Memórias de um alemão
O 30 de Janeiro de 1933 não
trouxe qualquer vento de revolução, mas uma mudança de governo. Hitler tornou-se
chanceler. […]
Durante o mês de Fevereiro, todos
os acontecimentos se limitaram às notícias publicadas nos jornais […]. É óbvio
que bastantes coisas se passaram neste âmbito: o Reichstag [Parlamento] foi dissolvido
[…]. Verificaram-se rápidas e violentas mudanças dos altos funcionários
administrativos e instaurou-se o terror durante a campanha eleitoral. Os nazis
actuavam sem peias: as suas tropas de assalto irrompiam regularmente nas
reuniões eleitorais dos outros partidos, abatiam quase todos os dias um ou dois
adversários políticos […]. O novo Ministro do Interior da Prússia (um nazi, um
tal capitão Goering) promulgou um decreto inacreditável. Ordenava que a
polícia, em caso de confronto, tomasse automaticamente o partido dos nazis sem
investigar responsabilidades e, além disso, disparasse contra os outros sem
aviso prévio. Um pouco mais tarde, constituiu-se uma «polícia auxiliar» formada por
membros das SA. […] Mais tarde, o Reichstag ardeu. […]
Hitler, rodeado de camaradas […],
pronunciou estas palavras imortais às portas do Reichstag: «Se isto é obra dos Comunistas,
do que não duvido, que Deus tenha piedade deles!» Nós não fazíamos a mínima
ideia do que se passava. O rádio não estava ligado. […] As brigadas de intervenção já andavam por todo o
lado a arrancar as vítimas da cama, a primeira grande remessa com destino aos primeiros campos
de concentração: deputados de esquerda, escritores de esquerda, médicos, funcionários e
advogados, que gozavam de pouca simpatia. […]
Mais ou menos no mesmo momento,
foi publicado um decreto de Hindenburg que abolia a liberdade de expressão, a
confidencialidade postal e telefônica dos cidadãos e conferia à polícia plenos
direitos para efetuar buscas domiciliárias, confiscar e prender. […] Os
partidos de esquerda haviam sido terminantemente proibidos de efetuar qualquer
tipo de propaganda eleitoral. […]
Um sindicalista social-democrata
de Copenick enfrentou uma patrulha das SA que irrompeu uma noite pela sua casa
para o «deter». […] No dia seguinte, as patrulhas das SA apresentaram-se em
Copenick, entraram nas casas de todos os habitantes de conhecida orientação
social--democrata e abateram-nos sem mais explicações. […]
Mantinham-nos, em simultâneo,
permanentemente ocupados e distraídos com uma sucessão ininterrupta de
celebrações, cerimónias e festas nacionais. Tudo começara com uma enorme celebração
da vitória antes das eleições de 5 de Março, «Dia do Despertar Nacional»:
desfiles gigantescos e fogo-de-artifício,
tambores, bandas de música e bandeiras espalhadas por toda a Alemanha, a voz de
Hitler através de milhares de altifalantes, juramentos e promessas solenes. Desta revolução [nazi], que não
se dirigia contra qualquer regime, mas contra as bases da coabitação humana na Terra, [...]
o primeiro ato intimidatório foi o boicote imposto aos judeus, a 1 de Abril de 1933. Assim o decidiram Hitler e
Goebbels […]: todas as lojas dos judeus seriam boicotadas. As tropas das SA
montariam guarda às portas e impediriam a entrada das pessoas. O boicote
atingiria também os médicos e os advogados judeus, que seriam controlados nos consultórios
e nos escritórios pelas patrulhas das SA. […]
Ao mesmo tempo, arrancou uma
grande «campanha de informação» contra os judeus. Os alemães foram esclarecidos,
através de panfletos, cartazes e concentrações, de que fora um erro terem
considerado os judeus como seres humanos. Os judeus eram, na verdade, «seres inferiores», uma espécie de
animais, mas providos de características demoníacas. As consequências que havia a retirar
deste facto não foram desde logo explicadas. Contudo, a expressão «Morte aos Judeus!» foi
proposta como slogan de campanha e grito de guerra.
Retirado do EXAME NACIONAL DO ENSINO SECUNDÁRIO - PORTUGAL
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