terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Reis gays: A monarquia no armário


Como grandes líderes driblavam a repressão

Mauro Tracco



A coroa concedia o privilégio de não ser perseguido | Crédito: Wikimedia Commons

Os moralistas da Idade Moderna definiram uma hierarquia para os pecados relacionados à luxúria. Do menos grave ao mais nefasto, a ordem era a seguinte: simples fornicação, prostituição, estupro, adultério, incesto, sacrilégio com um sacerdote, sacrilégio com uma monja e, por último, o pecado que mais ofendia a Deus, a sodomia. 

Era o pecado contra natura, ato sexual que não tinha como único fim a procriação, considerado uma afronta direta ao Criador. Apesar disso, muitos dos monarcas que governaram amparados pelo Direito Divino não se adequavam aos papeis sexuais exigidos pela religião e sociedade. Para o historiador Miguel Cabañas Agrela, autor do livro Reyes Sodomitas, além de casos notórios, como o de Jaime I da Inglaterra, existem vários documentos que sugerem que figuras como o francês Luís XIII e Frederico II, da Prússia também tiveram amores masculinos.

O Renascimento recuperou referências culturais e artísticas da antiguidade clássica. Isso não incluiu a tolerância deles ao amor entre o mesmo gênero. Paradoxalmente, “a Idade Moderna foi o período da história ocidental em que a sexualidade em geral, e a homossexualidade em particular, foram mais perseguidas pela Igreja e pelo Estado”, afirma Cabañas. Na Idade Média o “pecado impronunciável” já era considerado um vício atroz, mas as leis para punir quem desafiasse a suposta ordem natural das coisas foram criadas só na Idade Moderna, quando a sodomia passou a ser um crime contra o Estado. Assim como aconteceu com as bruxas, o castigo era a fogueira, para purificar o que era tido como maligno. 

Os reis, porém, tinham suas prerrogativas. Em tempos de absolutismo, quem teria poder para puni-los? Quem teria coragem de acusá-los? “Nenhum tribunal ousaria comprometer um rei por questões referentes à sua vida privada. Não faltavam fofocas, mas as acusações eram feitas na esfera privada”, diz Cabañas.

Outra razão porque ninguém denunciava os reis é porque um monarca gay podia ser uma oportunidade. Em uma sociedade de corte, criar vínculos com figuras do alto escalão era a principal estratégia de ascensão. E contar com o afeto do rei era como ganhar na loteria. Alguns soberanos adotaram essa política de promoção sem disfarçar o favorecimento a cortesãos jovens.
O historiador Matt Cook, da Universidade de Londres, ressalta que nessa época não existia o conceito de homossexualidade, que só surgiu no século 19. “Durante a Renascença, muitos homens faziam sexo entre si, sem que isso fosse visto como sinal de identidade diferenciada ou de uma subcultura. A maioria mantinha relações íntimas também com mulheres.” 

Independentemente do que acontecia entre as paredes dos aposentos reais, quase todos os monarcas foram à luta e honraram sua principal obrigação em vida: casar e gerar descendência. 

Dentro do armário real
Conheça oito dos mais famosos monarcas gays

1. Cristina da Suécia (1626-1689)


O traço mais marcante da soberana foi a necessidade insaciável em ser diferente. Suas peculiaridades sexuais faziam parte desse afã em se distinguir dos demais. Culta e inquisitiva, Cristina usava roupas masculinas e nunca quis se casar para não estar sujeita a nenhum homem. Entre os muitos casos que teve estão um cardeal e uma bela cortesã chamada Ebba Sparre. 

2. Luis XIII da França (1601-1643) 


Não existem provas definitivas da preferência sexual de Luis XIII, que aparentava mais ser assexuado do que homossexual. Apesar de sua indiscutível retidão moral, era tímido e inseguro. Essa falta de confiança o levava a buscar refúgio na companhia de homens com personalidade forte. Ciente disso, o cardeal Richelieu tratou de arranjar amizades masculinas que mantivessem o rei distraído enquanto ele tomava as rédeas do governo francês. 

3. Frederico II da Prússia (1712-1786) 


O rude Frederico Guilherme I se empenhou em transformar seu filho em um líder viril. Mas os soldados designados para ensinar o herdeiro acabaram tornando-se amigos muito mais próximos do que gostaria o pai. Em tempos de paz, Frederico II quase não saía do Templo da Amizade, palácio frequentado exclusivamente por homens. Exemplo de déspota esclarecido, aboliu a pena de morte para delitos de sodomia. 

4. Papa Júlio III (1487-1555) 


Escandalizou o mundo católico ao nomear cardeal o seu cuidador de macacos, um jovem de 17 anos. Segundo relatos, a total falta de vocação sacerdotal do garoto contrastava com seus óbvios atributos físicos. A nomeação foi a forma encontrada por Júlio III para justificar a presença de seu favorito dentro dos muros sagrados do Vaticano. As más línguas chamavam o jovem cardeal de “o macaco do papa”. 

5. Jaime I da Inglaterra (1566-1625) 


Quase nenhum historiador discute a homossexualidade de Jaime I. Aos 13 anos, teve um romance com seu tio, 24 anos mais velho. Idoso, preferia a companhia de rapazes. Foi visto em público aos beijos e abraços com outros homens e sobrepôs seus sentimentos aos interesses do reino. 

6. Henrique III de Valois (1551-1589) 


Entrou para a história como o “rei dos mignons”, como era conhecido o bando de atraentes jovens que estavam sempre ao seu lado. Fez questão de desenhar o vestido e de pentear sua noiva no dia das bodas. Era entusiasta do transformismo e sua corte ficou conhecida como a mais refinada e libertina da Europa. 

8. Guilherme III da Inglaterra (1650-1702) 


Criado pela avó, Guilherme de Orange teve ao longo da vida companheiros inseparáveis. Desde a adolescência, manteve uma relação especial com o nobre holandês Hans Bentinck. A amizade de 30 anos foi traída quando Guilherme fez do jovem Arnold van Keppel, de 18 anos, seu novo favorito. A revolta de Bentinck foi tão evidente que os fofoqueiros da corte não tardaram em apelidá-lo de “velho cornudo”.

Saiba mais
Reyes sodomitas: Monarcas y Favoritos en las Cortes del Renacimiento y Barroco, Miguel Cabañas Agrela, Editora Egales, 2012
Revista Aventuras na História

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Mergulho para a morte


Quem eram os Kamikazes e por que, para eles, o suicídio era uma saída mais aceitável que a derrota. 
 Da Redação

Fernanda Campanelli Massarotto

Eis-me finalmente incorporado às Unidades Especiais. Os 30 dias que restam vão ser minha verdadeira vida. Chegou a hora. O treinamento para a morte me espera: um aprendizado intenso para morrer com beleza. Parto para o combate contemplando a imagem trágica da pátria. Sou um homem entre outros. Nem bom nem mau. Nem sou superior nem sou um imbecil. Sou decididamente um homem.”

A carta acima, escrita em 22 de fevereiro de 1945, é a última mensagem do piloto japonês Okabe Hirabazau para sua família. Dias depois ele morreria, aos 24 anos, em um ataque aéreo suicida às Filipinas realizado pela Marinha do Japão. Hirabazau integra um contingente de mais de 20 000 jovens, adolescentes e até meninos que se engajaram na desesperada estratégia japonesa para não perder a disputa para os Aliados. Eram os kamikazes.

A explicação para essa entrega total pode ser encontrada no passado japonês. A Segunda Guerra mexeu com os brios do Japão. Até então, a história militar do país foi repleta de vitórias. Ninguém jamais conseguiu invadir a ilha. O Japão, ao contrário, subjugou todo o Sudeste Asiático. Primeiro derrotou a China, no final do século XIX (1895), na Guerra Sino-Japonesa. Depois, incorporou parte da Coréia, em 1910. E, por fim, dominou a Mandchúria, em 1931, consolidando o império nipônico. Mesmo durante a Segunda Guerra, até certa altura do conflito o Japão só havia conhecido vitórias: muitas ilhas do Pacífico e parte da Tailândia foram anexadas.

