Pouco se sabe sobre esses antigos toscanos, que deixaram um rico legado cultural. Descobertas recentes trouxeram novas informações, mas não a ponto de identificar sua origem ou de decifrar totalmente sua escrita | ||||||
Numerosas descobertas recentes, em especial na Etrúria, região central da península Itálica, mas também fora dela, fizeram avançar os conhecimentos sobre esses antigos toscanos. A Etrúria nunca formou uma só nação, com um poder centralizado. Não se deve compará-la ao Império Romano nem ao Estado moderno. Aqui começa a identidade com os gregos: tratava-se de um conglomerado de cidades autônomas, com territórios e capitais definidos. Os autores antigos – gregos e romanos – diziam unanimemente que os etruscos formavam uma liga de 12 cidades, a dodecápolis, mas jamais mencionaram a lista inteira de localidades. A arqueologia e as fontes literárias indicaram que, no apogeu dessa civilização (século VI a.C.), havia as cidades de Tarquínia e Veio, consideradas as mais brilhantes e opulentas. Alguns séculos depois, há registros das capitais de Arezzo, Cortona, Perugia e Volsini (atual Orvieto). Características das necrópoles e riquezas de mobiliário funerários, além do número e das dimensões de templos, levaram a incluir na dodecápolis cidades como Cere (hoje Cerveteri), Vulci, Vetulonia, Volterra e Chiusi. Por essa conta, ainda falta uma. As escavações realizadas há alguns anos em Pisa trouxeram à luz o rico passado etrusco desse porto fluvial, e a localidade passou a ser candidata séria ao posto. Mas um grande porto como Populonia, capital do ferro etrusco, podia facilmente entrar na liga, sem esquecer uma cidade como Rosella e outras. Como se pode notar, o problema é o excesso, e não a falta de candidatas. |
Tumba dos demônios azuis, Necrópole dos Monterozzi, Tarquínia | |
Afresco, autor desconhecido, 330-320 a.C. | |
Essa liga de 12 cidades não foi nada eficaz nos planos político e militar. Isso fica evidente no fracasso dos pedidos de socorro de Veio, quando atacada por Roma no século V a.C.: a desunião facilitou enormemente a conquista romana da Etrúria. A fragilidade na união militar não impediu um forte elo religioso entre os etruscos de todas as regiões, simbolizado por um sacerdos, um grande sacerdote que presidia as cerimônias anuais no principal templo do deus supremo desse povo, Voltumna (ou Veltha). Seu santuário ainda não foi localizado, mas pode se encontrar perto do rochedo de Orvieto. Escavações atuais podem trazer à luz esse sítio, às vezes comparado em importância ao de Delfos na Antiguidade.
Um dos traços desse povo é a beleza artística e o grande número de afrescos funerários. Ao contrário dos gregos, cujas obras das épocas arcaica e clássica desapareceram, os etruscos tiveram a feliz ideia de decorar seus hipogeus, que são tumbas subterrâneas. Essa condição protegeu a arte, hoje exposta em condições especiais na Tarquínia, por exemplo, no museu ou no próprio sítio arqueológico da antiga necrópole de Monterozzi.
Em 1985, também na Tarquínia, foi descoberta uma nova sepultura decorada, chamada “tumba dos demônios azuis” em razão da presença, em suas paredes, dedivindades infernais com a pele pintada de azul. Uma parte dos motivos mostra o barqueiro grego, que atravessa os infernos, e o equivalente a Caronte, em seu barco; ou uma morta, que vai partir em uma viagem marítima, acolhida por seus parentes falecidos.
Por falta de textos etruscos, as interpretações devem parar por aqui. Note-se, contudo, que essa tumba é do fim do século V a.C., e os demônios que acompanhavam os mortos não apareciam na iconografia antes da época helenística. A presença deles parece ser mais antiga do que se imaginava.
No território de Chiusi, uma das cidades da dodecápolis, a oeste do lago Trasimeno, há uma necrópole na bela cidade toscana de Sarteano. Ali se encontrou, em 2003, a tumba da quadriga infernal – carro conduzido por quatro animais. Penetrando no túmulo, é possível ver o desenho da carruagem atrelada a dois leões e dois hipogrifos (animal mitológico representado com corpo de leão, asas, garras e cabeça de águia). Os animais são conduzidos por um cocheiro de cabelos ruivos e olhos que saem das órbitas, cujo rosto foi recortado sobre uma nuvem negra evocando o mundo dos infernos. A arqueóloga Alessandra Minetti, descobridora da tumba, estima que se trate de um novo avatar de Caronte.
Tumba da Quadriga Infernal, Sarteano | |
O carro conduzido por dois leões e dois hipogrifos é chamado de "quadriga infernal". O cocheiro seria um novo avatar de Caronte, o barqueiro | |
Em 2006, a cidade mais próxima de Roma, Veio, revelou a tumba pintada que é a mais antiga até hoje conhecida na Etrúria.
