quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Saúde e Doença na Idade Média: entre o castigo e a redenção

"A extração da pedra da loucura" (1485), do pintor italiano Hieronymus Bosch (1450-1516), retrata a concepção medieval que supunha a loucura como uma pedra no cérebro. Bosch, na sua imaginação, no momento da extração da doença, coloca no lugar da dureza da pedra a delicadeza de uma flor. A imagem que se tinha da loucura era de algo místico, desconhecido, considerado o lugar imaginário da passagem da vida à morte.

Ma Idade Média, o espetáculo da doença e da morte atingia a todos. Para lubridiar a morte, evitava-se o contato, a proximidade, o toque e, ao mesmo tempo, buscava-se neutralizar com perfumes e com máscaras os odores que corrompiam o ar. Por isso, os médicos que cuidavam de doentes com a peste negra usavam máscara como uma forma de proteção. O formato de um bico de pássaro era para distanciar ainda mais o contato com o ar pestilento.


O Navio dos Loucos, pintura de Hieronymus Bosch (1450 - 1516), apresenta, de forma alegórica, a devassidão e a profanidade presentes em todos os grupos sociais da Idade Média, incluindo o Clero, como se pode ver na imagem onde são retratados uma freira e um frade franciscanos que se encontram tão distraídos, tentando fincar os dente num pedaço de pão pendurado por um fio, que nem reparam que um ladrão tenta roubar o pouco que lhes resta. Na imagem, mais uma vez, a morte é representada pela caveira na árvore. (Fonte: www.wikipedia.org - em junho de 2010)


Carlos Batistella
Com a queda do Império Romano e a ascensão do regime feudal, por volta do ano 476 d.C., evidenciaram-se o declínio da cultura urbana e a decadência da organização e das práticas de saúde pública. As instalações sanitárias tanto na sede como nas províncias do antigo Império foram destruídas ou arruinaram-se pela falta de manutenção e reparos (Rosen, 1994).

Enquanto no Ocidente a desmantelação da máquina do governo e o declínio econômico fazia o Império agonizar; no Oriente, em Bizâncio (hoje Istambul, Turquia), onde as invasões bárbaras não chegaram a ameaçar, foram mantidas várias das conquistas do mundo clássico e a herança da tradição médica greco-romana.

A Idade Média (500-1500 d.C.) foi marcada pelo sofrimento impingido pelas inúmeras pestilências e epidemias à população. A expansão e o fortalecimento da Igreja são traços marcantes desse período.

O cristianismo afirmava a existência de uma conexão fundamental entre a doença e o pecado. Como este mundo representava apenas uma passagem para purificação da alma, as doenças passaram a ser entendidas como castigo de Deus, expiação dos pecados ou possessão do demônio. Conseqüência desta visão, as práticas de cura deixaram de ser realizadas por médicos e passaram a ser atribuição de religiosos. No lugar de recomendações dietéticas, exercícios, chás, repousos e outras medidas terapêuticas da medicina clássica, são recomendadas rezas, penitências, invocações de santos, exorcismos, unções e outros procedimentos para purificação da alma, uma vez que o corpo físico, apesar de albergá-la, não tinha a mesma importância. Como eram poucos os recursos para deter o avanço das doenças, a interpretação cristã oferecia conforto espiritual, e morrer equivalia à libertação (Rosen, 1994).

A difusão da igreja católica e de sua visão tornou marginal qualquer explicação racional que pretendesse aprofundar o conhecimento a partir da observação da natureza. As ciências, e especialmente a medicina, eram consideradas blasfêmias diante do evangelho. A especulação científica era, portanto, desnecessária (Scliar, 2002). Assim, o desenvolvimento da medicina só teve continuidade entre os árabes e judeus, onde a tradição de Hipócrates e Galeno de Pérgamo foi acrescida de importantes estudos em farmacologia e cirurgia. Destacam-se nesse período Avicena (980-1037) e Averróes (1126-1198).

O medo das doenças era constante nos burgos medievais. Dentre as inúmeras epidemias que aterrorizavam as populações (varíola, difteria, sarampo, influenza, ergotismo, tuberculose, escabiose, erisipela etc), a lepra e a peste bubônica foram, sem dúvida, aquelas de maior importância e preocupação.

Caso emblemático, a lepra era tida como manifestação evidente da impureza diante de Deus, e seus portadores deveriam ser condenados ao isolamento, conforme descrição bíblica. Considerados mortos, rezava-se uma missa de corpo presente antes do mesmo seguirem para o leprosário. Aqueles que vagassem pelas estradas deveriam usar vestes características e fazer soar uma matraca para advertir a outros de sua perigosa ameaça. Todo estigma e as conseqüências de seu diagnóstico fizeram da lepra a doença mais temida nesse período (Rosen, 1994; Scliar, 2002).

A peste bubônica, por sua vez, marcou o início e o ocaso da Idade Média. Causada por uma bactéria, Pasteurella pestis, transmitida pela pulga de ratos, a doença foi responsável pela morte de cerca de ¼ da população européia em 1347. Dentre as principais causas apontadas estavam as viagens marítimas e o aumento da população urbana, que, somados aos conflitos militares, aos intensos movimentos migratórios, à miséria, à promiscuidade e à falta de higiene nos burgos medievais, tornaram o final deste período histórico digno da expressão muitas vezes evocada para descrevê-la: a idade das trevas.

Ainda que limitadas, algumas ações de saúde pública foram desenvolvidas na intenção de sanear as cidades medievais. A aglomeração crescente da população – que chegava trazendo hábitos da vida rural, como a criação de animais (porcos, gansos, patos) –, o acúmulo de excrementos nas ruas sem pavimentação, a poluição das fontes de água, a ausência de esgotamento e as péssimas condições de higiene, produziam um quadro aterrador. Buscou-se então garantir o suprimento de água aos moradores para beber e cozinhar; pedia-se que não fossem lançados animais mortos ou refugos na corrente do rio; proibiase a lavagem de peles e o despejo de resíduos dos tintureiros nas águas que serviam à comunidade.

Somente no final da Idade Média é que, pouco a pouco, foram sendo criados códigos sanitários visando normatizar a localização de chiqueiros, matadouros, o despejo de restos, o recolhimento do lixo, a pavimentação das ruas e a canalização de dejetos para poços cobertos (Rosen, 1994). Ainda assim, é preciso lembrar que os hábitos culturais dos habitantes tornavam boa parte das medidas inócuas.

Também na Idade Média é que surgem os primeiros hospitais. Originados da igreja, nas ordens monásticas, inicialmente estavam destinados a acolher os pobres e doentes. Para Foucault (1982a: 99-100),

Antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres. Instituição de assistência, como também de separação e exclusão. O pobre como pobre tem necessidade de assistência e, como doente, portador de doença e de possível contágio, é perigoso. Por estas razões, o hospital deve estar presente tanto para recolhê-lo quanto para proteger os outros do perigo que ele encarna. O personagem ideal do hospital, até o século XVIII, não é o doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo. É alguém que deve ser assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos cuidados e o último sacramento. (...) E o pessoal hospitalar não era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente, mas a conseguir sua própria salvação.
Outra importante contribuição deste período foi a instituição da prática da quarentena para deter a propagação das doenças. A êxito da experiência do isolamento de leprosos – embora proposta por razões religiosas – reforçou a idéia de sua utilização para outras doenças comunicáveis. Diante da epidemia da peste, em meio a outras práticas baseadas na compreensão miasmática e no misticismo (como uso de perfumes, fogueiras purificadoras etc), a retirada das pessoas da convivência e a sua observação até a garantia de que não estivessem doentes já apontavam uma preocupação com a natureza contagiosa de algumas doenças.

Surgida em 1348 em Veneza, principal porto de comércio com o Oriente, a quarentena consistia na notificação de casos suspeitos às autoridades e no isolamento e observação rigorosa de pessoas suspeitas, embarcações e mercadorias por quarenta dias, em uma ilha situada na laguna. Posteriormente, outros locais foram designados com a finalidade de promover a reclusão quarentenária.

Como síntese desse período, parece-nos importante lembrar que, embora a natureza comunicável de algumas doenças fosse cada vez mais nítida - como a lepra e a peste –, a teoria miasmática ainda persistia como modelo explicativo. Ou seja, não havia evidência do elemento comunicável que não aqueles já sugeridos por Hipócrates: uma alteração atmosférica, onde águas estagnadas e matéria orgânica em decomposição corrompiam o ar. Naturalmente que, sob o poder da igreja, foram desautorizadas todas as iniciativas de avanço no conhecimento das causas das doenças e até mesmo de sugestão de qualquer explicação que estivesse além da fé. Aqueles que insistissem enfrentariam os tribunais da Inquisição.
FIOCRUZ

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Carlos Lacerda - A ira sagrada de um polemista



A vida de Carlos Lacerda, um radical ambicioso e brilhante, capaz de derrubar governos

CECILIA PRADA

Em tempos como estes, em que diariamente sucedem-se palpites e vaticínios sobre o destino da mídia escrita, em que a denominada “grande imprensa” – também chamada de “quarto poder” – cotidianamente é acusada de incentivar golpes de Estado e conspirar contra o governo, talvez seja salutar tirar das prateleiras do passado uma figura de jornalista que passou à história como polemista singular, impulsivo, intempestivo e ambicioso, capaz de derrubar governos e estabelecer nos bastidores uma rede de intrigas da qual ele próprio acabou vítima – Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1914-1977), glorificado por uns, demonizado por outros. Porque, diga-se o que se disser dele, não incidiu, pelo menos, na abominação estabelecida na Bíblia para os que são “mornos” e devem ser cuspidos da boca do Senhor.

Se o nome ou nomes que recebemos ao nascer não são escolhidos ao acaso, mas obedecem a editos transcendentais das estrelas – como dizem os adeptos da astrologia –, os que foram dados ao menino nascido no Rio de Janeiro em 30 de abril de 1914 e registrado em Vassouras (RJ) resultaram de imposição mais clara da vontade dos familiares, os quais eram políticos e comunistas. Seu avô paterno, Sebastião Eurico de Lacerda, foi ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas de 1897 a 1898, no governo de Prudente de Morais, e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) de 1912 a 1925. Os nomes escolhidos para o rebento foram “Carlos” (Marx) e “Frederico” (Engels) porque seu pai, o jornalista e político Maurício de Lacerda, participou de várias revoluções, foi membro da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e acusado de envolvimento na intentona comunista de 1935 – nessa ocasião o jovem Carlos, que desde cedo e até 25 anos seguiu a linha política da família, também teve de se esconder em uma chácara durante algum tempo. Seus tios, Fernando e Paulo de Lacerda, foram líderes do Partido Comunista Brasileiro, então chamado Partido Comunista do Brasil (PCB).

Carlos Frederico, porém, proclamaria sempre que era um grande entusiasta e defensor da democracia e da liberdade de expressão. E somente por volta de 1939 foi que rompeu com os correligionários comunistas, pois então teria percebido que sua doutrina levaria a uma ditadura pior que as outras, porque muito mais organizada e, portanto, muito mais difícil de derrubar.

Sabemos, porém, que sempre que ocorrem súbitas mudanças de opinião política não prevalecem argumentos meramente ideológicos, principalmente quando se trata de personalidades ativas na vida pública. Como se deu então essa passagem, em Carlos Lacerda, do ativismo comunista à posição, mantida até o fim da vida, de aderência total aos princípios conservadores e direitistas, dos quais foi o maior porta-voz e articulador?

Um episódio está ligado a essa “conversão”: o rompimento foi consolidado com a publicação, na revista “Observador Econômico e Financeiro”, de um artigo de sua autoria encomendado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), no qual contava a história do comunismo no Brasil e afirmava ao final que, graças ao Estado Novo, o PCB havia sido desbaratado e seus líderes, presos. Em consequência, os comunistas acusaram-no de traidor, contrariando sua versão, segundo a qual o próprio comitê central do partido o autorizara a escrever o artigo, já que, se não o fizesse, a incumbência caberia a “um jornalista ferrenhamente anticomunista”.

