais, operário. Chegou a Porto Alegre só com o dinheiro da passagem. Formou-se engenheiro e entrou para a política.

Governador a partir de 1959, ampliou a rede de escolas, fez um programa de moradias populares, encampou empresas estrangeiras (telefonia e eletricidade). Joaquim Felizardo, no seu sintético "A Legalidade, Último Levante Gaúcho" [UFRGS, 1988], chama a atenção para o fato de Brizola ser, naquele momento, um tipo novo de liderança, deixando para trás os tradicionais grandes proprietários de terras e superando o legado de Getulio Vargas.

"O governador era uma espécie de tribuno da plebe", escreve o historiador, ao explicar as razões da adesão popular à Campanha da Legalidade. Citando o historiador Décio Freitas, Felizardo ressalta que os gaúchos estavam incomodados também pelo rearranjo de poder no país: "A crescente hegemonia do capital monopolista instalado no Sudeste solapava as bases tradicionais da economia sul-riograndense e acentuava a desigualdade do desenvolvimento econômico". Alguns mais radicais previam que o Estado viraria um "outro Nordeste".

Nesse contexto, crescia o movimento tradicionalista e a proverbial valentia gaúcha era acalentada. O lema da Revolução de 30 ("Rio Grande, de pé pelo Brasil") valia em 61. Bombachas e chimarrão eram os símbolos daqueles "indignados" de 50 anos atrás. "Brizola foi o último porta-voz dessa referência cultural. Soube apelar para os valores do inconsciente coletivo", analisa Felizardo.

Anos mais tarde, Moacyr Scliar captaria as contradições do momento no romance "Mês de Cães Danados - Uma Aventura nos Tempos da Legalidade" [L&PM, 1977]. Na trama vigorosa, a tradicional família gaúcha encara a miséria e a sarjeta. Naquele 61, Erico Verissimo finalizara o seu épico "O Tempo e o Vento".

MILITARES
Na Matriz, os militares chegam para falar com Brizola no palácio. Há quem ache que o governador pode ser preso. O historiador Jorge Ferreira, autor de "João Goulart, uma Biografia" [Civilização Brasileira, 2011], em entrevista à Folha, relata: "Machado Lopes e os generais chegaram num jipe. Nas escadarias do palácio, diante deles, havia cerca de 100 mil pessoas. O silêncio era enorme. Quando eles subiram as escadas (permitindo que a população os visse), alguém começou a cantar o Hino Nacional. Machado Lopes e os generais pararam, viraram-se para o povo, botaram a mão no peito e também cantam o hino. Milhares de pessoas choraram nesse momento".

No palácio, Machado Lopes comunica oficialmente a Brizola que os generais do 3º Exército "decidiram, por maioria de votos, que só aceitam a solução para a crise dentro da Constituição; por conseguinte, com a posse do vice-presidente". O 3º Exército aderia à legalidade e desafiava a junta militar golpista. Lá fora, a multidão festeja.

Aos 61 anos, Machado Lopes comandava a maior força militar brasileira: 120 mil homens no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, anotam os jornalistas Paulo Markun e Duda Hamilton na detalhada narrativa de "61, Que As Armas Não Falem" [Senac, 2001]. O general não era um esquerdista infiltrado: ao contrário, foi um opositor do tenentismo, da Coluna Prestes e lutara contra os comunistas em 1935.

Moniz Bandeira aponta a existência de distintas tendências nas Forças Armadas, com maioria para os legalistas. Para ele, a Guerra Fria alterou o quadro: "Os EUA modificaram sua estratégia e passaram a incentivar a participação dos militares na política interna de seus países." O objetivo era conter o avanço do comunismo. "Na Campanha da Legalidade, pela primeira vez a cisão nas Forças Armadas se expressou publicamente".

"1961 foi um desastre para o Exército", resumiu Golbery do Couto e Silva, ideólogo da ditadura, citado por Amir Labaki em "1961, A Crise da Renúncia e A Solução Parlamentarista" [Brasiliense, 1986].

Nelson Werneck Sodré, no seu "História Militar do Brasil" [Expressão Popular, 2010], enfatiza o ineditismo da resistência de Brizola. "Pela primeira vez, pagava-se para ver. Os golpistas precisavam enveredar para a luta ou recuar. Ora, golpe em recuo não existe", constata. A junta tentou começar a armar o seu esquema, mas a coisa degringolou. "Começaram a surgir as resistências, as dissensões, as negativas, culminando com generalizada desobediência."

AVIÕES
Foi o que aconteceu na Base Aérea de Canoas, nos arredores de Porto Alegre, cujo comandante era fiel à junta golpista. Lá, os sargentos se rebelaram, esvaziaram os pneus dos jatos, desarmaram os aviões e se deram as mãos na pista de decolagem, formando uma barreira humana a impedir a saída dos voos para o bombardeio ao palácio.

Porto Alegre tinha 635 mil habitantes; em apenas cinco dias, 45 mil deles se inscreveram para participar da resistência e entraram em filas para receber armas e treinamento. Um antigo arsenal da Brigada, comprado no início dos anos 30 para um eventual confronto com Getulio, foi distribuído. "Brizola armou a população em Porto Alegre. No interior, o trabalho foi feito pelos Centros de Tradições Gaúchas, com armas artesanais, como lanças e facões", diz o historiador Ferreira, emendando: "É interessante que, ao final da crise, todos os que receberam as armas as devolveram".

Emílio Neme, 85, que era então subchefe da casa militar de Brizola, fala à Folha. "Fui à fábrica da Taurus e requisitei 300 revólveres para distribuir para os que estavam no palácio." Hoje, reconhece: "Fiz coisa errada. Não pedi os revólveres de volta. Ficaram de recordação para as pessoas".

Havia comitês de apoio de estudantes, bancários, intelectuais, ferroviários, artistas. Tradicionais rivais, Grêmio e Internacional suspenderam o jogo de domingo e declararam apoio à campanha. Para Sereno Chaise, 83, que era líder do PTB na Assembleia Legislativa, a legalidade foi o movimento cívico que produziu a maior unidade na história do Sul.

Em "Vozes da Legalidade" [Sulina, 2011], Juremir Machado da Silva mostra que a campanha até hino teve, composto "no improviso, no calor do combate" pelo ator Paulo César Pereio e pela escritora Lara de Lemos, com melodia que misturava a Marselhesa e o hino brasileiro. A inspiração não foi intencional, lembra ele, que na época tinha 20 anos e fazia parte do comitê de resistência democrática do grupo Teatro de Equipe. "Era muito heroísmo", disse Pereio à Folha.

JANGO
Enquanto isso, Goulart fazia sua viagem de volta da China, passando por Paris, Nova York, Lima, Buenos Aires, Montevidéu. "Jango", filme de 1984 de Silvio Tendler, começa com imagens curiosas da visita ao presidente Mao e mostra o desenrolar da crise, que desaguaria no golpe de 64.

Em 61, no epicentro das negociações em torno do parlamentarismo, estava Almino Affonso, contrário à mudança. "Chamei de golpe branco, porque a Constituição não poderia ser emendada num clima de convulsão política. Era ilegal." Mas, no próprio PTB, surgiram os apoiadores à tese de acomodação. A saída negociada foi acertada por Tancredo Neves, futuro primeiro-ministro, conversando com Jango em Montevidéu.