O domínio japonês no Pacífico só estremeceu com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, em resposta a um ataque da Marinha japonesa ao porto americano de Pearl Harbor, situado na ilha de Oahu, no Havaí, em 7 de dezembro de 1941. Em pouco tempo, a Marinha e o Exército do imperador Hiroito (1926-1989, era Showa) colecionaram derrotas frente ao fogo americano. Na pequena ilha de Saipan, capital das Ilhas Marianas do Norte, parte da Federação dos Estados da Micronésia (oeste da Oceania), em uma única batalha, em julho de 1944, morreram 12 000 americanos contra mais de 130 000 japoneses. Uma proporção de dez baixas orientais para cada baixa americana.

O efeito dessa desvantagem sobre o Japão dos anos 40 faz parecer até natural o nascimento de um impulso suicida entre os jovens nipônicos. Os milhares de mortos envergonhavam o país, mas a imprensa de Tóquio os exaltava e descrevia a ação dos mártires como exemplos a serem seguidos. Os rapazes, como que expiando a humilhação nacional, colocavam-se às centenas à disposição das Forças Armadas. A lealdade às tradições do país e ao imperador deu o impulso que faltava, e toda uma geração entregou-se às armas, disposta a tudo para não perder a guerra para os americanos – chamados de chikucho (algo como “besta inumana”). Por fim, o rígido código de honra militar japonês sugeria uma única saída para uma guerra que, àquela altura, estava claramente perdida: a morte. Os kamikazes (kami é “deus” e kaze é “vento”, em japonês) são a faceta mais contundente desse espírito nacional.

O criador da ação kamikaze foi o almirante da Marinha Takajiro Onishi. Em 19 de outubro de 1944, Onishi comunicou a seus pilotos que os americanos haviam desembarcado nas Filipinas. A batalha naval estava próxima, e os métodos tradicionais não seriam suficientes para deter os inimigos. Havia, porém, uma esperança. Aviões de caça do tipo Zero, armados com uma única bomba de 250 quilos, se chocariam contra navios inimigos. A ousadia e o poder destruidor do ataque seriam fatais.

Faltava apenas encontrar voluntários para o mergulho mortal. Em qualquer sociedade ocidental, seria impensável pedir a um soldado que cometesse um suicídio altruísta. Não há registro de situação similar na história das guerras no Ocidente. Missões militares sempre comportam risco de vida. Mas o que dizer de abdicar dela de antemão? No Japão da década de 40, encontrar jovens corajosos com data e hora marcadas para morrer não foi um problema. Invocou-se a ética guerreira. Quem não encarnaria de bom grado o “vento dos deuses”? Que honraria maior do que personificar o “tufão divino” contra os inimigos?

Logo de início, os ataques dos kamikazes operaram muitos estragos na armada inimiga, que não sabia como reagir a esse tipo de ação. Os números comprovam a eficácia da estratégia: 57 navios inimigos foram afundados; 108 totalmente destruídos; 83 parcialmente destruídos e 206 danificados. Os momentos de glória eram desfrutados antes e depois das missões. Toda a esquadrilha se reunia e compartilhava, com os que iam partir, uma última dose de saquê, tradicional aguardente de arroz japonesa. Nas fotografias remanescentes da época, é possível ver o sorriso sereno dos jovens a caminho da morte. Na testa, uma faixa branca com um sol vermelho.

As unidades de combate kamikaze, na verdade, retomavam o espírito dos antigos samurais, guerreiros japoneses da Idade Média. “Mas não podemos pensar que os kamikazes foram os samurais do Japão moderno”, diz o doutor em história moderna do Japão Takane Kawashima, da Universidade de Meiji, em Tóquio, que publicou um estudo, em 1994, sobre o sentimento da população japonesa durante o conflito. “Há, simplesmente, a transposição do sacrifício pelo senhor feudal para a morte pelo imperador, em nome de uma lealdade radical. O samurai realizava o haraquiri, o corte do próprio ventre, uma morte solitária. O kamikaze, ao morrer, levava o inimigo consigo.”

Embora muito se tenha falado nas razões do espírito para justificar a ação kamikaze, os milhares de pilotos suicidas jamais foram movidos pela religião. O xintoísmo e o budismo, as duas principais religiões no Japão, condenam o suicídio. O Japão da era Meiji, que começou em 1872 com a abertura do país ao resto do mundo e encerrou-se com a derrota na Segunda Guerra, era fortemente influenciado pelos valores de Confúcio, filósofo chinês que viveu entre 551 a 479 a.C. Para o confucionismo, a família é a base da sociedade. E as relações de pai e filho são fundamentais. O Estado, por sua vez, é visto como uma grande sociedade familiar em que o imperador funciona como o pai. “A moral confuciana não é favorável ao suicídio. Mas suas idéias de obediência conduzem à devoção absoluta em relação ao soberano”, afirma Eduardo Basto, historiador especialista em religião da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).

O primeiro ataque kamikaze ocorreu em 25 de outubro de 1944, durante a batalha de Samos, na costa de Leyte, nas Filipinas. As unidades especiais de ataque por choque corporal, os tokkotai, eram compostas por 25 pilotos suicidas, ou tokko. Um sucesso, a princípio, as investidas kamikazes foram, com o tempo, revelando seu preço: a extinção dos pilotos de elite. Foi preciso então formar pelotões inexperientes. Os jovens japoneses foram convocados a entrar na guerra e, prontamente, atenderam ao chamado. Muitos eram universitários. Estudantes da área jurídica e literária eram prontamente aceitos. Os cientistas eram poupados, pois se considerava que eles seriam mais úteis para o futuro do país. Morrer aos 20 anos podia não fazer parte dos planos daqueles jovens, mas o dever de obediência ao imperador era mais forte.

“Até 1945, os japoneses cultivavam uma adoração extrema ao imperador, que era visto como o filho da divindade solar, uma filosofia básica do xintoísmo, a religião mais popular do Japão”, diz Eduardo Basto. “Hiroito só foi abdicar desse poder ‘divino’ em janeiro de 1946, por exigência dos americanos, depois que o Japão se rendeu, em 15 de agosto de 1945, e começou o período de ocupação americana no país, que durou até abril de 1952.”

Os japoneses ouviram em meio às lágrimas o discurso de rendição do soberano. Foi o episódio mais amargo da história do país. “Ponho um fim a esta guerra por minha própria autoridade”, anunciou Hiroito. Mas, para surpresa até dos mais céticos, em poucos meses, a paz determinaria a morte do caráter divino imperial: os ultranacionalistas se resignaram e o povo acolheu sem revoltas o pedido superior. No entanto, alguns militares da Marinha e do Exército, inconformados com a derrota, invocaram os samurais e suicidaram-se cometendo haraquiri. Entre eles estava o criador das missões kamikazes, o almirante Onishi. Estrategicamente, os Aliados conservaram o imperador no poder. Temia-se que o imperador se matasse e o mundo assistisse a um suicídio em massa. De fato, sacrificar a vida (jusshi reuisho, em japonês) pelo país era uma obrigação da família real. E uma honra, uma regra de conduta que não poderia ser evitada para os cidadãos comuns.

Quem se rebelasse envergonharia toda a família. Dinastias com séculos de história podiam cair em desgraça na sociedade.

Foi precisamente a devoção à pátria e ao imperador que levou Kiyoshi Tokudome, então um garoto de 15 anos, a se alistar na Marinha japonesa em maio de 1944. Tokudome hoje tem 71 anos. Vive há 45 no Brasil. Ele dirige a Associação Cultural Kagoshima do Brasil, que leva o nome de sua província natal, no sul do Japão. Tokudome, ao entrar para a Marinha, foi enviado para um campo de aviação em Nagasaki. Segundo ele, o aprendizado não foi fácil. Com o avanço das tropas Aliadas, o curso de oito estágios com duração de três anos acabou reduzido para quatro semestres. O cronograma ficou apertado. O dia inteiro era preenchido com treinamento militar em aulas práticas e teóricas, manuseio de equipamentos, mecânica e simulações de vôo.

“A rotina começava às seis da manhã e muitas vezes se estendia até tarde da noite.” Caso os regulamentos fossem infringidos, as punições eram severas. Era muito comum os futuros pilotos serem esbofeteados pelos superiores. E jamais reclamavam. “Nossa educação baseava-se nos princípios de disciplina, lealdade, obrigação, devoção e soberania”, afirma Kawashima, da Universidade de Meiji.