Detalhes da punição dada a Lacerda pelo “Partidão” circularam no Rio de Janeiro: o “traidor” teria levado uma surra dos companheiros, antes de ser expulso. Aliás, durante sua agitada existência foram várias as surras que recebeu, devido a excessos verbais, dos inimigos do momento – que poderiam, principalmente no caso de políticos, repentinamente se transformar em “amigos”, e vice-versa. E quando se envolveu na campanha pela deposição de Getúlio Vargas, em 1954, o revide dos atingidos por ele chegou mesmo ao famoso atentado da Rua Tonelero, um episódio que teve a capacidade de mudar a história do país.

Nos anos 1940, Carlos Lacerda teria outra “conversão” – ao catolicismo, levado por Alceu Amoroso Lima e Gustavo Corção. A intelectualidade brasileira ecoava a orientação política do Vaticano de Pio XI, que visava a uma aproximação com os setores dominantes da sociedade, com o recrudescimento da intolerância contra os demais credos e contra o marxismo-comunismo.

Mergulhando na história política do país no período de 1930 a 1964, vemos agora, com o distanciamento de meio século, uma característica primordial da época: na esquerda ou na direita, em todas as correntes ideológicas foi constante o desejo, mal dissimulado em uns, explícito em outros, de um governo forte, ditatorial, personalista, sob o pretexto de se dar ao povo brasileiro – diziam políticos de todo naipe – “democracia, justiça e melhores condições de vida”. Da revolução de Vargas ao estabelecimento efetivo da ditadura militar em 1964 – que duraria 21 anos –, nosso país tornou-se palco de conflito contínuo entre facções aparentemente opostas, mas na realidade muito semelhantes, calcadas abertamente nos regimes totalitários que infestavam o planeta, do nazismo-fascismo ao comunismo soviético.

Se o sonho de governar rasgando a Constituição e dissolvendo o Congresso teve dois momentos explícitos – o Estado Novo e o golpe de 1964 –, ele germinou também amplamente na mente de outras figuras que passaram à história, intelectuais, políticos, governantes: de Luís Carlos Prestes (na intentona de 1935) a Plínio Salgado (com sua tentativa de golpe integralista em 1938), de Jânio Quadros a João Goulart – e inclusive a Carlos Lacerda, que visava chegar à presidência da República. Juscelino Kubitschek constituiu, nesse particular, exceção absoluta – fez sempre questão de governar com a Constituição na mão.

Carisma

Muito culto, dotado de grande inteligência e de um extraordinário poder de expressão verbal e escrita, atraente fisicamente, Lacerda tinha tudo para se tornar um líder político desde a juventude. Nas fileiras comunistas opôs-se sempre a Vargas e manteve-se coerente nessa posição, fazendo da luta contra seus seguidores – explícitos ou embuçados – uma linha constante, através dos anos. Esteve por trás, inegavelmente, das várias conspirações que visaram depor Getúlio e, depois de seu suicídio, perseguiu incansavelmente os que seriam seus continuadores, de Juscelino Kubitschek a Jânio Quadros e João Goulart.

A carreira política de Lacerda, no entanto, tornou-se mais uma consequência de sua intensa e incansável trajetória como jornalista. Ele tem sido comparado, pela audácia das posições que assumia e pelo vigor do que escrevia, com outro jornalista político, Cipriano Barata, do século 19. Como aconteceu com a maioria dos profissionais da imprensa, atravessou, na mocidade, um período em que não tinha mais onde escrever – os donos de jornais temiam sua veemência imprudente, que poderia metê-los em grandes encrencas.

Foi assim que em 1947, após ter sido demitido do “Correio da Manhã” por ter feito mira em suas críticas em um amigo de Paulo Bittencourt, dono desse diário carioca, resolveu fundar seu próprio jornal, levando consigo o título da coluna que lhe dera fama, “Tribuna da Imprensa”. Teve ajuda financeira tanto do Banco de Crédito Real de Minas Gerais como de senhoras da sociedade que eram suas fãs inveteradas – uma de suas paixões, plenamente correspondida, foi pela atriz Maria Fernanda, filha da poeta Cecília Meireles. Outra, como nos conta seu principal biógrafo, John W. Foster Dulles, foi a atriz americana Shirley MacLaine.

De 1949 a 1960 Lacerda transformou a “Tribuna da Imprensa” em púlpito de pregação contra corrupções e negociatas generalizadas e contra todos os seus desafetos, isto é, os que não pensassem como ele. Era insaciável e obcecado nos ataques, como disse o jornalista Hélio Fernandes em entrevista concedida em 1977 a Sebastião Nery: “Seus inimigos que ficassem atentos, [Lacerda] acertaria as contas com os comunistas, com quem sentasse na cadeira de presidente da República, com generais, empresários que viviam de subsídios do governo e com os adversários, de modo geral. De seu alcance não fugiriam nem os udenistas [membros da União Democrática Nacional (UDN), partido ao qual o próprio Lacerda era ligado] que contrariassem suas ideias e posições”.

Outro jornalista famoso de sua época, Murilo Melo Filho, da revista “Manchete”, diria dele: “Nunca vi uma pessoa tão extremada e tão apaixonada pela vida. Tudo nele era grande: as qualidades e os defeitos. Idealista, ele tinha o entusiasmo próprio da juventude. Ficava tão absorvido com o trabalho na ‘Tribuna’ que às vezes nem sequer ia para casa. Dormia na redação, em cima de mesas forradas com jornais”.

Campanhas e crises

O fato de ter jornal próprio possibilitou a Lacerda manter longas e acérrimas campanhas contra o alvo da vez, que às vezes era até mais de um. Esbravejava com a ira sagrada de um Danton contra os assuntos mais comezinhos, como o desperdício do dinheiro público que constituía a compra de um casal de girafas para o Zoo do Rio de Janeiro.

Ficou famosa a campanha que moveu contra um rival de jornalismo, Samuel Wainer, proprietário do “Última Hora”, ligado ao grande inimigo, Getúlio Vargas – acusava-o de só ter podido criar e manter seu jornal devido a um financiamento ilícito obtido por favor do presidente, no Banco do Brasil. Foi tido como “permanentemente oposicionista” ao governo e realmente desestabilizou com sua oratória e seus artigos três governos, o de Vargas, o de Jânio Quadros e o de João Goulart.

Seus inimigos o apelidaram de “O Corvo” e “O Demolidor” – a maioria de seus contemporâneos, como o veterano jornalista Villas-Bôas Corrêa, vê nele qualidades de coragem e ousadia, mas lamenta os defeitos de seu radicalismo cego. Ele seria “muito bom para destruir, mas na hora de construir....” – o que não é exatamente verdade, pois Lacerda, que foi o primeiro governador do estado da Guanabara (1960-65), mostrou nesse cargo capacidade de ótimo administrador e empreendedor, enfrentando questões relacionadas à qualidade de vida da cidade multiproblemática que era o Rio de Janeiro da época, onde não havia nem mesmo um sistema racional de distribuição de água à população ou infraestrutura viária adequada ao trânsito.

Contra Getúlio

Como comunista militante, o jovem Lacerda planejou, em janeiro de 1931, incentivar marchas de desempregados no Rio de Janeiro e em Santos (SP), durante as quais ocorreriam ataques a casas comerciais. Essa espécie de “conspiração”, descoberta e desbaratada pela polícia, foi noticiada até no “The New York Times”. Embora desligado dos comunistas alguns anos mais tarde, ainda durante o Estado Novo assumiu como sua causa principal a derrubada de Vargas e dos movimentos políticos trabalhistas.

Nos anos 1950, já filiado à UDN, batalhou pela não eleição de Vargas e foi certamente a pessoa mais ativa em continuar a atacá-lo após a volta dele ao poder – englobando em seu ódio todos os políticos que considerava como continuadores do “varguismo” – até Juscelino Kubitschek. Lacerda conservou e cultivou sua atitude de violenta rejeição a JK – que passou à história como conciliador, eficiente e democrata, sendo conhecido pelo carisma pessoal que possuía e que fazia dos inimigos amigos.

Com o dono da “Tribuna da Imprensa” isso não foi possível. Como diz um dos biógrafos de JK, Claudio Bojunga, a única pessoa que Juscelino temia era Lacerda – o presidente confessava mesmo que ele era a primeira pessoa em quem pensava, a cada manhã. O jornalista moveu-lhe campanha cerrada, empenhado em não deixar que assumisse, depois de eleito, o cargo de presidente. Chegou mesmo a chamá-lo, em um artigo, de “cafajeste máximo” – tentava desmoralizá-lo, porque sabia que não poderia nunca vencê-lo nas urnas. No entanto, muitos anos mais tarde, quando Juscelino – que fora por ele incluído, com Jango, em sua Frente Ampla para a Redemocratização do País – morreu, Lacerda não hesitou em dizer: “A qualidade mestra de JK era a tolerância, a compreensão, o respeito à inteligência. Que sua morte sirva para restabelecer essas virtudes no Brasil”.

Em agosto de 1953, Lacerda fundou no Rio de Janeiro o Clube da Lanterna, que, congregando diversos parlamentares, principalmente udenistas, tinha por objetivo combater o governo Vargas. Tornou-se presidente de honra da nova entidade e apertou o cerco contra Getúlio, que já lutava para se defender da acusação de governar “em um mar de lama”. A situação agravou-se repentinamente no dia 5 de agosto de 1954, quando Lacerda foi vítima de um atentado, na porta de sua casa, na Rua Tonelero – que causou a morte do major da aeronáutica Rubens Vaz, que o escoltava. Ferido apenas no pé, ainda no pronto-socorro o jornalista atribuía o crime ao governo. Com o envolvimento provado no atentado do chefe da guarda presidencial, Gregório Fortunato, e até do irmão de Getúlio, Bejo Vargas, um manifesto de 30 militares exigiu no dia 23 de agosto, com o apoio maciço da aeronáutica, a renúncia do presidente – que preferiu suicidar-se, na madrugada de 24 de agosto.

A grande comoção popular causada pelo suicídio de Vargas, com ações contra a “Tribuna da Imprensa” e outros jornais antigetulistas, obrigou Lacerda a sair do Rio de Janeiro e esconder-se durante breve tempo. Em janeiro de 1955, já publicava um artigo defendendo abertamente a intervenção militar, preconizando que o governo fosse entregue a “mãos fortes” e conclamando à “união das forças democráticas”, que, a seu ver, encontravam-se ameaçadas com a possibilidade de vitória de Kubitschek. Dali por diante, até o golpe ditatorial de 1964, ele manteria uma aliança com os militares, tomando parte na organização de pequenos movimentos de revolta, como os episódios de Jacareacanga, no Pará, e Aragarças, em Goiás.

A renúncia de Quadros

Durante esses anos todos Lacerda deu prosseguimento à sua própria carreira política, nas fileiras da UDN. Foi eleito deputado federal e posteriormente governador do estado da Guanabara. Apoiara Jânio Quadros na campanha à presidência, mas indispôs-se com ele devido à atitude personalista, fazendo alvo de sua crítica a política externa, que incluía a aproximação com Cuba. Exatamente sete anos após o suicídio de Vargas, em agosto de 1961, Jânio inesperadamente renunciava, depois de oito meses de governo – o motivo imediato desse gesto fora um pronunciamento feito na véspera pela televisão por Lacerda, no qual o jornalista atacava o presidente por ter dado uma condecoração a Che Guevara e denunciava que ele estaria preparando “um golpe de gabinete” e propondo “uma reforma por decreto e com o fechamento do Congresso”.

