quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Retratos da modernidade no cotidiano carioca pelo olhar de Lima Barreto


O hotel Avenida, ao fundo, à direita, destaque na recém-inaugurada Avenida Central: o Rio do prefeito Pereira Passos se espelhava em Paris (Crédito: Divulgação)

 

Angelita Silva Neto*  

 

 

Quanto a modernidade do Rio de Janeiro, Lima Barreto sempre se colocou como voz solitária em posição radicalmente contra a forma como se processava.[1]

 

 

Personagem que testemunhou o processo de modernização que a cidade do Rio de Janeiro passou no final do século XIX e início do século XX, Lima Barreto registou em suas crônicas vários elementos que evidenciam as rápidas transformações ocorridas principalmente no campo social. Uma vez que, através do cotidiano- matéria prima do cronista- retratou as conseqüências, dessa súbita modernização, sofridas pelas camadas populares.

As crônicas aqui estudadas fazem parte de duas obras de Lima Barreto: Vida Urbana(1961) e Marginália(2002). Nestas podemos perceber através do olhar do autor, quais eram suas preocupações e descontentamentos com a nova perspectiva de sociedade que se formava.   

Com a implantação do regime republicano no Brasil, a Capital Federal- Rio de Janeiro- começou a passar por uma série de transformações que envolviam o campo econômico, político e social.

Dessa forma, “a nova filosofia financeira nascida com a República reclamava  a remodelação dos hábitos sociais e dos cuidados pessoais”.[2] Rapidamente percebeu-se que as velhas estruturas do Rio de Janeiro já não eram adequadas a esse novo ritmo. Além disso, era necessário acabar com a imagem que se tinha de uma cidade insalubre e insegura.

A cidade do Rio de Janeiro começava a passar por um processo de metamorfose. Para acompanhar o “progresso” deveriam possuir uma cidade moderna. Segundo Sevcenko[3], para a realização desse projeto alguns princípios foram adotados pelos governantes: os hábitos e costumes da sociedade tradicional eram condenados; os elementos da cultura popular deveriam ser negados para não nebular a imagem civilizada criada por uma minoria burguesa; o centro da cidade deveria ser ocupado pelas camadas aburguesadas e para isso as camadas pobres deveriam ser expulsas.

A “regeneração”[4] da cidade foi completamente excludente, fazendo com que as camadas pobres sofressem arduamente as conseqüências de sua implantação:

Carência de moradias e alojamentos, falta de condições sanitárias, moléstias (alto índice de mortalidade), carestia, fome, baixos salários, desemprego, miséria: eis os frutos mais acres desse crescimento fabuloso e que cabia à parte maior e mais humilde da população.[5]   

 

Diante desse quadro social que permeava a cidade do Rio de Janeiro, Lima Barreto observava, escrevia, e opinava sobre os vários aspectos que percebia diante de tal situação. Para isto utilizava principalmente da crônica, produzindo-a com uma linguagem muito próxima  do que vivemos no dia-a-dia, e sua matéria-prima trata-se exatamente desse cotidiano que é selecionado pelo cronista. Assim, não era produzida com a intenção de durar, uma vez que, era criada para o jornal, um meio efêmero. Segundo Candido[6], os escritores não tinham a pretensão de “ficar”, tinham uma perspectiva de que seriam esquecidos rapidamente, uma vez que estavam falando do dia-a-dia, com isso quase sem pretender tornou a literatura muito próxima da vida cotidiana.

A produção de Lima Barreto é um meio de fazer as denúncias do campo social, utilizando-a como uma militância. Diante disso, trás uma modificação para o romance, o conto, a crônica, que até o momento caracterizava-se pela linguagem erudita, acadêmica. Sua obra é marcada pelo informal, pela linguagem mais popular, o que veio a ser posteriormente um dos propósitos dos modernistas.

As crônicas de Lima Barreto, possuem uma descrição abrangente da cidade do Rio de Janeiro, sendo que poucos documentos da época possuem essas minúcia, além de possuir um caráter polêmico, militante e provocador, o que permite ao leitor um maior aprofundamento sobre os tema por ele mencionados. Assim, a crônica barretiana torna-se um importantíssimo documento para o historiador, possuindo uma carga elevada de informações sobre a sociedade que estava vivendo.

Encontramos nas crônicas do autor uma imagem da cidade partindo do que está compreendendo e interpretando, no momento em que ocorre a reordenação da cidade, o foco é principalmente o controle da organização social da população.

Assim com a modernização na cidade do Rio de Janeiro, uma das mudanças aconteceram na estrutura física da cidade, ou seja, aconteceu uma reurbanização de forma bem excludente. Isto tornou-se muito evidente na produção barretiana, pois encontramos signos que mostram a modernização carioca adotando sempre a concepção da burguesia. Diante disso, encontramos em uma de suas crônicas Carta de um pai de família ao doutor chefe de polícia como a política adota para modernizar a cidade atendia apenas as necessidades e perspectivas da classe dominante. Nesta crônica, o autor remete ao fato de que com a modernização da cidade as prostitutas foram retiradas dos bairros onde moravam as famílias burguesas, e foram transferidas para bairros pobres nos quais também moravam famílias, porém isto foi ignorado pelos governantes:

... de uns dias a esta parte vieram para a minha vizinhança umas “moças” que não são bem parecidas com as minhas filhas nem com as primas delas. Eu conheço mal essas cousas da vida do Rio (...) e andei indagando de que pessoas se tratava e soube que eram “meninas”, moradoras nas novas ruas, que a polícia estava tocando de lá, por causa das famílias.