A possibilidade de se tornar um prisioneiro de guerra não era concebida entre os militares japoneses. Cair diante do inimigo era considerado uma espécie de morte muito menos honrosa que o suicídio. “A maioria dos japoneses não imaginava uma guerra sem vitória. Não haviam sido educados para ser prisioneiros”, diz Kawashima. “Caso isso viesse a acontecer, por que não abraçar o fim na forma de um suicídio altruísta, abnegado, que reverenciasse os samurais?”

Para saber mais
Na livraria
Kamikaze, Piloto Suicida, Saburo Sakai e Martin Caidin, Ibrasa, 1975
O Suicídio, Emile Durkheim, Martins Fontes, 2000
O Crisântemo e a Espada, Ruth Benedict, Perspectiva, 1997
A Morte Voluntária no Japão, Maurice Pinguet, Editora Rocco, 1987

Na internet
http://www.japanbrazil.com
http://www.geocities.com/kamikazes_web/index.html
http://www.tcr.org/kamikaze.html
Revista Superinteressante

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

O que foi a Ku Klux Klan?


Grupo racista criminoso ganhou força no século 19 devido a um conjunto de leis segregacionistas dos estados dos EUA 
Raquel Carneiro

Foi uma milícia criminosa racista criada no sul dos EUA logo após a Guerra Civil Americana (1861-1865). O grupo formado por pessoas brancas reagiu à libertação dos escravos e a um projeto do governo chamado Reconstrução, que integraria os negros à sociedade. Responsável por massacres, estupros e linchamentos, entre outras atrocidades, a Klan passou por três fases históricas, todas repletas de ódio.

1. Em 1866, na pequena cidade de Pulaski, no Tennessee, seis amigos começaram a sair com lençóis brancos na cabeça durante a noite para pregar peças nos negros das fazendas locais. Com o tempo, as brincadeiras ganham contornos violentos e motivações políticas. Nascia ali a Ku Klux Klan, que emprestou do grego a palavra kuklos (círculo) e dos escoceses o termo klan (clã). Em um ano, eles atingem meio milhão de adeptos em diferentes cidades

2. O governo dos EUA deu à KKK o status de organização criminosa em 1870. Contudo, no sul, eles ganharam força devido a um conjunto de leis segregacionistas dos estados locais. Conhecidas como “Jim Crow” (personagem negro e bobo da cultura popular norte-americana), essas leis ditavam que ônibus, cinemas, restaurantes e outros estabelecimentos possuíssem assentos separados para negros. Quem não cumpria os limites era punido pelas autoridades, com a ajuda da Klan

3. Com a fuga de negros para outros estados, o grupo aumentou sua atuação pelo país. Uma primeira sede oficial foi aberta em Nashville sob a liderança de Nathan Bedford Forrest, o Grande Mago (ver abaixo). Toda a área de atuação era designada como Império. O que estava fora era chamado de “mundo alienado”. O look branco com chapéu pontudo remetia aos fantasmas dos soldados confederados mortos durante a Guerra Civil

4. Com o fim da Reconstrução em 1877, a KKK perdeu sua força inicial. Mas o declínio não apagou sua ideologia: alguns adeptos se envolveram com a política. Como resultado, cinco ex-presidentes dos EUA hoje são apontados como simpatizantes da organização: William McKinley (1897-1901), Woodrow Wilson (1912-1921), Warren G. Harding (1921-1923), Calvin Coolidge (1923-1929) e Harry S. Truman (1945-1953). O discurso racista de Woodrow ajudou a Klan a retomar suas atividades
Revista Mundo Estranho

Teoria da conspiração: o suicídio de Hitler foi forjado?


O corpo do líder nazista jamais foi encontrado. E muita gente jurou tê-lo visto perambulando pelo mundo após a 2ª Guerra Mundial
Mariana Nadai

Sugestão da TdF Letícia Duarte
Ilustra Murilo Araújo
Edição Felipe van Deursen 

(Murilo Araújo/Mundo Estranho)

“Sem corpo, não há crime”
Diz a história que Adolf Hitler se matou no bunker onde se escondia, em Berlim, em 1945, ao final da 2ª Guerra. Ele ingeriu uma cápsula de cianureto e, para garantir, deu um tiro na cabeça. Os nazistas queimaram o corpo, para que os restos jamais fossem encontrados. Ou seja, não dá para cravar que ele se matou

(Murilo Araújo/Mundo Estranho)

Mortos-vivos
Outros nazistas dados como mortos “ressuscitaram” anos depois. Foi o caso de Josef Mengele, oficial da SS (a polícia do Estado nazista) e médico no campo de concentração de Auschwitz. O “anjo da morte” foi encontrado no Brasil, anos depois, vivendo como o austríaco Wolfgang Gerhard. Sua identidade foi revelada após a sua morte (verdadeira) por afogamento, em Bertioga, SP. Se Mengele estava vivão depois da guerra, por que Hitler não poderia estar?

(Murilo Araújo/Mundo Estranho)

No rancho fundo
A maioria das teorias que diz que Hitler não morreu durante a guerra afirma que ele cruzou o Atlântico para viver na América Latina. O próprio FBI, a polícia federal dos EUA, decidiu investigar uma possível fuga de Hitler após receber cartas de pessoas que acreditaram tê-lo visto vivo. Segundo esses relatos, ele teria saído da Alemanha em 29 de julho de 1945, viajado em um submarino e chegado são e salvo a um rancho no interior da Argentina

(Murilo Araújo/Mundo Estranho)


Debaixo do nariz
Em 1946, um homem entrou no S.W. Restaurant, em Washington, EUA, para almoçar. O restaurante estava cheio, mas alguém, ocupando uma mesa de dois lugares, cedeu espaço para que ele se sentasse. Os dois não trocaram uma palavra, mas o homem, que também não teve a identidade revelada, estava certo de que o cavalheiro que lhe deu lugar era Adolf Hitler, de bigode e tudo. O relato foi publicado no New York Journal-American

(Murilo Araújo/Mundo Estranho)

Na Colômbia
Em 1948, o jornal colombiano El Tiempo recebeu uma carta dizendo que Hitler estava no país. O autor da carta, cujo nome não foi divulgado, seria a pessoa que o ajudou a se instalar em terras colombianas. Ele teria sido contatado pelos nazistas ainda durante a guerra para criar um refúgio nazista. Além disso, o homem teria guiado a comitiva a entrar pela península de La Guajira para se acomodar em uma de suas fazendas

(Murilo Araújo/Mundo Estranho)

E no Brasil?
No livro Hitler no Brasil – Sua Vida e Sua Morte, Simoni Renée Guerreiro Dias diz que Hitler se refugiu em Nossa Senhora do Livramento, cidadezinha em Mato Grosso onde ele teria morrido, na clandestinidade, em 1984. Uma foto ao lado de uma mulher negra, com quem ele seria casado, é a principal “prova” da permanência do ditador na cidade, onde ele era conhecido como Adolf Leipzig

Santa ajuda
Para escapar das tropas russas e se alojar em Mato Grosso, Hitler teria contado com uma importante ajuda: o Vaticano. A Igreja teria dado ao Führer um mapa para encontrar um tesouro jesuíta enterrado próximo a Nossa Senhora do Livramento. Para conseguir chegar ao Brasil sem ser descoberto, Hitler teria passado antes por Argentina, Paraguai e Rio Grande do Sul


(Murilo Araújo/Mundo Estranho)