Conforme é relatado no livro 1961 – Que as Armas Não Falem, de Paulo Markun e Duda Hamilton, o governador da Guanabara chegara a Brasília no dia 18 de agosto para conferenciar com o presidente – dizia-se que ia em busca de empréstimo para seu jornal, que estava em sérias dificuldades. Hospedara-se no próprio Palácio da Alvorada e mantivera conversas particulares com Jânio e com o ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta – a quem fora encaminhado pelo próprio presidente. Quando voltou ao Alvorada, no entanto, Lacerda foi recebido apenas pelo mordomo, com um detalhe: estava com a valise do governador na mão, despedindo-o. Furioso, ao voltar para o Rio de Janeiro Lacerda lançaria seu ataque a Jânio – com o resultado que se sabe.

Seu fervor “revolucionário” recrudesceu durante o agitado e curto período do governo Jango – o inimigo da vez. Lacerda apoiou plenamente o golpe militar de 1964 e muito batalhou para torná-lo eficiente: tinha a certeza de que seria escolhido por seus amigos militares para governar o Brasil. Quando isso não aconteceu, virou a casaca e passou a defender a formação de uma Frente Ampla (foi procurar seus inimigos figadais de outrora) para a derrubada da ditadura. Em 1968, porém, foi preso e pouco depois cassado – vítima da própria serpente ditatorial que nutrira. Após uma semana em greve de fome, conseguiu ser libertado por estar com a saúde debilitada, sob risco, segundo relatou em suas memórias, de entrar em coma diabético. Em 30 de dezembro teve os direitos políticos suspensos por dez anos.

No início de 1969 viajou para a Europa e, em maio, seguiu para a África como enviado especial de “O Estado de S. Paulo” e do “Jornal da Tarde”. De volta ao Brasil, dedicou-se às atividades empresariais, nas companhias Crédito Novo Rio e Construtora Novo Rio, e editoriais, na Nova Fronteira e na Nova Aguilar, todas de sua propriedade. Sob o pseudônimo de Júlio Tavares, colaborou ainda em “O Estado de S. Paulo” e no “Jornal do Brasil”. Faleceu no Rio de Janeiro em 21 de maio de 1977.
Revista Problemas Brasileiros - SESC

Diploma de brancura



Petrônio Domingues
Professor Doutor – Departamento de História – Centro de Educação e Ciências Humanas – Universidade Federal de Sergipe – UFS – 49100-000 – São Cristóvão – SE – Brasil. E-mail: pjdomingues@yahoo.com.br

DÁVILA, Jerry. Diploma de brancura: política social e racial no Brasil (1917-1945). Trad. Claudia Sant'Ana Martins. São Paulo: Editora Unesp, 2006. 400p.

Por que estudar as relações raciais brasileiras a partir da educação? O que ocorreu com o negro no sistema educacional brasileiro nas primeiras décadas do século XX? De que maneira o fator racial determinou o sucesso ou o fracasso escolar das crianças e jovens de cor? As políticas públicas educacionais influenciaram ou foram influenciadas pelas idéias do racismo científico daquela conjuntura histórica? Como as políticas de expansão e reforma do sistema escolar articularam os marcadores raça, classe, gênero e nação? Não são perguntas fáceis de serem respondidas, mas é em torno delas e de outras questões correlatas o tema do livro Diploma de brancura: política social e racial no Brasil (1917-1945), de Jerry Dávila.

Nascido em Porto Rico, Dávila é historiador, professor associado da Universidade da Carolina do Norte em Charlotte. Já foi professor visitante na Universidade de São Paulo (USP) e na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. O livro é fruto da sua tese de doutorado, defendida na Brown University, sob a orientação de Thomas Skidmore. Em 2003, foi publicado nos Estados Unidos e, agora, traduzido no Brasil. A proposta de Dávila é investigar a relação entre raça e políticas públicas na área educacional no Brasil entre o período da Primeira República e a Era Vargas (1917-1945). Para tal empreendimento, consultou uma ampla (e diversificada) quantidade de fontes: decretos, regulamentos, programas oficiais de ensino, censos demográficos, relatórios, jornais da grande imprensa, da imprensa negra paulista, revistas, boletins, memorialistas, cartas, depoimentos, fotografias, etc.

A idéia é demonstrar que educadores, intelectuais, cientistas sociais, médicos tinham a expectativa de que a criação de uma escola universal poderia embranquecer a nação, livrando o Brasil do que eles caracterizaram como a degeneração de sua população. Implementando políticas públicas tanto influenciados pelas matrizes intelectuais e científicas exógenas – sobretudo a eugenia1 – quanto pelas leituras endógenas dos problemas do povo brasileiro, os condutores da educação brasileira acreditavam que a maior parte dos brasileiros, pobres e/ou pessoas de cor, estavam subjugados à degeneração – condição adquirida por meio da falta de cultura, saúde e ambiente, o que comprometia a vitalidade da nação. Também acreditavam na capacidade de mobilizar ciência, técnica, política estatal para "curar" essa população, transformando-a em cidadãos-modelo. Para tanto, era necessário embranquecê-la, fosse em sua cultura, higiene, comportamento e, eventualmente, na cor da pele.

As políticas públicas educacionais – conduzidas ou compactuadas por intelectuais como Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, Fernando de Azevedo, Antônio Carneiro Leão e Edgar Roquette Pinto – tiveram um sentido duplo. Se, por um lado, criaram novas oportunidades no sistema escolar público como um todo, beneficiando alguns segmentos da população historicamente excluídos; por outro, reforçaram uma imagem negativa desses mesmos segmentos. Alunos pobres e de cor foram estigmatizados de doentes, problemáticos e de limitados quanto ao potencial intelectual e cultural. Dávila examina de que maneira a educação pública foi expandida e reformada tendo em vista a reprodução das desigualdades raciais e sociais. Especificamente, "sugeri que o conceito de mérito usado para distribuir ou restringir recompensas educacionais foi fundado em uma gama de julgamentos subjetivos em que se embutia uma percepção da inferioridade de alunos pobres e de cor" (p. 13).

A obra está dividida em seis capítulos. O primeiro mostra como uma elite intelectual brasileira, formada por médicos, cientistas e cientistas sociais, acreditava que a partir da educação pública poder-se-ia solucionar os problemas raciais da nação. O segundo evidencia o entrelaçamento de raça, nacionalismo, ciência e Estado nas agências de obtenção e interpretação estatísticas criadas após 1930. O terceiro capítulo revela que, embora as políticas estatais tivessem ampliado as oportunidades educacionais na rede de ensino público, elas não beneficiaram os afrodescendentes na mesma proporção. As políticas de seleção e treinamento dos professores eram norteadas pelas questões como raça, classe e gênero. Baseando-se em fotografias tiradas com 35 anos de diferença, o autor percebe uma mudança "drástica" no tipo de pessoa que podia se tornar professor no Rio de Janeiro. Em 1911, uma foto mostrava um grupo de professoras afrodescendentes na escola vocacional Orsina da Fonseca. Já uma outra foto mostrava apenas professores formandos brancos, no baile de formatura de 1946 da antiga Escola Normal, que em 1932 se tornou o Instituto de Educação. Talvez por isso Dávila intitulou esse capítulo com uma interrogação: "O que aconteceu com os professores de cor do Rio?". Não precisa acabar de lê-lo para saber que houve um gradual branqueamento do quadro de professores do Rio de Janeiro. Não só lá, mas também do quadro discente da escola de formação de professores. O quarto capítulo pauta a principal reforma do sistema escolar carioca, comandada por Anísio Teixeira, entre 1931 e 1935. Já o capítulo seguinte aborda a reforma de Anísio Teixeira na década posterior ao seu afastamento do sistema escolar pelos adversários católicos conservadores. Apesar das divergências no que diz respeito às políticas educacionais, as elites – tanto a progressista como a conservadora – continuavam concebendo raça, ciência e nação de modo similar. O quinto e último capítulo indica como a educação secundária qualificava um grupo reduzido de pessoas cujos sonhos de ascensão social eram permeados pelos valores da brancura. Um estudo de caso da escola considerada modelo, o Colégio Pedro II, exemplifica bem esse processo.

Desde o compositor Heitor Villa-Lobos, o autor de livros didáticos de história Jonathas Serrano, o antropólogo Arthur Ramos, o psicólogo infantil Manoel Lourenço Filho até o ministro da Educação e Saúde do governo Vargas, Gustavo Capanema, defendiam a idéia da superioridade da "raça branca", não numa perspectiva biológica, mas cultural – ou, sendo mais preciso, de acordo com a "metáfora" da época: o passado do Brasil seria negro, o presente mestiço e o futuro branco, inexoravelmente. Heitor Villa-Lobos – que iniciou sua carreira no ensino musical no sistema escolar do Rio de Janeiro em 1933 –, por exemplo, associava negritude à rebelião, aos maus hábitos e aos problemas de hereditariedade, já brancura, relacionava ao progresso, à beleza e à virtude.

Dávila adverte que seu escopo não foi julgar as idéias desses e outros educadores, como Afrânio Peixoto, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, mas entender como as idéias orientaram suas práticas políticas e reverberaram nas instituições que eles criaram ou reformaram. Dotados da "incumbência de forjar um Brasil mais europeu e presos a um senso de modernidade vinculado à brancura, esses educadores construíram escolas em que quase toda ação e prática estabelecia normas racializadas e concedia ou negava recompensas com base nelas" (p. 25). A brancura simbolizava as virtudes desejadas de saúde, cultura, ciência e modernidade.

Por sinal, o título da obra, Diploma da brancura, não foi escolhido pelo autor aleatoriamente. Ele se inspirou numa reportagem da revista Veja de dezembro de 2000, que mostrava a possibilidade de as pessoas serem vistas como brancas apesar da cor de sua pele. Na avaliação de Dávila, esse imaginário racial expressa bem o que a educação pública significava para os líderes do movimento pela expansão e reforma escolar no período entre as duas guerras mundiais: a educação seria um valioso pólo difusor de saúde e cultura básicas, permitindo que todos, independentemente de sua cor, fossem alçados a condição de brancos.

Retomando a pergunta que abre essa resenha, por que estudar as relações raciais brasileiras a partir da educação? Segundo Dávila, o sistema educacional foi uma das principais áreas sobre as quais os especialistas da questão racial no Brasil atuaram e se engajaram para a construção de uma nação social e culturalmente branca. Como a educação é um universo de políticas públicas, revela as maneiras pelas quais esses especialistas traduziram suas idéias em práticas sociais. Mais do que isso. A educação pública fornece subsídios históricos para se pensar os padrões de desigualdades raciais no Brasil e, simultaneamente, entender uma das características mais significativas das relações de raça e nação: a ambivalência. Embora a raça fosse um marcador diacrítico que podia selar a sorte educacional de centenas de milhares de pessoas de cor no Rio de Janeiro, e milhões no Brasil, ela normalmente ficava travestida num discurso médico e científico-social mais amplo sobre a degeneração. A conclusão básica do autor é: intelectuais e gestores públicos impingiram seus valores de raça e lugar social nas políticas educacionais do país, mas o fizeram sem declararem ou, antes, a partir de uma retórica médica, científica, técnica, meritocrática. Essas políticas não pareciam, superficialmente, prejudicar nenhum indivíduo ou grupo. Como conseqüência, "essas políticas não só colocavam novos obstáculos no caminho da integração social e racial no Brasil como deixavam apenas pálidos sinais de seus efeitos, limitando a capacidade dos afro-brasileiros de desafiarem sua justiça inerente" (p. 22).