“Mas, doutor, eu não tenho família também? Por que é que só as famílias daquelas ruas não podem ter semelhante vizinhança e eu posso?”[7]

 

Percebemos assim, que este era um dos motivos que causavam indignação em Lima Barreto ao escrever. Isto era realmente, para ele, um absurdo, fazer um replanejamento completamente voltado para a classe dominante, aumentando a diferenciação de classes. E destacamos ainda que, através desses fatos que se passam no cotidiano torna-se possível notar tamanha perspectiva de modernização que acontecia.

Na crônica Hotel 7 de Setembro o autor destaca uma obra beneficente do governo para crianças carentes. Porém, não vê vantagem nenhuma nessa doação, uma vez que, foi gasto uma quantia muito grande na construção de um hotel luxuoso, enquanto poderia ser construído abrigo para crianças pobres. É dessa maneira, que encontramos a indignação de Lima Barreto diante de alguns aspectos da política de implantação da modernidade, na qual  a construção de um hotel luxuoso deixa bem exposta essa preocupação. Na citação abaixo podemos perceber a contestação do autor:

... é uma injúria e uma ofensa, feita a essas mesmas crianças, num edifício em que o governo da cidade gastou, segundo ele próprio confessa, oito mil contos de réis.

Pois é justo que a municipalidade do Rio de Janeiro gaste tão vultosa quantia para abrigar forasteiros ricos e deixe sem abrigo milhares de crianças pobres ao léu da vida?[8]

 

E perante essas considerações que faz sobre este fato, comenta ainda que o governo deveria ter se preocupado com as pessoas mais carentes em primeiro lugar, para depois construir obras luxuosas.

O seu primeiro dever era dar assistência aos necessitados, toda a espécie de assistência.

Agora, depois de gastar tão fabulosa quantia, dar um bródio para minorar o sofrimento da infância desvalida, só uma coisa resta à edilidade: passem bem![9]

 

Dessa maneira, o comportamento das pessoas também vai se modificando, vão se tornando cada vez mais semelhantes aos modelos europeus e americanos, como destaca Sevcenko “...hábito inovador de caminhar pelas ruas sozinho e às pressas era chamado de ‘andar à americana’... sobretudo a atitude de total desprendimento por tudo e por todos que estão ao redor”.[10] Através desses elementos, foi se constituindo uma caracterização para o homem moderno, que passa a ser seguida pela sociedade em geral.

Encontramos em crônicas do autor como a questão do modismo na maioria das vezes tornava-se indevida:

... quem se apresenta no trem com um guarda-pó [uma capa de pano que cobria a roupa da poeira], por mais caro que seja, mesmo que seja de sêda, como uma vestimenta chinesa ou japonesa, se não levar vaia, pelo menos é tomado como roceiro ou coisa parecida.

A moda que não se os use e exige até que se viaje com roupas caras e finas.

Entretanto, achei absurdo semelhante moda- deusa, aliás, que é fértil em absurdos. O pó das estradas de ferro continuam a existir, mesmo à noite- por que então suprimir o capote de brim que resguardava as nossas roupas dele? Por que tornar chique viajar com roupas impróprias que muito mal se defendem da poeira?[11]

  

Um fator que sempre chama muito a atenção do autor, como também a nossa, são as mudanças de comportamentos dos sujeitos históricos. Em várias passagens das crônicas de Lima Barreto nos deparamos com esta problemática.

Podemos perceber como algumas características do mundo moderno estava incomodando, e além disso e talvez o que mais provocasse o inconformismo no escritor é o fato do brasileiro estar copiando de outros países fatores que o autor julga ser negativo.

Nem tudo que se constrói em nome da modernidade é aplicado e aplaudido pela população como um todo. Como no caso de Lima Barreto que faz um apelo:

Imploremos aos senhores capitalistas para que abandonem essas imensas construções, que irão, multiplicadas, impedir de vermos os nosso purpurinos crespúsculos do verão e os nossos profundos céus negros do inverno. As modas dos “americanos” que lá fiquem com êles; fiquemos nos com as nossas que matam menos e não ofendem à beleza e à natureza.[12]

 

Encontramos assim, em uma outra crônica uma expressividade muito grande neste aspecto de mudança de comportamento, que o próprio nome já nos dá vários significados Ex-Homem. O autor comenta o fato de alguns homens estarem mudando  muito rapidamente de posicionamento. Assim, pelo contexto da crônica podemos entender  este acontecimento como uma caracterização do processo de modernização, uma vez que, alguns comportamentos e atitudes dos homens eram considerados honrosos e de caráter e que posteriormente começavam a não serem mais tão significativas. Diante disso, encontramos ainda estranhamento por estarem em fase de transformação, não era visto como algo “normal”, observe uma passagem dessa crônica que expõe muito bem este aspecto:

Acontece, pois, que certos desses homens dessa forma assim tratados, de uma hora para outra mudam de orientação, avacalham-se, como se diz vulgarmente, e passam de um extremo a outro, sem nenhuma explicação.[13]

 

Ontem e Hoje uma crônica na qual podemos encontrar com muita nitidez, que com a modernidade novos elementos vão surgindo e a partir deles e também por novos comportamentos que sujeitos sociais vão ocupando, acaba fortalecendo a diferenciação de classes que se torna cada vez maior. Isto pode ser  observado dentro dessa crônica, quando um deputado que era muito querido por toda a população, era considerado “nosso homem”, a partir do momento que ele compra um automóvel – elemento que representa a modernização- ele não é considerado mais “nosso homem” pela população, uma vez que, se sente muito superior a esta população.