Por outro lado…
Mesmo sem corpo, tudo indica que Hitler morreu, sim, em 1945
De fato, nazistas dados como mortos fugiram para a América. Além de Mengele, Adolf Eichmann (Argentina), Herbert Kucurs (Rio de Janeiro) e Walter Rauff (Chile) foram alguns figurões encontrados no continente
Quanto a Hitler, a teoria mais aceita pelos historiadores é a de que ele de fato se matou em 30 de abril de 1945 junto de sua companheira, Eva Braun. Mesmo sem evidências físicas da morte, “o mundo precisava de um responsável por todo o mal da guerra”, diz o historiador Oldimar Cardoso
Por mais que o corpo do ditador jamais tenha sido encontrado após a guerra, havia testemunhas, como Rochus Misch, guarda-costas de Hitler. Em entrevista à revista alemã P.M History, ele diz que encontrou o cadáver do patrão no bunker, logo após o suicídio
A investigação do FBI de fato ocorreu: os documentos vieram a público em 2014. Mas nada foi encontrado sobre a suposta permanência de Hitler na Argentina, pois havia “escassa informação” a respeito
O FBI também não encontrou informações suficientes para seguir com a investigação da suposta permanência de Hitler em Washington. Mas, francamente, quem iria se esconder logo na capital de um dos países inimigos na guerra?
A tese de Hitler no Brasil é desacreditada por historiadores. A própria Simoni justifica que encontrar evidências físicas é difícil. Ela investigou o suposto túmulo do ditador em Mato Grosso, mas não encontrou material para fazer exames de DNA
O Vaticano é uma cidade-Estado soberana que, por decreto, se mantém neutro em assuntos internacionais. Segundo documentos oficiais, o papa Pio 12 se absteve de tomar partido na guerra. Mas se isso aconteceu na prática, aí é assunto para outra Teoria da Conspiração…

CONSULTORIA Oldimar Cardoso, doutor em didática da história pela USP, e Simoni Renée Guerreiro Dias, pesquisadora e autora de Hitler no Brasil – Sua Vida e Sua Morte
Revista Mundo Estranho

domingo, 9 de abril de 2017

Quem foi Giordano Bruno?


O ex-monge foi perseguido pela Igreja Católica por defender conceitos como o infinito e o panteísmo   Galileu

 
Estátua de Giordano Bruno em Roma (Foto: Wikimedia Commons)

Após a notícia de que Bruno Borges, morador do Acre de 24 anos, desapareceu deixando para trás nada menos que 14 cadernos criptografados e uma estátua de Giordano Bruno avaliada em R$ 7 mil, a internet foi à loucura tentando desvendar a ligação entre eles. Para além das especulações malucas e das teorias da conspiração, é um bom momento para aprender sobre a vida do téologo e filósofo que viveu durante o século 16.

Giordano Bruno foi um monge italiano da Ordem dos Dominicianos desde os seus 15 anos. Nascido em 1548, dedicou-se ao estudo da teologia de São Tomás de Aquino e da filosofia aristotélica assim que entrou no seminário, tornando-se membro da Academia Florentina. Aos 17, ingressou na Ordem dos Pregadores.

Com o passar do tempo, pórem, começou a adotar ideias controversas na época como, por exemplo, a negação de qualquer tipo de imagem religiosa que não fosse o crucifixo. Em 1575, pouco depois de receber seu doutorado em teologia, abandonou a ordem.

Foi grande defensor do conceito de infinito e de uma espécie de panteísmo. Segundo ele, os seres humanos ainda não eram capazes de realmente entender o conceito de Deus, que estaria em tudo e em todos. Para Bruno, Deus era a inteligência e a vida por trás de tudo que existe no mundo, e a matéria formadora dos objetos era expressão passiva de sua vontade.
 
Escultura de Giordano Bruno na casa do jovem desaparecido (Foto: Reprodução/G1)

Em resumo, Giordano Bruno, era hilozoísta — quem defende a ideia de que absolutamente tudo possui vida dentro de si — e panpsiquista — quem acredita que tudo tem alma. Por ter ideias tão liberais em torno da religião, ele era grande defensor da unificação das religiões, a favor de que Deus estava além de qualquer tipo de dogma ou regra.

O infinto era, para ele, algo complexo demais para a mente humana, já que os sentidos estão reservados a compreender apenas o que pode ser limitado pelo espaço e pelo tempo. Segundo Bruno, o universo possuía essa mesma propriedade e o número de planetas seria incalculável. A ideia do filósofo era de que muito possivelmente existissem muitas Terras com muitos messias por aí.

Na estrada
O teólogo peregrinou pela Europa dando aulas e divulgando suas teorias. Passou por Suíça, Inglaterra, França, Alemanha e República Tcheca. Entre suas viagens, converteu-se ao calvinismo e chegou a dar aulas na Universidade de Oxford, mas logo abandonou a religião de Calvino por considerá-la contrária à liberdade intelectual.

Giordano Bruno defendeu o conceito de que a verdade deve prevalecer sobre as vontades e as crenças, inspirando, séculos mais tarde, o movimento iluminista. Uma vez, Bruno escreveu que “só os espíritos mais fracos é que pensam com a multidão por ser ela multidão. A verdade não é modificada pelas opiniões do vulgo, nem pela confirmação da maioria".

Após vários ataques em diferentes regiões, foi preso em Veneza pelo Santo Ofício. A pedido do papa, foi entregue ao tribunal da Santa Inquisição e condenado a sete anos de prisão. Durante esse tempo, por não concordar em negar as próprias convicções, acabou sendo queimado no dia 17 de fevereiro de 1600.

O programa "Cosmos: a spacetime odyssey", produção apresentada por Neil deGrasse Tyson em 2014, mostrou em um de seus episódios a incrível história de Giordano Bruno através de uma animação. A série foi inspirada no programa original "Cosmos" de 1980, realizada por Carl Sagan e sua esposa Ann Druyan e tem como objetivo trazer a ciência e o prazer da pesquisa para dentro da casa de jovens telespectadores.
Revista Galileu

6 coisas que você não sabia sobre a Idade Média



Caravaggio (1571-1610) (Foto: Wikimedia Commons)
 
O pão podia dar barato, futebol era ilegal e mais...
Ana Freitas

Você assiste "Game of Thrones", "Vikings", lê "Senhor dos Anéis" e, por causa disso, constrói um monte de suposições sobre a Idade Média. Além disso, tem tudo aquilo que a gente aprendeu nos livros da escola e, em alguns casos, o senso comum dos filmes e dos contos de fadas. Mas os mitos sobre a Idade Média são muitos, sem contar as coisas que a gente não faz ideia mas eram uma realidade naquela época.

Cavaleiros reais não eram bastiões da ética e heroísmo

Todo mundo pensa nos cavaleiros como os grandes heróis de alma nobre e ética social da Idade Média. Nesse caso, Game of Thrones está mais próximo da realidade: não era incomum que cavaleiros saqueassem vilarejos, assassinassem inocentes e estuprassem mulheres.

Futebol era ilegal

Na Inglaterra medieval, um esporte chamado 'mob football' foi proibido por causa da zona que causava. O jogo podia ser jogado por um número ilimitado de jogadores, a bola era uma bexiga de porco (argh) e as regras eram... bom, quase não havia regras. E se o futebol hoje, cheio de regras e só com 11 jogadores, já é capaz de desencadear caos, imagina nesse contexto.

O pão podia dar barato - ou pior, te matar

No verão, os grãos eram escassos - a colheita anterior estava chegando ao fim, mas a nova ainda não estava pronta pra ser colhida. Trigo velho era usado pra fazer pão, e esse trigo às vezes era infectado com ergot, um fungo que, se ingerido, provoca efeitos parecidos com LSD ou até mata em casos extremos.

Eles não bebiam só cerveja

Você já deve ter ouvido falar que na Idade Média só se bebia cerveja ou vinho, já que a água mesmo era imprópria para consumo. É uma ideia engraçada pensar que durante séculos todo mundo viveu bêbado o tempo todo, mas de acordo com alguns historiadores, é só uma lenda. As pessoas tinham métodos pra conferir se a água era pura e por isso tomavam água, sim, mas também bebiam bastante cerveja, mais comum entre os camponeses, e vinho, consumido pela nobreza.

As pessoas não fediam tanto quanto você pensava

A limpeza do corpo, na Idade Média, estava associada com a limpeza da alma. Alguns historiadores dizem que acreditava-se que pessoas sujas eram pecadores. Como o catolicismo imperava, as pessoas se mantinham bem limpinhas. Banhos públicos eram comuns e também era um costume tomar banho junto com convidados, por exemplo. E as pessoas também escovavam os dentes usando alecrim queimado. O motivo: se dor de dente já é difícil em 2014 com anestesia, imagina naquela época?

