A evolução das guerras
c. 3000 a.C.
Relatos da batalha
Aparecem os primeiros escritos sobre embates entre povos da Mesopotâmia (atual Iraque) e invasores
490–480 a.C.
Gregos derrotam persas
Cidades-estado se organizam para repelir duas ondas sucessivas de invasão. Persas são derrotados na Batalha de Maratona e, em seguida, nas batalhas de Salamina e Platéia
431–404 a.C.
Guerra do Peloponeso
Travada entre Atenas e Esparta, com aliados nos dois lados. A guerra, a mais sangrenta entre as cidades-estado, encerra a hegemonia ateniense no Mediterrâneo
338 a.C.
Batalha de Queronéia
336–323 a.C.
As conquistas de Alexandre
264–146 a.C.
As Guerras Púnicas
50–44 a.C.
Guerra Civil de Roma
476
Queda de Roma
768–814
Reinado de Carlos Magno
987–1040
Rede de castelos
1096–1099
A primeira cruzada
1320–1330
O começo da artilharia
1337–1453
A Guerra dos Cem Anos
1529
Viena resiste ao avanço islâmico
1487–1590
Expansão portuguesa
1519–1521
O fim dos astecas
1531–1537
A derrota dos incas
Sob o comando de Francisco Pizarro, os espanhóis vencem e conquistam o império inca, depois de repetidos cercos a cidades fortificadas
1618–1648
A Guerra dos Trinta Anos
1756–1763
A Guerra dos Sete Anos
1775–1802
Lutas revolucionárias
1803–1815
Guerras napoleônicas
1853–1856
Guerra da Criméia
1861–1865
Guerra Civil dos EUA
1870–1871
Guerra Franco-Prussiana
1914–1918
Primeira Guerra Mundial
1916–1917
Surgem os tanques e aviões
1936–1939
Guerra Civil Espanhola
O general fascista Francisco Franco inicia guerra contra o governo republicano. A aviação militar de Adolf Hitler o apóia e aproveita para testar novas táticas, como o uso de bombardeios contra civis
1939–1945
Segunda Guerra Mundial
1945
Começa a Guerra Fria
1948
Israel rechaça árabes
1950–1953
Guerra da Coréia
1960–1973
Americanos vão ao Vietnã
1991
Guerra do Golfo
2001
Ataque ao Afeganistão
Após os atentados suicidas a Washington e Nova York, os EUA, com o apoio de diversos países, decidem bombardear o Afeganistão para depor o governo talebã que favorece os terroristas
Exércitos disciplinados derrotam os inimigos
A Infantaria Hoplita grego com escudo e armadura de bronze, em estatueta do século 6 a.C. |
Corria o ano de 490 a.C. À frente de um poderoso exército de 30 mil homens, o imperador persa Dario 1º desembarcou em terras gregas com o propósito de subjugar aqueles que haviam ajudado algumas das cidades-estado, na costa da Ásia Menor, a se rebelar contra o seu domínio. Atenienses e aliados tinham no máximo 10 mil combatentes a seu favor. Parecia, portanto, uma guerra perdida. A desvantagem numérica, porém, não afetou o resultado. Os gregos, de armaduras de bronze, escudos arredondados e lanças, avançaram em um bloco compacto na direção dos persas, cujo exército mostrava-se pouco coeso e desorganizado. Amedrontados com aquela "loucura destrutiva", os soldados de Dario foram derrotados.
O segredo da vitória, constatou-se depois, estava na forma de combate, que viria a se tornar a base dos exércitos a partir daquela época. Os gregos criaram a infantaria, conhecida como falange, unidade treinada e unida, capaz de enfrentar com facilidade os embates comuns entre os povos do Mediterrâneo e do Oriente Médio e registrados desde 4 mil anos antes de Cristo. Antes do aparecimento da falange, assírios, sumérios e egípcios usavam homens, carros, arcos e cavaleiros dispostos sem organização. Depois, a guerra nunca mais foi a mesma.