Com o processo de modernização notamos, como já foi mencionado, a mudança de comportamento dos suburbanos, que apesar de não participarem diretamente de todos os empreendimentos da modernidade, sentiam e passavam por várias de suas conseqüências. Lima Barreto, faz uma crônica intitulada Bailes e Divertimentos suburbanos, na qual trás esses aspectos de mudanças e mesmo da exclusão que esse processo provoca. Menciona primeiramente como eram as festas do subúrbio, havia “...a matança de leitões, as entradas das caixas de doces, a ida dos assados para a padaria, etc”.[14]Além disso, comenta ainda sobre as músicas que eram tocadas nestas festas e destaca que “... nos dias presentes não se dançavam mais valsas, mazurcas, quadrilhas ou quadras”.[15]

No decorrer da crônica vai dispondo de vários aspectos que sofreram transformações, uma delas é o tamanho das residências. Primeiro elas eram grandes  e conseguiam acomodar várias pessoas, agora “...nas salas de visitas dos atuais mal cabem o piano (...), adquirida a prestações. Meia dúzia de pessoas, numa delas, estão ameaçadas de morrer asfixiadas com janelas abertas”.[16] Evidenciando que não era mais possível fazer os famosos bailes. Com isso, muda-se o local de realização da festa, passando então para os clubes:

 

Por isso entre a gente média os bailes estão quase desaparecendo dos seus hábitos; e, na gente pobre, eles ficaram reduzidos ao mínimo de um conserto de violão ou a um recibo de sócio de um clube dançante na vizinhança, onde as moças vigiadas pelas mães possam perutear em salão vasto.[17]

 

Porém, apesar de acontecerem mudanças, muitos elementos permanecem, notando  que o que ocorre trata-se realmente de um processo. Notamos isto, nesta última parte da citação acima, na qual as mães continuam vigiando as filhas nos bailes.

Logo em seguida o autor problematiza a concepção de que essas mudanças que aconteceram era para civilizar o subúrbio, assim como acontece no restante da sociedade carioca

Passando para os pés dos civilizados, elas [as danças] são deturpadas, acentuadas na direção de um apelo claro à atividade sexual, perdem o que significavam primitivamente e se tornam intencionalmente lascivas, provocantes e imorais.

Isto, porém, não nos interessa, porque não interessa tanto ao subúrbio como ao set carioca, que dançam one-step e o tango argentino, e nessas bárbaras danças se nivelam. O subúrbio civiliza-se, diria o saudoso Figueiredo Pimentel, que era também suburbano, mas de que forma, santo Deus?[18]

 

Nesta passagem encontramos a diferenciação de classes, ao mesmo tempo que demonstramos completo desprezo por parte dos marginalizados  pelos hábitos que a classe dominante possuía.  Assim, não consegue perceber os aspectos que se dizem civilizatórios do subúrbio, que era o lugar onde morava e passou quase toda a sua vida.

Ao final da crônica é como se fizesse um próprio desabafo, além de encontramos a perspectiva de que os suburbanos vão procurando meios para mascararem a dura realidade que estavam vivendo:

Ele não mais se diverte inocentemente; o subúrbio se atordoa e se embriaga não só com álcool, com a lascívia das danças novas que o esnobismo foi buscar no arsenal da hipocrisia norte-americana. Para as dificuldades materiais de sua precária existência, criou esse seu paraíso artificial, em cujas delícias transitórias mergulha, inebria-se minutos, para esperar, durante horas, dias e meses, um aumentozinho de vencimentos...[19]

 

Encontramos ainda uma passagem que trás uma crítica muito contundente com relação a vontade de reproduzir um modelo de cidade que não se adequa ao Rio de Janeiro:

A grande cidade do Prata tem um milhão de habitantes; a capital argentina tem longas ruas retas; a capital argentina não tem pretos; portanto meus senhores, o Rio de Janeiro, cortado de montanhas, deve ter largas ruas retas; o Rio de Janeiro, capital de um país que recebeu durante quase três séculos milhões de pretos, não deve ter pretos.[20]

 

Dessa maneira, encontramos claramente a revolta do autor com a questão, da implantação de modelos exteriores indevidamente e consequentemente a exclusão dos negros do espaço urbano, fato que não seria possível diante da realidade brasileira.

Acabamos encontrando em vários momentos esses aspectos excludentes da modernidade. Em País Rico existe a constatação de muitos elementos modernos que a sociedade carioca desfrutava, mas devemos destacar que nem todos os membros dessa sociedade poderiam conviver com esses elementos. Notamos assim, que Lima Barreto se contraria principalmente com este aspecto, pois mesmo não podendo partilhar de todos elementos ditos modernos, acabam sofrendo várias conseqüências dos mesmos.

Destacamos que Lima Barreto faz uma reflexão sobre este aspecto em sua obra, mostrando a pobreza das pessoas no Rio de Janeiro que viviam amontoadas em pequenos locais.

 Tendo em vista, esta proposta da política de excluir as pessoas de acordo com a ordem burguesa, acaba provocando situações diversas, como a atração de várias classes sociais de outros Estados para o Rio de Janeiro. Percebemos, ainda a mudança da população rural para a cidade. Tendo a perspectiva de que ... O campo é a estagnação; a cidade é a evolução.[21]

Lima Barreto em E o tal Balázio? comenta sobre a criação de um marco para comemorar o aniversário da fundação da cidade do Rio de Janeiro, criticando o fato de criarem um monumento moderno como símbolo e não algo que realmente representa o que aconteceu. Ressalta ainda, que não são apenas as grandes realizações que trazem aspectos representativos. Este fato é assim narrado pelo autor:

Deixou de ter a singeleza que era de esperar tivesse, para ser uma coisa cerebrina de uma agulha de granito ponteada com uma bala de canhão moderno, simbolizando assim as lutas que se travaram na fundação da cidade.

