quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Caminhos da liberdade - Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir

Por Luís Antônio Contatori Romano, doutor em Teoria Literária pela Unicamp

Década de 1920, estudos de filosofia em Paris, Simone de Beauvoir, de formação católica, preservava relações de amizade com um grupo de estudantes certinho enquanto dirigia olhares a um estranho e hermético trio que encontrava por corredores e bibliotecas, composto por Jean-Paul Sartre, Paul Nizan e René Maheu - alunos irreverentes, de má reputação.

A amizade com Maheu foi a ponte para a futura união com Sartre. Um belo dia, Maheu entregou a Simone um desenho que Sartre lhe dedicara: "Leibniz no banho com as mônadas"; era um convite para a aproximação. Tempos depois, a jovem, cujo desejo de fuga do lar paterno era premente, entra no enevoado quarto de Sartre para estudar Leibniz com o trio de aspirantes a intelectuais. Findos os últimos exames, em 1928, Maheu retorna à província da casa paterna, Chega a vez de Sartre, que diz à Simone: "a partir de agora, tomo conta de você." Depois disso, ela passou a achar que todo o tempo que não passasse na companhia da brilhante inteligência de Sartre era tempo perdido.

Enquanto Simone se debatia com o que ainda lhe restava de formação espiritualista, Sartre buscava, por meio da literatura, uma outra forma de salvação: a sobrevida por meio da existência para o outro, seus leitores. O sentido de sobrevivência literária era para ele uma espécie de decalque da religião cristã. Assim, em seus conflitos íntimo, Simone e Sartre estavam mais próximos do que a aparência de moça bem-comportada e de rapaz iconoclasta poderia deixar transparecer.

A viagem é um traço marcante na vida de constantes descobertas que esse casal de intelectuais faz a respeito de si, a respeito do mundo, a respeito da função da escritura no mundo. Além de companheira de passeios de bicicleta pela França, Simone converteu-se em leitora crítica e interlocutora indispensável para a produção de toda a obra literária e filosófica de Sartre, enquanto este foi incansável incentivador, conselheiro técnico e temático da também extensa obra de Simone.

Embora nunca tenham vivido na mesma casa, e embora alguns de seus casos paralelos tenham durado anos, como de Simone com o escritor norte-americano Nelson Algren e o de Sartre com Dolores Vanetti, nenhum deles chegou a perturbar a estabilidade da união central. Apenas a morte do companheiro, em 1980, segundo Simone, marcaria a ruptura definitiva da união de 52 anos; diz ela no prefácio de A cerimônia do adeus: "você está enclausurado; não sairá daí e eu não me juntarei a você: mesmo que me enterrem ao seu lado, de suas cinzas para meus restos não haverá nenhuma passagem.
Revista Cult

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