"As batalhas não eram mais vencidas pelo valor individual dos guerreiros, mas pelo trabalho em equipe", comenta Maria Beatriz Florenzano, historiadora do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Os guerreiros, chamados hoplitas, eram pequenos proprietários, responsáveis pelo próprio armamento. Defendiam suas terras e marcavam as batalhas entre as colheitas. Não costumavam perder tempo: após cada enfrentamento, com duração de uma a duas horas, um dos lados saía vitorioso.
A estratégia dos hoplitas só começou a sofrer abalos após a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), travada entre cidades-estado gregas. Constituíam a base do exército, mas não eram os únicos combatentes. A partir daquela época, as batalhas eram travadas também com tropas de reserva e mercenários. Os exércitos venciam fortificações, enfrentavam ataques marítimos. Enfraquecidos por repetidos conflitos, que se prolongaram durante o século 4 a.C., os gregos não resistiram à invasão de um povo considerado quase bárbaro, vindo do norte. Em 338 a.C. , sucumbiram ao poder de Felipe 2º, da Macedônia.
Legiões de voluntários |
Sob o comando do general Caio Mário (157-86 a.C.), foto, a legião romana passou a aceitar o alistamento de qualquer cidadão romano, em vez de apenas proprietários de terra. Os legionários lutavam com armas pagas pelo Estado e serviam durante 16 anos. Ao fim da carreira, recebiam lotes de terra ou dinheiro. "Os cidadãos se alistavam voluntariamente", comenta Maria Luiza Corassin, da USP. "Ser legionário trazia prestígio e, além disso, seus generais eram muito generosos ao distribuir o butim conquistado do inimigo." A profissionalização do exército teve um efeito que posteriormente derrubaria a República, no século 1 a.C. Os legionários começaram a ser mais ligados a seus líderes que ao Estado. Esse foi o caso do general Júlio César (100-44 a.C.). No comando de legionários fiéis, enfrentou o poder do Senado e arrastou Roma à Guerra Civil. |
A expansão macedônia
Os legionários Porta-estandarte e soldado de infantaria das legiões romanas |
Para vencer os gregos bem treinados, os macedônios sofisticaram a velha idéia da falange. Os soldados das primeiras linhas de ataque usavam lanças mais longas, de 4 a 5 metros, formando uma impenetrável barreira de lâminas. Felipe 2º criou também a unidade de cavalaria, disposta de forma a defender os flancos mais vulneráveis das falanges e a atacar rapidamente o inimigo.
A tática foi ampliada pelo filho de Felipe, Alexandre, o Grande. Considerado um grande general, Alexandre cavalgava à frente das tropas e assim derrotou os persas e chegou até a Índia. Mostrou grande capacidade de adaptação à localização das batalhas, mesmo quando pareciam desfavoráveis a seu exército. A coragem e o carisma de Alexandre empurravam os soldados. Uma vez vitorioso, não permitia clemência; perseguia os inimigos até destruí-los. Morto com apenas 33 anos, Alexandre deixou um império, disputado por generais que não tinham a sua capacidade.
Enquanto isso, uma outra força despontava no Mediterrâneo: Roma. Os soldados, que a princípio formavam uma versão das antigas falanges, evoluíram. Foram divididos em legiões, formadas por blocos, ou manípulos, para ganhar mobilidade. Em vez de lanças, usavam espadas curtas (gládio) e atiravam dardos (pilum). "Essa estratégia levou à superioridade militar dos romanos", diz Maria Luiza Corassin, professora de História de Roma na USP. A partir do século 2 a.C., as legiões passaram por grandes reformas, instituídas pelo general Caio Mário (leia texto acima). Mas a forma de lutar em blocos mudou muito pouco nos séculos seguintes.
Na Idade Média, fortalezas e cidades muradas se espalham pela Europa para barrar os invasores
Castelos sitiados Cavaleiros tentam dominar fortificação medieval, em ilustração do século 13 |
No início do século 3 d.C., o Império Romano já estava se esfacelando. Havia chegado ao auge nos cem anos anteriores, alcançando da atual Grã-Bretanha à Síria, mas não conseguia mais manter tantos territórios freqüentemente ameaçados pelos chamados povos bárbaros. As legiões eram deslocadas para as fronteiras, em formação defensiva, e cidades estratégicas, como Roma e Milão, ganharam fortificações para se defender. Os romanos também foram obrigados a abandonar a tática de alistar apenas seus cidadãos.
