domingo, 7 de julho de 2013

Ting-ling


LUIS FERNANDO VERISSIMO - O Estado de S.Paulo

Nas casas senhoriais do Japão antigo era comum colocarem sininhos sob o assoalho dos corredores. Era impossível pisar numa taboa do chão de um corredor sem que soassem os sininhos. Conhecendo-se a violenta história do Japão medieval, com facções em luta constante pelo poder, é fácil deduzir que os sininhos existiam para denunciar a aproximação de espiões ou assassinos. Mas o ting-ling também devia servir como alarme contra ladrões e para prevenir o flagrante de adultério. Imagine-se a senhora da casa prestes a arrancar as calças do entregador de pizzas, ou o equivalente na época, quando este levanta a cabeça e pergunta:

- Esse som de sininhos, é do templo?

- Não, é o meu marido!

O ting-ling era uma maneira prática de evitar surpresas. Mas pode-se imaginar o grau de desconfiança de uma sociedade em permanente pavor do que vem pelo corredor. Até que se revelasse quem ou o que vinha, os sininhos poderiam significar qualquer coisa, alimentar qualquer paranoia. E qualquer tilintar poderia ser confundido com o ting-ling. Um gorjeio de passarinho, um pingo de chuva no teto, um brinde com cristais, até os inocentes sininhos do templo. E um gato solto num corredor espalharia o terror pela casa toda.

No Brasil de hoje desenvolvemos uma paranoia parecida. De tanto ouvir falar em roubalheira e maracutaias nos acostumamos a equacionar política e corrupção. Tudo que vem pelo corredor é suspeito, todo ting-ling é um prenúncio de escândalo. E como no Japão antigo também vivemos em permanente estado de desconfiança. Claro que a classe política é responsável pela sua própria má reputação, mas há exceções importantes. E hoje não se rouba mais do que antes - é que antes não se ficava sabendo a metade.

Enfim: nem tudo que tilinta é má notícia.

Motivo. Da série Poesia Numa Hora Dessas?!

"Ele em Porto Alegre

onde o aeroporto

vira e mexe

fecha.

Ela em São Paulo

onde tem nevoeiro

de janeiro a janeiro.

Resultado: o amor acabou.

Por nenhum motivo concreto

- por falta de teto."
Jornal O Estadão

2 comentários:

Augusto Sperchi disse...

Oi Eduardo! Brilhante esse texto! Mas será que estamos mesmo atentos à todas as investidas do infortúnio? Se fosse assim, nada mais de ruim poderia nos acontecer. Ou não estamos nos prevenindo de acordo ou adoramos as surpresas, mesmo as más, só para podermos contá-las e ter assunto.
Não seria paranoia colocar sininho em tudo? Talvez, mas nalguns lugares, passa a ser até vital, não é?
Um abraço!

Junior disse...

Muito bom o seu texto Eduardo vc está de parabens e claro espero por suas visitas em um dos meus blogs meu amigo acessa aí valeuuu


http://juniorcis.blogspot.com
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grato

junior