Para a capital uruguaia, com um grupo de jornalistas, foi Lucídio Castelo Branco. Tinha 23 anos e queria entrevistar Jango. "Ele me chamou por volta da meia-noite e disse que, a partir daquele momento, eu ia ser o seu secretário de imprensa e que precisava comunicar que não haveria entrevista. Quase apanho dos colegas", diz.

Com Jango, embarcou para Porto Alegre num Caravelle da Varig e viveu momentos de pavor. "O comandante disse que o voo era de emergência, viajava na escuridão completa. Na descida, embicou de um jeito que eu morri de medo. Fiquei apalermado. Só consegui sair do avião 15 minutos depois do pouso."

No Piratini, por imposição de Tancredo, Jango não discursa. Como faria em 1964, evita o confronto e o risco de guerra civil. Num misto de vitória e frustração, a multidão vaia um Jango silencioso.

Brizola ainda pede que Jango não aceite o parlamentarismo e marche com o 3º Exército até Brasília. Em entrevista a Markun e Hamilton, em 2001, Brizola asseverou: "Nós venceríamos facilmente. Tropas do Sul se juntariam a outras por toda parte. A resistência seria localizada num nucleozinho. Seria uma marcha vitoriosa para uma mudança no país".

Moniz Bandeira discorda: "A marcha sobre Brasília não seria simples passeata. Haveria luta armada. Carlos Lacerda, governador [do então Estado] da Guanabara, tinha apoio militar e estava envolvido no golpe". Almino, que agora escreve outro livro sobre o período ("João Goulart, Uma Revisão da História"), defendeu, naquele momento, a marcha, assim como Brizola. Hoje, pensa diferente. "Acho que Jango teve um gesto de grandeza. Tinha legitimidade para assumir, mas não queria sangue. Acho isso nobre."

O jornalista Jayme Keunecke, então com 26 anos, acompanhou Goulart na volta a Brasília. À Folha, recorda o temor de que uma chamada "operação mosquito", de militares golpistas, derrubasse o Caravelle da Varig. Mas o voo foi tranquilo. "Jango fumava muito e tomava muito chimarrão", lembra o repórter.

LEGADO
Ministro da Defesa do governo Lula, Waldir Pires, 84, era deputado naqueles tempos tumultuados. Para ele, "o grande legado da legalidade foi o impedimento do golpe. Mas a lição não foi aprendida, porque depois houve 1964. O golpe foi simplesmente adiado".Pires conecta a tentativa de golpe de 61 com a de 55, uma tentativa de impedir a posse de JK. "Brizola foi em 61 o que [Henrique] Lott foi em 55", compara.

Já Almino pensa que não se deve avaliar o episódio como apenas um veto dos militares a Jango. Para ele, Goulart no poder significava "a volta do Getulio de 1950", e "muitas lideranças militares eram contra o monopólio estatal do petróleo e queriam maior participação do capital internacional".

"Ainda estávamos numa etapa democrática muito pobre", afirma Almino. Em contraponto, Ferreira argumenta que o legado do movimento foi mostrar que a sociedade era apegada à democracia. "A junta militar apertou o botão do golpe, mas a sociedade reagiu e não concordou. Golpes não dependem da vontade de generais; exigem apoio social", declara.

Naqueles dias, o governador de Goiás, Mauro Borges, aderiu à campanha. Várias entidades civis pelo Brasil também apoiaram. Uma mobilização que, para Almino, reapareceu nas "Diretas-Já", em 1984. Mas ele desabafa: "Minha tristeza é que não acho que tenhamos evoluído tanto. Apesar da retomada democrática, os partidos, sem exceção, não têm democracia interna e militância política. São caudilhos com nomes diferentes".

Na praça da Matriz, em setembro de 61, a chuva dispersou a multidão. O "porão da legalidade" foi desativado. Agora, 50 anos depois, vai virar museu.

domingo, 21 de agosto de 2011

Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual*


Denúncia ao voto de cabresto (charge de Storni, revista Careta Rio de Janeiro, 1927)

José Murilo de Carvalho
Pode-se argumentar que o problema das relações políticas entre o poder local e o poder nacional não será resolvido por meio de discussões conceituais. O que seria necessário é mais pesquisa de campo. Historiadores, sem dúvida, tenderiam a apoiar esse ponto de vista. Há momentos, no entanto, em que o acúmulo de pesquisas passa a ter rendimento decrescente porque as idéias começam a girar em roda, sem conseguir avançar devido a confusões ou imprecisões conceituais. Nesses momentos convém parar para revisão e tentar esclarecer conceitos e teorias.

Parece-me que este é um desses momentos nos estudos de poder local e suas relações com o Estado nacional no Brasil. Há imprecisão e inconsistência no uso de conceitos básicos como mandonismo, coronelismo, clientelismo, patrimonialismo, feudalismo. A dificuldade não é certamente privilégio brasileiro, uma vez que tais conceitos são reconhecidamente complexos. Basta, como exemplo, mencionar a imensa literatura produzida em torno do fenômeno do clientelismo, as discussões sobre o conteúdo deste conceito e as dificuldades em empregá-lo de maneira proveitosa. No caso brasileiro, não só conceitos mais universais, como clientelismo e patrimonialismo, mas também noções mais específicas, como coronelismo e mandonismo, estão a pedir uma tentativa de revisão como auxílio para o avanço da pesquisa empírica, por mais árida e inglória que seja a tarefa. É o que me proponho fazer neste artigo. A ênfase será nos conceitos de mandonismo, coronelismo e clientelismo, mas não poderá ser evitada referência às noções correlatas de patrimonialismo e feudalismo.

Começo com o conceito de coronelismo1. Desde o clássico trabalho de Victor Nunes Leal (1948), o conceito difundiu-se amplamente no meio acadêmico e aparece em vários títulos de livros e artigos. No entanto, mesmo os que citam Leal como referência, freqüentemente, o empregam em sentido distinto. O que era coronelismo na visão de Leal? Em suas próprias palavras: "o que procurei examinar foi sobretudo o sistema. O coronel entrou na análise por ser parte do sistema, mas o que mais me preocupava era o sistema, a estrutura e a maneira pelas quais as relações de poder se desenvolviam na Primeira República, a partir do município" (Leal, 1980:13). Nessa concepção, o coronelismo é um sistema político, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos. O coronelismo, além disso, é datado historicamente. Na visão de Leal, ele surge na confluência de um fato político com uma conjuntura econômica. O fato político é o federalismo implantado pela República em substituição ao centralismo imperial. O federalismo criou um novo ator político com amplos poderes, o governador de estado. O antigo presidente de Província, durante o Império, era um homem de confiança do Ministério, não tinha poder próprio, podia a qualquer momento ser removido, não tinha condições de construir suas bases de poder na Província à qual era, muitas vezes, alheio. No máximo, podia preparar sua própria eleição para deputado ou para senador2.

O governador republicano, ao contrário, era eleito pelas máquinas dos partidos únicos estaduais, era o chefe da política estadual. Em torno dele se arregimentavam as oligarquias locais, das quais os coronéis eram os principais representantes. Seu poder consolidou-se após a política dos estados implantada por Campos Sales em 1898, quando este decidiu apoiar os candidatos eleitos "pela política dominante no respectivo estado". Segundo Sales, era dos estados que se governava a República: "A política dos estados [...] é a política nacional" (Sales, 1908:252).

A conjuntura econômica, segundo Leal, era a decadência econômica dos fazendeiros. Esta decadência acarretava enfraquecimento do poder político dos coronéis em face de seus dependentes e rivais. A manutenção desse poder passava, então, a exigir a presença do Estado, que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos de terra. O coronelismo era fruto de alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o governo e significava o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel. O momento histórico em que se deu essa transformação foi a Primeira República, que durou de 1889 até 1930.