"Os bárbaros começaram a ser empregados nas batalhas, e não havia mais recursos para treiná-los à moda romana", conta a professora Maria Luiza Corassin, especialista em História de Roma da Universidade de São Paulo. Foi o início de um lento processo de desintegração, que culminou com a queda do Império Romano do Ocidente, e a tomada de Roma, em 476.
As legiões agruparam-se em torno de soberanos locais, como os primeiros reis francos, e aos poucos deixaram de ser caracterizadas dessa forma. "No início da Idade Média, ou seja, depois da queda de Roma, a guerra era travada em escala muito menor", afirma o historiador Modesto Florenzano, da USP. "A cavalaria passou a ter mais importância, unindo-se às tropas de infantaria." Florenzano faz uma comparação. Por volta do ano 300, o imperador romano Diocleciano tinha a seu dispor um exército de 435 mil legionários. Nos séculos seguintes à queda de Roma, os soberanos francos e germânicos agrupavam, no máximo, 20 mil combatentes.
Enquanto as mudanças se davam na frente de batalha, na retaguarda fortalecia-se uma nova forma de organização social: entre os séculos 5 e 9, o feudalismo se instalava na Europa. Conforme se estabeleciam novas fronteiras, os chefes guerreiros ligados aos reis começaram a receber lotes de terra, que, aos poucos, se tornaram hereditários. Esses guerreiros se comprometiam a colaborar com os soberanos nas batalhas. Nas palavras do historiador inglês John Keegan, no livro Uma História da Guerra, o feudalismo "tornou-se a base sobre a qual os reis mobilizavam exércitos e a classe militar detinha terras na Europa a partir da metade do século 9".
A era dos canhões |
Embora as fortificações tenham caracterizado as cidades durante toda a Idade Média, elas já eram conhecidas desde tempos imemoriais. Ruínas descobertas em Jericó, na Palestina, sugerem que a cidade, por volta de 7000 a.C., teria sido fortificada, provavelmente para impedir o ataque de povos nômades. Mas na Europa medieval, as fortificações foram o modo pelo qual cidades e estados sem um exército efetivo podiam se defender de inimigos e invasores. Na Inglaterra, por exemplo, foram construídos 900 castelos, entre 1066 e 1154. Todos tinham em comum as muralhas altas, para impedir as escaladas, e fortes o suficiente para suportar as cargas de catapultas ou aríetes. Todo esse aparato caiu por terra na metade do século 15, quando os primeiros canhões começaram a ser usados nos campos de batalha. Depois do surgimento do canhão, no século 16, os muros das cidades tornaram-se mais baixos e largos, com canhões em torres projetadas para fora das amuradas e dispostos de forma a ter uma visão completa do campo ao redor onde poderiam se esconder os inimigos. |
Fortalezas de pedra
Defesa eficaz Forte inglês com canhões, construído por Henrique 8º na década de 1530 |
Essas mudanças tiveram reflexos imediatos nos campos de batalha. Entre os séculos 6 e 10, enquanto as antigas fortificações romanas foram utilizadas para fortalecer a defesa das cidades, novas fortalezas, nos moldes medievais, começaram a ser construídas. Eram dotadas de altas paredes de pedras, com torres de observação e espaço adequado para os defensores. Eram praticamente inexpugnáveis, pois os canhões só começaram a ser utilizados de fato no século 15. Em geral, os atacantes venciam pelo cansaço, ao bloquear a entrada de mantimentos ou a chegada de reforços.
Os enfrentamentos em campos abertos também mudaram. A cavalaria passou a ser privilégio dos nobres. Atacava em conjunto esperando a resposta do inimigo posicionado firmemente, de modo a conter o seu avanço. Os guerreiros a cavalo manejavam espadas e escudos, até então armas de uso exclusivo dos soldados a pé, e se protegiam com uma malha de ferro, eficaz contra os ataques dos arqueiros inimigos.