Animais podiam ser julgados e condenados por crimes

Não era raro que animais fossem julgados e condenados por matar pessoas ou outros crimes, como estragar plantações ou comer comida que não era deles. Geralmente, iam a julgamento animais domésticos, como porcos, vacas e cavalos, e pragas que ameaçavam plantações, como ratos e insetos. Há registros de supostos lobisomens terem ido a julgamento, além de um galo que, em 1474, foi julgado pelo crime de botar um ovo (ele é um galo!).
Revista Galileu

sexta-feira, 24 de março de 2017

A infância e a juventude do mais odiado ditador da História


Hitler: o ínicio
A infância e a juventude do mais odiado ditador da História

Luis Pereira


 Um jovem quase comum | Crédito: divulg. 
 
No filme A Queda, de Bernd Eichinger, o famoso ator Bruno Ganz interpreta Adolf Hitler em seus últimos dias, acuado no bunker da Chancelaria do Reich, em pleno processo de negação e declínio psicológico. A atuação magistral de Ganz fez com que muitos se perguntassem: “Podemos retratar Hitler como um ser humano?”. O historiador alemão Volker Ullrich defende que não só podemos como devemos. Ullrich é o autor de uma nova biografia do ditador nazista, Adolf Hitler Vol. 1 – Os Anos de Ascensão, 1889-1939 (Amarilys, 2016). O trabalho, aclamado pela crítica e best-seller instantâneo na Alemanha e na Inglaterra, é o primeiro tomo de uma obra em dois volumes que se propõe a preencher lacunas na bibliografia já existente e, principalmente, tratar do ser humano por trás da persona pública.

O simples processo de demonização, segundo o autor, é um erro perigoso, pois distorce a avaliação da verdadeira personalidade de Hitler, com suas contradições e antagonismos, deixando de lado os traços empáticos que fizeram dele um líder palatável às massas populares e às elites política e econômica da Alemanha. O objetivo é desconstruir o mito Hitler, presente de variadas maneiras na literatura e no debate público após 1945 como uma “fascinação (negativa) pelo monstro”. Na nova obra, Hitler é “normalizado”, mas isso não o torna “mais normal”; pelo contrário, ele parece ainda mais indecifrável. Sua imagem torna-se mais complexa, um homem de muitas faces, sempre adaptadas a diferentes públicos.


Baseando-se em pistas conhecidas e documentos revelados apenas recentemente, Ullrich discute que, se não fosse pela Primeira Guerra Mundial e as revoluções sociais que ela provocou na Europa, talvez Hitler permanecesse uma figura desconhecida às margens da História. Suas origens são, para dizer o mínimo, nebulosas. “Não sei de nada sobre a história da minha família. Nessa questão, sou uma pessoa muito mal informada (...) sou completamente desprovido de sentimentos familiares e não tenho nenhuma ligação com um clã. Isso não é de minha natureza. Eu pertenço à minha comunidade étnica”, confessou Hitler em 1942, num de seus muitos monólogos.
Talvez ele visse boas razões para ocultar sua ascendência.



O bebê Adolf Hitler

O pai de Hitler, Alois Schicklgruber, era um filho ilegítimo adotado por um tio postiço, Johann Nepomuk Hiedler (irmão mais novo do marido da mãe de Alois), numa história enrolada que sugere algum escândalo familiar abafado. Somente aos 19 anos Alois foi registrado como filho legítimo de Johann Georg, o irmão de Johann Nepomuk. Nessa ocasião, o notário alterou o sobrenome Hiedler para Hitler. Alois Hitler viria a ser um funcionário-modelo na alfândega de Braunau. Em 1885, após ficar viúvo pela segunda vez (as taxas de mortalidade na época eram altíssimas), Alois casou-se com Klara Pölz. Klara era neta do tio postiço de Alois. Portanto, se de fato Alois era filho de Johann Georg, os dois seriam primos em segundo grau. Se, como se suspeita, fosse filho de Nepomuk, o parentesco seria ainda mais próximo, o de tio e sobrinha. Em 1889, nascia Adolf Hitler, o quarto filho do casal (os três primeiros morreram cedo). Boatos sobre uma possível origem judaica de Hitler (que circulavam desde a década de 1920) não se confirmaram. Ainda assim, é irônico que o ditador que exigia um certificado de “ascendência ariana” de cada cidadão alemão não fosse capaz de demonstrar a própria.

Existem poucos testemunhos sobre os primeiros anos de vida de Adolf Hitler. As informações publicadas por ele sobre o ambiente familiar no primeiro capítulo de Minha Luta certamente são uma mistura de meias-verdades e invenções, com as quais tentou angariar simpatias e tornar crível sua vocação política como líder de um novo Reich alemão. Sabe-se que Alois fora um pai severo, adepto de castigos físicos. A experiência da violência doméstica foi interpretada como uma das causas para a política assassina do ditador. No entanto, Ullrich adverte que se deve tomar cuidado ao tirar conclusões: naquela época, castigos físicos eram comumente usados com finalidade educativa. Um pai repressor e uma mãe amorosa não eram uma combinação rara entre as famílias de classe média por volta da virada do século. Hitler, portanto, teve uma infância bastante normal.


Juventude incerta

Nos anos escolares
Adolf Hitler fora um excelente aluno nos primeiros anos escolares. Como todos os garotos de sua idade, era leitor dos romances de aventura do escritor alemão Karl May (dizem que durante a guerra, principalmente nas situações mais difíceis, Hitler citava um dos heróis de May, o índio apache Winnetou, como um “paradigma de comandante militar”). Entretanto, quando fez a transição para a escola secundária em Linz, Hitler passou a ser mais um entre muitos. Terminou por abandonar a escola, após reprovações e resultados medíocres.

O fracasso em terminar o grau secundário custou caro, quando ele se inscreveu para o exame de admissão na Academia de Belas-Artes de Viena, já que o diploma era um requisito básico. Hitler (mais livre após a morte do pai, em 1903) passara a fazer visitas frequentes à capital, em que se deleitava com as paisagens da metrópole austríaca, com seus museus, a ópera, o Parlamento e a magnífica Ringstrasse. O fracasso acadêmico, que ele não contara à família ou aos amigos, foi difícil de aceitar. Muitos atribuem a perseguição aos intelectuais e seu desprezo pela intelligentsia alemã como resultado dessa rejeição.


O ano de 1907 foi marcado pela morte da mãe, em consequência de um câncer de mama. “Em meus quase 40 anos de atividade, nunca vi um jovem tão indescritivelmente triste e arrasado como o jovem Adolf Hitler”, escreveu o médico judeu que tratara Klara Hitler, doutor Eduard Bloch, em uma anotação de 1938. Não há indícios de que o tratamento médico feito por Bloch tenha sido a causa do patológico ódio antissemita de futuro Führer. No próprio dia do funeral, Hitler foi até o consultório dele para agradecer pelos cuidados com a mãe. Em 1938, quando o líder fez sua entrada triunfal na “cidade natal” Linz, após ter anexado a Áustria, dizem que perguntou imediatamente pela saúde do “bom e velho doutor Bloch”. Dentre todos os judeus de Linz, Hitler colocou o médico sob a proteção da Gestapo. No final de 1940, a família Bloch conseguiu emigrar em segurança para os Estados Unidos.

Há relatos de que Hitler também manteve relações cordiais com judeus nos abrigos e pensionatos vienenses em que morou entre 1908 e 1913. Viena era na época a grande metrópole europeia, centro de uma vida econômica e cultural efervescente, com uma enorme comunidade de intelectuais e artistas de vanguarda. Naquela cidade, os problemas do Estado multinacional austro-húngaro podiam ser observados como numa lente de aumento. Nenhuma outra apresentava uma taxa de imigrantes tão elevada. A reação dos habitantes locais ao “perigo” de uma “infiltração estrangeira” produzira desde o final do século 19 a criação de associações e partidos que estampavam o nacionalismo radical entre as suas bandeiras. A imigração maciça, principalmente de judeus orientais, despertou temores de uma “judaização” de Viena; o sucesso dos imigrantes judeus, bem-educados e orientados a subir na vida, despertou inveja e amargura nos habitantes nativos.