Ao ler Diploma de Brancura, observa-se que a mensagem da obra é desconcertante: o sistema escolar da Primeira República a Era Vargas foi influenciado por questões de raça, classe e gênero, em todos os seus níveis: do currículo à seleção de alunos, distribuição e promoção; testes e medidas; seleção e treinamento de professores; programas de saúde e higiene (p. 363). Embora houvesse controvérsia sobre a suposta degeneração do negro e mestiço e da possibilidade de aperfeiçoamento eugênico da raça, havia consenso acerca do significado e o valor da brancura. Intelectuais, políticos e gestores públicos confiavam no futuro branco do Brasil e no papel estratégico da educação nesse processo. Isso significa dizer que o sistema educacional brasileiro era racista e excluía os negros deliberadamente? Se for para adotar como parâmetro o conceito de racismo dos Estados Unidos – cuja característica básica é a segregação e hostilidade raciais –, Dávila conclui que a resposta seria negativa. Todavia, ele não tem dúvida que o sistema escolar daquele período foi refratário à inclusão racial, limitou as oportunidades educacionais de crianças e jovens de cor e legitimou as desigualdades sociais entre pessoas brancas e negras no Brasil.

O livro padece de alguns problemas. A despeito de o subtítulo informar que a área de abrangência da pesquisa é "Brasil" e o autor fazer alusão, aqui e acolá, a alguns Estados, o recorte espacial fica notadamente circunscrito ao Rio de Janeiro. Quanto ao uso das fontes, Dávila incorre em um ou outro deslize. Para reforçar a "pista" de que alguns professores de fenótipos mais escuros no Rio de Janeiro se viam como afrodescendentes, ele lança mão de uma fonte atinente à experiência histórica do negro em Campinas, em São Paulo (p. 157). Isto volta a acontecer alhures. Para patentear o desaparecimento gradual dos professores de cor, novamente no Rio de Janeiro, ele apresenta o discurso do líder negro de Pelotas/RS, Miguel Barros, no Congresso Afro-Brasileiro de Recife em 1934, denunciando a situação dos afro-gaúchos (p. 160). Outro problema da pesquisa diz respeito à ausência ou, antes, a não explicitação do referencial teórico-metodológico. Embora hoje seja consenso de que é de fundamental importância o conhecimento histórico ser produzido a partir de uma relação dialógica entre as categorias analíticas e as fontes, os conceitos e as evidências, a teoria e a empiria, o autor não revela quais são os pressupostos teórico-metodológicos de sua prática historiográfica. Aliás, essa característica não é uma exclusividade de Dávila; vários outros historiadores brasilianistas costumam dar muita (ou total) importância para a interpretação das fontes documentais e obliteram a discussão das questões epistemológicas.

Com efeito, esses problemas não chegam a comprometer a qualidade da obra. Num momento em que o debate sobre a questão racial no sistema educacional brasileiro é candente, a publicação de Diploma de brancura é bem oportuna. A partir dessa obra, não é mais possível negar que as políticas públicas educacionais desfavoreceram a população negra no período do pós-Abolição, produzindo (e reproduzindo) distorções raciais crassas. Como o papel da história não é conhecer o passado com uma perspectiva meramente contemplativa, é escusado dizer que são necessárias medidas compensatórias concretas no presente para corrigir essas distorções.

NOTA

1 O termo "eugenia" – eu: boa; genus: geração – foi criado em 1883 pelo cientista britânico Francis Galton. Noção popular por toda a Europa e América no período entreguerras, a eugenia foi uma tentativa de "aperfeiçoar" a população humana por meio do aprimoramento de traços hereditários. Uma eugenia "pesada", baseada na eliminação do acervo reprodutivo de indivíduos que possuíam traços indesejados por meio da esterilização ou do genocídio, foi implementada na Alemanha nazista, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Grande parte da América Latina assimilou uma eugenia "leve", que preconizava "que o cuidado pré e neonatal, a saúde e a higiene pública, além de uma preocupação com a psicologia, a cultura geral e a forma física melhorariam gradualmente a adequação eugênica de uma população" (p. 31).
Revista História - UNESP

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A PRIMEIRA ESCOLA DE SAMBA DO BRASIL


Ricardo Barros Sayeg*

“Ê, FAVELA!
DA BATUCADA, DO MEU GRANDE AMOR
EU SOU MALANDRO E FAÇO HISTÓRIA
NA ZONA DO MANGUE ONDE TUDO COMEÇOU
NASCIA EM FORMA DE ORAÇÃO
NAS MESAS DO CAFÉ, UMA CANÇÃO
BAMBAS QUE O BERÇO DO SAMBA UM DIA EMBALOU
VERSOS DE ISMAEL, "SE VOCÊ JURAR"
TE DOU EM POESIA, A "DONA DO LUGAR"
VAI MINHA INSPIRAÇÃO... DEIXA FALAR”
Do samba enredo: “Deixa Falar, a Estácio é isso aí.
Eu visto esse manto e vou por aí”, 2010

A primeira escola de samba brasileira foi a Deixa Falar, fundada em 18 de agosto de 1928, no bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, por Nilton Bastos, Ismael Silva, Silvio Fernandes, Oswaldo Vasques, entre outros. Seus componentes ensinavam e difundiam o samba, por isso ela foi considerada a primeira escola dedicada ao samba.

Na verdade, a Deixa Falar durou pouco tempo. Desfilou nos carnavais da Praça Onze nos anos de 1929, 1930 e 1931. Em 1932, quando foi organizado o primeiro concurso de escolas de samba pelo jornal Mundo Sportivo, a escola não desfilou. Naquele ano, a agremiação resolveu mudar sua categoria para rancho. Ela já havia desfilado em 1931 nessa nova categoria com o enredo “O Paraíso de Dante” e teve boa avaliação na mídia da época.

Em 1932, decidiu concorrer nos desfiles de ranchos com um novo enredo “A Primavera e a Revolução de Outubro”, mas não conseguiu sequer classificação. De acordo com a comissão julgadora daquele concurso, a Deixa Falar teria se apresentado “simples e sem maiores pretensões”. Nesse mesmo ano, a escola viria a acabar devido a conflitos entre os fundadores, sobre a subvenção oferecida pela prefeitura para aquele desfile.

O termo escola teria sido cunhado por Ismael Silva, um dos grandes compositores do samba carioca, pois próximo à Deixa Falar havia uma escola normal. Ele então teria dado o nome de escola de samba, pois sua escola formaria sambistas e não professores. Alguns historiadores, entretanto, discordam dessa explicação, pois teriam dito que o termo escola já teria sido utilizado antes de 1928.

As cores da Deixa Falar eram o vermelho e o branco, em homenagem ao América Futebol Clube, que ficava próximo à escola, e também ao bloco A União faz a Força, que havia deixado de existir em 1927, com a morte de Mano Rubem, um de seus fundadores, admirado pelos integrantes da Deixa Falar.

A escola de samba Estácio de Sá, em 1980, desfilou com o enredo “Deixa Falar”, em homenagem à escola pioneira da década de 1910, e em 2010, a mesma Estácio desfilou com o enredo: “Deixa Falar, a Estácio é isso aí. Eu visto esse manto e vou por aí” em homenagem àquela que foi a primeira agremiação do samba brasileiro.


*Ricardo Barros Sayeg. Professor de História do Colégio Paulista. Mestre em Educação e formado em História e Pedagogia pela mesma universidade.

No tempo dos corsários e piratas



No tempo dos corsários e piratas
No século XVII, os piratas aterrorizavam os mares. Seu alvo principal eram os galeões espanhóis cheios de ouro do Novo Mundo. Foram instrumentos de uma luta entre nações.
Maria Inês Zanchetta

Em maio de 1701, quem percorresse as margens do rio Tâmisa, em Londres, depararia com um espetáculo macabro: cadáveres pendurados em estacas balançando com o movimento das águas. Eram corpos de piratas que tinham sido condenados a morrer na forca. A inusitada exposição destinava-se a chamar a atenção dos marinheiros para o que lhes aconteceria caso fossem capturados como piratas. A terrível advertência fazia parte dos esforços da Inglaterra em por fim à pirataria - cujo governo, por sinal, a estimulara cem anos antes - e assim tranqüilizar os comerciantes que viam seus negócios ameaçados pelos ladrões dos mares. Entre os desconhecidos corpos de marinheiros que pendiam em Londres naquela primavera do início do século XVIII, um ao menos era de um personagem importante: o capitão da marinha William Kidd, que em 1695 desertou com navio e tudo, tornando-se um dos mais célebres piratas da época.

Preso em Boston, na então colônia inglesa da América do Norte, o escocês Kidd foi julgado e executado em Londres. Na verdade, a pirataria não era propriamente uma novidade na Europa daqueles notáveis tempos de expansão econômica e marítima. Tão antiga quanto a própria história da navegação, a pirataria se fez presente desde os tempos antigos, passando pelo Egito e Grécia até o império romano. Depois, durante a Idade Média, teve nos vikings nórdicos seus mais ferozes praticantes. Além deles, também ingleses, franceses, holandeses, irlandeses e árabes dedicaram-se ao ofício pouco nobilitante de despojar de suas riquezas navios em alto-mar. Por representarem um transtorno à boa marcha dos negócios por via marítima, os piratas sempre estiveram sujeitos a severas punições.

Apesar disso, houve época em que a atividade chegou a ser estimulada por vários governos. No século XVI, os ingleses sentiam-se ameaçados pela Invencível Armada espanhola, montada graças ao ouro saqueado das Américas. Em 1567, com suas naus equipadas com o que havia de mais moderno em matéria de armas de fogo, a Espanha acabou por bloquear o tráfego comercial marítimo entre as Ilhas Britânicas e os Países Baixos. Para dar o troco aos espanhóis, a Inglaterra criou e manteve durante vinte anos uma verdadeira frota mercenária: os corsários, navegadores aos quais outorgavam cartas de corso (do latim cursus, viagem por mar). Tratava-se, na verdade, de autorizações para roubar: as cartas permitiam que eles abordassem os galeões espanhóis que traziam para a Europa as riquezas das colônias do Novo Mundo.

O cenário era o mar das Antilhas, na América Central. “A vantagem para os ingleses é que as frotas que levavam os tesouros espanhóis tinham data marcada para sair e rota conhecida, o que facilitava o trabalho dos piratas. Mesmo assim os combatentes eram ferozes, pois as frotas eram sempre escoltadas”, explica a historiadora Janice Theodoro da Silva, da USP, especializada em América colonial. “O investimento que a Inglaterra fazia na pirataria tinha retorno certo”, avalia a historiadora. “Embora as despesas fossem enormes, o butim era compensador”. A rigor, a Inglaterra não era a única nação cujo comércio exterior se ressentia da presença espanhola nos mares - e por isso recorria aos corsários. A França, por exemplo, também se valia dessa arma.

A diferença é que a Inglaterra soube utilizá-la como ninguém, até porque alguns dos mais célebres piratas eram súditos de Sua Majestade Britânica. O melhor exemplo disso foi o audacioso Francis Drake, que entre 1577 e 1580, com o apoio da rainha Elizabeth I, realizou uma viagem de circunavegação do mundo em seu navio The Golden Hind, passando pelo estreito de Magalhães, que liga no sul da América o Atlântico ao Pacífico. Já que estava mesmo por ali, aproveitou para saquear a costa do Pacífico e capturar o ouro, a prata e as pedras preciosas dos galeões espanhóis. Ao regressar à Inglaterra, foi recebido com todas as honras pela rainha e condecorado com o título de sir.

O suporte da coroa britânica à pirataria enfureceu de tal forma o rei Felipe II da Espanha que acabou declarando guerra aos ingleses. Foi uma decisão que mudou o curso da história européia. Pois em 1588, há quatrocentos anos, a Invencível Armada, com seus 133 navios, foi destroçada - e essa foi uma das causas do declínio político e econômico da Espanha no mundo e da ascensão da Inglaterra. Corsários, flibusteiros, bucaneiros ou pura e simplesmente piratas, financiados por governos ou por ricos comerciantes, tinham sempre um único objetivo, como, aliás, todo ladrão que se preze, em alto-mar ou terra firme: fazer fortuna pilhando a fortuna alheia. No entanto, como em tudo na vida, nem sempre eram bem-sucedidos.