Nessa concepção, o coronelismo é, então, um sistema político nacional, baseado em barganhas entre o governo e os coronéis. O governo estadual garante, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado de polícia até a professora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do reconhecimento deste de seu domínio no estado. O coronelismo é fase de processo mais longo de relacionamento entre os fazendeiros e o governo. O coronelismo não existiu antes dessa fase e não existe depois dela. Ele morreu simbolicamente quando se deu a prisão dos grandes coronéis baianos, em 1930. Foi definitivamente enterrado em 1937, em seguida à implantação do Estado Novo e à derrubada de Flores da Cunha, o último dos grandes caudilhos gaúchos. O próprio Leal é incoerente ao sugerir um renascimento do coronelismo embutido na tentativa dos presidentes militares de estabelecer contato direto entre o governo federal e os municípios, passando por cima dos governadores (Leal, 1980:14). A nova situação nada tinha a ver com a que descreveu em sua obra clássica.

Essa visão do coronelismo distingue-o da noção de mandonismo. Este talvez seja o conceito que mais se aproxime do de caciquismo na literatura hispano-americana. Refere-se à existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas de poder. O mandão, o potentado, o chefe, ou mesmo o coronel como indivíduo, é aquele que, em função do controle de algum recurso estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a população um domínio pessoal e arbitrário que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade política. O mandonismo não é um sistema, é uma característica da política tradicional. Existe desde o início da colonização e sobrevive ainda hoje em regiões isoladas. A tendência é que desapareça completamente à medida que os direitos civis e políticos alcancem todos os cidadãos. A história do mandonismo confunde-se com a história da formação da cidadania.

Na visão de Leal, o coronelismo seria um momento particular do mandonismo, exatamente aquele em que os mandões começam a perder força e têm de recorrer ao governo. Mandonismo, segundo ele, sempre existiu. É uma característica do coronelismo, assim como o é o clientelismo. Ao referir-se ao trabalho de Eul-Soo Pang, que define coronelismo como exercício de poder absoluto, insiste: "não é, evidentemente, ao meu coronelismo que se refere", e continua: "não há uma palavra no meu livro pela qual se pudesse atribuir o status de senhor absoluto ao coronel, ou às expressões pessoais de mando do sistema coronelista". Mais ainda: "Em nenhum momento, repito, chamei o coronel de senhor absoluto" (idem:12-13; Pang, 1979).

Boa parte da literatura brasileira, mesmo a que se inspira em Leal, identifica coronelismo e mandonismo. Essa literatura contribuiu, sem dúvida, para esclarecer o fenômeno do mandonismo. Da imagem simplificada do coronel como grande latifundiário isolado em sua fazenda, senhor absoluto de gentes e coisas, emerge das novas pesquisas um quadro mais complexo em que coexistem vários tipos de coronéis, desde latifundiários a comerciantes, médicos e até mesmo padres. O suposto isolamento dos potentados em seus domínios também é revisto. Alguns estavam diretamente envolvidos no comércio de exportação, como os coronéis baianos da Chapada Diamantina, quase todos se envolviam na política estadual, alguns na política federal (Carone, 1971; Pang, 1979; Machado Neto et alii, 1972; Queiroz, 1975; Sá, 1974; Silva, 1975; Vilaça e Albuquerque, 1965; Campos, 1975). Mas o fato de esta literatura ter tornado sinônimos os conceitos de coronelismo e mandonismo foi negativo. Alguns autores encontraram mesmo um coronelismo urbano (Reis, 1971), ou um coronelismo sem coronéis (Banck, 1974; 1979). O conceito atinge, nesses casos, uma amplitude e uma frouxidão que lhe tiram o valor heurístico.

Outro conceito confundido com o de coronelismo é o de clientelismo. Muito usado, sobretudo por autores estrangeiros escrevendo sobre o Brasil, desde o trabalho pioneiro de Benno Galjart (1964; 1965), o conceito de clientelismo foi sempre empregado de maneira frouxa. De modo geral, indica um tipo de relação entre atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto. Este é um dos sentidos em que o conceito é usado na literatura internacional (Kaufman, 1977). Clientelismo seria um atributo variável de sistemas políticos macro e podem conter maior ou menor dose de clientelismo nas relações entre atores políticos. Não há dúvida de que o coronelismo, no sentido sistêmico aqui proposto, envolve relações de troca de natureza clientelística. Mas, de novo, ele não pode ser identificado ao clientelismo, que é um fenômeno muito mais amplo. Clientelismo assemelha-se, na amplitude de seu uso, ao conceito de mandonismo. Ele é o mandonismo visto do ponto de vista bilateral. Seu conteúdo também varia ao longo do tempo, de acordo com os recursos controlados pelos atores políticos, em nosso caso pelos mandões e pelo governo.

De algum modo, como o mandonismo, o clientelismo perpassa toda a história política do país. Sua trajetória, no entanto, é diferente da do primeiro. Na medida em que o clientelismo pode mudar de parceiros, ele pode aumentar e diminuir ao longo da história, em vez de percorrer uma trajetória sistematicamente decrescente como o mandonismo. Os autores que vêem coronelismo no meio urbano e em fases recentes da história do país estão falando simplesmente de clientelismo. As relações clientelísticas, nesse caso, dispensam a presença do coronel, pois ela se dá entre o governo, ou políticos, e setores pobres da população. Deputados trocam votos por empregos e serviços públicos que conseguem graças à sua capacidade de influir sobre o Poder Executivo. Nesse sentido, é possível mesmo dizer que o clientelismo se ampliou com o fim do coronelismo e que ele aumenta com o decréscimo do mandonismo. À medida que os chefes políticos locais perdem a capacidade de controlar os votos da população, eles deixam de ser parceiros interessantes para o governo, que passa a tratar com os eleitores, transferindo para estes a relação clientelística.

Exemplo claro dessa situação é o da cidade que na década de 60 era dominada por duas famílias, cujo poder se baseava simplesmente na capacidade de barganhar empregos e benefícios públicos em troca de votos (Carvalho, 1966). As famílias não tinham recursos próprios, como os coronéis, e o fenômeno não era sistêmico, embora houvesse vínculos estaduais e federais. Por vários anos as duas famílias mantiveram o controle político da cidade, alternando-se no poder. Os resultados eleitorais eram previstos de antemão com precisão quase matemática. Os votos tinham dono, eram de uma ou de outra família. Tratava-se de um caso exacerbado de clientelismo político exercido num meio predominantemente urbano. Não se tratava de coronelismo.

Temos, assim, três conceitos relacionados, mas não sinônimos, guardando cada um sua especificidade, além de representarem curvas diferentes de evolução. O coronelismo retrata-se com uma curva tipo sino: surge, atinge o apogeu e cai num período de tempo relativamente curto. O mandonismo segue uma curva sempre descendente. O clientelismo apresenta uma curva ascendente com oscilações e uma virada para baixo nos últimos anos. Os três conceitos, assim concebidos, mantêm uma característica apontada com razão por Raymond Buve (1992) como essencial em uma abordagem histórica: a idéia de diacronia, de processo, de dinamismo.