Hitler escreve em Minha Luta que os anos em Viena foram de miséria e pobreza. Outra meia-verdade, pois, enquanto durou a herança materna, a pensão de órfão e a ajuda que recebia de uma tia, Hitler teve condições de manter seu estilo de vida habitual: não fazer nada. Quando a tia que o socorria também faleceu, ele então teve de buscar o próprio sustento.

Artista sem futuro
No outono de 1909, Hitler chegou a viver num abrigo para moradores de rua, onde conheceu Reinhold Hanisch. De manhã cedo, os ocupantes do abrigo tinham de deixar o lugar, retornando somente à noite. Durante o dia, Hanisch e Hitler tentavam ganhar alguns trocados fazendo bicos. Ao saber da inclinação artística do colega de abrigo, Hanisch sugeriu que Hitler pintasse os cartões-postais da cidade para que ele os vendesse em bares e restaurantes, dividindo a receita. O sucesso da empreitada foi maior que o esperado e em 9 de fevereiro de 1910 ambos conseguiram trocar o abrigo por um pensionato masculino. Hitler viria a morar ali pelos três anos seguintes.
A parceria com Hanisch durou pouco.

Para que o negócio fosse rentável, era preciso pintar um quadro por dia, como cobrava o colega. Mas Hitler argumentava que se tratava de um trabalho artístico, para o qual era necessário estar inspirado; quando não estava, passava o dia lendo jornais ou participando de discussões políticas na sala de leitura do pensionato. Em agosto de 1910, Hitler acusou Hanisch de tê-lo enganado e deixado de pagar por algumas telas vendidas. Passou então a vender suas obras por meio de Jacob Altenberg e Samuel Morgenstern, dois judeus proprietários de uma loja de artes. Ambos pagavam a Hitler muito bem, permitindo-lhe independência financeira. Além de preferir fazer negócios com comerciantes judeus, Hitler mantinha boa convivência com outros moradores do pensionato que eram de origem judaica. O ex-sócio Hanisch viria a afirmar que “naquela época, Hitler não odiava os judeus. Isso só aconteceu mais tarde”.

O contraste entre o pintor de telas parceiro de marchands, colega de quarto de judeus e o futuro ditador genocida é desconcertante. Para Ullrich, uma coisa é certa: mesmo que quisesse, Hitler não teria conseguido evitar contato com correntes antissemitas naquela Viena da virada do século. Políticos vienenses que Hitler admirava batiam constantemente na tecla do inimigo externo judeu: Georg von Schörener, o líder do pangermanismo austríaco a quem Hitler cita como influência fundamental em Minha Luta, associou sua campanha pelo “germanismo” com um antissemitismo até então desconhecido na Áustria; o prefeito Karl Lueger não media palavras ao dizer que “a Grande Viena não deve se transformar numa Grande Jerusalém”, além de acusar a “imprensa judaica” de compor uma imagem estereotipada de judeus abastados, intelectualmente refinados e arrogantes. Seria uma surpresa se o jovem Hitler não tivesse sido influenciado por isso.

Um outro aspecto desses anos que alimenta a curiosidade de historiadores é a suposta homossexualidade de Hitler. Na contramão de diversas obras que veem nas ações do ditador indícios de uma orientação sexual frustrada e reprimida, Ullrich não se convence de que Hitler pudesse ter tido relações homoafetivas no período em que morou nos pensionatos masculinos. No entanto, inúmeras fontes dão conta de um comportamento celibatário do futuro Führer. Numa metrópole vanguardista e de costumes em ebulição como era Viena, em que peças teatrais de Arhtur Schnitzler e quadros permissivos de Gustav Klimt causavam escândalo, o jovem Hitler vivia um ascetismo quase monástico.

Ao que tudo indica, ele também não recorria a prostitutas. Segundo um amigo da época, isso se dava principalmente pelo medo de contrair uma doença sexualmente transmissível bastante comum na época: a sífilis. Mas talvez a ideologia pangermanista de Schörener também tenha desempenhado um papel nisso. Além de defender a superioridade cultural dos alemães, a dissolução do império multinacional Habsburgo e a formação de um Império Alemão único, Schörener defendia também o celibato até os 25 anos, a fim de tonificar a força física e intelectual. Se Hitler se manteve fiel a esse mandamento de castidade, ele ainda não tinha dormido com nenhuma mulher ao deixar Viena, aos 24 anos de idade.

Hitler já pensava em emigrar para a Alemanha havia algum tempo. Munique era a cidade que mais o atraía. Ali, ele frequentou o meio boêmio de Schwabing e seguiu ganhando a vida pintando paisagens. Sua senhoria o descreveu como um jovem retraído, que se fechava no quarto como um eremita. Para Ullrich, a falta de contatos era apenas um sinal externo de sua profunda insegurança interna. Após um ano na cidade, Hitler teve de admitir que sua carreira artística não lhe oferecia futuro. Somente o início da Primeira Guerra Mundial, no começo de 1914, o libertaria daquele estado frustrante e sem perspectivas.

Primeira Guerra Mundial

Cabo Hitler
A escalada de hostilidades que se seguiu ao assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando produziu na Alemanha um estado de euforia patriótica a favor da guerra. O escritor Stefan Zweig viria a descrever esse momento “arrebatador” como “algo de que era difícil escapar”. Com o início do conflito, Hitler afirma ter obtido uma autorização do rei Ludwig III da Baviera para servir em um regimento bávaro apesar de sua nacionalidade austríaca. O mais provável é que naqueles dias tumultuados ninguém checasse com afinco a nacionalidade dos recrutas voluntários; do contrário, Hitler não poderia ter servido.

Em meados de outubro de 1914, o recruta Hitler enfrentou seu “batismo de fogo”. Seu regimento lutou em violentas batalhas homem a homem no front ocidental, tendo perdas imensas (de 3 500 oficiais, restaram 600). Em novembro, Hitler seria promovido a cabo, encarregado de levar mensagens e ordens dos comandantes de regimento até a linha de frente. Segundo Hitler, esse trabalho colocava todos os dias sua vida em risco. Para os soldados de trincheira, os mensageiros militares não passavam de oficiais de caserna. De uma forma ou de outra, Hitler escreveu em Minha Luta: “O horror assumiu o lugar do romantismo da guerra. O entusiasmo arrefeceu gradualmente e o júbilo excessivo foi sufocado pelo medo da morte”. Antes mesmo do final da guerra, a direita radical e os pangermanistas já haviam eleito bodes expiatórios para os revezes da Alemanha: as “atividades subversivas” de sociais-democratas e esquerdistas em geral, e a suposta falta de engajamento dos judeus no esforço de guerra. A despeito dos milhares de judeus que morreram nas trincheiras, foi convocada em 1916 uma “contagem de judeus” a fim de verificar a situação do serviço militar de judeus alemães (um primeiro passo para os registros que viriam a ocorrer nos anos seguintes). Em 1918, diante da derrota iminente da Alemanha, esses grupos intensificaram sua propaganda antissemita.

O rapaz tímido ainda estava para descobrir seus dons extraordinários de oratória, mas a Revolucão Alemã, que derrubou o kaiser e instaurou uma república parlamentarista de inspiração esquerdista, provocou em Hitler tal comoção que o convenceu a abdicar de suas ambições artísticas e entrar na política. Junte-se a esse político aspirante com patronos influentes no meio militar a reação das elites econômicas ao novo governo, a fobia contra a esquerda e o ressentimento contra os judeus, e temos montado o cenário para a ascensão de Hitler e do nazismo. O Hitler pós-guerra se reinventou completamente, para prejuízo de milhões de vítimas que ele viria a fazer em sua ascensão sanguinolenta ao poder. Uma ascensão que, como Ullrich defende, merece ser mais bem compreendida.
Revista Aventuras na História

11 maneiras medievais de identificar uma bruxa


Você fala com seu gato? Tem problemas de pele? Se vivesse na Idade Média, teria más notícias...

