A Academia de Ciências do Terceiro Mundo chama a atenção para a necessidade dos países em desenvolvimento usarem todo o potencial intelectual disponível - homens e mulheres - para o seu avanço sócio-econômico. A advertência parece óbvia, mas milhares de mulheres brasileiras não têm a oportunidade de usar sua inteligência e competência na área científica e tecnológica.
A baixa participação feminina na ciência é abordada no livro O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no feminino, de Fanny Tabak, editado pela Garamond . A autora fundou o primeiro núcleo de estudos da mulher no Brasil, impulsionando outros projetos na área. Pesquisadora pioneira, seus estudos têm ajudado na formulação de políticas públicas de incentivo à participação das mulheres nessa área.
Em seu livro, Fanny mostra que a baixa participação feminina na ciência não é exclusividade brasileira. Essa escassa atuação foi notificada há dez anos na I Conferência da TWOWS-Third World Organization for Women in Science, uma organização de estímulo à atuação feminina nas áreas de C&T nos países em desenvolvimento. Na época, cientistas brasileiras apontaram uma realidade pessimista quanto ao status da mulher na pesquisa do Brasil.
Outras cientistas da América Latina e Caribe relataram dificuldades na dedicação integral às atividades científicas, por causa da pouca disponibilidade de tempo, por serem responsáveis, também, pelas tarefas domésticas.
Na mesma conferência, dados apresentados por cientistas colombianas mostraram que a realidade dos países latino-americanos se assemelha à brasileira. Alicia Reichel, da Academia de Ciência e Relações Internacionais da Colômbia, mostrou que o machismo e a estrutura familiar são fatores determinantes que dificultam o acesso das mulheres colombianas às carreiras científicas.
Há mais de 10 anos dessa primeira conferência, ainda persistem estereótipos sexuais na educação e pressão social que induzem jovens brasileiras, ao concluírem o ensino médio, a escolher carreiras tradicionalmente femininas, diz Fanny. Outras publicações reforçam o seu argumento. É o caso de O martelo das feiticeiras:'Malleus Maleficarum', escrito pelos inquisidores Heinrich Kramer e Fames Sprenger, em 1484, que foi o manual usado na Inquisição. Na introdução da edição moderna do livro, Rose Marie Muraro escreve que os grupos primitivos, hoje representados por poucos povos ainda existentes, sobreviviam da coleta dos frutos, pequena caça e pesca. Sem divisão de trabalho entre os sexos, a mulher era considerada sagrada por dar a vida. Quando os homens começaram a caçar grandes animais, a força física tornou-se importante e a supremacia masculina se estabeleceu.
Ao dominar a sua função reprodutora, o homem passou a controlar a sexualidade feminina e a mulher passa a ser sua propriedade, tendo como única função reconhecida, a reprodução.
Do fim do século XIV até meados do século XVIII, tidos como séculos de "caça às bruxas" as mulheres foram duramente reprimidas e morreram aos milhares. Era perigoso ser mulher: qualquer uma poderia ser julgada como bruxa e submetida às regras cruéis do Malleus Maleficarum.
Ameaças e discriminação ainda não acabaram. Fanny escreveu O laboratório de Pandora para denunciar a condição das mulheres brasileiras na ciência. Pode-se até dizer que, por suas mãos e de outras mulheres revolucionárias -"bruxas do terceiro milênio" - as bruxas da Idade Média começam a ser vingadas.
Juliana Schober
Revista Ciência e Cultura
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