Qualquer marinheiro que embarcasse num navio pirata sabia, por exemplo, que sem presa não haveria paga. Por isso, era uma gente disposta a tudo. Quando o capitão do navio finalmente conseguia arrebanhar a tripulação de que precisava para zarpar, estabelecia as regras para a divisão do produto do saque. Os interessados ficavam então sabendo que, terminada a pilhagem, as mercadorias seriam vendidas; calculado seu valor total, deduziam-se as despesas de viagem (um terço era pago a quem havia financiado o, digamos, empreendimento) e o restante era repartido. Ao capitão, naturalmente, cabia a parte do tubarão - algo como um terço do produto do saque; os marinheiros de primeira viagem ficavam com os trocados.

Mas, veterano ou novato, o marinheiro que primeiro gritasse “vela à vista” receberia 100 moedas. Se houvesse combates e algum marinheiro saísse mutilado, seria indenizado: quem perdesse um olho ou um braço recebia 600 moedas; a perda de um dedo (do pé ou da mão) era recompensada com 100 moedas. Tais obrigações deviam ser cumpridas à risca pelo capitão; em contrapartida exigia-se que os marinheiros não se acovardassem nem se embriagassem na iminência de uma abordagem - o que, apesar de tudo, era comum. Para saber se um marinheiro estava ou não bêbado, submetia-se o suspeito à prova de andar em linha reta - e não se admitia culpar o balanço do mar pelos ziguezagues.

Os piratas embarcavam nessa vida movidos pela ganância, mas suportavam o dia-a-dia a bordo movidos a álcool, rum de preferência. Conta-se até que certa vez uma navio de piratas demorou três dias para capturar um galeão por falta de homens sóbrios. Mas havia ocasiões em que era permitido festejar e beber até cair. Isso acontecia quando os navios atravessavam determinados marcos geográficos como o estreito da Flórida (que separa o mar das Antilhas do golfo do México) ou a linha do equador (marco imaginário que divide o hemisfério norte do hemisfério sul). Então um dos piratas se vestia de rei e, acompanhado de sua corte, todos vestidos de forma espalhafatosa, batizava os que nunca haviam cruzado a fronteira. O batismo variava desde o afogamento simulado num barril até um passeio sobre uma tábua suspensa na proa e então mergulhada na água, uma, duas, três vezes. Depois, os calouros que resistissem a essa verdadeira tortura recebiam um apelido que lhes dava a tripulação. A cerimônia, por assim dizer, terminava com uma batalha de água que se espalhava pelo navio e geralmente com homéricos porres. Esse costume talvez tenha dado origem às festas que os navios de passageiros promovem até hoje para comemorar a travessia do equador.

Mas a vida no mar nas regiões tropicais estava longe das lendas que a literatura e o cinema se encarregariam de difundir. As ilhas onde os piratas aportavam podiam ser ensolaradas, com praias cobertas de palmeiras e cachoeiras de águas límpidas. Mas, apesar do cenário paradisíaco, os ladrões do mar costumavam padecer - e muitas vezes morriam - de tudo quanto fosse doença. Como nem sempre as provisões que levavam eram suficientes para a incerta vida marítima - as tempestades, por exemplo, podiam tirar os navios da rota -, os piratas acabavam a pão e água (ou nem isso) até chegar a um porto seguro onde pudessem reabastecer os navios. Freqüentemente, a comida não só era pouca mas inadequada. A falta de vitamina C, por exemplo fazia o marinheiro morrer de escorbuto, doença que se caracteriza por provocar fortes hemorragias. Trechos de um depoimento deixado por um pirata anônimo, citado pelo historiador Edward Ritchie, da Universidade da Califórnia, dá uma idéia do que podia ser a vida de pirata:

“Muitas são as misérias que os marinheiros enfrentam quando adoecem, sendo poucos os meios de se reconfortarem, pois então não podem buscar a carne e a bebida que acham que lhes farão bem (...) E, quando o marinheiro morre, é ‘enterrado’ rapidamente, poupando aos amigos e conhecidos o trabalho de ir à igreja e mandar dobrar os sinos (...) Em lugar disso eles apenas o costuram num cobertor velho ou num pedaço de lona, amarram em seus pés duas ou três balas de canhão e o lançam ao mar”. Havia ainda problemas mais prosaicos. Por exemplo, o constante contato com a água salgada decompunha as roupas rapidamente e os piratas se viam obrigados a usar as sedas e brocados que haviam pilhado - e que não eram propriamente os trajes mais adequados para o clima e o serviço.

Não espanta assim que, se a primeira ambição de um pirata fosse enriquecer, a segunda era voltar para casa o quanto antes. Em casa, alguns piratas bem-sucedidos, tinham prêmios adicionais à espera. Além de Sir Francis Drake, houve o caso do inglês Henry Morgan. No comando de uma frota que chegou a ter 36 navios, ele percorreu o mar das Antilhas durante dezessete anos. Mas em 1672 foi preso e reconduzido à Inglaterra. Ali, no entanto, foi feito cavaleiro e ainda por cima nomeado governador da Jamaica - com a incumbência de reprimir a atividade de seus ex-companheiros. Morgan morreu em 1688, aos 53 anos, em santa paz e cercado de todas as homenagens.

Foi por essa época, no final do século XVII, que as colônias inglesas, francesas e holandesas nas Antilhas começaram a atrair aventureiros de todo tipo. Como não tinham terras e a economia colonial girava em torno de plantações que utilizavam mão-de-obra escrava, esses forasteiros acabaram confinados a alguns povoados. Por força do isolamento, organizaram-se em confrarias para tentar a sorte no mar, dedicando-se também à pirataria. Como algumas dessas colônias eram pobres, seus governadores, sem meios de combater os piratas, não tinham outra saída senão aliar-se a eles. Por isso, alguns portos antilhanos, como Port Royal, Anguila e a ilha de Tortuga, transformaram-se em célebres esconderijos de piratas.

Tanto nos povoados que freqüentavam quanto nos seus navios, as regras eram informais. Num livro sobre pirataria, tema que fascinou o inglês Daniel Defoe (1660-1731), autor do clássico romance Robinson Crusoé, narra que, muitas vezes, os piratas elegiam democraticamente seus capitães. Eles também acabaram substituindo a tradicional bandeira vermelha sem emblema, a marca registrada dos navios corsários, pelo pano negro estampado com a caveira e os ossos cruzados. Os ladrões do mar, entretanto, já estavam com os dias contados.

No início do século XVIII, já estabelecida como a nação mais rica e poderosa do mundo, a Inglaterra dispensou definitivamente os serviços dos piratas - e declarou aberta a temporada de caça à pirataria. Assim o governo britânico cumpria com algum atraso o compromisso assinado em 1670, no Tratado de Madri. A primeira lei inglesa instituindo tribunais especiais para julgar os piratas capturados data de 1700. Foi graças a essa lei que o capitão William Kidd acabou executado e teve seu corpo exposto em Londres em 1701. Dezessete anos depois, chegou a vez de outro pirata famoso, Edward Teach, o Barba Negra, que assolava as colônias inglesas da costa sudeste da América do Norte. Ele costumava buscar refúgio em Charleston, na Carolina do Sul, mas os habitantes do lugar acabariam criando coragem e trataram de dar cabo de tão perniciosa figura. Assim, Barba Negra terminou seus dias linchado. Os corsários saíam da história para virar lenda.
Revista Superinteressante

As mulheres contra Einstein


Em 1933, quando Adolf Hitler assumiu o poder na Alemanha, Albert Einstein, judeu de nascimento e pacifista por convicção, achou que não poderia viver mais no seu país e aceitou um convite para lecionar na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Não contava, porém, que também houvesse americanos partidários de Hitler e da guerra capazes de identificá-lo como comunista e ateu, e por isso teve de enfrentar algumas manifestações de repulsa. A mais pitoresca foi a de uma liga de mulheres americanas que lhe enviou um longo e irado memorial. Bem humorado, o cientista respondeu: "Jamais encontrei, da parte do belo sexo, reação tão enérgica contra uma tentativa de aproximação. Se agora isto acontece, jamais, em uma só vez, tantas mulheres me repeliram. Não têm razão estas cidadãs vigilantes? Deve-se acolher um homem que devora os capitalistas calejados com o mesmo apetite, a mesma volúpia com que, outrora, o Minotauro cretense devorava as delicadas virgens gregas e que, além do mais, se revela tão grosseiro que recusa todas as guerras, com exceção do inevitável conflito com a própria esposa? Escutai, portanto, vós, mulheres prudentes e patriotas: lembrai-vos também que o Capitólio da poderosa Roma foi outrora salvo pelo cacarejar de suas gansas fiéis".
Revista Superinteressante

O Caracol dos Maias

O Caracol dos Maias
Construído em 850, ajudava a determinar o início das estações do ano.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão


A Astronomia desenvolveu-se desenvolveu-se entre os maias por ser um dos elemen¬tos fundamentais na prática dos rituais religiosos que, na maioria das vezes, se realizavam à noite. Uma prova disso está numa das gravuras que aparecem em seus manuscritos (chamados Código de Mendoza), na qual um sacerdote toca um instrumento enquanto outro observa as estrelas para determinar a hora do início das cerimônias. Os elevados monumentos piramidais maias eram, na verdade, observatórios ideais para a pesquisa noturna e diurna do céu. As construçôes orientavam-se nesse sentido e delas podiam ser estimadas com precisão a passagem do Sol pelo zênite - o ponto do céu que está diretamente acima da cabeça do observador - e as épocas em que se iniciavam as estações do ano.
Em suas observações, os maias usavam alguns instrumentos primitivos semelhantes às balestilhas - duas hastes cruzadas -, com as quais os astrônomos-navegantes do século XVI observavam a altura dos astros. Um exemplo típico de construção maia com fins de observação astronômica é o chamado Caracol de Chichén-Itzá, cidade situada nas planícies do Yucatán. próximo à Mérida. no México.
Essa edificação está intimamente ligada às civilizações maia e tolteca - esta última, contemporânea da primeira. O monumento foi chamado de EI Caracol pelos espanhóis. porque sua escada interior, em espiral. lembra a concha de um caramujo. Nesse edifício circular encontram-se aberturas orientadas de modo a permitir a determinação dos solstícios de inverno e verão (dias que marcam o início dessas estações) e da mesmo forma dos equinócios de primavera e outono.

O Caracol, cujo início da construção data de 850, tem uma torre de 12 metros de altura, erguida sobre uma dupla plataforma retangular de 9 metros. A plataforma inferior parece ter sido situada e orientada astronomicamente: sua parte anterior era dirigida para Vênus. que alcança seus maiores afastamentos norte e sul no horizonte em intervalos regulares. ao longo do calendário maia. Na plataforma superior, a parede frontal tem como perpendicular a direção que corresponde àquela do nascer do Sol no dia de sua passagem zenital em Chichén-Itzá no ano 1000.
Construída pelos toltecas, a torre tem dois andares. Com 11 metros de diâmetro e paredes muito grossas, dispõe de quatro portas muito, estreitas. No centro. uma grossa coluna sustenta a rampa - a célebre escada em caracol - por meio da qual se chega à câmara retangular do andar superior. Trata-se de uma tarefa difícil. já que a escada não começa no nível do solo e sitl) no princípio da abóbada. A câmara é pequena e grande parte de seu piso está destruído. Mas do que restou é possível deduzir que ela também tinha paredes espessas, uma porta e sete aberturas retangulares muito estreitas que serviram - pelo que se conclui de sua orientação - para determinar os solstícios e equinócios.

