quarta-feira, 31 de julho de 2013

Dilúvio revisitado

Uma equipe do Projeto Internacional de Geociências pesquisou a hipótese de o dilúvio bíblico ter ocorrido no Mar Negro, deixando vestígios da arca de Noé no Monte Ararat, na Turquia.
Por Valentina Yanko-Hombach



Após 40 dias de dilúvio, a arca de Noé teria pousado no alto do Monte Ararat, na Turquia, segundo a Bíblia.

As águas azuis do Mar Negro, vistas da costa da Ucrânia.


O dilúvio segundo a concepção do artista francês Gustave Doré (1832-1883), ilustrador de várias edições da Bíblia.

O Livro do Gênesis da Bíblia descreve como Deus enviou o dilúvio para punir os homens por seus pecados. Avisado com antecedência, Noé – o único homem justo do mundo, em sua geração – construiu uma arca gigante para sua família e para um casal de cada espécie animal da Terra. Depois de 40 dias e 40 noites de chuvas, todos se salvaram e o planeta foi repovoado. Alguns cientistas pensam que realmente houve uma grande inundação no Mar Negro há milhares de anos, que poderia ter arrastado a arca de Noé para o topo do Monte Ararat, o mais alto da Turquia, onde se encontrariam vestígios do barco. As evidências científicas mostram, no entanto, que as águas nunca estiveram mais do que 20 metros abaixo do nível atual do Mar Mediterrâneo e que a maior enchente ocorreu pouco após a Idade do Gelo, milhares de anos antes do surgimento dos primeiros povoados e fazendas na região.

Duas hipóteses geológicas sugerem inundações na bacia do Mar Negro, ambas situando o evento numa época em que o mar era um lago sem comunicação com o Mediterrâneo. A primeira, elaborada pelo geógrafo russo Andrei L. Chepalyga, em 2007, localiza a enchente pouco depois da Idade do Gelo, entre 17 mil e 14 mil anos atrás, sem qualquer relação com a história bíblica. De acordo com Chepalyga, o salobro Mar Negro encheu-se rapidamente com o transbordamento do Mar Cáspio através do Vertedouro Manych – canal entre os dois corpos d’água –, logo depois do chamado Último Máximo Glacial (avanço das calotas polares), quando a cobertura de gelo estava derretendo rapidamente.

A segunda hipótese, ou “Dilúvio de Noé”, foi proposta pelo geólogo americano William Ryan e outros pesquisadores, em 2003. Eles afirmam que o clima se tornou mais seco logo depois do período de clima frio entre 12,7 mil e 11,5 mil anos atrás, conhecido como Dryas Recente. A evaporação resultante fez o Mar Negro baixar para 95 metros abaixo do nível atual. À medida que o clima aqueceu e a capa de gelo se derreteu na Europa, o nível do mar subiu no Mediterrâneo, causando um catastrófico fluxo de água salgada para o Mar Negro, 8,4 mil anos atrás.

Uma inundação de gigantescas proporções, como o dilúvio, deveria deixar um registro disso no Mar Negro. Um projeto do Programa Internacional de Geociências (IGCP, na sigla em inglês), iniciativa da União Internacional das Ciências Geológicas e da Unesco, procurou vestígios da ocorrência em sedimentos do fundo do mar, em fósseis, no relevo e pistas arqueológicas. A pesquisa fez parte de um projeto conjunto envolvendo o IGCP e a União Internacional para Pesquisa do Quaternário, que abordou a mudança do nível do mar e as estratégias adaptativas humanas no Corredor Cáspio-Negro-Mediterrâneo. Eles obtiveram algumas respostas, mas levantaram outras perguntas.


Quanto o Mar Negro baixou?
Ryan e sua equipe afirmam que as condições climáticas secas fizeram a água do Mar Negro evaporar e atingir 95 metros abaixo do nível atual. Mas sabemos, a partir de registros de pólen, que a plataforma exposta e as costas imediatamente adjacentes estavam cobertas por árvores de florestas que necessitam de umidade, tais como carvalho, tília, faia e olmo, juntamente com samambaias de sombra, plantas aquáticas e de pântano. Essas espécies vegetais indicam invernos cálidos e precipitação anual entre 600 mm e mil mm.

A última vez que o nível da Bacia do Mar Negro caiu para 95 metros abaixo do atual foi durante o Último Máximo Glacial. No início do período Holoceno, há 10 mil anos, o Mar Negro, então um lago, gradualmente passou de 40 metros para 20 metros abaixo do nível atual, em virtude da entrada de água originária do Mediterrâneo. Esse aumento relativamente insignificante poderia causar enchentes catastróficas?

O Mar Negro era um lago de água doce?
Se o Mar Negro continha água doce imprópria para consumo, como Ryan e equipe propõem, por que todos os fósseis descobertos nos sedimentos do lago pertencem a organismos que prosperaram em água salobra? Se a água do lago era potável, por que as pessoas escolheram instalar-se nos vales de pequenos rios, como inúmeros sítios arqueológicos sugerem? Não faz sentido.

