sexta-feira, 5 de agosto de 2011

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Acre, cidade no Norte de Israel, tem sítios arqueológicos da época dos cruzados
Daniela Kresch (ciencia@oglobo.com.br)



ACRE - Ofuscada por destinos mais famosos como Jerusalém, Nazaré e Belém, a cidade portuária de Acre, no Norte de Israel, nem sempre entra no roteiro turístico de peregrinos cristãos na Terra Santa. Mas duas escavações recentes provam o que arqueólogos e historiadores já intuíam: a cidade de 4.500 anos de idade é mais importante para a história do Cristianismo do que a maioria pensa. Um dos sítios arqueológicos revelou uma cidade subterrânea da era dos cruzados. O outro desencavou uma construção monumental bizantina de 1.500 anos, da época dos primórdios do Cristianismo.

Nos últimos 20 anos, arqueólogos israelenses têm revelado mais e mais tesouros antigos em Acre. Até então, a cidade da Galileia de 50 mil habitantes, um tanto decadente, era mais conhecida pelas ruelas turco-otomanas do fim do século XVIII, pelo mercado oriental e seus restaurantes de peixes. Hoje, é um centro de arqueologia reconhecido internacionalmente. Não por acaso. A cidade já foi habitada por fenícios, egípcios, cananeus, gregos, romanos, mamelucos, cruzados, turcos, bahais e britânicos, para citar apenas membros de algumas civilizações e crenças.

Nos próximos meses, a prefeitura da cidade vai abrir ao público uma nova seção subterrânea revelando um bairro inteiro da Idade Média, quando Acre era a o porto - e a porta - de entrada dos cruzados na região. A cidade foi conquistada pelos cruzados em 1104 e se tornou um centro de soldados e peregrinos cristãos que tentaram reaver Jerusalém dos "infiéis" depois da ocupação da região pelo Islã, no ano 632.

No bairro descoberto, gravações de brasões em gesso deixadas por um viajante medieval abrem caminho para uma rua de pedras na qual funcionava um mercado onde peregrinos compravam souvenirs da Terra Santa. Tudo ficou como era em 1291, quando Acre foi subitamente reconquistada por muçulmanos egípcios.


- É como uma Pompeia dos tempos romanos. É uma cidade inteira - se maravilha o arqueólogo Eliezer Stern, da Autoridade de Arqueologia de Israel, que considera Acre "uma das cidades mais excitantes da arqueologia mundial".

A novidade se une a atrações arqueológicas medievais já visitadas por turistas, como uma fortaleza de cavaleiros da Ordem dos Hospitalários, com salões e pilares suntuosos, calabouços e latrinas, além de um túnel dos rivais Templários. Há também um mercado, além de prédios inteiros, ruas originais e utensílios usados pelos cristãos da Idade Média.

Sob poder dos cruzados, a cidade se tornou uma espécie de encubadoura de monges e soldados, com facções cristãs europeias lutando entre si pelo comércio local. Mercadores de Gênova, Veneza e Pisa conviviam com moradores muçulmanos e judeus. O bispo francês Jacques de Vitry, que visitou a cidade em 1216, não pintou um quadro muito bonito do cotidiano local.

"Quando entrei nessa cidade horrível e a encontrei cheia de incontáveis atos vergonhosos e malefícios, fiquei muito confuso", escreveu o bispo, que descreveu a cidade como "totalmente depravada" e "cheia de prostitutas". Os moradores, segundo Vitry, estavam "totalmente devotados aos prazeses da carne". Os "pecados" podem ter trazido a ira divina, já que a cidade foi reconquistada pelos muçulmanos em 1291.

A presença cruzada fez com que Acre fosse tombada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Mas, mil anos antes, o porto já era um centro cristão extremamente importante. É o que foi comprovado numa outra escavação recente, que revelou ruínas raras da era bizantina (do ano 324 ao 632). Trata-se, na verdade, do primeiro prédio público bizantino já encontrado na cidade, uma das mais antigas continuamente habitadas da região.


As ruínas foram encontradas depois que empreiteiros decidiram aumentar o estacionamento de um grande shopping center ainda em construção. Os arqueólogos se surpreenderam ao descobrir que, no terreno onde há poucos anos funcionava uma fábrica, se escondia uma construção de 1.500 anos, que inclui paredes monumentais de pedras polidas, canos de terracota e dois mosaicos, um branco e um com moldura azul e padrão piramidal vermelho.

Segundo os responsáveis pela escavação, as ruínas provam que o prédio era proeminente, talvez uma das primeiras igrejas da Terra Santa ou, quem sabe, a mansão do bispo Aeneas de Acre, que participou do Primeiro Concílio de Niceia, em 325 - o encontro histórico que ajudou a delinear os caminhos da Igreja Cristã logo depois que o imperador romano Constantino I adotou a fé em Jesus Cristo.

- Pisos mosaicos eram usados apenas em prédios públicos, como igrejas, ou residências de autoridades ou gente rica - explica a arqueóloga israelense Nurit Faig, líder da escavação.

Historiadores já apontavam Acre - ou Akko, em hebraico, e Akka, em árabe - como centro cristão na era bizantina. Nos arquivos do Vaticano, a cidade portuária aparece nos escritos de um peregrino anônimo de Piacenza, na Itália, que visitou a região no ano de 570. Ele descreveu a beleza das igrejas.

No caso desse prédio bizantino, porém, só um pequeno poço poderá ser visto pelos turistas. A construção já foi enterrada novamente - depois de coberta por um pano espacial e minuciosamente detalhada em fotos e filmes - para dar lugar ao estacionamento.

- Fizemos o que chamamos de "cobertura para gerações". É cruel, eu sei, mas temos que tentar conviver com a mistura de passado e futuro - diz Nurit Feig. - Se barrássemos todos os novos projetos por causa da arqueologia, toda Israel teria que ser construída sobre palafitas.


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Jornal O Globo

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