Para isso, os maias deviam observar o horizonte por uma linha de visada tangente - que sai do olho e tangencia o lado interior direito e exterior esquerdo de cada uma das aberturas. Desse modo conheciam a direção do pôr-do-sol no solstício de verão (o dia mais longo do ano) e a dos equinócios da primavera e do outono (quando dia e noite têm a mesma duração). Algumas dessas aberturas davam as direções do ocaso de Vê nus em suas máximas declinações norte e sul. Da mesma forma que os astecas, os maias também tinham sua atenção voltada para as estrelas e costumavam levantar-se durante a noite para observer o céu. Eles acreditavam que o firmamento noturno reunia dois dos seus grandes deuses: Tezcatlipoca, que simbolizava o céu. à noite, e a serpente Quetzalcóatl, que representava o zodíaco, o criador do calendário. Além da cobra zodiacal da noite, criou-se mais tarde a figura de Xiucoatl, a cobra azul— zodíaco imaginário do dia e que se encontra lindamente esculpido no calendário asteca.
Revista Superinteressante

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Descartes: A razão acima de tudo



Descartes: A razão acima de tudo

O filósofo diz: `Penso, logo existo` e lança as bases da grande revolução no conhecimento.
Jaime Klintowitz
O rigoroso inverno de 1619 imobilizou o exército de Maximiliano da Baviera. Um percalço militar irrelevante para o desfecho da Guerra dos Trinta Anos, que ensangüentaria a Europa, mas que teve inesperada e decisiva importância para a Filosofia e a ciência moderna. René Descartes, jovem francês de 23 anos engajado nas tropas bávaras, aproveitou o frio para se isolar em um quarto de estalagem nas cercanias de Ulm, na Alemanha, e - como era de seu gosto - passar dias em febril atividade intelectual. Na madrugada gelada de 11 de novembro, as centelhas de seu cérebro explodiram em sonhos agitados - em um deles, o Espírito da Verdade lhe abria os tesouros da Ciência. Na manhã seguinte, superexcitado, Descartes concluiu estar no limiar de uma “ciência admirável".

"Penso, logo existo", sua máxima mais conhecida e que viria a ser a viga de sustentação do racionalismo moderno começou a nascer naquelas horas. Nas imagens dos sonhos, o jovem pretendeu ver símbolos de iluminação e indicadores da missão a que deveria consagrar sua vida: unificar todos os conhecimentos humanos sobre bases racionais. Foi ali, ao pé de uma estufa a carvão, a espada inútil encostada à parede, que Descartes pela primeira vez teve a idéia de aplicar a álgebra à geometria e a Matemática a todas as coisas. Ele desempenhou com tamanha habilidade a tarefa de dar novos alicerces ao edifício do pensamento que passou à História como o "pai da Filosofia moderna", cuja obra é o ponto de partida obrigatório para se entender as origens do modo de pensar que tornaria possíveis as revoluções científicas dos séculos seguintes.

Mas isso não estava nos cálculos do lar de Descartes, uma próspera família burguesa radicada entre Tours e Poitiers, no coração da França, e tradicionalmente dedicada ao comércio e à Medicina. Graças a uma bem azeitada estratégia matrimonial, no final do século XVI os Descartes tinham-se ligado a famílias ricas e notáveis da província - os Sain e os Brochard -, e estavam em franca ascensão social. Como era de se desejar para um gentil-homem daqueles tempos não de todo esquecidos do passado medieval, o avó Pierre combatera nas guerras religiosas; a mãe, Jeanne, era filha do tenente-general de polícia de Poitiers. E Joachin Descartes, o pai, chegou a conselheiro do rei no Parlamento da Bretanha título com o qual é identificado na ata de batismo de René, nascido em La Haye-Touraine, a 31 de março de 1596, terceiro e último filho do casal.

Jeanne Brochard morreu tuberculosa um ano depois e ninguém dava um vintém pela sobrevivência do filho. Ele herdara da mãe os pulmões fracos e uma tosse crônica que jamais o abandonaria. Mas o menino de aparência delicada tinha a mente ágil, e Joachin viu nele seu sucessor nos negócios e no Parlamento. Decidido a preparar René para um futuro brilhante, enviou-o em 1606 para o colégio jesuíta de La Flèche, às margens do rio Loire. Fundada apenas dois anos antes, graças à generosidade do rei Henrique IV, o fundador da dinastia Bourbon, a dos Luíses, a escola já era considerada uma das melhores da Europa. Em 1610, quando o soberano morreu e seu coração foi transladado para a capela de La Flèche, o menino René Descartes, monarquista convicto como seria por toda a vida, assistiu emocionado às solenidades.

Como sua saúde frágil era notória, Descartes recebeu permissão para ficar na cama quanto quisesse - o privilégio era igualmente um prêmio a seu brilhante desempenho escolar. Adulto, Descartes manteria o hábito de trabalhar no leito e cultivaria a mesma solidão dos tempos do La Flèche, a ponto de ter tomado, ainda jovem, a decisão de não casar. Mas teve lá suas aventuras: em 1635 nasceu Francine, sua filha com Helena, uma criada. Tampouco seria o sucessor do pai, missão assumida pelo filho mais velho, Pierre. Mas a herança paterna permitiu-lhe viver igual a outros gentis-homens de seu tempo: de forma modesta, mas sem trabalhar. Havia outras heranças a considerar, contudo. O século XVI virara de ponta-cabeça a vida do homem ocidental. Navegadores e aventureiros rasgavam mares e continentes, descobrindo terras e povos.

A efervescência cultural da Renascença criara uma vaga que não cessava de afogar as velhas certezas da Filosofia e da ciência baseadas sobretudo nos escritos do grego Aristóteles e na autoridade da Bíblia. O prestígio do Estado e da Igreja estavam igualmente corroídos pela dissidência política e pela Reforma protestante. Um novo mundo nascia. Mesmo em retirada, porém, a velhas instituições permaneciam, no início do século XVII, robustas o suficiente para queimar na fogueira um certo número de pensadores atrevidos.

A Europa sabia então possuir músculos capazes de arrasar e pilhar impérios na América e de saquear as costas africanas e asiáticas. Mas chocava-se com a revelação de que outros povos viviam segundo padrões bem diferentes daqueles que pareciam os únicos legítimos. Natural que os ventos fossem de perturbação e descrença. "Só há opiniões neste mundo incerto", concluía, desanimado, o pensador francês Michel de Montaigne (1533-1592), o mais célebre dos céticos.

Quando Descartes vai para a escola, está na ordem do dia a busca de um novo caminho para o conhecimento, uma trilha que escape aos labirintos das discussões estéreis. Em poucas palavras, falta um método para a ciência. Em La Flèche, Descartes ainda não sabe, mas será um dos pensadores responsáveis por uma das duas principais vertentes do pensamento moderno - ao buscar na razão a recuperação da certeza científica, dará origem ao racionalismo; o outro percurso será traçado pelo inglês Francis Bacon (1561-1626), que propõe formular as leis científicas partindo de casos e eventos particulares, raiz do experimentalismo.

La Flèche está, contudo, no contrafluxo da história. A escola, onde o latim é a única língua admitida e Cícero o autor mais lido, é um sólido bastião da herança medieval. Descartes fica profundamente decepcionado com a repetição incessante de antigas verdades, sem lugar para, a dúvida. Está fascinado, porém, com a Matemática e se espanta que, "sendo seus conhecimentos tão firmes e sólidos, nunca tivesse conduzido a algo mais elevado". Em 1614, vai cursar Direito na Universidade de Poitiers, de onde sairá dois anos depois com um diploma de doutor e a mesma opinião sobre a erudição tradicional. Nela, as teses mais contraditórias são "cultivadas pelos melhores espíritos", escreveria mais tarde.

Nos meses seguintes, Descartes vive entre a Bretanha e Paris, onde perambula pelos salões mundanos e começa a ficar, conhecido nos círculos intelectuais. É então que conhece o padre Mersenne, seu confidente e consultor por toda a vida. Em 1618, querendo continuar os estudos, parece-lhe razoável fazê-lo na academia militar que Maurício de Nassau - o mesmo que governou Pernambuco - criara em Breda, na Holanda. Vestir farda estrangeira não era nada de extraordinário, visto que Holanda e França eram aliadas nas guerras religiosas contra a Espanha. Em Breda, conhece o médico Isaac Beekman, oito anos mais velho, com quem faz as primeiras experiências sobre a refração da luz e estuda a obra científica do italiano Galileu. No ano seguinte, Descartes abandona o exército do protestante Nassau e se alista nas tropas que o católico Maximiliano da Baviera reunia contra o rei da Boêmia.

O jovem oficial vive um período místico e, em Ulm, ingressa na Associação Rosa Cruz, uma sociedade semi-secreta que recomenda a seus membros o exercício gratuito da Medicina. Seus manuscritos dessa época estão perdidos, mas os títulos dão idéia do que lhe ia pela mente: Parnassas (a região das musas), Olympica (relativo aos deuses). O rigoroso inverno de 1619 em Ulm, em que a tempestade cerebral definiria seu destino, foi recordado por Descartes como uma temporada de solidão e fértil experiência intelectual: “Não encontrando nenhuma conversação que me divertisse e não tendo, além disso, por felicidade, preocupações ou paixões que me perturbassem, ficava todo o dia fechado sozinho num cômodo aquecido por uma estufa, onde dispunha de todo o tempo para me entreter com meus pensamentos.

Descartes estava convencido de que daria uma contribuição decisiva à ciência do conhecimento - na verdade, ele era extremamente vaidoso e se considerava um gênio. "Verdadeira generosidade, que faz que um homem se estime no mais alto ponto em que se pode legitimamente estimar" escreve a Mersenne, relatando suas ambições pessoais. Em 1619, dá início às viagens que se prolongariam por uma década. Entre 1623 e 1625, tendo abandonado a vida militar, vive na Itália, onde faz peregrinação ao santuário de Nossa Senhora de Loreto. Católico fervoroso, Descartes pagava uma promessa. Entre 1626 e 1628, fixa residência em Paris, onde se ocupa de Matemática e dióptrica, o ramo da Física que estuda a refração da luz. Só não abandonou a Filosofia porque o cardeal Pedra de Berulle o animou a servir à causa da religião contra os libertinos. Depois de Henrique IV, subiu ao trono francês seu filho, Luís XIII (de 1610 a 1643). Mas quem de fato governava era o cardeal Richelieu.

Durante dezoito anos, a partir de 1624, Richelieu administrou uma espécie de política desenvolvimentista à moda do século XVII, fomentando o comércio e a indústria. Os engenhos mecânicos proliferavam e estava na ordem do dia ser cientista. Nas ruas de Paris, é possível que Descartes tenha cruzado com Isaac de Portau, Henry d’Aramitz ou mesmo Armand de Sillégue d’Athos, os espadachins famosos da Guarda do Rei que inspiraram os três mosqueteiros de Alexandre Dumas. Ao contrário daqueles contemporâneos sempre às voltas com duelos, porém, Descartes foi um guerreiro relutante - por exemplo, mais um observador do que um combatente na Guerra dos Trinta Anos.

Em 1628, Descartes decide mudar-se para a Holanda, uma terra de tolerância religiosa e, por isso mesmo, de efervescência intelectual, onde viverá quase todo o resto de sua vida. Nessa época, ele era já autor de um certo número de textos sobre Matemática, Física e Filosofia, mas ainda não entregara a obra capaz de revelar a “ciência admirável” que, presunçoso, prometera publicamente. Em 1633, está pronto, enfim, o Tratado do mundo, contendo uma explicação ordenada de todos os fenômenos naturais, da formação dos planetas e da gravidade. até chegar ao homem e ao corpo humano. Mas, justamente nesse ano, Galileu foi condenado pela Inquisição por dizer que a Terra se move ao redor do Sol. Precavido, Descartes engaveta seu livro e resolve dali por diante ser discreto e evitar qualquer confronto com a religião.

