"A extração da pedra da loucura" (1485), do pintor italiano Hieronymus Bosch (1450-1516), retrata a concepção medieval que supunha a loucura como uma pedra no cérebro. Bosch, na sua imaginação, no momento da extração da doença, coloca no lugar da dureza da pedra a delicadeza de uma flor. A imagem que se tinha da loucura era de algo místico, desconhecido, considerado o lugar imaginário da passagem da vida à morte.
Ma Idade Média, o espetáculo da doença e da morte atingia a todos. Para lubridiar a morte, evitava-se o contato, a proximidade, o toque e, ao mesmo tempo, buscava-se neutralizar com perfumes e com máscaras os odores que corrompiam o ar. Por isso, os médicos que cuidavam de doentes com a peste negra usavam máscara como uma forma de proteção. O formato de um bico de pássaro era para distanciar ainda mais o contato com o ar pestilento.
O Navio dos Loucos, pintura de Hieronymus Bosch (1450 - 1516), apresenta, de forma alegórica, a devassidão e a profanidade presentes em todos os grupos sociais da Idade Média, incluindo o Clero, como se pode ver na imagem onde são retratados uma freira e um frade franciscanos que se encontram tão distraídos, tentando fincar os dente num pedaço de pão pendurado por um fio, que nem reparam que um ladrão tenta roubar o pouco que lhes resta. Na imagem, mais uma vez, a morte é representada pela caveira na árvore. (Fonte: www.wikipedia.org - em junho de 2010)
Ma Idade Média, o espetáculo da doença e da morte atingia a todos. Para lubridiar a morte, evitava-se o contato, a proximidade, o toque e, ao mesmo tempo, buscava-se neutralizar com perfumes e com máscaras os odores que corrompiam o ar. Por isso, os médicos que cuidavam de doentes com a peste negra usavam máscara como uma forma de proteção. O formato de um bico de pássaro era para distanciar ainda mais o contato com o ar pestilento.
O Navio dos Loucos, pintura de Hieronymus Bosch (1450 - 1516), apresenta, de forma alegórica, a devassidão e a profanidade presentes em todos os grupos sociais da Idade Média, incluindo o Clero, como se pode ver na imagem onde são retratados uma freira e um frade franciscanos que se encontram tão distraídos, tentando fincar os dente num pedaço de pão pendurado por um fio, que nem reparam que um ladrão tenta roubar o pouco que lhes resta. Na imagem, mais uma vez, a morte é representada pela caveira na árvore. (Fonte: www.wikipedia.org - em junho de 2010)
Carlos Batistella
Com a queda do Império Romano e a ascensão do regime feudal, por volta do ano 476 d.C., evidenciaram-se o declínio da cultura urbana e a decadência da organização e das práticas de saúde pública. As instalações sanitárias tanto na sede como nas províncias do antigo Império foram destruídas ou arruinaram-se pela falta de manutenção e reparos (Rosen, 1994).
Enquanto no Ocidente a desmantelação da máquina do governo e o declínio econômico fazia o Império agonizar; no Oriente, em Bizâncio (hoje Istambul, Turquia), onde as invasões bárbaras não chegaram a ameaçar, foram mantidas várias das conquistas do mundo clássico e a herança da tradição médica greco-romana.
A Idade Média (500-1500 d.C.) foi marcada pelo sofrimento impingido pelas inúmeras pestilências e epidemias à população. A expansão e o fortalecimento da Igreja são traços marcantes desse período.
O cristianismo afirmava a existência de uma conexão fundamental entre a doença e o pecado. Como este mundo representava apenas uma passagem para purificação da alma, as doenças passaram a ser entendidas como castigo de Deus, expiação dos pecados ou possessão do demônio. Conseqüência desta visão, as práticas de cura deixaram de ser realizadas por médicos e passaram a ser atribuição de religiosos. No lugar de recomendações dietéticas, exercícios, chás, repousos e outras medidas terapêuticas da medicina clássica, são recomendadas rezas, penitências, invocações de santos, exorcismos, unções e outros procedimentos para purificação da alma, uma vez que o corpo físico, apesar de albergá-la, não tinha a mesma importância. Como eram poucos os recursos para deter o avanço das doenças, a interpretação cristã oferecia conforto espiritual, e morrer equivalia à libertação (Rosen, 1994).