Essa maneira de guerrear prevaleceu até o século 15, mesmo porque nenhum soberano europeu tinha forças suficientes para manter o domínio de todo o seu território. Ela foi marcante durante a Guerra dos Cem Anos (1337–1453), caracterizada pela disputa por terras e por direitos dos nobres, entre a França e a Inglaterra. No entanto, com as armaduras cada vez mais pesadas, mostrou-se aos poucos ineficaz. Nas batalhas de Crécy (1346), Poitiers (1356) e Agincourt (1415), os cavaleiros precisaram desmontar para enfrentar a infantaria, que voltava a desempenhar um papel importante na resolução dos conflitos e tinha forte apoio dos arqueiros.
Armas de Portugal e Espanha iniciam conquista da América e Ásia
Na América Ilustração mostra Cortez (à dir.) com espanhóis e escravos indígenas |
Nos períodos anteriores, falou-se muito de batalhas em terra. Mas elas não eram as únicas: enfrentamentos no mar, travados inicialmente em grande escala pelos gregos, continuaram até o fim do século 15, e o exemplo das invasões vikings por mares e rios é bastante conhecido. Mas não variavam muito. A bordo das galeras, embarcações movidas a remos longos, e munidas de velas para torná-las facilmente manobráveis, as tropas armadas esperavam o momento certo para atracar à embarcação inimiga e travar um violento combate corpo a corpo. Tudo isso começou a mudar nos primeiros anos do século 16, como resultado da introdução dos canhões nas batalhas.
Em 1571, por exemplo, Espanha e estados italianos impediram que o Império Otomano tomasse o controle do Mediterrâneo na batalha de Lepanto, o primeiro grande confronto travado no mar com galeras munidas de canhões. A tecnologia náutica permitiu também aos europeus enfrentar o mar aberto e viajar a quase todos os cantos do planeta. No Oceano Índico e no Mar da China, embarcações portuguesas, munidas de armas de fogo, conquistaram territórios e posições estratégicas, que permitiram a construção de fortalezas e entrepostos comerciais do outro lado do mundo. Na América, os espanhóis se depararam com civilizações de culturas muito diferentes, dizimadas pelos seus soldados.
Em livro recém-lançado no Brasil (Armas, Germes e Aço – comentário na seção de livros desta edição), o escritor Jared Diamond sustenta que os europeus se impuseram na América porque tinham aço, armas e germes, ou seja, conhecimento tecnológico e estratégias de guerra mais sofisticadas, além de transportarem em seus organismos bactérias mortais para os povos com as quais nunca haviam tido contato, como a varíola.
Os astecas eram um povo de cultura avançada e grandes cidades. Sua capital, Tenochtitlán, era uma cidade lacustre com cerca de 1 milhão de habitantes e atividade comercial intensa. Mas não estavam acostumados a lutar como os europeus. Empenhavam-se em cerimônias, batalhas rituais e no aprisionamento de inimigos para posterior sacrifício. "Os astecas não conheciam armas de destruição em massa", diz Leandro Karnal, professor de História da Universidade Estadual de Campinas. "Suas guerras tinham hora marcada, não admitiam traições ou emboscadas." Apesar da diferença numérica, os espanhóis levaram a melhor contra astecas e incas. Foi a conjunção desses fatores no campo de batalha (mais uma epidemia de varíola que matou boa parte da população local) que decidiu a guerra a favor dos europeus, diz Jared Diamond.