Se essa simbolização fôsse necessária, creio eu que melhor seriam arcos, flechas, tacapes, mosquetes, arcabuzes, balas esféricas dos velhos canhões de retrocarga, que êsse balázio cilindrocônico que é quase de anteontem.[22]

 

            Se voltarmos um pouco na questão da desigualdade social, e mais especificamente na população pobre que foi obrigada a morar nos morros, devido aos projetos de reurbanização como já foi mencionado, encontramos a chamada “política sanitária”. Esta era uma forma, segundo os governantes do momento, de seguir o processo de modernização, uma vez que esta classe social correspondia às “fezes sociais” não devendo assim compor o quadro social da cidade que era considerada como modelo.

Existe assim, uma ligação direta entre modernidade e a elite, ou seja, mudanças que visam os interesses da burguesia. E uma das principais preocupações era de manter o poder que possuíam dentro do Estado. Diante dessa perspectiva, Lima Barreto confecciona suas críticas:

 

É muito justo que vocês queiram ganhar dinheiro; é muito justa essa torpe ânsia burguesa de ajuntar níqueis; mas o que não é justo, é que nós, todo o povo do Brasil, de prestígio a você, ministro e secretário de Estado, para nos matar de fome.[23]

Portanto, muitos elementos da modernidade foram modificando todo o cenário de uma sociedade, aqui em específico a sociedade carioca no final do século XIX e começo do século XX, notamos como o impacto da turbulência das transformações foi significativo para as pessoas que por ela passaram.

 Chamamos a atenção para o fato de Lima Barreto ser um sujeito completamente envolvido em meio a este processo. Assim, freqüentemente tece  críticas revoltosas com relação a maneira que a modernidade ia acontecendo, deixando muito evidente todas as desigualdades que existem dentro da sociedade. Encontramos sutilmente em algumas crônicas, em outras de maneira bem mais expressante, como existem contrastes entre os elementos modernos ditos tecnologicamente avançados e pertencentes ao mundo europeizado com a realidade dos suburbanos cariocas.

O mundo moderno sendo encarado como um mundo cheio de turbulência, complicado:

Nesse  atropelo que vivemos, neste fantástico turbilhão de preocupações subalternas poucos têm visto de que modo nós nos vamos afastando da medida, do relativo, do equilíbrio, para nos atirarmos ao monstruoso, ao brutal.[24]

 

Podemos encontrar ainda um sentimento de estranhamento e de mesmo de revolta, quando menciona a reforma feita na cidade do Rio de Janeiro, para que ele se modernizasse. Esta reforma implicaria na mudança da aparência física da cidade principalmente, para isto muitos moradores foram retirados do centro da cidade para que largas avenidas fossem implantadas. Algumas obras que foram realizadas para demonstrar um grau de modernização muito elevado, nunca foram utilizadas. A mudança no Rio de Janeiro, não aconteceu apenas nas estruturas, como também no comportamento das pessoas. Podemos observar na crônica A derrubada, um protesto de Lima Barreto contra a forma que se realizaram essas mudanças:

 

Mas, uma coisa que ninguém vê e nota é a contínua derrubada de árvores velhas, vestutas, fruteiras, plantadas há meio século, que a aridez, a ganância e a imbecilidade vão pondo abaixo com uma inconsciência lamentável.

Nós subúrbios, as velhas chácaras, cheias de anosas mangueiras piedosos tamarineiros, vão sendo ceifadas pelo machado impiedoso do construtor de avenidas.[25]

 

Nas crônicas de Lima Barreto esboça-se muito bem a forma banal que a modernidade foi sendo implantada no Rio de Janeiro. Um dos temas encontrados para começar as críticas foram às enchentes. Desde esta época as enchentes faziam estragos no Rio de Janeiro, com isso comenta sobre a “nova engenharia”:

 

De há muito que a nova engenharia municipal se deveria ter compenetrado do dever de evitar tais acidentes urbanos.

O Rio de Janeiro, da avenida, dos squares, dos freios elétricos, não pode estar a mercê de chuvaradas, mais ou menos violentas, para viver a sua vida integral.

Infelizmente, porém, nos preocupamos muito com aspectos externos, com as fachadas, e não com o que há de essencial nos problemas da nossa vida urbana, econômica, financeira e social.[26]

 

A crônica permite-nos, como já mencionamos anteriormente, problematizarmos o cotidiano. Com isso, a cada uma delas encontramos elementos que simbolizam os acontecimentos do dia a dia carioca. Assim, o historiador através da representação identifica na crônica um documento muito significativo. Ou seja, ao trabalharmos com a literatura, percebemos como esta comporta as representações do social. O autor a todo momento busca um referencial, onde está vivendo, para produzir suas reflexões. Notamos portanto, que “as representações do mundo social não são o reflexo do real nem a ele se opõe de forma antitética, numa contraposição vulgar entre imaginário e realidade concreta.”[27]  

           


 

* Mestranda em História pela Universidade Federal do Paraná

[1] BARBOSA, Francisco de Assis. Prefácio. In: SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1989. p.15

[2] SEVCENKO, Nicolau. A Inserção Compulsória do Brasil na Belle Époque. In: Literatura como Missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo.: Brasiliense, 1989. p.28

[3] Ibid., p.30

[4] Termo utilizado pelos governantes da época  justificando as transformações que a cidade passava.

[5] Ibid., p.52

[6] CANDIDO, Antônio (et al.). A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas, SP: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa, 1992.