A difusão da igreja católica e de sua visão tornou marginal qualquer explicação racional que pretendesse aprofundar o conhecimento a partir da observação da natureza. As ciências, e especialmente a medicina, eram consideradas blasfêmias diante do evangelho. A especulação científica era, portanto, desnecessária (Scliar, 2002). Assim, o desenvolvimento da medicina só teve continuidade entre os árabes e judeus, onde a tradição de Hipócrates e Galeno de Pérgamo foi acrescida de importantes estudos em farmacologia e cirurgia. Destacam-se nesse período Avicena (980-1037) e Averróes (1126-1198).
O medo das doenças era constante nos burgos medievais. Dentre as inúmeras epidemias que aterrorizavam as populações (varíola, difteria, sarampo, influenza, ergotismo, tuberculose, escabiose, erisipela etc), a lepra e a peste bubônica foram, sem dúvida, aquelas de maior importância e preocupação.
Caso emblemático, a lepra era tida como manifestação evidente da impureza diante de Deus, e seus portadores deveriam ser condenados ao isolamento, conforme descrição bíblica. Considerados mortos, rezava-se uma missa de corpo presente antes do mesmo seguirem para o leprosário. Aqueles que vagassem pelas estradas deveriam usar vestes características e fazer soar uma matraca para advertir a outros de sua perigosa ameaça. Todo estigma e as conseqüências de seu diagnóstico fizeram da lepra a doença mais temida nesse período (Rosen, 1994; Scliar, 2002).
A peste bubônica, por sua vez, marcou o início e o ocaso da Idade Média. Causada por uma bactéria, Pasteurella pestis, transmitida pela pulga de ratos, a doença foi responsável pela morte de cerca de ¼ da população européia em 1347. Dentre as principais causas apontadas estavam as viagens marítimas e o aumento da população urbana, que, somados aos conflitos militares, aos intensos movimentos migratórios, à miséria, à promiscuidade e à falta de higiene nos burgos medievais, tornaram o final deste período histórico digno da expressão muitas vezes evocada para descrevê-la: a idade das trevas.
Ainda que limitadas, algumas ações de saúde pública foram desenvolvidas na intenção de sanear as cidades medievais. A aglomeração crescente da população – que chegava trazendo hábitos da vida rural, como a criação de animais (porcos, gansos, patos) –, o acúmulo de excrementos nas ruas sem pavimentação, a poluição das fontes de água, a ausência de esgotamento e as péssimas condições de higiene, produziam um quadro aterrador. Buscou-se então garantir o suprimento de água aos moradores para beber e cozinhar; pedia-se que não fossem lançados animais mortos ou refugos na corrente do rio; proibiase a lavagem de peles e o despejo de resíduos dos tintureiros nas águas que serviam à comunidade.
Somente no final da Idade Média é que, pouco a pouco, foram sendo criados códigos sanitários visando normatizar a localização de chiqueiros, matadouros, o despejo de restos, o recolhimento do lixo, a pavimentação das ruas e a canalização de dejetos para poços cobertos (Rosen, 1994). Ainda assim, é preciso lembrar que os hábitos culturais dos habitantes tornavam boa parte das medidas inócuas.
Também na Idade Média é que surgem os primeiros hospitais. Originados da igreja, nas ordens monásticas, inicialmente estavam destinados a acolher os pobres e doentes. Para Foucault (1982a: 99-100),
Antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres. Instituição de assistência, como também de separação e exclusão. O pobre como pobre tem necessidade de assistência e, como doente, portador de doença e de possível contágio, é perigoso. Por estas razões, o hospital deve estar presente tanto para recolhê-lo quanto para proteger os outros do perigo que ele encarna. O personagem ideal do hospital, até o século XVIII, não é o doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo. É alguém que deve ser assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos cuidados e o último sacramento. (...) E o pessoal hospitalar não era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente, mas a conseguir sua própria salvação.
Outra importante contribuição deste período foi a instituição da prática da quarentena para deter a propagação das doenças. A êxito da experiência do isolamento de leprosos – embora proposta por razões religiosas – reforçou a idéia de sua utilização para outras doenças comunicáveis. Diante da epidemia da peste, em meio a outras práticas baseadas na compreensão miasmática e no misticismo (como uso de perfumes, fogueiras purificadoras etc), a retirada das pessoas da convivência e a sua observação até a garantia de que não estivessem doentes já apontavam uma preocupação com a natureza contagiosa de algumas doenças.