Mas não se resolvem com isso os problemas relacionados com os três conceitos. O menos polêmico deles talvez seja o de mandonismo, vamos deixá-lo em paz. Quanto ao clientelismo, as divergências são grandes. Na literatura internacional, muitos não concordam em restringi-lo à idéia de atributo de um sistema; outros querem aplicá-lo apenas à política local; outros ainda o vêem como um sistema global (Scott, 1977; Clapham, 1982; Lemarchand, 1981; Landé, 1983). Não seria possível nas dimensões deste artigo retomar a discussão desse conceito além do uso que dele é feito no Brasil. Vamos retomá-lo em conexão com as críticas ao conceito de coronelismo de Leal.

A crítica mais contundente, quase virulenta, foi feita por Paul Cammack (1979; 1982), e foi respondida com igual contundência por Amilcar Martins Filho (1984). Como bem observa este último, o principal alvo de Cammack é a interpretação clientelística da política brasileira durante a Primeira República, que ele, Cammack, identificaria com o coronelismo. Contra essa interpretação Cammack propõe retomar a visão tradicional de um sistema político dominado pelos proprietários rurais cujos interesses seriam representados pelo Estado. Já vimos que coronelismo e clientelismo não se confundem e por aí a crítica erra o alvo. Martins Filho limita-se em sua resposta a salvar a abordagem clientelística. Mas pode-se examinar o conteúdo da crítica naquilo que atinge o coronelismo como sistema. O ponto central, a meu ver, é a negação, por Cammack, da validade da idéia de compromisso baseada na troca dos votos controlados pelos coronéis pela delegação de poderes do governo.

Cammack nega o poder dos coronéis de controlar os votos e também o valor do voto como mercadoria política. Quanto à capacidade de controle do voto, há consenso entre testemunhos da época e estudiosos de que ela existia. Ela se dava, como vimos, até mesmo em contextos urbanos e depois da democratização de 1945. Quanto ao valor do voto como mercadoria, a crítica faz sentido, a votação pouco valia na época. Há amplas evidências sobre fraudes escandalosas que acompanhavam o processo eleitoral em todas as suas fases. O coronel podia controlar os votantes e manipular as atas eleitorais, mas quem definia a apuração dos votos e reconhecia os deputados era o próprio Congresso em acordo com o presidente da República. Esse foi o acordo negociado por Campos Sales com os governadores. A apuração final podia inverter o resultado das atas. Uma testemunha ocular do processo de reconhecimento na Câmara em 1909 observa: "Os reconhecimentos de Goiás, Rio de Janeiro e Distrito Federal só se farão quando os chefes chegarem a acordo. Para o caso as eleições nada estão valendo" (Vieira, 1980).

Se aceita, a crítica quebra um dos pés do compromisso coronelista, qual seja, a dependência do governo em relação aos coronéis para a produção de votos. A crítica pode ser considerada válida se os coronéis forem tomados individualmente em sua relação com os governadores. Mesmo aí haveria exceções, pois certos coronéis, como os da Bahia, podiam enfrentar os governadores até no terreno militar. Mas mesmo sem recorrer a esses casos excepcionais, a idéia do compromisso coronelista pode ser mantida sem que se dê ao voto peso decisivo. Se os governadores podiam prescindir da colaboração dos coronéis tomados isoladamente, o mesmo não se dava quando considerados em conjunto. A estabilidade do sistema como um todo exigia que a maioria dos coronéis apoiasse o governo, embora essa maioria pudesse ser eventualmente trocada. As manipulações dos resultados eleitorais sempre beneficiavam um grupo em detrimento de outro e tinham um custo político. Se entravam em conflito com um número significativo de coronéis, os governadores se viam em posição difícil, se não insustentável. Basta mencionar os casos da Bahia, de Goiás, do Ceará e de Mato Grosso. Em todos eles, os governadores foram desafiados, humilhados e mesmo depostos. São também conhecidos os casos de duplicatas de assembléias estaduais, de bancadas federais e até mesmo de governadores. As duplicatas de assembléias eram no mínimo embaraçosas para os governadores e podiam preparar o caminho para a intervenção do governo federal, numa confirmação da natureza sistêmica do coronelismo. Muitas vezes, rebeliões de coronéis eram incentivadas pelo governo federal para favorecer oligarquias rivais nos estados.

Um mínimo de estabilidade do sistema exigia algum tipo de entendimento com os coronéis, ou parte deles, sendo de importância secundária que a contrapartida do coronel se concretizasse exclusivamente em votos. Bastava o apoio tácito, a não rebelião. Se tudo dependesse do voto, seria de esperar uma luta maior por seu controle, com a conseqüência de que a participação eleitoral teria atingido proporções muito maiores do que os míseros 2% ou 3% da população. Com essa qualificação, a tese de Leal continua de pé.

Outra crítica de Cammack tem a ver com o velho debate entre classe e following, travado pela primeira vez no Brasil entre Benno Galjart (1964; 1965) e Guerrit Huizer (1965). Cammack acusa Leal de ver os coronéis apenas como atores políticos e não como produtores, como classe social. Aqui também há que distinguir. Que Leal considerava os coronéis como classe dominante não pode haver dúvida. O compromisso coronelista baseava-se exatamente na decadência econômica dessa classe. É a perda de poder econômico que leva o coronel a necessitar do apoio do governo para manter sua posição de classe dominante. Mas é verdade que a teoria é formulada apenas em termos de compromisso político: os coronéis apóiam o governador, que lhes dá carta branca em seus domínios; os governadores apóiam o presidente da República, este reconhece a soberania deles nos estados.

Mas, de novo, a falha, se falha há, é apenas formal. Isto por duas razões. A primeira é que a entrega do controle de cargos públicos aos coronéis tem evidentemente um sentido que vai muito além do político. Não é preciso, por exemplo, demonstrar que o papel de um juiz de paz, de um juiz municipal, de um delegado de polícia ou de um coletor de impostos está estreitamente vinculado à sustentação dos interesses econômicos dos donos de terra e dos grandes comerciantes. As tarefas do juiz e do delegado eram importantes para o controle da mão-de-obra e para a competição com fazendeiros rivais. Ser capaz de oprimir ou proteger os próprios trabalhadores ou de perseguir os trabalhadores dos rivais fazendo uso da polícia era um trunfo importante na luta econômica. Como observou Oliveira Vianna (1949), a justiça brasileira caracterizava-se, nessa época, pelas figuras do "juiz nosso", do" delegado nosso", isto é, era uma justiça posta a serviço dos interesses dos mandões. O coletor de impostos, por seu lado, podia, pela ação, ou inação, afetar diretamente a margem de lucro dos coronéis. Até mesmo uma professora primária era importante para conservar valores indispensáveis à sustentação do sistema. Ignorar esses aspectos dos cargos públicos é que seria separar artificialmente o político do econômico. No coronelismo, como definido por Leal, o controle do cargo público é mais importante como instrumento de dominação do que como empreguismo. O emprego público adquire importância em si, como fonte de renda, exatamente quando o clientelismo cresce e decresce o coronelismo.