Redação AH
 
 
 Pero que las hay, las hay... | Crédito: Pixabay
Na Idade Média - ou melhor, até o século 18 e, dependendo do lugar, ainda hoje - ser acusada ou, mais raramente, acusado de bruxaria era uma sentença de morte. Assim sendo, eram precisos testes "rigorosos" antes de se decidir pela morte de alguém. Quem desse azar de estar numa crise de espinhas, podia ir parar na fogueira. Veja alguns desses testes.

1. 100 metros fundos
A acusada de bruxaria era arrastada para um rio ou lago, despida e amarrada. Então, era arremessado para ver se flutuava. A premissa era de que a água rejeitaria a bruxa - se, flutuasse era bruxa. Não flutuasse... que pena, né?

2. Anorexia mata
As inocentes deveriam ter mais peso que o texto sagrado. Se pesasse menos que uma Bíblia - que, na época em que eram enormes e manuscritas, podiam chegar a 80 kg - era bruxa.

3. Decoreba
A bruxa deveria recitar em voz alta, de memória e sem enganos, passagens das Sagradas Escrituras. O Pai Nosso era um dos trechos prediletos.

4. Teste do toque
A vítima da bruxaria era tocada pela bruxa que supostamente lhe enfeitiçou. Caso o toque provocasse reação, estava comprovado o sacrilégio.

5. Bolo incrementado
A urina da acusada era misturada a uma receita de bolo e entregue a um cão. Caso a pessoa sentisse as mordidas na própria pele, era considerada culpada.

6. Dermatologia
Essa ainda hoje é um clichê: bruxas têm verrugas na ponta do nariz. A pele era vistoriada. Verrugas, pintas, cicatrizes ou marcas de nascença podiam ser consideradas provas de que o diabo havia tocado a bruxa.

7. Exorcismo forçado
Uma pessoa possuída era posta na mesma sala que a suspeita, que era forçada a gritar para o demônio para sair do corpo da vítima. Caso melhorasse, a bruxaria estava comprovada.

8. Pesadelo
Se a ré fosse vista em sonhos ou aparições, era prova de que seria bruxa, já que as feiticeiras podiam projetar seu espírito para fora do corpo.

9. Toque do transe
Caso a suposta bruxa tocasse uma pessoa no meio de um transe ou ataque e ele melhorasse, estava comprovada sua culpa - valia a mesma lógica do item 7.

10. Cozinha macabra
Ter em casa equipamentos "próprios" para rituais de magia, como velas, certas plantas ou um pilão e morteiro para misturar ingredientes era um caminho direto para a fogueira.

11. Pets
Conversar com bichos de estimação, particularmente gatos, também era sinal de pacto com o demônio.
 Revista Aventuras na História

Como fazíamos sem... Absorvente íntimo?


Incomodada ficava sua vó.... ficava mesmo!

Redação AH

 Lavadeiras em quadro de artista colombiano, 1923 | Crédito: Eugenio Zerda

Dizia o comercial de TV que incomodadas ficavam as nossas avós. Ele tinha razão. Antes da invenção do absorvente descartável, a mulherada sofria. E improvisava.

De acordo com dados do Museu da Menstruação e da Saúde Feminina, na Antiguidade, em Roma, as mulheres enfiavam pequenos chumaços de lã no interior da vagina para conter o fluxo menstrual. Em algumas tribos da África, usavam rolinhos de grama. As gregas revestiam ripas de madeira com várias camadas de retalho. Já as japonesas se viravam confeccionando canudinhos de papel. Na Indonésia, fibras vegetais eram usadas na tentativa de absorver o fluxo, ao passo que, no Egito, canutilhos de papiro faziam as vezes de absorvente higiênico. Todas essas invenções eram intravaginais – por isso, era melhor deixar um pedacinho para fora, para facilitar a retirada.

Registros arqueológicos mostram que, desde o século 15 a.C, as mulheres já pensavam em alguma espécie de proteção para aqueles dias. Mas uma das referências mais conhecidas acerca do assunto é encontrada nos escritos deixados pelo grego Hipócrates, mencionando expressamente a utilização de protetores intravaginais entre suas contemporâneas – ele viveu de 460 a 370 a.C.

Durante toda a Idade Média uma opção eram as toalhinhas higiênicas, feitas de qualquer resto de tecido – não raro, elas levavam ao surgimento de coceiras, assaduras e irritações no corpo. De todo modo, qualquer coisa devia ser melhor do que o isolamento a que as mulheres de diversas tribos indígenas eram submetidas: elas ficavam longe dos olhos dos outros, sentadas numa espécie de ninho, que absorvia o sangue.

 
Soluções para higiene feminina em anúncio dos anos 1930

Só no século 19 têm início pesquisas voltadas ao desenvolvimento de apetrechos mais funcionais. Em 1933 o absorvente interno foi patenteado, mas a novidade só chegou ao Brasil 40 anos depois. Por outro lado, toalhas descartáveis já ocupavam as prateleiras desde o fim da Primeira Guerra. Algumas tinham o formato de uma calcinha, ficando presas à cintura, enquanto outras eram presas com alfinetes – os absorventes com fita adesiva chegaram em 1970.

Um alívio sem precedentes, que livrou as mulheres de preocupações, como a de o que fazer para que ninguém visse o varal coalhado de retalhos suspeitos – afinal, as moças de boa família não podiam expor suas intimidades.
Revista Aventuras na História

segunda-feira, 20 de março de 2017

Como fazíamos sem... dentista

Tratar dos dentes já foi um show de horrores

Marcus Lopes

 A dor, na tela de Caravaggio | Crédito: divulgação 

Antes de existirem os cirurgiões-dentistas, a humanidade passou por poucas e boas para tratar a dor de dente. Médicos, monges religiosos e até barbeiros exerciam o ofício, que, durante muito tempo, praticamente se resumia à mera extração – com muita dor, claro.


Em 2012, foi encontrado na Eslovênia, no Leste Europeu, um dos vestígios mais antigos da existência de um dentista. Um dente de aproximadamente 6,5 mil anos de idade foi achado com um preenchimento de cera de abelha na coroa. Os estudos mostraram que o material foi aplicado na época da morte do indivíduo, mas não se sabe se foi antes ou depois. Caso tenha sido antes, provavelmente era para diminuir a dor provocada por uma rachadura nas camadas de esmalte.

Documentos sumérios feitos em tabletes de argila dão conta que, em 2750 a.C., já havia procedimentos cirúrgicos em mandíbulas. Na mesma época foram encontrados, na região da Mesopotâmia, peças para limpeza dentária, como palitos de metal. Na Idade Média, os primeiros a exercer a odontologia foram os monges católicos, que também davam seus pitacos na medicina, realizando tratamentos e cirurgias, já que tinham maior acesso ao conhecimento do que a população em geral. Após a Igreja proibir essa prática, quem herdou a função foram os barbeiros, que teriam aprendido a prática com os religiosos.

Por mais difícil que seja acreditar, durante muito tempo quem tinha dor de dente podia resolver o problema no mercado público. Sim, a profissão de dentista também foi exercida de maneira bastante rudimentar por curiosos que iam às feiras e mercados oferecer serviços de extração e tratamento de dentes, como quem oferece um produto.


A odontologia começou a evoluir de fato por volta de 1700, quando surgiram novos instrumentos, como boticões mais eficientes, e profissionais especializados. Em 1728, o francês Pierre Fauchard escreveu um tratado chamado O Cirurgião-Dentista. Em 1746, Claude Mouton publicou o primeiro trabalho relacionado a prótese dentária e, em 1756, Philip Pfaff lançou a obra Odontologia Alemã. Dois anos antes, em 1754, havia sido criado um boticão especial para a extração dos terceiros molares. O temido motorzinho, que causa tanta aflição nos pacientes, surgiu no fim do século 19, mas só chegou ao que conhecemos hoje no século 20.