Os assentamentos pré-históricos foram submersos pelo dilúvio?
Ryan e equipe alegam que, antes do dilúvio, as pessoas não habitavam somente a costa do Mar Negro, mas também parte do seu fundo (denominada plataforma), que era terra seca na época. Apesar de décadas de busca por habitações pré-históricas submersas na plataforma anteriormente exposta, nada se achou abaixo de dez metros de profundidade.

Havia agricultura na região do Mar Negro naquela época?
Havia na vizinhança. Os registros de pólen não revelam evidências de produção de grãos no Mar Negro antes de 5.718 anos atrás. Os traços encontrados na plataforma de partículas de carvão originárias de pastagens queimadas, e de esporos de fungos crescidos em esterco animal em recintos lotados, desacreditam a ideia de que a pecuária era praticada em plataforma extensiva. A hipótese contrasta com as evidências arqueológicas da prática da pecuária há 8 mil anos encontradas em Ilipinar, ao sul do vizinho Mar de Mármara.

As evidências apontam para o aumento gradual do nível do Mar Negro?
A hipótese de uma grande inundação no Mar Negro 8,4 mil anos atrás capturou a imaginação do público. Mas a mídia não noticiou que geólogos e arqueólogos do Canadá, da Ucrânia, da Rússia e de outros países não encontraram evidências de inundações catastróficas na região. Em vez disso, as evidências apontam para uma gradual reconexão com o Mar Mediterrâneo entre 9.5 mil e 8 mil anos atrás.

Na opinião de Andrei Chepalyga, a grande enchente ocorrida entre 17 mil e 14 mil anos atrás não é aquela descrita na Bíblia. Ele argumenta que inundações catastróficas teriam marcado a memória coletiva por milhares de anos, até serem registradas em antigas escrituras arianas, como o Rig Veda (hindu) e o Avesta (indo-iraniano). A história de um grande dilúvio também foi contada pelos antigos habitantes da Mesopotâmia.
Revista Planeta

Adeus, trem fantasma

Há cem anos era inaugurada, em Porto Velho (RO), a ferrovia Madeira-Mamoré, cuja implantação na Floresta Amazônica custou a vida de 6 mil trabalhadores, de trinta nacionalidades.
Por Texto e fotos: Heitor e Silvia Reali


Duas monumentais obras da engenharia brasileira do século passado foram implantadas em Rondônia: a quilométrica linha telegráfica da Amazônia, levada a cabo pelo marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, e a ferrovia Madeira-Mamoré, aberta em plena floresta tropical, que completa 100 anos em agosto. Da primeira não resta um fio, mas a linha de comunicação que uniu Rondônia ao resto do Brasil não se desfez. A segunda está indo pelo mesmo caminho, sem ressalvas.

Trabalhadores indianos ajudaram a construir a "Ferrovia do Diabo", junto com espanhóis, colombianos, panamenhos, poloneses e gregos.

Raramente um historiador lida com a história ao vivo, mas em Rondônia isso ainda é possível, pois o que sobrou da sucateada ferrovia ainda dá para ser vislumbrado. Muitos vestígios estão lá: locomotivas abandonadas, trilhos perdidos no mato, um museu em Porto Velho, outro em Guajará- Mirim, um cemitério abarrotado de cruzes, ruínas de estações fantasmas e pontes metálicas enferrujadas.

Parte desse legado está submergindo sob as águas represadas das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, como a ponte metálica Jaci-Paraná, com 84 metros de vão, um ícone da ferrovia. "Essa vai para baixo d'água", lamenta o historiador Aleksander Palitot, da Faculdade Porto, da Fundação Getúlio Vargas de Porto Velho. "Vários trechos da ferrovia foram inundados. Outra perda é a inundação do Marco Rondon, ou Marco Divisório, um obelisco centenário construído pela expedição Rondon, que implantou as linhas telegráficas em 1911, durante a demarcação dos Estados do Amazonas e de Mato Grosso", diz o historiador. Da memória apagada sobreviverão, além dos museus, pontes ferroviárias convertidas em rodoviárias, já usadas na rodovia Porto Velho-Guajará-Mirim.

O descaso com a preservação do que resta da ferrovia histórica leva o arquiteto Luiz Leite de Oliveira, presidente da Associação de Amigos da Madeira-Mamoré, a denunciar "a degradação, o abandono e o completo desaparecimento que também ocultará o orgulho de termos construído uma obra considerada ciclópica na época".

Exagero? Nem tanto. Na ocasião, a construção da estrada foi comparada à abertura do Canal do Panamá. Personalidades como o presidente Th eodore Roosevelt, dos Estados Unidos, o escritor Mário de Andrade e o médico e antropólogo Edgar Roquette-Pinto, pioneiro do rádio no Brasil, "vieram a Rondônia conhecer o resultado do desafio de construir uma ferrovia no coração da Floresta Amazônica", ressalta Palitot.

Os 84 metros de vão da ponte metálica Jaci-Paraná vão ser inundados. Abaixo, a mesma ponte em funcionamento em 1915.