A vez de Napoleão |
Os combatentes franceses introduziram uma palavra importante no vocabulário da guerra que se seguiu à Revolução Francesa de 1789: o nacionalismo. Para derrotar as grandes nações européias que estavam dispostas a esmagar a revolução e instaurar o Antigo Regime na França, os soldados precisavam demonstrar a mesma disposição em combate que seus comandantes. E não apenas isso. "Com a Revolução, surgiu o exército de cidadãos e o começo do patriotismo", diz Modesto Florenzano, professor de História da USP. Os franceses inovaram ao suprimir a nomeação automática de aristocratas aos postos de comando. No lugar, foram colocados militares que provaram a coragem e habilidade no campo de batalha. Foi este exército que Napoleão Bonaparte (ele mesmo, um general egresso das classes mais pobres) herdou, ao assumir o comando das forças francesas em 1799. "Napoleão foi um gênio, mas só foi bem-sucedido porque podia contar com um exército totalmente novo para a época", conta Florenzano. O general francês valorizou os canhões e ficou célebre pela grande mobilidade que deu ao seu exército, deixando suas linhas de suprimentos para trás e arrumando provisões pelo saque. Foi derrotado em Waterloo (1815). |
Expansão e extermínio
A nova ordem Napoleão Bonaparte, coroado imperador depois de assumir o poder na França em 1799 |
"A concepção de guerra dos espanhóis era de extermínio", conta o professor Karnal. Os espanhóis se valiam de emboscadas e traições e não poupavam os inimigos capturados. Formaram alianças estratégicas com os povos rivais, de modo a receber apoio tático no cerco às cidades. "Estima-se que a conquista tenha causado o maior genocídio da História em números absolutos", diz Karnal. Alguns dados indicam que, dos cerca de 25 milhões de índios espalhados pelos impérios americanos, 90% morreram no século 16.
A introdução de uma nova arma nos campos de batalha da Europa também modificou o destino das guerras no velho continente. Por volta de 1550, os soldados de infantaria ganharam mosquetes, armas portáteis que disparavam balas a distâncias de até 100 metros. Exércitos nacionais, entre 1530 e 1630, formavam longas fileiras de mosqueteiros, disparando de modo a criar uma "chuva de chumbo", como foi descrito posteriormente o cenário dos enfrentamentos.
As fortalezas se modificaram, adquirindo formas complexas para enfrentar os canhões. Os reis dispunham de dinheiro suficiente para formar exércitos de mercenários que, embora estivessem mais bem treinados para a guerra, facilmente desertavam por infidelidade aos soberanos ou mesmo por falta de pagamento.
Produção industrial de armas aumenta o poder de fogo das nações
A partir da segunda metade do século 19, a tecnologia militar e a produção em série de armamentos prenunciaram o que seria a nova estratégia dos conflitos entre as grandes nações: a guerra mecanizada. Os primeiros indícios apareceram na distante Criméia, quando o Estado russo decidiu anexar terras do então enfraquecido Império Otomano e foi repelido por tropas francesas e inglesas (1853–1856). Foi a primeira guerra travada com apoio da tecnologia industrial. Rifles aumentaram o alcance dos tiros para 250 metros, as balas, com maior poder destrutivo, se fragmentavam ao atingir o alvo. Navios a vapor moviam tropas com mais rapidez e o telégrafo aumentou o poder de comunicação entre os exércitos.
A Guerra de Secessão (1861–1865), que colocou em campos opostos de batalha as regiões sul e norte dos Estados Unidos, somou o maior envolvimento civil ao aumento da tecnologia. É considerada a primeira guerra moderna da História. "O país tinha muitos recursos, o que tornou o conflito mais violento", comenta o professor Modesto Florenzano, da História da USP.
A princípio, Sul e Norte dos Estados Unidos não esperavam que a guerra fosse durar tanto tempo. Mas as guerras modernas demonstraram que não são fáceis de vencer. Precisam de mais soldados e mais armas a cada nova etapa. No fim do conflito, 10% de uma população de 32 milhões de habitantes nos Estados Unidos na época, estiveram diretamente envolvidos na guerra. Cerca de 620 mil pessoas morreram, mais do que a soma das baixas americanas nas duas guerras mundiais, na Coréia e no Vietnã.
A mesma violência pode ser percebida por quem estuda a Primeira Guerra Mundial (1914–1918). O plano de ataque prussiano previa batalhas curtas, de movimentação rápida. Não se imaginava que a guerra tomaria outros rumos com os canhões de disparo mais rápido e as novas metralhadoras. "Para quem estava acostumado a armas de um tiro só, foi realmente assustador", comenta o professor de História João Fábio Bertonha, da Universidade Estadual de Maringá, no Paraná. Depois de uma fase de movimentação, ao estilo antigo, mas que durou apenas quatro meses, os adversários se equilibraram no que ficou conhecido como guerra de trincheiras: alemães de um lado e aliados de outro, em canais cavados na terra. Essa fase cruel foi bem caracterizada em um clássico da literatura de guerra, o livro Nada de Novo no Front, de Erich Maria Remarque.