Em segundo lugar, era raro que os interesses econômicos de classe assumissem o primeiro plano nas lutas locais da Primeira República. Em geral, isto só se dava em momentos de tentativas de criação ou aumento de impostos pelos governos estaduais. Os interesses mais amplos dos coronéis como classe eram raramente, se jamais o foram, desafiados pelos governos ou pelos trabalhadores. Não se colocava em questão o domínio dos coronéis como classe. Esta é uma premissa que perpassa toda a argumentação de Leal e de fato a torna inteligível. O conflito assumia, assim, quase sempre, característica de disputa política entre coronéis ou grupos de coronéis, entrando os governos estaduais e federal seja como juiz, seja como provocador, seja ainda como aliado de uma das facções. Não havia movimentos organizados de trabalhadores que pudessem colocar em xeque o domínio do senhoriato. A única organização de setores dominados verificava-se nos movimentos messiânicos e no cangaço. Mas messianismo e cangaço atingiam o domínio da classe proprietária apenas indiretamente. Eram vítimas fáceis da repressão e da cooptação, ou de ambas (Queiroz, 1977; Monteiro, 1974; Della Cava, 1970). Leal não ignorava nem menosprezava o lado econômico em sua teoria do coronelismo. Uma de suas inovações em relação à teoria social da época foi exatamente fugir aos reducionismos em voga, econômicos, sociológicos, culturais ou psicológicos. Sua análise incorpora contribuições de várias disciplinas e as integra no conceito de sistema coronelista (Carvalho, 1980c).

Mas as divergências não terminam aí. Como a polêmica entre Martins Filho e Cammack indica, estão em jogo conceitos sociológicos e políticos fundamentais como clientelismo, feudalismo e patrimonialismo, representação e cooptação. Uso a polêmica para entrar na discussão do emprego desses conceitos.

Martins Filho acusa Cammack de cometer uma impropriedade conceitual ao vincular patrimonialismo e representação de interesses, ao mesmo tempo que o próprio Cammack aponta a inconsistência da literatura sobre o coronelismo que vincularia feudalismo e cooptação. A meu ver, pelos argumentos expostos até agora, tanto Martins Filho como Cammack se equivocam ao colocar Nunes Leal dentro da tradição "feudalista" que tem em Oliveira Vianna e Nestor Duarte seus mais ilustres representantes, mais tarde seguidos por Queiroz (Oliveira Vianna, 1920; Duarte, 1939; Queiroz, 1956/57)3. Essa tradição acentua o poder dos potentados rurais e suas parentelas diante do Estado desde o início da colonização. Os grandes proprietários são vistos como onipotentes dentro de seus latifúndios, onde, como disse um cronista, só precisavam importar ferro, sal, pólvora e chumbo. Durante a Colônia eram alheios, se não hostis, ao poder do governo. Após a Independência, passaram a controlar a política nacional, submetendo o Estado a seus desígnios. A formulação mais contundente da tese feudal está em Nestor Duarte. As capitanias hereditárias seriam, segundo este autor, instituições legitimamente feudais e o feudalismo teria dominado os três primeiros séculos da história nacional. Pouco teria mudado após a Independência, pois "o poder político se encerra nas mãos dos que detêm o poder econômico" (Duarte, 1939:181). A ordem privada, antagônica e hostil ao Estado como poder público, teria governado soberana durante todo o período imperial e ainda predominaria à época em que o livro foi escrito. Para ser tolerado pela ordem privada, o Estado, enquanto tal, omite-se e reduz suas tarefas à mera coleta de impostos. No resto, o Estado é privatizado e age em função dos interesses da classe proprietária.

Vimos que Leal, apesar da interpretação de Martins e Cammack, nega explicitamente vinculação a essa corrente feudalista. Pode-se supor até mesmo, embora ele tenha negado a hipótese, que seu livro tenha sido uma resposta a Nestor Duarte. Leal não é nem feudalista, nem economicista, tampouco dicotômico em sua análise. O poder político não é reduzido ao poder econômico, o Estado e a ordem privada não se colocam como oposição inconciliável. Mas, mesmo não se aplicando a crítica a Leal, a observação de Martins Filho sobre o relacionamento inadequado dos conceitos de feudalismo e patrimonialismo aos de cooptação e representação se sustenta e merece comentários mais amplos.

O debate é clássico na historiografia brasileira e pode-se dizer que as posições estão sendo apenas atualizadas e aperfeiçoadas na produção mais recente. Ao lado do" feudalista" Nestor Duarte, há o" patrimonialista" Raymundo Faoro, cuja tese inverte o argumento de Nestor Duarte. O Brasil seguiu a evolução de Portugal que desde o século XIV se havia livrado dos fracos traços de feudalismo e implantado um capitalismo de Estado de natureza patrimonial. Aos poucos formou-se um estamento burocrático, instrumento de domínio do rei que se tornou independente do próprio rei. A colonização foi empreendimento capitalista-mercantilista conduzido pelo rei e por esse estamento. O estamento, minoria dissociada da nação, é que domina, dele saindo a classe política, a elite que governa e separa governo e povo, Estado e nação. O capitalismo mercantilista monárquico, com seu estamento burocrático, bloqueou a evolução do capitalismo industrial em Portugal e no Brasil e, portanto, também a sociedade de classes e o Estado democrático-representativo (Faoro, 1958)4.

Uma linha intermediária entre Duarte e Faoro é seguida por Fernando Uricoechea (1978). Partindo de sólida base weberiana, Uricoechea interpreta o Brasil imperial com o auxílio do tipo ideal de burocracia patrimonial. Os dois termos são em parte conflitantes, desde que burocracia é tomada no sentido weberiano de racionalização e modernização da máquina do Estado, enquanto o patrimonial tem a ver com uma forma de dominação tradicional ligada à expansão do poder pessoal do monarca. É exatamente no conflito dialético entre os dois fenômenos que o autor vê a natureza da política brasileira desde a Colônia: um misto de crescente burocratização e de decrescente prebendalização ou patrimonialismo. Estado e senhoriato estabeleceram relação dinâmica de complementação e antagonismo. O Estado português, e depois o brasileiro, não possuíam recursos humanos e materiais suficientes para administrar a Colônia e, posteriormente, o país independente. Fazia-se necessário o recurso ao poder privado na forma de serviços litúrgicos, cujo exemplo principal foi a Guarda Nacional. Por seu lado, o senhoriato não conseguiu desenvolver formas de solidariedade corporativa capazes de possibilitar o enfrentamento do monarca, enquanto a economia escravista não lhes permitia a consolidação estamental que caracterizou o feudalismo ocidental. A idéia de compromisso foge ao dualismo de Faoro e também ao reducionismo de Nestor Duarte, aproximando-se da abordagem de Leal.

Análise matizada também é a de Simon Schwartzman (1970). Partindo das mesmas distinções weberianas, trabalhadas por Bendix (Weber, 1964; Bendix, 1962), de feudalismo e patrimonialismo e de suas ligações com as formas políticas modernas, Schwartzman distingue evoluções diferentes nas regiões brasileiras. A principal delas tem a ver com o estilo patrimonial-cooptativo característico do Nordeste e de Minas Gerais e o estilo feudal-representativo próprio de São Paulo. Em Minas, a economia mineradora, marcada por forte presença da administração colonial, e a subseqüente decadência econômica durante o Império teriam levado a província e depois o estado à dependência do poder central, ao desenvolvimento do clientelismo e da cooptação como forma de relacionamento político. Em contraste, a tradição de independência dos bandeirantes paulistas durante a Colônia e a pujança econômica trazida pelo café levaram essa parte do país a desenvolver uma relação de maior autonomia em relação ao poder federal, baseada na representação dos interesses da elite local. O contraste entre os dois estilos seria, na visão de Schwartzman, uma das principais chaves para entender o enigma brasileiro.

