A capela Sistina, no Vaticano, foi criada por Michelangelo
Foto: AFP
O artista, o estado e a religião
Da arte popular, aquela feita pelo povo para o seu usufruto, o tempo, o vento e a areia trataram de fazer desaparecer. Aqui e ali, nas escavações arqueológicas no Egito, na Turquia, na Grécia ou na Itália, encontra-se uma ânfora, um vaso, um copo de estanho, uma lasca de cerâmica, quase mais nada. Bem pouco disso é relevante sob o ponto de vista da estética e da própria historia da arte.
Houve, assim, ao longo da história, uma íntima relação entre os dois maiores patrocinadores, o imperador e o papa, com a Grande Arte, que é a realmente significativa e que se mostrou capaz de sobreviver aos vandalismos, às guerras e às demais agressões das intempéries. A quem, pois, estaria a Grande Arte a serviço quando tais colossos do Ocidente, a coroa e a mitra, começaram a declinar juntamente com o poder da aristocracia? A quais novos patrocinadores o artista se colocaria então à disposição?
A Era da Soberania do Artista
O contraditório da nova situação deles na modernidade viu-se pelo fato de que pela primeira vez em que os artistas ficaram totalmente livres dos seus antigos patronos, inaugurando a Era da Soberania do Artista, eles sentiram-se totalmente desamparados (a triste fama do artistas solitário, esfaimado e meio doido, tipo Van Gogh, Gauguin ou Modigliani, destruídos pelo álcool e pela incompreensão, surgiu justo naquele época). A liberdade estética deles cobrou seu preço, reduzindo muitos deles a uma vida de privações e doenças.O sentimento de orfandade os acompanhou para sempre.
Nietzsche enxergou nisso o maior perigo para a Grande Arte pois a ausência dos patrocinadores históricos, obrigava o artista a seguir o gosto popular, abrindo assim o caminho para o mau gosto: o império do kitsh.
Duas tentações passaram desde então a rondar os artistas contemporâneos. De um lado, a exigência de dedicarem-se à arte engajada, de colocar o seu métier "a serviço das causas sociais", transformando o artista em "companheiro de viagem" dos novos evangelistas, em defensores das reivindicações dos operários e dos pobres em geral (o ápice desse comprometimento da arte com uma ideologia político-social foi atingido durante os regimes totalitários do século 20 , como por exemplo foi o caso do "realismo socialista" dos stalinistas, e da "arte ariana" dos nazi-fascistas, ambos com pretensões de expressarem a estética do povo comum).
Hermético, incompreensível, inatingível
Os que se negaram a seguir a "Causa" ou ao Mercado, entregues a si mesmo, posam como eremitas modernos, caso foi o caso de Marcel Duchamp. Estes se refugiam numa espécie de limbo estético crescentemente inacessível ao público usual de arte, cultivando um conceptualismo hermético e cada vez mais indecifrável.
Seja como for a Grande Arte parece ter-se ido para sempre do cenário artístico do Ocidente.(**)
(**)A famosa crítica que George Steiner fez em relação aos Estados Unidos, como um país incapaz de produzir a Grande Arte, procede mas com a atenuante de que na América do Norte nunca houve um estado forte como o absolutismo ou uma igreja dominante com deu-se com o catolicismo na Europa Medieval. A falta desse dois grandes patrocinadores das artes fez com que os Estados Unidos se destacassem na cultura de massas, naquilo que é descartável: Hollywood e a Disneylândia.
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