Batizada de “tumba dos leões rugidores”, em razão da presença de quatro leões com bocas impressionantes, remonta ao começo do século VII a.C. Há uma série de pássaros pintados em vermelho e preto, com a mesma técnica usada na cerâmica geométrica grega tardia. Segundo Francesca Boitani, diretora do museu de Villa Giulia, em Roma, os aterradores leões evocam a morte, e as aves, a viagem aos infernos.
Também não se podem desprezar os resultados das escavações realizadas em Verucchio, perto de Rimini. No sítio, ligado à Rota do Âmbar, tumbas principescas revelaram um rico e conservado mobiliário de madeira, com alguns tronos. Em Casale Marittimo, perto de Volterra, estátuas de pedra do começo do século VII a.C. foram desenterradas, uma produção artística pouco comum na Etrúria até aquela época.
As escavações nas casas dos vivos se tornou hoje prioritária nas grandes cidades como Marsiliana d'Albegna e, principalmente, na Tarquínia, cidade cujas origens remontam ao século IX a.C. Além disso, um novo templo dedicado a Tin, outro importante deus etrusco, foi descoberto em Marzabotto, nas imediações de Bolonha. Lá se decifrou a inscrição Kainua, que deve ser o nome etrusco da cidade, algo até então ignorado.
A arqueologia submarina também trouxe seu quinhão de revelações, pois a exploração de navios naufragados é fundamental para a história econômica e o conhecimento das trocas comerciais. Em 1999, pesquisadores identificaram um navio afundado ao largo da cidade de Hyères, no sul da França. A embarcação era um grande cargueiro e transportava, perto do ano 500 a.C., mil ânforas cheias de vinho produzido na região de Cere-Cerveteri. Sem dúvida, a carga seria entregue no porto de Lattes, próximo da atual Montpellier, já que a Gália meridional consumia vinho etrusco havia mais de um século.
Talvez fosse um navio etrusco implicado em uma forma de comércio direto entre a Etrúria e a Gália meridional, mas tratava-se de modo pouco habitual para o período, pois mais comum era o sistema de cabotagem – de porto em porto, com cargas e descargas frequentes, ao longo da costa do Mediterrâneo.
ORIGENS
Quanto às raízes dos etruscos, o mistério é enorme. Teriam eles vindo da Ásia Menor, como afirmou o historiador grego Heródoto (século V a.C.) ou seriam nativos do lugar, um povo autóctone, segundo a tese defendida pelo também historiador grego Dionísio (ou Denis) de Halicarnasso, posteriormente, no século I a.C.?
Heródoto afirmou que os etruscos eram originários da Lídia, na atual Turquia. Teriam chegado à Itália no século XIII a.C. A hipótese é compatível com a que associa os etruscos aos povos do mar. Os egípcios mencio navam os etruscos com o nome de turshu. Os latinos, os chamavam de tusci. Os gregos, de tyrrhenioi.
O mais provável é que tenham se instalado na região, que já possuía uma população local, entre os séculos VIII e VII a.C., atraídos pelas jazidas metálicas da Toscana. Eles fundaram ou controlaram Bolonha, Mântua, Pesaro, Rimini, Cápua, Pompeia e até mesmo Roma, cujos três últimos reis antes da República, entre 616 e 509 a.C.,
foram etruscos.
Talvez a análise do DNA das populações da Toscana traga luzes sobre essa eterna questão. Os primeiros resultados pendem para uma origem oriental. Mas não é de desprezar o comentário do historiador francês Jules Martha, em 1889: “Podemos nos perguntar se o termo 'etruscos' corresponde a uma entidade etnográfica bem definida ou se, por acaso, não seria uma expressão política que designaria um povo misto, resultado da mistura de várias raças, como, por exemplo, os franceses, austríacos, ingleses, americanos”.
Quanto às raízes dos etruscos, o mistério é enorme. Teriam eles vindo da Ásia Menor, como afirmou o historiador grego Heródoto (século V a.C.) ou seriam nativos do lugar, um povo autóctone, segundo a tese defendida pelo também historiador grego Dionísio (ou Denis) de Halicarnasso, posteriormente, no século I a.C.?
Heródoto afirmou que os etruscos eram originários da Lídia, na atual Turquia. Teriam chegado à Itália no século XIII a.C. A hipótese é compatível com a que associa os etruscos aos povos do mar. Os egípcios mencio navam os etruscos com o nome de turshu. Os latinos, os chamavam de tusci. Os gregos, de tyrrhenioi.
O mais provável é que tenham se instalado na região, que já possuía uma população local, entre os séculos VIII e VII a.C., atraídos pelas jazidas metálicas da Toscana. Eles fundaram ou controlaram Bolonha, Mântua, Pesaro, Rimini, Cápua, Pompeia e até mesmo Roma, cujos três últimos reis antes da República, entre 616 e 509 a.C.,
foram etruscos.