Com relação às três últimas posições, elas podem ser contestadas em termos empíricos. A existência do onipotente estamento burocrático de Faoro é de difícil comprovação empírica. Outros trabalhos sobre a burocracia imperial mostram um quadro fragmentado, antes que unificado (Carvalho, 1980a). O próprio estudo de Uricoechea postula uma relação distinta entre burocracia e senhoriato rural, o mesmo acontecendo com recente trabalho de Graham (1990). A tese de Schwartzman sobre a política de representação de interesses de São Paulo é contestada por estudos do corporativismo dos industriais paulistas na década de 30 (Costa, 1991). No entanto, do ponto de vista teórico e conceitual ambos são consistentes. A terminologia empregada segue com razoável precisão os tipos ideais weberianos e mantém coerência em relação às conseqüências teóricas derivadas desses tipos para a evolução política do país. Isto é, da postulação do patrimonialismo deriva um estilo político baseado na cooptação, no clientelismo, no populismo, no corporativismo de Estado. Ao reverso, da postulação do feudalismo, da independência do senhoriato rural em relação ao Estado, deriva um estilo político baseado na representação de interesses, nos partidos, na ideologia.

A mesma coerência não se dá com outros trabalhos sobre o tema. Já vimos a crítica de Martins Filho a Cammack relativa a esse ponto. Dentro da lógica weberiana, a conclusão da existência de um sistema representativo dos interesses dos proprietários rurais deveria vir da premissa feudalista de Nestor Duarte, criticada por Cammack. Insistir na fraqueza do senhoriato rural perante o Estado e daí deduzir a existência de um Estado representativo desse mesmo senhoriato parece, de fato, algo estranho. Foge não só à lógica weberiana mas também à análise marxista. Na formulação de Marx, sem que aqui dele divirja Weber, o modo capitalista de produção, base da política de representação de interesses, evolui do modo feudal de produção. Como observa J. P. Nettl (1968), não foi por acaso que Marx deixou de enfatizar o Estado para se concentrar nas classes ao se transferir da Alemanha para a Inglaterra, onde a transição se deu de modo exemplar. O Partido Comunista do Brasil estava sendo coerente, embora não necessariamente lúcido, ao insistir na tese do feudalismo brasileiro, do qual se evoluiria para o capitalismo e daí para o socialismo. Nem mesmo o dissidente marxista Caio Prado Jr. negava a seqüência, apenas achava que o país já era há muito capitalista e estava, portanto, pronto para o socialismo, sem ter de passar antes pela revolução burguesa5. Nesse campo, a diferença entre Marx e Weber com relação à análise da evolução das sociedades ocidentais está no fato de que o primeiro se concentra na seqüência feudalismo-capitalismo, ao passo que Weber admite também, mesmo no Ocidente, a alternativa derivada do patrimonialismo. Marx relega a última possibilidade ao modo asiático de produção (Marx, 1971).

Outro autor que também usa os conceitos de maneira pouco consistente é Richard Graham (1990; 1994). Em sua bem pesquisada obra sobre a sociedade brasileira durante o Império, que traz várias contribuições importantes, Graham retoma a tese da hegemonia e o predomínio dos senhores de terra sobre o Estado. A vida dos gabinetes, segundo Graham, dependia tanto, se não mais, dos líderes locais do que o oposto. Como para esse autor qualquer concepção de Estado que não implique a dominação de uma classe é abstração teórica ou, pelo menos, inaplicável ao Brasil, só lhe resta postular o domínio da política imperial pela classe dominante rural (Graham, 1994:536). Até aí tudo bem. Como vimos, esta é a tese de Nestor Duarte e Queiroz. O problema conceitual surge quando Graham trabalha o tempo todo com a noção de clientelismo, de relações patrão-cliente. O clientelismo seria a marca característica do sistema político imperial: "Pode-se, pois, afirmar que o elemento decisivo da política brasileira no século XIX [...] foi o clientelismo" (idem:544). Ora, qualquer noção de clientelismo implica troca entre atores de poder desigual. No caso do clientelismo político, tanto no de representação como no de controle, ou burocrático, para usar distinção feita por Clapham (1982), o Estado é a parte mais poderosa. É ele quem distribui benefícios públicos em troca de votos ou de qualquer outro tipo de apoio de que necessite. O senhoriato rural seria a clientela do Estado. Não é certamente esta a visão de Graham sobre a relação de poderes. Seria mais lógico para ele considerar o Estado como clientela do senhoriato. Mas não há nada em seu texto justificando essa reviravolta no conceito de clientelismo. Outra alternativa seria retornar à tese de Nestor Duarte, deixando de lado sua própria evidência sobre práticas clientelísticas.

A visão patrimonial de Uricoechea implica reconhecer maior poder ao senhoriato rural do que a abordagem clientelista-classista de Graham. Na relação patrimonial, o Estado vai além da simples distribuição de empregos públicos em troca de apoio. Ele se vê forçado a delegar boa parte da administração local, se não toda ela, aos donos de terra. Na formulação de Bendix, há "compromissos entre as forças opostas que dão aos chefes locais completa autoridade sobre seus dependentes, na medida em que isto é compatível com os interesses fiscais e militares do governante" (Bendix, 1962:356). O serviço litúrgico desses particulares é exercido gratuitamente, não constituindo, portanto, uma tarefa burocrática do Estado.

No Império, a Guarda Nacional foi a grande instituição patrimonial que ligou proprietários rurais ao governo. Ela não foi criada por proprietários, nem era uma associação que os representasse. Foi criada pelo governo durante a Regência, inicialmente para fazer face aos distúrbios urbanos desencadeados após a abdicação do imperador e sua inspiração era a guarda francesa, uma organização burguesa (Castro, 1977). Posteriormente é que foi sendo transformada no grande mecanismo patrimonial de cooptação dos proprietários rurais. Daí os muitos conflitos entre seus oficiais e outras autoridades do governo ou eletivas, como juízes municipais, juízes de paz e padres, conflitos estes analisados por Thomas Flory (1981). Os oficiais da Guarda não apenas serviam gratuitamente como pagavam pelas patentes e freqüentemente fardavam as tropas com recursos do próprio bolso. A escolha democrática dos oficiais, por eleição, foi aos poucos sendo eliminada para que a distribuição de patentes de oficiais correspondesse o melhor possível à hierarquia social e econômica. Em contrapartida, a Guarda colocava nas mãos do senhoriato o controle da população local.

Não se resumia à Guarda Nacional o ingrediente patrimonial do sistema imperial. Os delegados, delegados substitutos, subdelegados e subdelegados substitutos de polícia, criados em 1841, eram também autoridades patrimoniais, uma vez que exerciam serviços públicos gratuitamente. O mesmo pode ser dito dos inspetores de quarteirão, que eram nomeados pelos delegados. Praticamente toda tarefa coercitiva do Estado no nível local era delegada aos proprietários. Algumas tarefas extrativas, como a coleta de certos impostos, eram também contratadas com particulares. O patrimonialismo gerava situações extremas como a de um município de Minas Gerais onde os serviços patrimoniais, assim como os cargos eletivos de juiz de paz, vereador e senador estavam nas mãos de uma só família. Treze pessoas ligadas por laços de parentesco ocupavam quase todos os postos, algumas acumulavam cargos eletivos e patrimoniais, como o de vereador e os de comandante da Guarda Nacional e subdelegado (ver A Reforma, 26/10/1869, p. 3). O Estado utilizava ainda os serviços da Igreja para executar suas tarefas: todos os registros de nascimento, de casamento, de morte eram feitos pelo clero e reconhecidos pelo Estado. Durante boa parte do período imperial, os padres tinham também papel importante nas eleições, que eram realizadas dentro das igrejas. Eles foram também encarregados de informar ao governo sobre a existência de terras públicas nos municípios, quando da aplicação da lei de terras de 1850.