TIRADENTES
O dentista prático mais famoso do Brasil foi, sem dúvida, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, isso antes de a odontologia ser uma profissão regulamentada. No registro do seu depoimento prestado em 1789, após ser preso no episódio da Inconfidência Mineira, está registrado que o réu “não tinha nesta cidade pessoas de particular amizade, porém conhecia muita gente em razão da prenda de pôr e tirar dentes”. Ou seja, o mineiro não apenas extraía dentes dos seus pacientes mas também repunha os que faltavam, numa espécie de tratamento de prótese. Registros da época apontam ainda que ele exercia muito bem sua profissão no interior de Minas Gerais e tinha, inclusive, conhecimentos básicos de medicina. Entre os bens confiscados do mártir da Inconfidência após a prisão pela Conjuração Mineira constavam um espelho pequeno e um conjunto de ferros de extrair dentes, que foram arrematados pelo dentista prático Francisco Xavier da Silveira. Ele deixou também navalhas de barbear e instrumentos de farmácia.
Revista Aventuras  na História

Crianças em liquidação

A mãe que colocou os filhos à venda

Fabio Marton

Mãe vende filhos | Crédito: divulg
O cartaz diz: “Quatro crianças à venda – Informe-se aqui”. A mercadoria está exposta na escada: no degrau mais alto, Lana, 6 anos, e Rae, 5; embaixo, Milton, 4, e Sue Ellen, 2. A mãe, Lucille Chalifoux, que chora escondendo o rosto do fotógrafo, estava grávida de David.
Tirada em 4 de agosto de 1948, em Chicago (EUA), a foto foi publicada O anúncio chocante: sem arrependimento em vários jornais, causando comoção e fazendo surgir ofertas de ajuda de leitores comovidos. Mas uma reportagem no jornal The Times, de Indiana, mostrou, no ano passado, que a foto marcava o começo de uma impressionante história de falta de amor e maus-tratos às crianças. Vendidas ou adotadas, os irmãos se dispersaram para só voltarem a se encontrar adultos. “Fui vendida por 2 dólares, e como meu irmão, Milton, estava perto de mim chorando, o casal resolveu levá-lo também”, conta Rae. Aos 21 anos, ela reencontrou a mãe biológica. “Ela não tinha remorso, nunca nos amou”, diz. Aos 70, reviu os irmãos. David parece ter tido a experiência mais parecida com a de um lar feliz.
Revista Aventuras na História

Crianças no Egito de Cleópatra morriam por desnutrição


É o que revela um estudo de 20 anos na Necrópole de Saqqara


 A rainha em sua indiferença, em quadro do século 19 | Crédito: Alexandre Cabanel 
Cleópatra VII, a última faraó do Egito, é famosa pelo luxo, tomando banhos de leite e, em certa ocasião, dissolvendo a maior pérola do mundo em vinagre para beber, numa aposta com seu amante, o general Marco Antônio. Ainda que a última história seja provavelmente invenção, numa coisa, nenhum historiador vai discordar: pobre, ela não era.


Como isso se traduzia para o povo? Muito mal, segundo uma pesquisa de duas décadas conduzida pelo egiptologista polonês Karol Myśliwiec, da Universidade de Varsóvia. Sua equipe analisou os restos encontrados de 29 crianças encontradas na Necrópole de Saqqara, na antiga capital Mênfis. A pesquisa completa passou por 500 tumbas, desde o Antigo Reino, há quase 5 mil anos. Mas essas crianças, com idades entre meses até 12 anos, foram enterradas entre os séculos 4 a.C. e 1 d.C., durante o período ptolomaico - a dinastia de Cleópatra - e início do domínio romano.

Segundo a equipe, a maioria dessas crianças morreu de infecções ou parasitoses relacionadas à perda de imunidade ao fim do aleitamento materno. Mas isso não vem sozinho: elas sofriam de cáries, anemia, deficiência de vitamina B e má nutrição em geral. Também sinusite crônica causada pelo ambiente do deserto.

Uma das crianças, cujos dentes indicavam ter 4 anos de idade, tinha o tamanho de um bebê de um ano. "Isso significa um retardamento ou inibição temporária no crescimento da criança ocorreu, provavelmente causado por uma dieta pobre em nutrientes essenciais para o desenvolvimento", afirma a bioarqueóloga Iwona Kozieradzka-Ogunmakin, da Universidade de Manchester.

                                

                       Dra. Iwona trabalhando / Polish Centre of Mediterranean Archaeology UW

Curiosamente, um dos indícios do estado precário de saúde dessas crianças é que a maioria delas não tem marcas diretas das doenças que as levaram. O que, ao contrário do que possa parecer, não significa que eram saudáveis, mas que "sucumbiram às doenças rapidamente por seu sistema imunológico fraco", segundo Dra. Iwona. Quem tem sinais de doenças é porque sobreviveu o suficiente para eles aparecerem - assim, estava num estado menos ruim que os outros.

Outra ausência significativa: o próprio número de tumbas infantis é considerado baixo. Segundo os cientistas, é possível que pais enterrassem crianças nas próprias casas, como já foi visto em outras partes do Egito, ou que os corpos, enterrados em covas rasas perto da areia, tenham sido levados por animais.

O Egito de Cleópatra está longe de ser o país exótico e atrasado que os filmes costumam mostrar. Ela foi a última governante da Dinastia Ptolomaica, gregos descendentes da conquista do país por Alexandre o Grande, em 336 a.C. Com a decadência das cidades-estado gregas, como Atenas, a capital do Egito, Alexandria, havia se tornado o novo centro cultural do mundo grego - prova disso era a Grande Biblioteca, um centro científico de onde vieram coisas como portas automáticas, máquinas de venda e o motor a vapor (que eles só usaram como um brinquedo). Com a conquista romana, o Egito seria também o celeiro do mundo.

A miséria vista no cemitério provavelmente foi azar. Segundo os arqueólogos, secas no rio Nilo provavelmente causavam períodos de escassez, que levam à desnutrição generalizada. As crianças pequenas sofriam mais que todos.
Revista Aventuras na História

domingo, 8 de janeiro de 2017

Bruno Lüdke: serial killer ou bode expiatório do regime nazista?


Bruno Lüdke era um impiedoso serial killer nazista ou apenas mais uma vítima do regime de Adolf Hitler?
  Danilo Cezar Cabral

 
ILUSTRA Eduardo Belga

1) Irmão de cinco e filho de Otto e Emma Lüdke, Bruno nasceu em Köpenick, cidade alemã próxima a Berlim. Como não acompanhava o ritmo dos colegas na escola, Lüdke foi enviado para um colégio especial para crianças com dificuldade de aprendizado, mas não passou da 6ª série.

2) Com 14 anos, foi trabalhar na lavanderia dos pais. Bruno conduzia uma carroça e “confiscava” parte do pagamento dos clientes. Em 1938, foi preso por maltratar seu cavalo. No xadrez, foi diagnosticado como deficiente mental e acabou esterilizado em Berlim.

3) Bruno seguiu frequentando a prisão. O sujeito adorava surrupiar aves, incluindo os patos do vizinho. O larápio, porém, não ficava preso por muito tempo – na Alemanha, a cláusula 51 do código penal da época não permitia que um doente mental fosse levado a julgamento.

4) Em 1943, o corpo da cliente Frieda Rössner foi achado em uma floresta. A viúva de meia-idade sofreu abuso sexual e morreu estrangulada com um xale. Lüdke foi preso como principal suspeito e revelou ter estuprado – ou pelo menos tentado estuprar – 50 mulheres.

5) Investigações recentes sobre Lüdke sugerem que ele talvez fosse inocente. Suspeita-se que as autoridades de Berlim tenham usado o sujeito como bode expiatório em assassinatos não solucionados fora da cidade de Köpenick para melhorar as estatísticas policiais.

6) Dois meses após ser preso, Lüdke confessou ter matado Frieda e mais duas mulheres nas redondezas de Köpenick, além de outras 20 em Berlim e cidades vizinhas. Bruno nunca conseguiu, porém, esclarecer detalhes sobre como e onde cometeu os crimes.

7) Apenas um dos comissários criminais envolvidos com o caso conduziu os primeiros interrogatórios. Heinz Franz ganhou a confiança de Lüdke, que curtia a repercussão popular gerada pelas suas “revelações”. Amparado pela cláusula 51, Lüdke nunca foi julgado e virou cobaia para testes científicos.

Que fim levou?

O tour científico de Lüdke chegou ao fim em 1944, na Áustria. Bruno foi morto com uma injeção química em uma instituição de pesquisas da capital, Viena.
Revista Mundo Estranho