Saída para o mar

O apogeu da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) foi sua inauguração festiva em 1º de agosto de 1912, em Porto Velho. Os 366 quilômetros da ferrovia cortavam a floresta unindo as recém-fundadas Porto Velho e Guajará-Mirim (na divisa com a Bolívia). Desde 1867, sonhava-se com a obra. Naquele ano o Brasil firmou com a Bolívia o Tratado da Amizade que permitia ao país andino a navegação pelos rios Beni, Guaporé, Mamoré e Madeira, para escoar produtos pelo Oceano Atlântico. Havia só um porém: faltava transpor um extenso trecho encachoeirado do Rio Madeira - o que só uma ferrovia conseguiria.

A FERROVIA DA SELVA

Desativada em 1957, boa parte dos 366 Km de trilhos da ferrovia Madeira-Mamoré, de Porto Velho a Guajará- Mirim, em Rondônia, vai ser inundada pela subida das águas dos reservatórios das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau.

A primeira concessão para a construção da estrada foi acertada em 1868 e entregue ao americano George Church, presidente da Madeira- Mamoré Railway Co. Em 1872, iniciaram- se as obras. Com problemas similares aos encontrados pelos engenheiros franceses na primeira fase da construção do Canal do Panamá - agravados pelas dificuldades de abrir caminho pela floresta e o exorbitante número de trabalhadores mortos por malária e febre amarela -, duas empresas contratadas para a execução da ferrovia foram à falência, deixando para trás, em 1879, sete quilômetros de trilhos colocados.

O BOOM DA BORRACHA AMAZÔNICA, EM 1903, ESTIMULOU À CONSTRUÇÃO DA FERROVIA

Em 1879, a Bolívia sofreu uma traumática perda de território na costa do Oceano Pacífico, conquistado militarmente pelo Chile durante a Guerra do Pacífico (1879-1883), travada também contra o Peru. Os bolivianos perderam a cidade de Antofagasta e se viram sem saída para o mar. A ferrovia Madeira-Mamoré e os rios amazônicos viraram a única alternativa para a exportação dos seus produtos, pelo porto de Belém, no Oceano Atlântico. Entretanto, nenhuma outra empresa de engenharia topou encarar o desafio e Church desistiu da empreitada.

A locomotiva 18 está enferrujando em Porto Velho. Ao lado, a no 2, que antes de virar peça de museu foi forno de padaria, depósito de água e galinheiro.

Para piorar, as relações entre Brasil e Bolívia também se deterioraram. Na virada do século 20, a Amazônia ganhou prosperidade com o ciclo da borracha, graças à seringueira Hevea brasiliensis. Espalhadas pela floresta, as árvores produziam uma borracha de qualidade única, essencial para o transporte, a comunicação e a indústria da época, um pouco como o petróleo é hoje em dia. Até 1910 a borracha foi o segundo produto da exportação brasileira, perdendo apenas para o café. Em consequência, a região recebeu investimentos, conheceu um boom econômico, inaugurou o Teatro Amazonas, em Manaus, e os seringalistas que haviam invadido a floresta boliviana proclamaram a República do Acre, em 1889.

Graças aos esforços do diplomata José da Silva Paranhos, o barão do Rio Branco, evitouse uma guerra com o país vizinho por meio do Tratado de Petrópolis, de 1903, pelo qual a Bolívia vendeu o Acre ao governo brasileiro. Pelo acordo, o Brasil se comprometeu a indenizar os bolivianos em dinheiro e a construir efetivamente a estrada de ferro. Em 1907 o governo federal assumiu a construção da ferrovia, entregando o empreendimento ao empresário norteamericano Percival Farquhar (1864- 1953). Foi a primeira grande obra da engenharia civil norte-americana fora dos EUA após o início da construção do Canal do Panamá (então em andamento). Quase 800 engenheiros e trabalhadores norte-americanos participaram da empreitada.

Acima, a Praça das Três Caixas D'Águas, símbolo de Porto Velho. Abaixo, os galpões da EFMM, que podem virar centro cultural

Acima, a abertura da ferrovia na selva e os trens em atividade

Farquhar, na verdade, estava mais interessado na borracha acreana do que nos produtos bolivianos. Segundo o jornalista Elio Gaspari, pesquisador do empreendimento, o norte-americano foi o maior empresário de serviços públicos da história nacional. "Ao câmbio de hoje, seus investimentos no país equivaleriam ao controle da Light, da Vivo, da Eletropaulo, da Acesita, dos metrôs do Rio e de São Paulo e ele ainda seria o principal acionista de nossos portos e ferrovias", diz Gaspari.

Sob suas ordens, o trajeto da ferrovia foi alterado, pântanos foram saneados, o médico e sanitarista Oswaldo Cruz foi enviado a Rondônia para dirigir as campanhas de saúde, construiu-se um hospital de referência em Porto Velho e a capital de Rondônia ganhou sistemas de água e esgoto.

Rastro de sofrimento

Depois de seis anos de construção, que empregaram 21 mil homens de 30 nacionalidades e percalços como desmoronamentos causados por chuvas e ataques de índios, a obra terminou em 1912. Seis mil trabalhadores perderam a vida na empreitada, a maioria vitimada pela malária e a febre amarela.