 

[7] LIMA BARRETO, Afonsos H. Vida Urbana. São Paulo: Brasiliense, 1961. p.96

[8] LIMA BARRETO, Afonsos H. Marginália. Disponível em: <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>.  Acesso em dezembro de 2002. p.5

­­

[9] Ibid., p. 6

[10] SEVCENKO, Nicolau. A Capital irradiante: técnicas, ritmos e ritos do Rio. In: História da vida privada no Brasil. vol. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.551

 

[11] Ibid., p.13

[12] Ibid., p.122

[13] Ibid., p.108

[14] IDEM, Marginália. Disponível em: <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>.  Acesso em dezembro de 2002. p.18

[15] Ibid., p.18

[16] Ibid., p.18

[17] IDEM, Marginália. Disponível em: <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>.  Acesso em dezembro de 2002. p.18

[18] Ibid., p.19

[19] Ibid., p.21

[20] IDEM, Vida Urbana. São Paulo: Brasiliense, 1961. p.83

[21] IDEM, Marginália. Disponível em: <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>.  Acesso em dezembro de 2002. p.55

[22] IDEM, Vida Urbana. São Paulo: Brasiliense, 1961. p78/79

[23] Ibid., p.119

[24] IDEM, Vida Urbana. São Paulo: Brasiliense, 1961. p.121

[25] Ibid., p.29

[26] Ibid., p.77

[27] PESAVENTO, Sandra Jatahy. Contribuição da história e da literatura para a construção do cidadão: a abordagem da identidade nacional. In: Discurso histórico e narrativa literária. Campinas, SP. Ed. da UNICAMP, 1998.

O SUSTENTÁCULO DO REGIME: A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL E OS ATOS INSTITUCIONAIS



Angelo Priori[1]

No Brasil, o fim das liberdades democráticas, a repressão e o terror como política de Estado, foram formuladas através de uma bem arquitetada estrutura legislativa, que dava sustentação ao regime militar. Devemos enfatizar que a ditadura militar não foi resultado do acaso, de um acidente. Pelo contrário, ela foi sendo estruturada conforme a democracia e a participação política da população iam se ampliando. Não podemos negar que no início dos anos 60 estava sendo configurada uma nova forma de ação, através da organização popular, que questionava o arbítrio interno e a dependência externa e exigia mudanças nas estruturas econômicas e sociais, visando uma maior inclusão social da população pobre e trabalhadora.

O grupo militar que tomou o poder em 1964 vinha de uma tradição militar mais antiga, que remonta à participação do Brasil na II Guerra. A participação do Brasil ao lado dos países aliados, acabou sedimentando uma estreita vinculação dos oficiais norte-americanos e militares brasileiros, como os generais Humberto de Castelo Branco e Golbery Couto e Silva [2].

Terminada a guerra, toda uma geração de militares brasileiros passaram a freqüentar cursos militares norte-americanos. Quando esses oficiais retornavam dos EUA, já estavam profundamente influenciados por uma concepção de “defesa nacional”[3]. Tanto que alguns anos mais tarde, vão criar a Escola Superior de Guerra (ESG), vinculada ao Estado Maior das Forças Armadas. Essa escola foi estruturada conforme sua similar norte-americana National War College.

Nos dez anos que vão de 1954 a 1964, a ESG desenvolveu uma teoria de direita para intervenção no processo político nacional. A partir de 1964, a ESG funcionaria também como formadora de quadros para ocupar funções superiores nos sucessivos governos”[4].

Foi dentro da ESG que se formulou os princípios da Doutrina de Segurança Nacional e alguns dos seus subprodutos, como por exemplo, o Serviço Nacional de Informações (SNI). Essa doutrina, que vai virar lei em 1968, com a publicação do decreto-lei no. 314/68, tinha como objetivo principal identificar e eliminar os “inimigos internos”, ou seja, todos aqueles que questionavam e criticavam o regime estabelecido. E é bom que se diga que “inimigo interno” era antes de tudo, comunista. Como diz Nelson Werneck Sodré: “o anticomunismo, foi assim e, sempre, o caminho para a ditadura”[5].

Essa nova estrutura de poder e de controle social se materializa com a publicação do Ato Institucional No. 1, que subvertia a ordem jurídica até então estabelecida. No preâmbulo do AI-1, instituído em 09 de abril de 1964, os militares já enfatizavam essa nova realidade.



O ato institucional que é hoje editado se destina a assegurar ao novo governo a ser instituído os meios indispensáveis à ordem de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar de modo direto e imediato os graves e urgentes problemas de que dependem a restauração da ordem interna e o prestígio internacional de nossa pátria [6].



Com esse ato os militares não só ditavam novas regras constitucionais, como impunham profundas remodelações no sistema de segurança do Estado. Através do AI-1, foi institucionalizado o sistema de eleição indireta para Presidente da República, bem como dado poderes ao presidente para ditar nova constituição, fechar o congresso, caso achasse necessário, decretar estado de sítio, impor investigação sumária aos funcionários públicos contratados ou eleitos, abrir inquéritos e processos para apurar responsabilidades pela prática de crime contra o Estado ou contra a ordem política e social, suspender direitos políticos de cidadãos pelo prazo de dez anos e cassar mandatos legislativos de deputados federais, estaduais ou mesmo de vereadores.

Durante a ditadura militar foram editados 17 atos institucionais [7]. Mas entre eles, o mais polêmico e violento foi o de Número 5. O AI-5, editado em 13 de dezembro de 1968, reedita os princípios do AI-1, suspende o princípio do habeas corpus e institui de forma clara e objetiva a tortura e a violência física contra os opositores do regime. Na verdade o AI-5 simbolizou um terrível ciclo de repressão, com amplos expurgos em órgãos políticos representativos, universidades, redes de informação e no aparato burocrático do Estado, acompanhados de manobras militares em larga escala, com indiscriminado emprego da violência contra todas as classes.