A grande divergência que essa abordagem tem com a de Graham, é que nela a iniciativa é do Estado. A Guarda era uma organização criada pelo governo e controlada pelo ministro da Justiça; os cargos de delegado e subdelegado de polícia foram criados para esvaziar as funções dos juízes de paz, autoridades eletivas. Na medida em que os proprietários rurais controlavam a eleição dos juízes de paz, o esvaziamento do poder destes em benefício de uma autoridade patrimonial era uma perda de poder para aqueles. Os proprietários nunca se organizaram em estamento como no feudalismo, nem em partidos políticos6. Organizações de proprietários surgiram apenas às vésperas da passagem da lei que libertou o ventre escravo (Pang, 1981). Sintomaticamente, essas organizações reagiam contra uma ação do governo que consideravam radicalmente contrária a seus interesses. O próprio imperador foi por eles acusado de traição nacional por favorecer a medida abolicionista.

A tendência era claramente no sentido de reduzir, até a eliminação, os resíduos patrimoniais da administração em favor da burocracia do Estado. Inúmeros conflitos surgidos em função do comportamento das autoridades patrimoniais, como os delegados e oficiais da Guarda, começaram já no Império a ser resolvidos pelo recurso a autoridades burocráticas, como os juízes de direito e oficiais da polícia. Na República, as tarefas de manutenção da ordem passaram todas para a burocracia, na medida em que delegados se tornaram funcionários públicos e os estados aumentaram rapidamente o efetivo de suas polícias militares que substituíram a Guarda na sua função original. A Igreja também foi separada do Estado, tendo sido instituído o registro civil. O coronelismo surgiu nesse momento, com o recuo do patrimonialismo e o avanço da burocracia.

A essa altura, pode-se voltar à pergunta inicial e procurar saber se toda essa discussão conceitual não é inútil disputa acadêmica. Sem propósito de querer introduzir rigidez desnecessária, espero ter mostrado a vantagem que teria para a pesquisa maior precisão na definição de conceitos básicos. Mais ainda, espero ter indicado que na seleção e uso dos conceitos aqui discutidos estão embutidas visões macrossociais distintas da evolução histórica do país e das características do Brasil de hoje. A literatura tem demonstrado amplamente, por exemplo, a relação entre patrimonialismo, corporativismo e autoritarismo (Schwartzman, 1977); a complementaridade entre clientelismo e corporativismo (Kaufman, 1977); a aliança entre clientelismo e populismo (Diniz, 1982). A terminologia usada para discutir o poder local na Colônia, no Império, ou na Primeira República, reflete visões do Brasil de hoje, ou mesmo visões mais gerais sobre as leis e tendências das trajetórias das sociedades.

O importante em todo o debate não é discutir se existiu ou se existe dominação. Ninguém nega isto. O problema é detectar a natureza da dominação. Faz enorme diferença se ela procede de um movimento centrado na dinâmica do conflito de classes gerado na sociedade de mercado que surgiu da transformação do feudalismo na moderna sociedade industrial, via contratualismo, representação de interesses, partidos políticos, liberalismo político; ou se ela se funda na expansão lenta do poder do Estado que aos poucos penetra na sociedade e engloba as classes via patrimonialismo, clientelismo, coronelismo, populismo, corporativismo. É esta diferença que faz com que o Brasil e a América Latina não sejam os Estados Unidos ou a Europa, que sejam o Outro Ocidente, na feliz expressão de José G. Merquior7.



(Recebido para publicação em outubro de 1996)



NOTAS:

* Trabalho apresentado no simpósio sobre" Nation-Building in Latin America: Conflict Between Local Power and National Power in the Nineteenth Century", em homenagem a Raymond Buve, Leiden, Holanda, 20-21 de abril de 1995.

1. Retomo e expando aqui algumas idéias desenvolvidas no verbete sobre coronelismo incluído no Dicionário Histórico-Biográfico, 1930-1983, organizado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc), da Fundação Getulio Vargas.

2. Uma excelente e impiedosa descrição do papel político dos presidentes de província durante o Império foi feita por João Francisco Lisboa (1864/65) em seu Jornal de Timon, incluído em Obras de João Francisco Lisboa.

3. Outra vertente dessa corrente chama a atenção para a influência das parentelas nesse mundo dominado pelos potentados locais. Vejam-se, por exemplo, os trabalhos de L. A. Costa Pinto, Lutas de Família no Brasil (Introdução ao seu Estudo) (1949) e Linda Lewin, Política e Parentela na Paraíba (1993).

4. Quem primeiro usou a expressão patrimonialismo para descrever a política brasileira foi Sérgio Buarque de Holanda que tomou conhecimento da obra de Weber durante estada na Alemanha. Veja seu Raízes do Brasil (1936, cap. V).

5. Para a posição ortodoxa marxista, formulada já na década de 20, veja Otávio Brandão (Fritz Mayer), Agrarismo e Industrialismo (1924). Para a crítica de Caio Prado Jr., veja seu A Revolução Brasileira (1966).

6. Os partidos políticos imperiais eram coalizões. O liberal reunia proprietários e profissionais liberais, o conservador compunha-se de proprietários e magistrados. Em todas as questões que diziam respeito aos interesses dos proprietários, como a da abolição da escravidão, os dois partidos se dividiam internamente. Ver Carvalho (1980b, cap. 8).

7. O referee anônimo deste artigo observou que o último parágrafo é "muito concordante com a visão de Simon Schwartzman". Em havendo tal concordância, ela é motivo para que me autocongratule.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANCK, Geert A. (1974), "The Dynamics of the Local Political System in the State of Espírito Santo, Brazil". Boletín de Estudios Latinoamericanos y del Caribe, nº 17, pp. 69-77.
____. (1979), "The Persistence of Local Level Factionalism. An Anthropologist’s Assessment of its Implications for Brazilian National Process". Ciência e Cultura, nº 31, pp. 851-859.
BENDIX, Reinhard. (1962), Max Weber. An Intelectual Portrait. New York, Doubleday.
BRANDÃO, Otávio (Fritz Mayer). (1924), Agrarismo e Industrialismo. Buenos Aires, s/e.
BUVE, Raymond. (1992), "Political Patronage and Politics at the Village Level in Central Mexico: Continuity and Change in Patterns from Late Colonial Period to the End of the French Intervention (1967)". Bulletin of Latin American Research, vol. 11, nº 1, pp. 1-28.
CAMMACK, Paul. (1979), "O ‘Coronelismo’ e o‘ Compromisso Coronelista’: Uma Crítica". Cadernos do Departamento de Ciência Política, nº 5, Belo Horizonte, pp. 1-20.
____. (1982), "Clientelism and Military Government in Brazil", in C. Clapham (ed.), Private Patronage and Public Power. Political Clientelism in the Modern State. London, Frances Pinter Publ.
CAMPOS, Francisco I. (1975), Coronelismo em Estado Periférico: Goiás na Primeira República. Tese de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais.
CARONE, Edgard. (1971), "Coronelismo. Definição Histórica e Bibliografia". Revista de Administração de Empresas, vol. 11, nº 3, pp. 85-89.