Peça do museu ferroviário de Porto Velho e interior de vagão abandonado

Ponte ferroviária hoje convertida em ponte rodoviária

A HEGEMONIA DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO NO BRASIL SEPULTOU O SONHO DE REATIVAÇÃO DA FERROVIA

Uma vez implantada, a "Ferrovia do Diabo" tinha tudo para dar certo, pois a borracha seguia valorizada no mercado mundial. Mas veio outro imprevisto. No fim do século 19, o inglês Henry Wickham contrabandeara para a Inglaterra 70 mil sementes da seringueira, liberadas pela alfândega de Santarém como "espécies exóticas e delicadas para o Jardim Botânico de Londres". A hévea foi plantada na Indonésia e na Malásia e começou a produzir intensivamente em florestas cultivadas. Assim, em 1913, a ferrovia sofreu outro golpe: os plantadores asiáticos inundaram o mercado com uma borracha de boa qualidade a preços baixos. A biopirataria de Wickham arruinou a economia da borracha da Amazônia e deu à Inglaterra o monopólio global do produto até a Segunda Guerra Mundial, quando surgiu a borracha sintética.

Falida, a ferrovia se arrastou nas mãos da Madeira-Mamoré Company até 1934, quando a empresa rescindiu o contrato de arrendamento de 60 anos e a estrada voltou para as mãos do governo federal. Durante a Segunda Guerra Mundial a Madeira- Mamoré recuperou valor estratégico, recolhendo borracha para o esforço de guerra aliado. Até 1957, chegou a registrar tráfego de passageiros e cargas. Em 1966, entretanto, o governo federal determinou que fosse desativada e substituída por uma rodovia, para não configurar um rompimento do Acordo de Petrópolis. Tal rodovia é a união da BR-425 (Porto Velho-Guajará-Mirim) e da BR-364 (Porto Velho-Cuiabá). Em 1981, um pequeno trecho da ferrovia voltou a funcionar para fins turísticos, mas foi paralisado no ano 2000.

Quarenta anos depois do último apito das marias-fumaças, uma pátina de esquecimento líquido cai sobre a estrada, inundada pelas águas do reservatório da hidrelétrica de Santo Antônio. Como compensação pelos impactos da obra, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional determinou a restauração da oficina da EFMM em Porto Velho (5,7 mil metros quadrados de área construída e galpões de 13 metros de altura), paga pelo consórcio Madeira Energia, responsável pela usina.

Um trecho de oito quilômetros da estrada, entre Porto Velho e Santo Antônio, vai abrigar um trem turístico em 2014 - para matar saudades.
Revista Planeta

Terra do Sol Nascente Tropical

No meio da Amazônia, Tomé-Açu atraiu a terceira onda imigratória japonesa para o Brasil.
Por Heitor e Silvia Reali


Plantação de pimenta-do-reino na década de 1950.


Casa dos primeiros imigrantes.

Fachada da cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu.

Produtos de Tomé-Açu para o Japão.


os grãos avermelhados após a secagem.

a pimentado-reino no pé.

palmeiras de dendê


Tomé-Açu, a 210 quilômetros a sudeste de Belém, no Pará, tem tudo para ser uma cidade mítica da geografia brasileira. Em 1929, desembarcou na cidade, no atracadouro no Rio Acará, a primeira leva de imigrantes japoneses trazidos para a Amazônia brasileira. Eram 42 famílias com 189 pessoas. No começo os adultos estavam apreensivos, mas as crianças acharam divertido.

Para muitos, o sonho de imigrar para o Brasil era antigo. Na década de 1920 o Japão passava por grave crise econômica e o governo via com bons olhos a partida do excesso de mão de obra. Em contrapartida, o governo do Pará, diante do êxito recente dos imigrantes japoneses em São Paulo, apostava nos trabalhadores orientais. O Pará e o vizinho Amazonas doaram três áreas, num total de 1 milhão de hectares, 600 mil no município de Acará e o restante em Parintins (AM) e Monte Alegre (PA), para o assentamento dos imigrantes.

Segundo o sr. Hajime Yamada, de 85 anos, um dos primeiros a chegar a Tomé-Açu, o Brasil estava precisando de bons agricultores. “Nós éramos bons de terra. Por que, então, não fazer um dekassegui – um bico?” Era essa a intenção da maioria. “Vamos fazer um pé de meia e retornar para a terra do sol nascente.”

Ao contrário dos compatriotas que aportaram em 1908 no Sudeste para trabalhar nos cafezais, em substituição aos italianos “revoltados” contra as condições de trabalho, os japoneses atravessaram os oceanos para se tornar donos de terra na Amazônia. Tudo foi planejado.

Em 1926, conta a historiadora Fusako Tsunoda, o governo japonês cuidou de preparar a primeira missão técnica à região enviando-a aos Estados Unidos. Isso mesmo. Na biblioteca de Nova York os pesquisadores encontraram a mais completa documentação existente a respeito do clima, do solo, da geografia, da mineralogia, da botânica e das doenças da Amazônia. Nesse mesmo ano, Henry Ford iniciara uma grande plantação de seringueiras na maior floresta tropical do mundo, perto de Santarém (PA).