Em tal contexto político, além de tudo, o Congresso Nacional teve suas atividades suspensas por quase um ano, fazendo companhia as assembléias estaduais e municipais que também foram fechadas. Com as bases do Congresso enfraquecidas, a facilidade encontrada para efetivar a publicação de atos institucionais e de decretos-leis foi grande. Os decretos-lei, em sua maioria, iniciaram um processo de regulamentação da economia brasileira, procurando, em larga medida, torná-la atrativa para os investidores estrangeiros através da concessão de incentivos fiscais que facilitassem o desenvolvimento econômico da nação.

O manto dos atos institucionais e a autoridade absoluta dos militares serviriam como proteção e salvaguarda do trabalho das forças repressivas, fossem quais fossem seus métodos de ação. Só para ter uma idéia, durante o regime militar foram criados vários órgãos de repressão, como o SNI, os DOI-CODIs, o CIEX, o CENIMAR, a CISA, além do fortalecimento dos DOPS em todos os Estados. Foram criados ainda os Inquéritos Policiais Militares (IPMs), cujo objetivo era processar e criminalizar militantes e políticos que lutavam contra o regime militar. Somente o projeto Brasil: Nunca Mais (BNM) conseguiu reunir cópias de 717 IPMs, onde foram processados mais de 20 mil pessoas [8].

O aparato repressivo estatal se constituía de elementos que agiam de forma integrada: uma rede eficiente de informação, representada essencialmente pelo SNI (Serviço Nacional de Informação) criado pelo General Golbery do Couto e Silva e em funcionamento desde 1964, responsabilizando-se por direcionar todas as informações recebidas para o Poder Executivo; organizações que encabeçavam as ações repressivas em nível local, como a DM (Divisão Municipal de Polícia), coordenada pela DOPS que, por sua vez, se encontrava sob a jurisdição das SESPs (Secretarias Estaduais de Segurança Pública); e por instâncias das Forças Armadas como o CIEX (Centro de Informação do Exército), CENIMAR (Centro de Informação da Marinha) e CISA (Centro de Informação da Aeronáutica). Estes setores contavam com a liberdade e autonomia para realizarem suas atividades. Em São Paulo, no ano de 1969, criou-se a Operação Bandeirantes (OBAN) que obtinha recursos financeiros do empresariado.

Não era formalmente vinculada ao II Exército, mas era composta com efetivos do Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Política Estadual, Departamento de Polícia Federal, Polícia Civil, Força Pública e Guarda Civil [9].

Servindo como molde e, sobretudo como um teste que, segundo os militares deu certo na luta contra a subversão, a OBAN gerou as condições, agora dentro de parâmetros formais, para a implantação, em escala nacional, do Departamento de Operações Internas - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). Surgiu em janeiro de 1970 e tinha o poder de usufruir, na área em que estivesse instalado, dos efetivos das Forças Armadas ou das polícias estaduais ou federal. No âmbito estadual, as Delegacias de Ordem Política e Social (DOPS), também atuavam "em todos os níveis de repressão: investigando, prendendo, interrogando, torturando e matando"[10].

Uma das reflexões possíveis que tange a especificidade do governo militar brasileiro, refere-se a forma como o regime autoritário foi arquitetado no país. O regime foi articulado por uma notável ambigüidade, pois mesmo no exercício de um regime de exceção e essencialmente enfatizado por uma indelével "lógica da suspeição", os dirigentes procuravam legitimá-lo e caracterizá-lo como sendo um sistema de governo democrático. Do primeiro general-presidente (Humberto de Alencar Castello Branco) até o último (João Baptista de Oliveira Figueiredo) foi salientado, principalmente, nos discursos de posse dirigidos ao povo brasileiro, a adoção de "ações e comportamentos em nome da defesa da democracia no país"[11].

Por outro lado, constatou-se, ao longo de vinte e um anos de permanência dos militares no poder, que a existência de uma administração democrática foi apenas fictícia, haja vista o contundente papel repressor desempenhado pelo órgãos policiais e jurídicos a fim de suplantar possíveis distúrbios sociais que afetassem o andamento das atividades do Poder Executivo.

A instalação do governo militar no cenário político brasileiro não sofreu praticamente nenhum tipo de resistência. Com a deposição de João Goulart, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, ocupou provisoriamente o cargo de Presidente da República. Mas, na realidade, o controle da situação política do país encontrava-se nas mãos dos líderes militares.

Em princípio, o golpe militar foi visto como um "movimento fadado a ser de curta duração e de alcance limitado"[12]. No entanto, com o decorrer dos primeiros dias, o comando militar se estruturava sobre pilares do autoritarismo e autonomeava-se salvador da democracia. O golpe se caracterizava como uma intervenção corretiva que se destinava a preservar valores democráticos. No entanto, esta aparência democrática era apenas teórica. Na prática, diversos brasileiros, inclusive ex-presidentes como Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek, parlamentares, jornalistas, intelectuais, sindicalistas tiveram seus direitos políticos cassados. As punições foram as mais variadas e regulamentadas pelo combate à subversão e a corrupção.

O governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) representou o período de maior repressão, de arbitrariedade e de prepotência de todo o ciclo militar. Por outro lado, o "milagre econômico", que se processou entre os anos de 1968 e 1973, estigmatizado, principalmente pelos grandiosos projetos públicos e pelo acelerado crescimento econômico, diminuíram o impacto causado pelas medidas de segurança utilizadas pelo governo. Além do que, pela ação de um marketing eficiente e uma censura forte, criou-se um clima de ufanismo em toda a nação, contribuindo, em grande medida, para o fortalecimento da imagem do presidente que angariou grande margem de prestígio, principalmente nas camadas populares.