"Ando tão assustado", escreveu a Mersenne em 22 de julho de 1633, que estou quase resolvido a queimar todos os meus papéis ou, pelo menos, não deixá-los a ninguém. Confesso que, se isso (o movimento da Terra) é falso, todos os fundamentos de minha filosofia também o são." O Tratado ficou entre os papéis de Descartes e só foi publicado em 1677. Ele não abandonou, porém, a idéia de divulgar suas teses científicas, partindo da Filosofia para criar uma nova Matemática e, sobre ela, edificar uma nova ciência. Assim, em 1637, precede seus três ensaios - Meteoros, Dióptrica e Geometria - de um Discurso do método.

Nessa sua mais famosa obra, expõe por inteiro a metodologia da dúvida, começando por destruir tudo: sua crença na existência do mundo, dos objetos, de seu próprio corpo, de Deus, Tudo pode ser pura ilusão, sonho. Mas resta uma certeza: “ Penso logo existo" (Cogito, ergo sum, em latim). Descartes reconstrói o Universo, demonstra sua própria natureza, reafirma a existência de Deus, das coisas materiais e, por fim, distingue corpo e alma no homem. O mais importante - e que constitui a metodologia básica do cartesianismo - é considerar como verdadeiro somente o que for possível intuir com clareza e evidência.

Descartes estava seguro de ter chegado à mais sólida filosofia jamais pensada. Mas nem por isso ficou livre da polêmica. Para evitar dissabores (não esqueceu Galileu nas mãos do Santo Ofício), costuma submeter seus trabalhos à crítica dos teólogos e os publica, junto com as eventuais objeções. Mas, mesmo na tolerante Holanda, os ministros e acadêmicos se irritam com a repercussão de sua filosofia e vão à luta em defesa de Aristóteles.

A 17 de março de 1642, o Parlamento de Utrecht proíbe que as idéias de Descartes sejam ensinadas na cidade, “ primeiro, porque são novas; depois, porque desviam a juventude da velha e sã filosofia". Com isso, Descartes encheu-se de brios e passa a se defender dos ataques pessoais. Em 1645, a Universidade de Groningen o perdoa, mas a Justiça de Utrecht considera difamatória sua réplica. Dois anos depois, um teólogo da Universidade de Leyden, ainda na Holanda, o acusa de blasfemo, crime punido pela lei. Descartes precisa pedir socorro ao embaixador francês.

Isso não foi suficiente, porém, para melhorar suas relações com a terra natal. Em 1647, em Paris, onde o cardeal Mazarino, sucessor de Richelieu, lhe concede uma pensão, que por sinal jamais será paga, Descartes encontra o jovem Blaise Pascal (1623-l662), a quem sugere experiências sobre o vácuo usando o mercúrio. No ano seguinte, novamente em Paris, encontra a cidade em ebulição política e tomada por barricadas. "O ar de Paris me predispõe a conceber quimeras em lugar de pensamentos filosóficos. Vejo ali tantas pessoas que se enganam em suas opiniões e cálculos que isso me parece uma enfermidade universal", comenta, azedo. Descartes prefere mais que nunca evitar os assuntos polêmicos, ocupando-se sobretudo de questões morais. É o que mostra sua correspondência com a princesa Isabel, filha de Frederico, rei destronado da centro-européia Boêmia, exilado na Holanda.

A última obra do filósofo, As paixões da alma, de 1649, procura entender os sentimentos e tirar conclusões éticas. Nesse ano, ainda que relutante, Descartes aceita um convite para viver na corte sueca. A realeza européia está ávida de brilho intelectual, mas a rainha Cristina, da Suécia, tinha excêntrica noção de como utilizar os serviços do filósofo - ela o chamava para conversar três vezes por semana, às 5 horas da manhã. Visitar o castelo em plena madrugada, no severo inverno nórdico, foi demais para os pulmões delicados de Descartes. A 11 de fevereiro de 1650, ele morreu de tuberculose, em Estocolmo, aos 54 anos de idade. O corpo foi enviado para ser enterrado na terra natal. Mas a cabeça só voltou à França em 1809 - em macabra homenagem à sua inteligência, os suecos conservaram seu crânio por mais de um século e meio.

O homem que calculava

Qualquer ginasiano conhece uma das mais populares contribuições de René Descartes à Matemática: os a, b, x, e y da álgebra. Foi Descartes, de fato, quem primeiro usou as letras iniciais do alfabeto para representar as constantes e as últimas letras para as variáveis de uma equação. Ele também introduziu o uso de expoentes e o símbolo da raiz quadrada. Mas sua grande proeza foi combinar álgebra e geometria, tornando mais fácil a solução de problemas bastante complexos isoladamente - o resultado da fusão ganhou o nome de geometria analítica. Descartes foi responsável, igualmente, pela primeira classificação sistemática das curvas e de seu cálculo - as coordenadas cartesianas.

São conhecidos seus avançados estudos sobre a refração da luz e a confecção de eficientes lunetas. Ele imaginou ainda a gravidade como uma espécie de turbilhão gerado pelo movimento da Terra no fluido que tudo preenche (Descartes não acreditava na existência do vazio). O planeta giraria em torno do Sol obedecendo ao mesmo princípio: um vórtice criado pelo movimento de um sólido no fluido. Tais conceitos hoje parecem pueris, mas deram origem ao mecanicismo nas ciências naturais. Aos olhos do século XX, porém, é na anatomia que Descartes comete seus piores vexames. Ele supunha, por exemplo, que a glândula pineal era uma característica do ser humano e a descreveu como a conexão entre corpo e alma. Poucas décadas mais tarde, já se sabia que répteis primitivos também tinham essa glândula - e ainda mais desenvolvida que no homem.

Em latim, só o nome

Como era praxe em seu tempo, René Descartes assinou suas obras com uma versão latinizada de seu nome: Renatus Cartesius. Daí seu sistema filosófico ser chamado cartesiano. No início do século XVII, na verdade, o latim já estava em declínio como língua universal da cultura e o próprio Descartes preferia escrever em francês. A publicação em língua vulgar do Discurso do método, em 1637, é uma espécie de atestado de maturidade intelectual do idioma francês, convertido por Descartes em respeitável veículo para a erudição. Além disso, o abandono do latim - que Descartes reservou apenas para o público acadêmico - permitiu ampla divulgação de seu trabalho, abrindo as portas do conhecimento aos burgueses semiletrados.

Se não foi o primeiro a filosofar na França, Descartes foi o primeiro a filosofar em francês. E isso teve tamanho impacto na terra natal que o pensamento cartesiano se tornou um símbolo de identidade nacional, uma espécie de brasão da inteligentsia francesa. Mas, para além de qualquer fronteira, Descartes legou à humanidade uma nova maneira de raciocinar, capaz de ser usada para provar até mesmo que boa parte de sua própria filosofia está errada. Da mesma forma que na álgebra as equações de grau superior são convertidas em equações mais fáceis de resolver, o método cartesiano propõe-se a dividir as questões em idéias cada vez mais básicas e simples, até obter um conhecimento legítimo: a verdade. Para o professor Carlos Alberto Ribeiro de Moura, da Universidade de São Paulo, não pode haver dúvida sobre a decisiva contribuição do filósofo do século XVII ao pensamento moderno. Diz ele: "Devemos a Descartes a teoria da verdade como problema filosófico".
Revista Superinteressante

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

História do Sal

Sal: Ouro em Grãos

O sal está presente na vida humana desde os tempos antigos. Símbolo religioso, moeda, fonte de poder e motivo de conflitos, influiu até no destino das nações.

Quem já não ouviu o comentário: “Ela é linda, mas não tem o menor sal”? E a expressão, famosa por ter sido atribuída a Jesus Cristo, de que seus seguidores eram “o sal da terra”? Alusões como essas são mais que figuras de linguagem. Como sinônimo de charme ou de virtude, sugerem numa pitada a enorme importância do sal na trajetória do homem - conseqüência, sem dúvida, de sua presença em todo canto. O sal, com efeito, existe nos mares e nos continentes, nas células e no líquido que as envolve. O cérebro dos animais superiores comanda a ingestão de sal em caso de deficiência aguda no organismo. Os rins limitam as perdas do sal na urina. A vida sem sal, portanto, não só não teria graça, como metáfora, nem seria muito fácil, como fisiologia. Por isso, o sal acabou temperando toda a história humana. O sal começou a ser explorado e usado deliberadamente no início do Período Neolítico, cerca de 10 mil anos atrás, quando surgiram a agricultura, a pecuária e as primeiras comunidades rurais.

Em conseqüência, o homem passou a consumir, além das carnes assadas ricas em sal, carnes e cereais cozidos, mais insossos, precisando assim ingerir quantidades suplementares de cloro e sódio - os componentes do sal. Acredita-se que foi observando o gado localizar fonte e poços salgados que o homem chegou ao sal. É sabido que animais com deficiência de sódio no organismo são capazes de achar, pelo olfato, águas salgadas.

Dependendo tanto do sal, não é de admirar que o homem o incorporasse a suas crenças. Na Antigüidade, os assírios já o utilizavam nos cultos. Na religião judaica, por outro lado, o sal sempre teve forte presença simbólica. O Antigo Testamento narra, por exemplo, o caso da mulher de Lot, transformada em estátua de sal porque olhou para trás ao fugir de Sodoma e Gomorra, destruídas pela ira divina. Para os hebreus, o sal era um elemento purificador, símbolo da perenidade da aliança entre Deus e o povo de Israel. O ritual de batismo da Igreja Católica Romana, em que grãos de sal são colocados nos lábios dos recém-nascidos, reproduz a crença judaica no sal como purificador.

Na Idade Média, porém, a antiga santidade do sal acabou se transformando em malefício, ao mesmo tempo em que proliferavam superstições como a de que desperdiçar sal era mau agouro na certa, além de ignóbil. Um magnífico exemplo disso aparece na obra de Leonardo da Vinci ( 1452-1519 ). Ao pintar A última ceia, Da Vinci colocou diante de Judas um saleiro derrubado. Uma das crendices da época dizia que, se uma pessoa derramasse sal, deveria pegar alguns grãos caídos e jogá-los para trás do ombro esquerdo - o lado que representa o mal. Em tempos mais recentes, o sal passou a significar esquecimento, esterilidade. Na sentença que condenou o inconfidente Tiradentes à morte em 1792, os juízes portugueses mandaram salgar o chão de sua casa, para que ali nada mais tornasse a nascer.

Milênios depois que o homem transformou em caminhos as trilhas dos animais em busca de água salgada, as rotas do sal cruzaram o globo em incontáveis direções. O historiador grego Heródoto ( 484 a.C. - 430-420 a.C.) fala das caravanas que atravessavam os mares Mediterrâneo e Egeu no rumo das salinas do Egito e da Líbia. No tempo do Império Romano, os soldados recebiam parte de sua paga em sal - daí a palavra salário.

Também se usava o sal como moeda para comprar escravos. Ao perceber que serviam para conservar e dar sabor à comida, além de curar feridas, os romanos achavam que os cristais de sal eram uma dádiva de Salus, a deusa da saúde - e em sua homenagem cunharam o nome. Dos muitos caminhos que vão dar em Roma, um dos mais movimentados até hoje é a Via Salaria, a antiga rota por onde circulavam carros cheios dos preciosos cristais. As viae salariae riscavam a Europa de oeste a leste, alcançavam a atual Turquia e desciam pelo Oriente Médio e norte da África. Na África, por sinal, na região do sub-Saara onde hoje é a Mauritânia, mercadores trocavam sal por ouro - um peso pelo outro. Na Abissínia, atual Etiópia, na África Oriental, o sal era a moeda do reino. Do mesmo modo, na África Central, bolos de sal era dinheiro. O grande comércio marítimo do sal só se desenvolveria no final do século XIII, servindo para transferir o excesso da produção salinífera. Isso ajudou a enriquecer Veneza, a península Ibérica, o norte da Europa e algumas regiões da França.