O resultado das pesquisas preliminares apontou para o potencial da plantação do cacau e para a região da bacia do Rio Acará, na colônia de Tomé-Açu. Em janeiro de 1929 foi fundada a Nantaku Companhia Nipônica de Plantação do Brasil, e acertou-se que cada imigrante receberia 25 hectares de terra.

A Nantaku se comprometia a ajudar com material para a construção de casas de madeira e a fornecer ferramentas para derrubar a mata. Também foram construídos um hospital e um armazém de abastecimento de produtos de primeira necessidade. Quando souberam dos planos, os imigrantes japoneses do Sul chamaram os compatriotas do Norte de “mimados”.

Arado dos sonhos

Hajime Yamada foi um dos 189 que chegaram a Tomé-Açu no primeiro desembarque, vindo da província de Hiroshima. Tinha 2 anos e acompanhava os pais e três irmãos. Construiu uma vida no Brasil e virou a biblioteca viva da história japonesa de Tomé-Açu. Yamada-san, como é chamado em sinal de respeito, é também um bonsan, um monge.

“Não falávamos uma palavra em português”, lembra. “As dificuldades eram compartilhadas pelas primeiras famílias de agricultores e pelas seguintes, que vinham de três em três meses. Meu pai dizia que estavam esperançosos, mesmo vendo que a realidade da floresta amazônica era diferente do que pintaram no Japão.”

Logo se viu que o cacau não ia dar certo. Demorava dois a três anos para frutificar e muitas mudas não vingavam, pois o solo era seco e a planta requer clima úmido. Então, as plantações foram abandonadas e os colonos passaram a se dedicar ao arroz, aos legumes e à agricultura de subsistência.

Mesmo com a ajuda da Nankatu, logo nos primeiros anos a miséria bateu à porta de todos os membros da comunidade. Para piorar, muitos contraíram malária e febre negra, uma agressiva e fatal febre hemoglobinúria, causada, ironicamente, pelo uso excessivo do quinino, medicamento utilizado no combate à própria malária.

Mesmo assim, novas levas de migrantes chegavam à região. “Se não dá para nós vivermos aqui, por que a Companhia ainda continua mandando japoneses para cá?”, perguntava Yoshiti, pai de Hajime.

“Em 1933, quando o 21o grupo chegou, Tomé-Açu assistiu pela primeira vez a uma recusa em desembarcar. “Depois de perceber a situação dos agricultores locais, os imigrantes japoneses preferiram retornar ao Japão”, relembra Yamada.

Nesse mesmo ano a Nankatu diminuiu suas atividades no país e praticamente abandonou os associados ao léu. Cada um que se virasse como pudesse. A partir daí começou a fuga de muitos para o Sudeste em busca de melhor sorte.

A maior parte da comunidade, entretanto, manteve o espírito perseverante diante da adversidade e procurou soluções para continuar na terra. Um alívio surgiu no fim dos anos 1930, com a venda de legumes para Belém, que permitiu uma pequena melhora na situação econômica da colônia. Uma luz de prosperidade começou a brilhar, mas durou pouco.

Pesadelo



Na Segunda Guerra Mundial, o Brasil de Getúlio Vargas declarou guerra ao Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão. Quase no mesmo dia da declaração (22 de agosto de 1942), os japoneses de Belém tiveram suas casas queimadas e a Cooperativa dos Agricultores de Tomé-Açu, fundada em 1939, foi confiscada. O município tornou-se o centro de confinamento de todos os japoneses do Norte do Brasil, praticamente um campo de prisioneiros.

“A situação piorou de vez. Não podíamos negociar livremente nossos produtos, e era muito difícil conviver com os militares. Mas isso não era nada perto da agressividade contra os japoneses em Belém. Havia vigilância constante sobre nós. Invadiam nossas casas e queimavam tudo que lembrava o Japão: livros, retratos, orações e objetos”, lamenta Yamada.

A nissei Tomiko Sawada, de 82 anos, foi a primeira japonesa a nascer na Amazônia, embora tenha sido “fabricada” no Japão, como gosta de dizer. Ainda hoje, a senhora Sawada lembra aqueles dias da ocupação militar em Tomé-Açu. “Meus pais morreram de malária anos antes, e eu vivia com seis irmãos. Tínhamos muito medo, pois estávamos sendo maltratados pelos policiais. As coisas só melhoraram quando a colônia ficou sob as ordens dos tenentes Mauricio e Felicidade. Eles tratavam bem de nós, gostavam das crianças, nos ensinaram a jogar voleibol e inventavam muitas brincadeiras. Talvez por ser criança na época, não tenho lembrança triste daqueles tempos”, recorda Tomiko.


Boa sorte

Após a guerra, a simples menção do nome Tomé-Açu provocava tristeza entre os imigrantes japoneses do Brasil. Além de ter sido um espaço de internação durante o conflito, a lembrança guarda estatísticas amargas. Dos 2.104 imigrantes que chegaram antes da guerra, 77% morreram ou abandonaram a colônia, ou seja, 1.621 pessoas.

Todos queriam ir embora. Só ficaram aqueles que não tinham nenhuma condição de sair, “ou os obstinados, como meu pai, que faziam questão de permanecer”, sintetiza Yamada. Ele sempre dizia: “Vim para vencer e não para desistir.”