Foi no governo de Médici e, com menor ênfase no governo do General Ernesto Geisel (1974-1979), que os grupos identificados com a guerrilhas urbana e rural foram sendo progressivamente eliminados. A repressão desencadeada na época atingiu centenas, talvez milhares de pessoas envolvidas com a luta armada.

No Brasil os números da ditadura não são exatos. Depois de vinte anos do fim do governo militar, os acessos aos arquivos secretos ainda são proibidos. Os organismos de segurança, como o SNI ainda mantém seus arquivos fechados. Os únicos disponíveis para pesquisa, somente em alguns Estados brasileiros, são os arquivos do DOPS e o arquivo do projeto Brasil Nunca Mais (BNM). Por outro lado os arquivos privados de militares ainda não são muito conhecidos. Entre eles podemos destacar o Arquivo Peri Constant Bevilaqua, depositado no Museu Casa de Benjamin Constant, no Rio de Janeiro[13] e os dos generais Antônio Carlos Muricy e Golbery do Couto e Silva/Heitor Ferreira (APGCS/HF), além do Arquivo do General Ernesto Geisel, depositado no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas [14].

Aliás, essa é uma dívida que o Estado brasileiro tem com os seus cidadãos. Abrir e tornar público todos os arquivos da repressão da ditadura militar. A sociedade brasileira estabeleceu uma memória densamente acrítica com relação à ditadura: exemplo disso foi a anistia unilateral, tanto para os presos e torturados como para os torturadores (o que me parece uma discussão política vencida no Brasil). O que mais deixa indignado a comunidade de pesquisadores e os familiares das vítimas é que tanto o governo FHC, como o atual governo Lula não resolveram essa questão dos arquivos. Pelo contrário, FHC fez publicar e Lula confirmar um decreto colocando mais dificuldades de acesso aos documentos chamados sigilosos e confidenciais do período em tela.

Para finalizar, é importatante frisar que a memória desse período, de extrema repressão, onde as Forças Armadas tiveram a sua auto-imagem de defensora da pátria abalada, é ainda incômoda e imprecisa. É incômoda porque as novas descobertas sobre o período, sobretudo a partir dos depoimentos de ex-militares, trabalhos das comissões de direitos humanos, das comissões de familiares, dos grupos Tortura Nunca Mais, além de descobertas de arquivos, como o “arquivo do terror” [15], no Paraguai, desvenda com mais nitidez o terror que se abateu sobre os dissidentes do regime.

Isso faz com que, tanto a direita, como as classes dominantes, procurem se imiscuir dessa herança, através de discursos sobre a excepcionalidade do período e dos atos praticados. Elas estão imbuídas de apagar o passado e promover o esquecimento como a melhor forma da recuperação da harmonia nacional [16]. Apagar da memória os crimes cometidos pelas ditaduras é apagar da memória as lutas desenvolvidas contra elas. Apagar da memória esse passado traumático, indesejado, é querer impedir que a sociedade conheça o arbítrio e a violência política instaurada pelas ditaduras. Em contrapartida, os grupos de esquerda, os familiares e os ativistas de direitos humanos tem desenvolvido uma importante ação no sentido de construir uma memória que se contraponha à memória oficial.


[1] Professor do Departamento de História da UEM.

[2] HUGGINS, M. K. Polícia e política: relações Estados Unidos/América Latina. São Paulo: Cortez, 1998.

[3] ALVES, M. H. M. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1987.

[4] ARNS, P. E. Brasil: Nunca mais. Um relato para a história. Petrópolis: Vozes, 1985.p. 70.


[5] SODRÉ, N. W. Vida e morte da ditadura. 20 anos de autoritarismo no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 91.

[6] In: HELLER, M. I. Resistência democrática: a repressão no Paraná. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 627.

[7] Sobre os Atos Institucionais, ver: ALVES, Op. Cit. 1987; COUTO, R. C. História indiscreta da ditadura e da abertura – Brasil: 1964-1985. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1999; e GASPARI, E. A ditadura escancarada. São Paulo; Cia das Letras, 2002.

[8] ARNS, Op. Cit. 1985. Ver também: MIRANDA, N; TIBURCIO, C. Dos filhos deste solo. Mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a responsabilidade do Estado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo/Boitempo editorial, 1999.

[9] ARNS, Op. Cit. 1985. p. 73.

[10] ARNS, Op. Cit. 1985. p. 74.

[11] AQUINO, M. A. A especificidade do regime militar brasileiro: abordagem teórica e exercício empírico. In: REIS FILHO, D. A. (org.). Intelectuais, história e política (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: 7 letras, 2000. p. 272.

[12] CARONE, E. O PCB (1964-1982). v. 3. São Paulo: Difel, 1982. p. 3.

[13] LEMOS, R. (Org.). Justiça fardada. O General Peri Bevilaqua no Superior Tribunal Militar (1965-1969). Rio de Janeiro: Bom Texto, 2004.

[14] GASPARI, E. A ditadura envergonhada.. São Paulo: Cia das Letras, 2002.

[15] CATELA, L. S.; JELIN, E. (Org.). Memorias de la represión. Los archivos de la represión: documentos, memoria y verdad. Madrid: Siglo XXI, 2002. MARIANO, N. C. Operación Cóndor. Terrorismo de Estado en el Cono Sur. Buenos Aires: Lohlé-Lumen, 1998. 