Aviões e tanques |
Se o deslocamento rápido era o objetivo dos alemães, nos primeiros meses da Segunda Guerra Mundial, eles conseguiram alcançá-lo plenamente. A Alemanha usou suas divisões Panzer – tanques de guerra que avançavam à frente da infantaria – e sua força aérea, a Luftwaffe, que minava previamente as defesas inimigas. Tanques e aviões, no entanto, não eram novidade. Surgiram no final da Primeira Guerra Mundial; os primeiros com a função de abrir caminho, entre as trincheiras e as cercas de arame farpado, para a infantaria. Aviões faziam também missões de bombardeio e reconhecimento. O professor de História João Fábio Bertonha afirma que, na Segunda Guerra Mundial, "os alemães usavam os tanques sem esperar pela infantaria; tornaram-se uma arma independente". Os aviões, por sua vez, tornaram-se uma arma mortífera testada na Guerra Civil Espanhola (1936–1939), como sabem os que conhecem o episódio de Guernica, imortalizado no quadro de Picasso. |
A terrível devastação
Com a defesa bem estabelecida nas trincheiras, ataques contra posições inimigas eram suicidas. Na batalha de Verdun (1916), a França teve 500 mil mortos e feridos. No primeiro dia da Batalha de Somme, no mesmo ano, os britânicos perderam 60 mil soldados. Até o final da guerra, que mobilizou 70 milhões de pessoas, houve ao menos 9 milhões de mortes. Não foi suficiente.
A Alemanha voltou à guerra em 1939, invadindo a Polônia e preparando-se para dominar toda a Europa. "Os alemães criaram a Blitzkrieg (guerra-relâmpago) para que o inimigo não tivesse tempo de se entrincheirar". Mas não foi isso que aconteceu. A partir de 1940, forças aéreas iniciaram uma campanha de bombardeio contra alvos civis e militares. Entre 24 e 30 de julho de 1943, 80% dos prédios de Hamburgo foram destruídos, matando 30 mil habitantes. Até agosto de 1945, essa guerra, que se estendeu pela Europa, Ásia, África, Oceania e até no litoral das Américas, matou pelo menos cerca de 40 milhões de civis e militares.
"A Segunda Guerra foi a última série de conflitos de destruição em massa do inimigo", conta Bertonha. Nas décadas seguintes, uma nova arma, usada em 1945 contra civis japoneses, moldaria o cenário mundial. Tratava-se da bomba atômica.
Potências militares se envolvem em conflitos de países pobres
Destruição Míssil norte-americano vietnamita explode em arsenal dos EUA , em 1968 |
No final da Segunda Guerra Mundial, estrategistas dos EUA argumentavam que uma invasão às ilhas japonesas provocaria até 1 milhão de baixas ao seu Exército. Esse foi o motivo oficial para jogar, em agosto de 1945, duas bombas atômicas contra alvos civis nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. A rendição japonesa foi imediata. Mas a exclusividade atômica dos EUA durou apenas quatro anos; em 1949, a então URSS também mostrou que possuía armas nucleares. O mundo, dividido em dois blocos geopolíticos, precisou sobreviver a um novo embate, a Guerra Fria. "A partir daquele momento, as grandes nações não se atreveram a entrar em conflitos diretos, por causa do temor de usar seus arsenais atômicos", afirma o professor João Fábio Bertonha, da Universidade Estadual de Maringá.
Sem confronto direto, as guerras adquiriram um caráter diferente. EUA e URSS passaram a intervir em conflitos regionais entre os países do Terceiro Mundo, principalmente na África e na Ásia, mas também em Cuba e na América Latina. Um dos primeiros conflitos da nova era ocorreu em 1946, quando a França enviou uma força expedicionária à Indochina, então sua colônia, para eliminar a guerrilha comunista Vietminh. Derrotados, os franceses se retiraram em 1954 e amargaram o fracasso também na Argélia, que tornou-se independente em 1962.