Tomé-Açu mergulhou na pobreza até surgir um acontecimento novo. Em 1933, o navio que trouxe a 13ª onda imigratória fez uma parada forçada em Cingapura e o dirigente da Nantaku, Makinosuke Usui, adquiriu 20 mudas de pimenta-do-reino (Piper nigrum), da variedade Pacífico Sul, no Jardim Botânico da cidade.

Em Tomé-Açu, as mudas foram plantadas na Estação Experimental de Açaizal e esquecidas. Apenas duas sobreviveram e foram replantadas, em 1947, cada uma por um agricultor japonês. As sementes dessas plantas formaram outras, e em dez anos tapetes verdes de pimenta-do-reino se estendiam sobre Tomé-Açu.

O cultivo ideal da região só vingou, mesmo, a partir de 1952, quando o preço da pimenta alcançou altos valores no mercador internacional, devido à queda da produção da especiaria na Ásia, abalada pela destruição das plantações durante a guerra.

No Pará, em pouco tempo a pimenta-do-reino se tornou o maior produto de exportação regional, depois da borracha. O sucesso retumbou como um gongo entre as comunidades japonesas. No final da década de 1950, o município de Tomé-Açu já produzia mais de 5 mil toneladas de pimenta por ano, o “diamante negro da Amazônia”.

Apesar da retomada da produção do grão pelos países asiáticos durante os anos 1960, e a consequente retração dos preços, a situação continuou favorável até o início da década seguinte. Os agricultores de Tomé-Açu e os imigrantes que retornaram para plantar pimenta prosperaram e enriqueceram.

Hoje, costuma-se citar como maiores contribuições da agricultura japonesa ao país o sucesso da hortelã, no Sul, nos anos de 1941-43, e do café, no Norte do Paraná, em 1951-54. “Mas o boom da pimentado-reino de Tomé-Açu e a prosperidade associada a ele não tiveram paralelo na comunidade japonesa brasileira”, ressalta Tsunoda.

Atualmente, a agricultura do município diversificou-se, não se restringindo à monocultura da pimenta-do-reino. Cacau, banana, dendê, açaí, cupuaçu, maracujá, acerola e muitas frutas são plantados à sombra de árvores nativas. “Aprendemos que os ciclos de produção agroflorestal podem conjugar agricultura e extrativismo em harmonia com o ambiente”, diz o produtor Kosaburo Minoshita, um dos precursores da técnica.

A história de Tomé-Açu é um exemplo de superação. Se o ambiente condiciona os assentamentos humanos, pessoas determinadas fazem a diferença em qualquer lugar.
Revista Planeta

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Relógio das Culturas

O que é o tempo? A resposta varia, dependendo da sociedade

Pelos editores

Gavin Hellier Corbis; Bart omeu Amengual age Fotostock; Johnny Stockshooter Aurora Photos; Oscar Okapi Aurora Photos

Atrase uma hora no Brasil e ninguém nem irá se importar muito. Mas, na Suíça, deixe alguém esperando mais que cinco ou dez minutos e terá muito a explicar. Em algumas culturas o tempo é elástico, em outras, monolítico. De fato, o modo como membros de uma cultura percebem e usam o tempo reflete as prioridades da sociedade e até sua visão do mundo. 

Cientistas sociais registraram grande diferença no ritmo de vida em vários países e em como as sociedades percebem o tempo: se como uma flecha penetrando o futuro ou como uma roda em movimento, onde passado, presente e futuro giram sem parar. Algumas culturas combinam tempo e espaço: o conceito dos aborígenes australianos do “tempo de sonhos” abrange não só o mito da criação, mas também o método de selocalizar no campo. Mas algumas visões de tempo interessantes, como o conceito de ser aceitável uma pessoa poderosa manter alguém de status inferior esperando, parecem desconhecer diferenças culturais. Elas são universais. 

O estudo de tempo e sociedade pode ser dividido em pragmático e cosmológico. Do ponto de vista prático, nos anos 50, o antropólogo Edward T. Hall escreveu que as regras de tempo social compõem uma “linguagem silenciosa” para determinada cultura. As regras nem sempre são explícitas, analisou ele, mas “subentendidas... Ou são cômodas e familiares, ou erradas e estranhas”. 

Em 1955, ele descreveu na Scientific American como percepções diferentes de tempo podem levar a mal-entendidos entre pessoas de culturas diversas. “Um embaixador que espera um visitante estrangeiro mais que meia hora deve entender que se este último ‘mal murmura uma desculpa’ isto não é necessariamente um insulto”, exemplifica. “O sistema de tempo no país estrangeiro pode ser composto de unidades básicas diferentes, então o visitante não está tão atrasado quanto parece. Deve-se conhecer o sistema de tempo do país, para saber a partir de que ponto as desculpas são realmente necessárias... Culturas diferentes atribuem valores diversos para as unidades de tempo.”

A maioria das culturas do mundo agora usa relógios e calendários, unindo a maior parte do globo no mesmo ritmo geral de tempo. Mas isso não significa que todos acertem o mesmo passo. Algumas pessoas se estressam com o ritmo da vida moderna e o combatem com o movimento “slow food” enquanto em outras sociedades as pessoas sentem pouca pressão no gerenciamento do tempo.