Talvez a análise do DNA das populações da Toscana traga luzes sobre essa eterna questão. Os primeiros resultados pendem para uma origem oriental. Mas não é de desprezar o comentário do historiador francês Jules Martha, em 1889: “Podemos nos perguntar se o termo 'etruscos' corresponde a uma entidade etnográfica bem definida ou se, por acaso, não seria uma expressão política que designaria um povo misto, resultado da mistura de várias raças, como, por exemplo, os franceses, austríacos, ingleses, americanos”.
Nem grego nem latim
Em
relação à língua etrusca, há muito a ser descoberto, embora os poucos
textos sejam hoje decifrados com mais facilidade – ao menos quando
colocados em seu contexto. Geralmente as palavras são grafadas da
direita para a esquerda, com um alfabeto assemelhado ao grego. Mas o
etrusco definitivamente não pertence ao grupo de línguas
indo-europeias, mesmo que tome de empréstimo elementos do grego e das
línguas itálicas.
Simplesmente não se pode aproximar o etrusco de outra língua. Por isso, uma escritura descoberta em 1992, em Cortona, na Itália, tem grande interesse. Surgida em condições rocambolescas e certamente depois de escavações clandestinas, a tabuleta de Cortona é uma placa de bronze de aproximadamente 45 cm por 30 cm, com inscrições que cobrem totalmente uma face e a parte superior do verso. Deve datar de cerca de 200 a.C.
Com 206 palavras, mais da metade nomes próprios e sinais de pontuação, a tabuleta contém o terceiro texto etrusco conhecido em número de linhas. Como faltam escritos longos, com um vocabulário rico que permita avanços no conhecimento do etrusco, a descoberta é das mais celebradas.
Tudo indica tratar-se de um documento jurídico, um contrato sobre a venda de terras, onde existiam uma vinha e um olival situado perto do lago Trasimeno. Daí as listas de nomes próprios que provavelmente representam os vendedores, os compradores, as testemunhas e os fiadores daquela transação.
Aparece ainda na inscrição a expressão cen zic zichuche, que se traduz por “este texto foi escrito”, uma fórmula esperada em atas de tipo notarial. Há a qualidade de um magistrado que é zilath mechl rasnal, que significa “pretor da liga etrusca”, ou como alguns hoje acreditam, pretor da cidade de Cortona – talvez o prefeito da cidade. Constata-se que, como na Roma dos cônsules, a datação é indicada pelo nome de dois magistrados que estavam no cargo naquele ano.
A tradução hoje aceita dessas e de outras passagens está longe de indicar que o problema da língua esteja resolvido. Alguns especialistas de peso contestam a interpretação e veem na tabuleta de Cortona um texto religioso, que descreveria os ritos praticados por uma confraria. Uma hipótese errada para a maioria dos pesquisadores, mas...
Museu Dell´Accademia Etrusca, Cortona | |
Tabuleta de Cortona revela a escrita etrusca. A inscrição de autor desconhecido, foi feita sobre bronze por volta de 200 a.C. | |
Simplesmente não se pode aproximar o etrusco de outra língua. Por isso, uma escritura descoberta em 1992, em Cortona, na Itália, tem grande interesse. Surgida em condições rocambolescas e certamente depois de escavações clandestinas, a tabuleta de Cortona é uma placa de bronze de aproximadamente 45 cm por 30 cm, com inscrições que cobrem totalmente uma face e a parte superior do verso. Deve datar de cerca de 200 a.C.
Com 206 palavras, mais da metade nomes próprios e sinais de pontuação, a tabuleta contém o terceiro texto etrusco conhecido em número de linhas. Como faltam escritos longos, com um vocabulário rico que permita avanços no conhecimento do etrusco, a descoberta é das mais celebradas.
Tudo indica tratar-se de um documento jurídico, um contrato sobre a venda de terras, onde existiam uma vinha e um olival situado perto do lago Trasimeno. Daí as listas de nomes próprios que provavelmente representam os vendedores, os compradores, as testemunhas e os fiadores daquela transação.
Aparece ainda na inscrição a expressão cen zic zichuche, que se traduz por “este texto foi escrito”, uma fórmula esperada em atas de tipo notarial. Há a qualidade de um magistrado que é zilath mechl rasnal, que significa “pretor da liga etrusca”, ou como alguns hoje acreditam, pretor da cidade de Cortona – talvez o prefeito da cidade. Constata-se que, como na Roma dos cônsules, a datação é indicada pelo nome de dois magistrados que estavam no cargo naquele ano.
A tradução hoje aceita dessas e de outras passagens está longe de indicar que o problema da língua esteja resolvido. Alguns especialistas de peso contestam a interpretação e veem na tabuleta de Cortona um texto religioso, que descreveria os ritos praticados por uma confraria. Uma hipótese errada para a maioria dos pesquisadores, mas...
Revista História Viva