Atualmente, graças aos métodos físicos e químicos, o sal passou a segundo plano como conservante de alimentos. Mas até o final do século XIX era o único agente que preservava certas comidas. Na verdade, o sal desidrata a carne e o peixe, impedindo o surgimento de vermes na área salgada. Basta isso para dar uma idéia da importância econômica do sal na Europa, em cujos portos e estradas dezenas de milhares de toneladas do produto circulavam todo ano, na passagem dos tempos medievais para o Renascimento. Fosse qual fosse a sua origem - da salina à beira-mar ou da mina continental subterrânea -, a propriedade era sempre grande. E os proprietários, segundo as leis, eram sempre os soberanos.

Nessa condição, eles concediam o privilégio da exploração da salina ao nobre ou à autoridade eclesiástica. Em troca recebiam uma cota da produção. Esta podia ser determinada em volume (por exemplo, a produção de uma salina em cada cinco) ou em tempo (produto de um certo número de horas de trabalho). Já os instrumentos necessários à produção eram propriedade dos concessionários. Características do feudalismo, os contratos entre o rei e os nobres eram perpétuos. Desse modo, o senhor podia sublocar a terceiros a exploração da salina, mediante pagamento. Estes, por sua vez, podiam ceder a salina a outros com a condição de também eles receberem um cota.

Com isso, formava-se uma pirâmide de direito de rendas. Na base estavam os salineiros, que não eram empregados, mas pequenos empreendedores independentes que vendiam sua produção. Essa estrutura impediu que houvesse diversos monopólios na extração do sal. Mas nada era menos livre do que o seu comércio, estritamente regulamentado no atacado como no varejo. No mar Adriático, a Sereníssima República de Veneza baseou sua riqueza e seu poder no monopólio comercial do sal - e não se encontra um único tratado no qual Veneza estivesse envolvida que não tivesse o sal como um dos principais assuntos. E Veneza é apenas um exemplo do sistema de monopólio.

Até mesmo o transporte era uma exclusividade das corporações medievais, que garantiam a seus membros a hereditariedade do privilégio. A partir do século XII, os Estados passaram a se ocupar gulosamente dos impostos que o sal podia levar para seus cofres. Como se tratava de gênero de primeira necessidade, seu transporte podia ser facilmente controlado pelo fisco. Não era o valor do sal - que era pequeno -, mas a quantidade utilizada - que era grande -, que servia de base para a taxação. O sal era a única mercadoria que podia ser taxada em exorbitantes 2000 por cento, sem que as pessoas pudessem deixar de consumi-lo. Alguns Estados deram-se ao luxo de abrir mão do imposto sobre o tabaco, compensando a perda com aumentos escorchantes do imposto sobre o sal.

Com tão doces lucros, reinos e impérios puderam financiar seu esporte predileto - a guerra. Na interminável Guerra dos Cem Anos, entre a França e a Inglaterra, que durou de 1337 a 1453, o sal teve um papel importante. O rei francês Filipe VI, que reinou de 1328 a 1350, ordenou que todo o sal fosse recolhido a fim de que a Coroa tivesse reservas suficientes para evitar o pesadelo de um bloqueio de sal em seu território - sinônimo de capitulação certa em poucas semanas. Naturalmente, a salgadíssima taxação desgostava o povo. A partir de 1378, um estado de revolta quase permanente instalou-se entre as populações urbanas do norte da França até Paris, assim como entre as populações rurais do sul do Maciço Central francês e ainda entre os artifícios e operários das cidades de Flandres (na França, Bélgica e Holanda), onde já florescia uma poderosa indústria têxtil.

A onda de protestos culminou a 27 de abril de 1413 em Paris com a revolta dos açougueiros, grandes consumidores de sal para a conservação da carne, o preparo de peles e a fabricação de salsichas e embutidos. O movimento terminou na criação de um código administrativo de 259 artigos, com regras minuciosas para a cobrança dos impostos. A lei, que devia funcionar em favor do povo, é a verdadeira certidão de nascimento da gabelle - o imposto sobre o sal não mais contestado pela população. A gabelle conservou os direitos da realeza, mas cortou os lucros de nobres e eclesiásticos.

Mas a ganância dos soberanos franceses não tinha limites nem conhecia a prudência - e os reis não resistiram à tentação de fazer do sal sua maior fonte de renda. Segundo o historiador Fernand Braudel (1902-1985), a França no século XVII era o maior produtor de sal marinho da Europa, o primeiro exportador mundial, e a fortuna obtida dos impostos sobre o sal equivalia a todas as rendas que o rei da Espanha recebia de suas colônias.

Pode-se dizer que o luxo da corte de Versalhes era feito de sal. Às vésperas da Revolução Francesa, o imposto sobre o produto representava 13 por cento das receitas totais do Tesouro real. Deu no que deu: a sangria do sal contribuiu em não pouca monta para alimentar o ódio popular à monarquia, tendo assim importante papel na Revolução Francesa, que lançaria as bases da democracia moderna. Um século e meio depois, o sal ajudaria a desencadear outro movimento igualmente importante para os destinos do homem - a luta contra o colonialismo. De fato, em 1930, em protesto contra o aumento da taxação sobre o sal imposto pela Inglaterra na Índia, o advogado Mahatma Gandhi, o líder da não-violência, conduziu levas de peregrinos até o litoral, para ali fazerem seu próprio sal - um passo decisivo no processo que culminaria em 1948 com a independência da Índia do jugo inglês.
A saúde e o saleiro

O sal mais importante para o organismo humano é justamente o cloreto de sódio. Junto com o potássio, o sódio é responsável pelo equilíbrio hídrico do organismo, protegendo-o das excessivas perdas de líquido. Ajuda também a manter a atividade dos músculos, incluindo o coração. A falta de sódio gera fraqueza, apatia, náuseas e câimbras. O excesso também é prejudicial - pode até levar à morte. Só devem moderar o consumo de sal as pessoas com tendências à hipertensão, ou seja, pressão alta. Pois, à medida que o organismo retém água, o líquido aumenta o volume sanguíneo, provocando a hipertensão.

O excesso de sal também aumenta o trabalho dos rins. Normalmente, os rins não devem deixar que o sal se acumule no organismo. Mas, em excesso, impõe uma sobrecarga aos rins - sem falar no coração. Se todo o sal não é filtrado, passa a reter água, aumentando o volume de sangue em circulação. O resultado é a pressão alta. Elevadas doses de sal, aliadas à incapacidade que um organismo tem de expeli-las, causam edema ou inchaço - como é popularmente chamado - nas mãos, tornozelos ou pés.

Ultimamente, na esteira das denúncias de que o açúcar refinado seria responsável por um extenso rol de males físicos e até psíquicos, os partidários da alimentação natural voltaram sua baterias também contra o sal refinado, tido por alguns autores como um verdadeiro assassino.

Do mar à mesa

Quimicamente, a palavra sal designa uma categoria de substâncias que resultam da ligação entre um grupo de moléculas originadas de um ácido com um grupo que se origina de uma base (a soda cáustica, por exemplo, é uma base). O sal mais comum é o cloreto de sódio (NaCl) e pode vir de três fontes: do mar, das minas de sal-gema - geralmente em depósitos subterrâneos - ou das chamadas salmouras de subsolo, decorrentes da forte concentração de sal de mares ou lagos interiores, como o mar Morto, onde tudo flutua, tamanha a quantidade de sal.

Nos países tropicais ou marítimos, o sal costuma ser obtido pela evaporação da água do mar, através de um processo simples, que permite obter grandes blocos. Empilhadas no aterro das salinas, as pedras passam pela “cura”, ou seja, a limpeza dos cristais - um trabalho para a água das chuvas que dissolve as impurezas restantes. Na extração do sal das salmouras, a evaporação da água e a conseqüente precipitação do sal são conseguidas pelo aquecimento da água, por meio de serpentinas de vapor.

Já nas minas de sal-gema, o sal é recolhido em estado sólido, como se fosse pedra, ou injetando-se água no subsolo para formar salmouras, que serão bombeadas para a superfície. Este, porém, ainda não é o sal branquinho usado na cozinha. Depois de lavados e limpos, os cristais são beneficiados industrialmente. Para não empedrar, misturam-se a eles substâncias como fosfato de sódio e carbonato de magnésio. No Brasil, o sal é enriquecido também de iodo - fórmula encontrada para evitar o bócio, doença causada pela falta de iodo no organismo.

Papel de primeira

O sal é a matéria-prima básica para uma centena de atividades industriais. Sem ele não haveria, por exemplo, nem cloro nem soda cáustica. E sem ele seria difícil tornar potável a água que se bebe ou encontrar papel branco - junto com outros elementos químicos, a soda cáustica e o cloro clareiam o papel. Também não haveria tintas, vidros, vernizes, cosméticos, porcelanas, plásticos e explosivos. A humanidade não teria panos, películas, aditivos, produtos metalúrgicos e farmacêuticos. Tudo isso porque o cloro e o sódio são as bases para a obtenção de produtos químicos que derivam do sal.

O PVC (cloreto de polivinila), por exemplo, é um material básico para a indústria de plásticos. O clorofórmio é a base dos anestésicos e o cloreto de cálcio está presente nos refrigerantes, fungicidas e combustíveis. O mesmo ocorre com os derivados de sódio - óleos vegetais, sabão, tecidos são alguns dos produtos feitos a partir dele, portanto, do sal. E sem o nitrato de sódio não existiriam os fertilizantes, a dinamite e os fogos de artifício.

Proibido produzir

O uso do sal no Brasil foi introduzido pelos colonizadores portugueses. Os índios simplesmente não gostavam do produto. Em 1555, o missionário francês frei André Thevet escreveu: “Eles não querem comer coisas salgadas e proíbem que suas crianças comam”. Já o naturalista holandês Martius relatou que os canibais da tribo umauás não comeram a carne de um desertor espanhol “por acharem-na muito salgada”. O consumo de sal no Brasil Colônia era grande. Os brancos e os mestiços usavam-no na alimentação, na salga de carnes e também nas rações para o gado europeu trazido ao país. Com tal mercado, a Coroa portuguesa instituiu em 1631 o monopólio do produto, para engordar as rendas do Tesouro em Lisboa.

Assim, apesar do enorme litoral, a produção salineira nativa era praticamente inexistente. Os portugueses permitiam apenas que o sal extraído no Nordeste e em Cabo Frio, na então capitania do Rio de Janeiro, fosse usado para consumo local. E, ainda assim, mediante o pagamento de taxas sobre a produção. O monopólio sobre o sal durou até 1801. Nesses 170 anos, o alto preço do produto e as crises constantes de desabastecimento geraram muito contrabando e algumas revoltas. O fim do monopólio era parte de uma política destinada a ampliar a produção de gêneros no Brasil, com vistas ao comércio em Portugal. De todo modo, o monopólio teria sido liquidado com a abertura dos portos e, conseqüentemente, a liberação do comércio, em 1808.

Começou então a desenvolver-se a indústria extrativa salineira, no Nordeste e em Cabo Frio - a mesma que existe até hoje. Das salinas do Rio Grande do Norte saem 85 por cento da produção nacional, que em 1987 alcançou 2 milhões de toneladas. Uma característica da indústria salineira do Brasil é ser basicamente de origem marinha. Nos últimos dez anos, a prospecção de petróleo na plataforma continental revelou jazidas de sal-gema em Sergipe, Alagoas e Amazonas. Estas minas, porém, se encontram a grande profundidade, o que dificulta sua exploração.
Revista Superinteressante