“Uma das curiosidades do estudo de tempo está no fato de ele ser uma janela para a cultura”, avalia Robert V. Levine, psicólogo social na California State University em Fresno. “É possível obter respostas sobre valores e crenças culturais: uma boa ideia do que importa para as pessoas.”

Levine e seus colegas fizeram estudos do “ritmo de vida” em 31 países. Em A geography of time, publicado pela primeira vez em 1997, Levine descreve a classificação dos países usando três medidas: velocidade para andar nas calçadas urbanas, rapidez de um funcionário do correio em vender um simples selo e a precisão dos relógios públicos. Baseado nessas curiosas variáveis ele concluiu que os cinco países mais rápidos são Suíça, Irlanda, Alemanha, Japão e Itália e os cinco mais lentos, Síria, El Salvador, Brasil, Indonésia e México. Os Estados Unidos ocupam a 16º lugar, próximo ao mediano.
Kevin K. Birth, antropólogo no Queens College, examinou a percepção de tempo em Trinidad. Seu livro, Any time is Trinidad time: social meanings and temporal consciousness, de 1999, se refere à desculpa comum dada para atrasos. Naquele país, observa Birth, “se você marcar um encontro para as 18h00, as pessoas aparecem às 18h45 ou 19h00 e dizem: ‘Qualquer hora é hora em Trinidad’”. Quando se trata de negócios, porém, esse enfoque informal do tempo só se aplica para os poderosos. Um chefe pode chegar tarde e usar o refrão, mas é esperado que subalternos sejam mais pontuais. Para eles, “horário é horário”. Birth acrescenta que a paridade tempo-poder existe em muitas outras culturas. 

A natureza obscura do tempo pode dificultar a tarefa dos antropólogos e psicólogos sociais. “Não se pode simplesmente chegar numa sociedade, se aproximar de alguém e perguntar: ‘Qual é a sua noção de tempo?’”, adverte Birth. “As pessoas não terão resposta. Então, tente outros meios para descobrir isso.”

Birth tentou descobrir o valor do tempo para os trinitinos, explorando a proximidade entre o tempo e o dinheiro na sociedade. Avaliou populações rurais e descobriu que fazendeiros, cujos dias eram ditados por eventos naturais, como o nascer do sol, não reconheciam o provérbio “tempo é dinheiro”, “economizar o tempo” ou “gerenciar o tempo”, embora tivessem TV por satélite e estivessem familiarizados com a cultura popular ocidental. Já os alfaiates das mesmas áreas tinham essa noção. Birth concluiu que o trabalho assalariado alterou o ponto de vista dos alfaiates. “As ideias de associar tempo a dinheiro não são globais”, esclareceu ele, “mas atreladas à profissão e à pessoa que a exerce.”

A forma de lidar com o tempo no cotidiano não está relacionada ao conceito de tempo como entidade abstrata. “Muitas vezes há uma separação entre como uma cultura encara a mitologia do tempo e como as pessoas pensam a respeito do tempo em suas vidas,” relata Birth. “Não pensamos sobre as teorias de Stephen Hawking do mesmo modo que sobre a rotina diária.” 
Algumas culturas não distinguem claramente passado do presente e do futuro. Os aborígenes australianos, por exemplo, acreditam que seus ancestrais rastejaram para fora da Terra na época do tempo dos sonhos. Os ancestrais “cantaram” o mundo para criá-lo, nomeando cada característica e ser vivo, o que os fez existir. Mesmo hoje uma entidade não existe a menos que um aborígene a “cante”.

Ziauddin Sardar, autor e crítico britânico muçulmano, escreveu sobre o tempo e culturas islâmicas, especialmente a seita fundamentalista wahhabista. Os muçulmanos “sempre carregam o passado consigo”, afirma Sardar, editor da revista Futures e professor convidado de estudos pós-coloniais da City University, em Londres. “No Islã o tempo é uma tapeçaria que incorpora o passado, o presente e o futuro. O passado é sempre presente.” Os seguidores do wahhabismo, muito difundido na Arábia Saudita e entre os membros da Al Qaeda, buscam recriar os dias idílicos da vida do profeta Maomé. “A dimensão mundana do futuro foi suprimida” por eles, segundo Sardar. “Eles romancearam uma visão particular do passado. Tudo o que fazem é tentar repetir o passado.”

Sardar afirma que o Ocidente “colonizou” o tempo ao divulgar a expectativa de que a vida deveria se tornar melhor conforme o tempo passa: “Ao colonizar o tempo, se coloniza o futuro. Acreditando- se que o tempo é uma flecha, então o futuro seria o progresso, seguindo uma direção. Mas pessoas diferentes podem desejar futuros diferentes.”
Scientific American Brasil

terça-feira, 23 de julho de 2013

O portão de Plutão?

Arqueólogos italianos podem ter encontrado uma porta para o ‘mundo inferior’,descrita em históricos textos gregos e romanos.