Surgida em 1348 em Veneza, principal porto de comércio com o Oriente, a quarentena consistia na notificação de casos suspeitos às autoridades e no isolamento e observação rigorosa de pessoas suspeitas, embarcações e mercadorias por quarenta dias, em uma ilha situada na laguna. Posteriormente, outros locais foram designados com a finalidade de promover a reclusão quarentenária.
Como síntese desse período, parece-nos importante lembrar que, embora a natureza comunicável de algumas doenças fosse cada vez mais nítida - como a lepra e a peste –, a teoria miasmática ainda persistia como modelo explicativo. Ou seja, não havia evidência do elemento comunicável que não aqueles já sugeridos por Hipócrates: uma alteração atmosférica, onde águas estagnadas e matéria orgânica em decomposição corrompiam o ar. Naturalmente que, sob o poder da igreja, foram desautorizadas todas as iniciativas de avanço no conhecimento das causas das doenças e até mesmo de sugestão de qualquer explicação que estivesse além da fé. Aqueles que insistissem enfrentariam os tribunais da Inquisição.
FIOCRUZ
Com a queda do Império Romano e a ascensão do regime feudal, por volta do ano 476 d.C., evidenciaram-se o declínio da cultura urbana e a decadência da organização e das práticas de saúde pública. As instalações sanitárias tanto na sede como nas províncias do antigo Império foram destruídas ou arruinaram-se pela falta de manutenção e reparos (Rosen, 1994).
Enquanto no Ocidente a desmantelação da máquina do governo e o declínio econômico fazia o Império agonizar; no Oriente, em Bizâncio (hoje Istambul, Turquia), onde as invasões bárbaras não chegaram a ameaçar, foram mantidas várias das conquistas do mundo clássico e a herança da tradição médica greco-romana.
A Idade Média (500-1500 d.C.) foi marcada pelo sofrimento impingido pelas inúmeras pestilências e epidemias à população. A expansão e o fortalecimento da Igreja são traços marcantes desse período.
O cristianismo afirmava a existência de uma conexão fundamental entre a doença e o pecado. Como este mundo representava apenas uma passagem para purificação da alma, as doenças passaram a ser entendidas como castigo de Deus, expiação dos pecados ou possessão do demônio. Conseqüência desta visão, as práticas de cura deixaram de ser realizadas por médicos e passaram a ser atribuição de religiosos. No lugar de recomendações dietéticas, exercícios, chás, repousos e outras medidas terapêuticas da medicina clássica, são recomendadas rezas, penitências, invocações de santos, exorcismos, unções e outros procedimentos para purificação da alma, uma vez que o corpo físico, apesar de albergá-la, não tinha a mesma importância. Como eram poucos os recursos para deter o avanço das doenças, a interpretação cristã oferecia conforto espiritual, e morrer equivalia à libertação (Rosen, 1994).
A difusão da igreja católica e de sua visão tornou marginal qualquer explicação racional que pretendesse aprofundar o conhecimento a partir da observação da natureza. As ciências, e especialmente a medicina, eram consideradas blasfêmias diante do evangelho. A especulação científica era, portanto, desnecessária (Scliar, 2002). Assim, o desenvolvimento da medicina só teve continuidade entre os árabes e judeus, onde a tradição de Hipócrates e Galeno de Pérgamo foi acrescida de importantes estudos em farmacologia e cirurgia. Destacam-se nesse período Avicena (980-1037) e Averróes (1126-1198).
O medo das doenças era constante nos burgos medievais. Dentre as inúmeras epidemias que aterrorizavam as populações (varíola, difteria, sarampo, influenza, ergotismo, tuberculose, escabiose, erisipela etc), a lepra e a peste bubônica foram, sem dúvida, aquelas de maior importância e preocupação.
Caso emblemático, a lepra era tida como manifestação evidente da impureza diante de Deus, e seus portadores deveriam ser condenados ao isolamento, conforme descrição bíblica. Considerados mortos, rezava-se uma missa de corpo presente antes do mesmo seguirem para o leprosário. Aqueles que vagassem pelas estradas deveriam usar vestes características e fazer soar uma matraca para advertir a outros de sua perigosa ameaça. Todo estigma e as conseqüências de seu diagnóstico fizeram da lepra a doença mais temida nesse período (Rosen, 1994; Scliar, 2002).