CARVALHO, José Murilo de. (1966), "Barbacena: A Família, a Política e uma Hipótese". Revista Brasileira de Estudos Políticos, nº 20, pp. 153-194.
____. (1980a), "Coronelismo", in Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, 1930-1983. Rio de Janeiro, Cpdoc/Fundação Getulio Vargas, Forense Universitária, pp. 932-934.
____. (1980b), A Construção da Ordem: A Elite Política Imperial. Rio de Janeiro, Campus.
____. (1980c), "Em Louvor de Victor Nunes Leal". Dados, vol. 23, nº 1, pp. 5-9.

CASTRO, Jeanne B. de. (1977), A Milícia Cidadã: A Guarda Nacional de 1831 a 1850. São Paulo, Cia. Editora Nacional.
CLAPHAM, Christopher (ed.). (1982), "Clientelism and the State", in C. Clapham (ed.), Private Patronage and Public Power. Political Clientelism in the Modern State. London, Frances Pinter Publ.
COSTA, Vanda Maria R. (1991), "Origens do Corporativismo Brasileiro", in R. R. Boschi (org.), Corporativismo e Desigualdade. A Construção do Espaço Público no Brasil. Rio de Janeiro, Iuperj/Rio Fundo Editora, pp. 113-146.
COSTA PINTO, Luis de A. (1949), Lutas de Família no Brasil (Introdução ao seu Estudo). São Paulo, Cia. Editora Nacional.
DELLA CAVA, Ralph. (1970), Miracle at Joazeiro. New York, Columbia University Press.
DINIZ, Eli. (1982), Voto e Máquina Política. Patronagem e Clientelismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
DUARTE, Nestor. (1939), A Ordem Privada e a Organização Política Nacional. São Paulo, Cia. Editora Nacional.
FAORO, Raymundo. (1958), Os Donos do Poder. Formação do Patronato Político Brasileiro. Porto Alegre, Globo.
FLORY, Thomas H. (1981), Judge and Jury in Imperial Brazil, 1809-1871. Austin, University of Texas Press.
GALJART, Benno. (1964), "Class and ‘Following’ in Rural Brazil". América Latina, vol. 7, nº 3, pp. 3-24.
_____. (1965), "A Further Note on Followings: Reply to Huizer". América Latina, vol. 8, nº 3, pp. 145-152.
GRAHAM, Richard. (1990), Patronage and Politics in Nineteenth-Century Brazil. Stanford, Stanford University Press.
____. (1994), "Mecanismos de Integración en el Brasil del Siglo XIX", in A. Annino, L. C. Leiva e F-X. Guerra (dirs.), De los Imperios a las Naciones: Iberoamérica. Zarogoza, IberCaja, pp. 525-544.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. (1936), Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio.
HUIZER, Gerrit. (1965), "Some Notes on Community Development and Rural Social Research". América Latina, vol. 8, nº 3, pp. 128-144.
KAUFMAN, Robert R. (1977), "Corporatism, Clientelism, and Partisan Conflict: A Study of Seven Latin American Countries", in J. M. Malloy (ed.), Authoritarianism and Corporatism in Latin America. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press.
LANDÉ, Carl H. (1983), "Political Clientelism in Political Studies. Retrospect and Prospects". International Political Science Review, vol. 4, nº 4, pp. 435-454.
LEAL, Victor Nunes. (1948), Coronelismo, Enxada e Voto. Rio de Janeiro, Forense.
____. (1980), "O Coronelismo e o Coronelismo de Cada Um". Dados, vol. 23, nº 1, pp. 11-14.
LEMARCHAND, René. (1981), "Comparative Political Clientelism: Structure, Process and Optic", in S. N. Eisenstadt e R. Lemarchand (eds.), Political Clientelism, Patronage and Development. Beverly Hills, Sage Publications, pp. 7-32.
LEWIN, Linda. (1993), Política e Parentela na Paraíba. Um Estudo de Caso da Oligarquia de Base Familiar. Rio de Janeiro, Record.
LISBOA, João Francisco. (1864/65), "Jornal de Timon", in Obras de João Francisco Lisboa. São Luiz do Maranhão, Typ. de B. de Mattos.
MACHADO NETO, Zahidé et alii. (1972), O Coronelismo na Bahia. Salvador, Ed. da Universidade Federal da Bahia.
MARTINS FILHO, Amilcar. (1984), "Clientelismo e Representação em Minas Gerais durante a Primeira República: Uma Crítica a Paul Cammack". Dados, vol. 27, nº 2, pp. 175-197.
MARX, Karl. (1971), Pre-Capitalist Economic Formations. New York, International Publishers.
MONTEIRO, Duglas Teixeira. (1974), Os Errantes do Novo Século: Um Estudo sobre o Surto Milenarista do Contestado. São Paulo, Duas Cidades.
NETTL, J. P. (1968), "The State as a Conceptual Variable". World Politics, nº 4, pp. 559-592.
OLIVEIRA VIANNA, Francisco. (1920), Populações Meridionais do Brasil. Paulistas, Fluminenses, Mineiros. São Paulo, Monteiro Lobato e Cia.
____. (1949), Instituições Políticas Brasileiras. Rio de Janeiro, José Olympio.
PANG, Eul-Soo. (1979), Coronelismo e Oligarquias, 1889-1943. A Bahia na Primeira República. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
PANG, Laura Jarnagin. (1981), The State and Agricultural Clubs in Imperial Brazil, 1860-1889. Ph.D. Thesis, Vanderbilt University.
PRADO JR., Caio. (1966), A Revolução Brasileira. São Paulo, Brasiliense.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. (1956/57), "O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira". Anhembi, 24/26.
_____. (1975), "O Coronelismo numa Interpretação Sociológica", in B. Fausto (org.), História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III, vol. 1. São Paulo, Difel, pp. 155-190.
____. (1977), O Messianismo no Brasil e no Mundo. São Paulo, Alfa-Ômega.
REIS, Fábio Wanderley. (1971), "Participación, Movilización e Influencia Política: ‘Neo-Coronelismo’ en Brasil". Revista Latinoamericana de Ciencia Política, vol. 2, nº 1, pp. 3-32.
SÁ, M. Auxiliadora F. de. (1974), Dos Velhos aos Novos Coronéis. Recife, Universidade Federal de Pernambuco.
SALES, Campos. (1908), Da Propaganda à Presidência. São Paulo, s/e.
SCHWARTZMAN, Simon. (1970), "Representação e Cooptação Política no Brasil". Dados, nº 7, pp. 9-41.
____. (1977), "Back do Weber: Corporatism and Patrimonialism in the Seventies", in J. M. Malloy (ed.), Authoritarianism and Corporatism in Latin America. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press.
SCOTT, James C. (1977), "Political Clientelism: A Bibliographical Essay", in W. S. Schmidt et alii (eds.), Friends, Followers and Factions. A Reader in Political Clientelism. Berkeley, University of California Press, pp. 483-505.
SILVA, Celson José da. (1975), Marchas e Contra-Marchas do Mandonismo Local. Belo Horizonte, RBEP.
URICOECHEA, Fernando. (1978), O Minotauro Imperial. A Burocratização do Estado Patrimonial Brasileiro no Século XIX. São Paulo, Difel.
VIEIRA, José. (1980), A Cadeia Velha. Memória da Câmara dos Deputados, 1909. Brasília, Senado Federal.
VILAÇA, Marcos Vinicius e ALBUQUERQUE, Roberto C. de. (1965), Coronel, Coronéis. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.
WEBER, Max. (1964), Economía y Sociedad. México, Fondo de Cultura Económica.
Revista Dados