O portão de Plutão?
Uma simulação digital de como seria a recém-descoberta 'Porta do Inferno' nos tempos do Império RomanoO local era rota de peregrinação naquela época. (imagem: Francesco D'Andria)
Cientistas italianodescobriram a porta para o ‘inferno’. Calma, não se trata de um sinal do apocalipse. Na verdade, um grupo de arqueólogos italianos encontrou ruínas de um antigo templo que a tradição romana diz abrigar um portal para o mundo inferior,o hades. 
Segundo registros históricos, qualquer animal que entrasse nolocal, cheio de um vapor nebuloso edenso, encontrava a morte instantânea 
Segundo escritode cerca de dois mil anos, esse templo estaria localizado próximo à antiga cidade romana de Hierápolis (perto da atual Pamukkale, na Turquia). Dedicado aHades (Plutão) e Perséfone (Core), ele abrigaria uma espécie de caverna com vapores altamente mortais, a tal ‘porta do inferno’ – descrita pelo historiador gregStrabo como um local "cheio de um vapor tãnebuloso e denso que dificilmente era possível ver o chão" e no qual "qualquer animal que entre encontra a morte instantânea". 
Lugar bacana, não é? Pois bem, naqueles tempos a cidade estava na rota de muitos peregrinos que circulavam pela região. Conforme o arqueólogo Francesco D'Andria, da Universidade de Salento (Itália), declarou ao Discovery News, a maioria dos visitantes do templo vinha em busca da água da fonte existente no local, capaz de produzir profecias e visões em sonhos – e ainda aproveitava as fontes termais das proximidades
descoberta do complexo foi feita a partir da reconstrução das rotas para essas fontes. Em meio às muitas ruínas do local, os italianos identificaram um templo dedicado às deidades do hades e evidências arquitetônicas que batem com as descrições históricas. 
Portão de Plutão
O sítio encontrado pelos arqueólogos apresenta características muito semelhantes ao local descrito nos textos históricos. As inscrições indicam um templo dedicada Hades (Plutão) e Perséfone (Core), senhores do mundo inferior. (foto: Francesco D'Andria)
Fora seu aspecto místico, a letalidade da caverna era quase ‘turística’: os pesquisadores explicam que, apesar de serem proibidode se aproximar da entrada,os peregrinos assistiam aos ritos dodegraus e recebiam pequenas aves para serem levadas até a abertura e comprovar os efeitos fatais. 
Os peregrinos assistiam aos ritos dodegraus e recebiam pequenas aves para serem levadas até a abertura e comprovar os efeitos fatais 
Os sacerdotes também bebiam da água alucinógena e sacrificavam touros em honra a PlutãoOs próprios arqueólogos comprovaram os efeitos dos vapores durante as escavações: diversos pássaros que se aproximaram da abertura quente morriam imediatamente coo vapor tóxico
Segundo D'Andria, a descoberta é excepcional por confirmar informações que só existiam em fontes históricas muito antigas. Ele explica que o templo era popular até o século 4 e foi visitado até o século 6. Coo crescimento dcatolicismo, no entanto, acabou abandonado– e, posteriormente, destruído por terremotos e intempéries. 
Os pesquisadores trabalham, agora, na reconstrução digital do local. Essa não foi a primeira descoberta polêmica e mística do grupo: dois anos atrás, eles anunciaram ter encontrado, na mesma regiãoum túmulo que pode ter pertencido ao apóstolo Felipe, um dos doze discípulode Jesus Cristo, segundo a Bíblia.

Porta dos fundos?

Saindo um pouco da mitologia e da antiguidadeo nosso mundo já possui outra ‘porta para o inferno’, essa bem mais moderna. Localizada não muito longe dali, na região deDerweze  (ou Darvaza), no Turcomenistão, ela arde em labaredas incandescentes desde a década de 1970. No entanto, muito longe de ser obra de algum deus da antiguidade, esse portão em pleno deserto de Karakum é fruto da ação humana.
Derweze
No deserto do Turcomenistão, uma outra 'porta para o inferno', que nada tem a ver codeuses antigos, mas com a economia moderna. (foto: Wikimedia commons)
No início da década de 1970, a então União Soviética pretendia explorar os ricodepósitode gás natural da região. Quando o chão abaixo da plataforma de perfuraçãcedeu, criou um buraco de cerca de 70 metrode diâmetro que liberava gás natural na atmosfera. Para prevenir seus efeitos tóxicos, os geólogodecidiram que a melhoopção seria ‘tacar fogo em tudo’, na esperança de que, em algumas semanas, reservatório se esgotasse. Resultadoo regime comunista acabou, a União Soviética se esfacelou e o nosso ‘inferno moderno’ continua a arder e a espalhar um forte odor pela região
Apesar de nenhum templo ter sido construído e de ninguém sacrificar touros por lá, Darvaza se tornou também uma atração turística – até a tribo que habitava a região foi expulsa de lá em 2004, para não ‘incomodar’ os visitantes. Desde 2010 o governo dpaís vem buscando formas de fechar a porta ou ao menos limitar a sua influência ndesenvolvimento de outros campode extração de gás natural na região

Marcelo Garcia 
Revista Ciência Hoje