A peste bubônica, por sua vez, marcou o início e o ocaso da Idade Média. Causada por uma bactéria, Pasteurella pestis, transmitida pela pulga de ratos, a doença foi responsável pela morte de cerca de ¼ da população européia em 1347. Dentre as principais causas apontadas estavam as viagens marítimas e o aumento da população urbana, que, somados aos conflitos militares, aos intensos movimentos migratórios, à miséria, à promiscuidade e à falta de higiene nos burgos medievais, tornaram o final deste período histórico digno da expressão muitas vezes evocada para descrevê-la: a idade das trevas.
Ainda que limitadas, algumas ações de saúde pública foram desenvolvidas na intenção de sanear as cidades medievais. A aglomeração crescente da população – que chegava trazendo hábitos da vida rural, como a criação de animais (porcos, gansos, patos) –, o acúmulo de excrementos nas ruas sem pavimentação, a poluição das fontes de água, a ausência de esgotamento e as péssimas condições de higiene, produziam um quadro aterrador. Buscou-se então garantir o suprimento de água aos moradores para beber e cozinhar; pedia-se que não fossem lançados animais mortos ou refugos na corrente do rio; proibiase a lavagem de peles e o despejo de resíduos dos tintureiros nas águas que serviam à comunidade.
Somente no final da Idade Média é que, pouco a pouco, foram sendo criados códigos sanitários visando normatizar a localização de chiqueiros, matadouros, o despejo de restos, o recolhimento do lixo, a pavimentação das ruas e a canalização de dejetos para poços cobertos (Rosen, 1994). Ainda assim, é preciso lembrar que os hábitos culturais dos habitantes tornavam boa parte das medidas inócuas.
Também na Idade Média é que surgem os primeiros hospitais. Originados da igreja, nas ordens monásticas, inicialmente estavam destinados a acolher os pobres e doentes. Para Foucault (1982a: 99-100),
Antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres. Instituição de assistência, como também de separação e exclusão. O pobre como pobre tem necessidade de assistência e, como doente, portador de doença e de possível contágio, é perigoso. Por estas razões, o hospital deve estar presente tanto para recolhê-lo quanto para proteger os outros do perigo que ele encarna. O personagem ideal do hospital, até o século XVIII, não é o doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo. É alguém que deve ser assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos cuidados e o último sacramento. (...) E o pessoal hospitalar não era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente, mas a conseguir sua própria salvação.
Outra importante contribuição deste período foi a instituição da prática da quarentena para deter a propagação das doenças. A êxito da experiência do isolamento de leprosos – embora proposta por razões religiosas – reforçou a idéia de sua utilização para outras doenças comunicáveis. Diante da epidemia da peste, em meio a outras práticas baseadas na compreensão miasmática e no misticismo (como uso de perfumes, fogueiras purificadoras etc), a retirada das pessoas da convivência e a sua observação até a garantia de que não estivessem doentes já apontavam uma preocupação com a natureza contagiosa de algumas doenças.
Surgida em 1348 em Veneza, principal porto de comércio com o Oriente, a quarentena consistia na notificação de casos suspeitos às autoridades e no isolamento e observação rigorosa de pessoas suspeitas, embarcações e mercadorias por quarenta dias, em uma ilha situada na laguna. Posteriormente, outros locais foram designados com a finalidade de promover a reclusão quarentenária.
Como síntese desse período, parece-nos importante lembrar que, embora a natureza comunicável de algumas doenças fosse cada vez mais nítida - como a lepra e a peste –, a teoria miasmática ainda persistia como modelo explicativo. Ou seja, não havia evidência do elemento comunicável que não aqueles já sugeridos por Hipócrates: uma alteração atmosférica, onde águas estagnadas e matéria orgânica em decomposição corrompiam o ar. Naturalmente que, sob o poder da igreja, foram desautorizadas todas as iniciativas de avanço no conhecimento das causas das doenças e até mesmo de sugestão de qualquer explicação que estivesse além da fé. Aqueles que insistissem enfrentariam os tribunais da Inquisição.
FIOCRUZ