A Indochina se tornou o foco de uma disputa entre as grandes potências, EUA de um lado, China e URSS de outro, tendo como alvo a independência do Vietnã. Os americanos estimavam que a guerra seria resolvida rapidamente. Mas não foi assim, apesar do conflito desigual, entre uma nação industrializada, com armas de alta tecnologia e grande poder de destruição, e milícias mal equipadas, mas muito bem preparadas para a guerrilha.
No Afeganistão, que vivia na esfera soviética desde os anos 50, as tropas da URSS enfrentaram problemas semelhantes. O Exército soviético invadiu o país em 1980, para restaurar o governo aliado, abalado por conflitos partidários desde 1978. Conseguiu manter as grandes cidades do país, mas a guerrilha conservou o controle do interior e acabou expulsando os soldados invasores. Este ano, foi a vez dos EUA testarem o poder dos afegãos. O país bombardeou várias vezes o território afegão, em retaliação aos ataques a Nova York e Washington em setembro, atribuídos a terroristas islâmicos escondidos na região.
A mídia no front |
"Os homens ao meu redor estavam gritando. Os tiros eram agora um ruído contínuo. Estávamos sendo alvejados até pelos nossos próprios rapazes", relatou um soldado americano à revista Saturday Evening Post, em janeiro de 1967. Seu batalhão havia sido pego de surpresa pelos vietcongues, a guerrilha comunista que tentava conquistar o Vietnã do Sul. Descrições como essa durante a Guerra do Vietnã chocaram o público norte-americano, que passou a pressionar o governo de Washington a abandonar o conflito, o que só aconteceu em 1973. "A opinião pública tornou-se muito importante nas guerras", indica o historiador Allan Millett. No Vietnã, militares americanos, com clara superioridade tecnológica, depararam-se com uma guerra não-convencional, baseada na guerrilha. Foram derrotados. Já na Segunda Guerra, a nação começou a se preocupar com as imagens e relatos divulgados. Esse foi o caso, por exemplo, da Guerra do Golfo, em que apenas imagens selecionadas eram transmitidas ao público americano. E agora, que o governo americano pede aos meios de comunicação que tenham cuidado com as imagens do Afeganistão. |
Conflitos regionais
Sem o mesmo arsenal de longo alcance dos países desenvolvidos, as guerras regionais costumam ser cruéis. Traficantes de armas abastecem sociedades tribais com lança-mísseis portáteis, minas terrestres e o famoso fuzil de fabricação soviética, o AK-47 Kalashnikov, utilizados para massacrar a população civil espremida entre grupos rivais. Muitas vezes, ditadores e chefes tribais têm acesso a armamentos ainda mais perigosos, como armas químicas e biológicas. No conflito do Vietnã, os EUA usaram o agente laranja para devastar as matas e desalojar o inimigo. E, na guerra entre Irã e Iraque (1983–1988), tropas iraquianas usaram gás de mostarda contra posições militares e civis do adversário.
Mesmo a queda da União Soviética, no final dos anos 90, e a hegemonia dos EUA e de seus aliados europeus, não interromperam os conflitos regionais. Eles ocorreram nos ex-estados da antiga Iugoslávia, na Chechênia, e na longa disputa entre palestinos e israelenses. Em 1991, no entanto, os EUA se envolveram diretamente em um conflito. Armados com bombas de alta precisão e caças invisíveis aos radares, os americanos entraram em guerra contra o Iraque em defesa dos poços de petróleo do Kuwait. Depois dos ataques aéreos, a infantaria fez uma rápida invasão por terra. "Só o uso do poder aéreo não vence batalhas", diz Allan Millett, professor de História Militar da Universidade Estadual de Ohio, nos EUA. Poderia acrescentar: não existe guerra em que os dois lados não sofram severas baixas.
RICARDO BONALUME NETO*
Ao ataque Caça F-14, dos EUA, decola do porta-aviões Enterprise, em missão de bombardeio ao Afeganistão |
Houve momentos na civilização ocidental em que a guerra foi considerada algo que deveria desaparecer com o desenvolvimento da indústria, da agricultura e dos meios de comunicação. "Progresso" e guerra não combinariam, como escreveu um parlamentar britânico, William Mackinnon, em 1828. "À medida que a civilização avança, a arte da guerra atinge maior perfeição e o fardo desse guerrear fica mais pesado para a comunidade", escreveu.
Um dos filhos do parlamentar morreu na Guerra da Criméia (1854–1856). A partir daquela época, houve até momentos em que o conflito foi considerado algo bom e natural, necessário mesmo ao progresso das nações. Só depois da hecatombe da Primeira Guerra Mundial (1914–1918), a guerra foi vista de novo como algo nefasto. O que não impediu o surgimento de um conflito ainda maior – o segundo conflito mundial (1939–1945) – que fez ainda mais constante o uso da tecnologia para aperfeiçoar a "arte da guerra".
A Segunda Guerra Mundial trouxe a hegemonia militar americana, que dura até hoje. Os EUA têm armamentos em quantidade e qualidade que nenhum outro país possui. Esse triunfalismo impediu que o território americano fosse alvo de combate no século 20, como ocorreu na Europa e em boa parte da Ásia. Esse estado de coisas só foi abalado com os atentados de 11 de setembro.
Há quem preveja não só mais um século, mas pelo menos meio milênio de hegemonia americana. "Assim como o canhão moldou o poder e a cultura européias, parece-nos que as munições guiadas com precisão vão moldar o poder e a cultura americanos", escreveu uma dupla de autores triunfalistas, o casal George e Meredith Friedman, em um livro com o arrogante título O Futuro da Guerra – Poder, tecnologia e a dominação mundial americana no século 21.
"Assim como a Europa expandiu a guerra e seu poder para os oceanos do globo, os EUA estão expandindo a guerra e seu poder no espaço e entre os planetas", afirma o casal Friedman. Para eles, a Europa moldou o mundo por meio milênio, e os EUA estariam destinados a fazer o mesmo. "Para o mal ou para o bem", dizem, o futuro da guerra e do homem está nas mãos dos EUA.
Mas há uma maneira de resistir ao poderio dos EUA: o chamado "conflito assimétrico", no qual o lado mais fraco tenta explorar os pontos vulneráveis da sociedade americana. É o que faz o terrorismo. A guerra deixou de ser – se é que foi algum dia – uma luta entre Estados e seus exércitos para envolver também grupos armados não-estatais. Dessa forma, também deixou de ser caracterizada pelo que ocorre nas frentes de batalha. Assim é a maioria das mais de 20 guerras em curso no mundo hoje. Esse parece ser o verdadeiro futuro da guerra, pelo menos por algum tempo.
"O futuro não pertence a estações espaciais, mas aos fuzis de assalto Kalashnikov, carros-bomba, cercas de segurança, aparatos de visão noturna e sistemas eletrônicos de alarme", diz o historiador israelense Martin van Creveld, da Universidade Hebraica de Jerusalém.
* Ricardo Bonalume Neto é jornalista especializado em ciência e em história militar. É autor de A Nossa Segunda Guerra – Os brasileiros em combate, 1942–1945, Expressão e Cultura, Rio de Janeiro, 1995
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3 comentários:
Oi Eduardo, otima materia, apesar de ser um assundo desagradavel, mas é muito bom conhecer desde quando vem essa bestialidade.
Abs
Alice
Meu caro, se não fossem as guerras, nao teriamos a liberdade que temos hoje e estaríamos racionando comida como um apocalipse pela superpopulação.
foi tambem na segunda guerra mundial que surgiu a tecnologia de touch scream nos aviões de combate e câmera digital para espionagem e aeronaves de reconhecimento.
E se não fosse a pressão dos EUA sobre o Brasil para aliar-se na segunda guerra, ainda seriamos um país fechado num ditadura.
Open te thecka
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