[16] SILVA, F. C. T. Política e memória na América Latina: a luta conta o esquecimento do tempo presente na Argentina, Uruguai e Brasil. In: MALERBA, J. (org.). I Fórum de Pesquisa – Programa Associado de Pós-Graduação em História UEM/UEL. Maringá: PGH/UEM, 2001.

As charges e a influência do Humor durante a Segunda Guerra Mundial


Vinícius Liebel[1]

A charge, enquanto parte da mídia jornalística, pode ser considerada um elemento formador de opinião pública. Sua força enquanto tal pode ser comprovada pela simples análise destas fontes, na qual verificamos a crítica ou a apologia a determinada ideologia ou governo.

Sua força é comprovada quando buscamos na teoria psicanalítica freudiana indícios que corroboram a eficiência do desenho humorístico enquanto meio propagandístico e influenciador de opiniões. Freud, em sua obra O Chiste e sua relação com o Inconsciente, traz-nos um tratado psicanalítico sobre a natureza do humor, suas ações e influências no inconsciente. Considerando as charges como uma das manifestações contemporâneas mais correntes de humor, buscamos nos apropriar deste discurso clássico e analisar como a charge pode repercutir na consciência de um indivíduo, pela produção do chiste e pelo riso.

O riso, para Freud, seria um liberador das emoções reprimidas. Desta forma, por trazer o prazer da liberação do stress emocional, a risada seria uma manifestação individual e egoísta. “O riso compensa, em seus efeitos, o dispêndio contínuo de energia, exigido para manter as proibições que a sociedade impõe e os indivíduos internalizaram.”[2] O prazer que a ato de rir traz ao indivíduo é, como toda espécie de prazer, de alguma forma, embriagante. A embriaguez então causada no indivíduo fortalece a idéia transmitida pelo fato desta idéia estar acompanhada do prazer proporcionado pela risada. O próprio ato de rir já é um indício da aceitação, por parte do indivíduo, da idéia passada. Assim,



Ele (o chiste) ademais subornará o ouvinte com sua produção de prazer, fazendo com que ele se alinhe conosco sem uma investigação mal detida, exatamente como em outras freqüentes ocasiões fomos subornados por um chiste inocente que nos levou a superestimar a substância de uma afirmação expressa chistosamente. Tal fato é revelado à perfeição na expressão “die Lacher auf seine Seite ziehen” (trazer os que riem para nosso lado).[3]



Conforme observamos, o humor seria uma das formas de protesto ou propaganda mais eficientes que podemos utilizar. As charges, por serem veiculadas em jornais e na grande mídia, têm um alcance maior que um gracejo contado numa roda de amigos. Por seu caráter mordaz, têm também a natureza da crítica e da revolta, e é dessa característica que resulta, em grande parte, a simpatia natural que sentimos por estes desenhos, pois “rimos delas, mesmo se mal-sucedidas, simplesmente porque consideramos um mérito a rebelião contra a autoridade”[4], o que nos passa a idéia de poder satirizar, por alguns instantes, um poder central. O chargista poderá tratar, através de seus desenhos, de características e críticas que não poderia tratar abertamente, seja por conta da censura ou de convenções morais. Ao passá-las para o desenho, está promovendo uma pequena “rebelião” contra o objeto da crítica, e, muito provavelmente sem saber, arrebanhando adeptos de suas opiniões pelo poder do riso.

Observaremos melhor essas colocações analisando uma de nossas fontes e verificando tais características nesse desenho.




THE THREE GANGSTERS. Londres: [s.n.], 1941. 1 cartão postal: pb.



O desenho acima reflete claramente antipatia ante os três principais membros do Terceiro Reich: Goebbels, Ministro da Propaganda do Reich, Goering, considerado, até 1945, o segundo homem do governo alemão, e Hitler, o Führer nazista. Veiculado em cartões postais ingleses a partir de 1941, o desenho sobrepõe as caricaturas de Goebbels e Goering a corpos de macacos, sugerindo que ambos pensariam e agiriam como tal, bem como teriam semelhanças físicas. Outro aspecto satirizante, este referido à figura de Goering, é a ostensiva coleção de medalhas em seu peito, característica marcante que foi utilizada por vários dos caricaturistas do Comandante em Chefe da Luftwaffe.

A caricatura de Hitler, por sua vez, revela um julgamento quanto ao seu instinto belicoso. A caracterização do Führer na figura universalmente reconhecida da morte traz um aspecto muito mais crítico que a simples ridicularização de seus comparsas no mesmo desenho, contando também com o caráter cômico.

Os psicanalistas defendem que o riso causado pela figura facilitaria a apropriação destas caracterizações no julgamento pessoal do indivíduo que a observa. Desta forma, a idéia do autor da gravura, de que Hitler é a personificação da morte e do mal e de que seus comandados não passam de animais seria apropriada pelo observador.

O humor aqui utilizado tem, portanto, um propósito: o de desmobilizar a crença pública quanto ao personagem histórico Adolf Hitler e o sistema político que ele representa. Por sua vez, Pierre Ansart nos coloca uma diferenciação dual na relação do humor com a esfera política: em um sistema pluralista como a Democracia, no qual as paixões políticas são constantemente reprimidas e cortadas a fim de manter o equilíbrio do sistema, o humor tem como função promover a multiplicidade de opiniões e a descrença quanto aos elementos nocivos, mas, principalmente, evitar as demonstrações apaixonadas das massas para com esses mesmos elementos. Sua ridicularização estabelece uma situação de inferioridade, um julgamento de valores no qual o ser político torna-se bizarro e ridículo, afastando os indivíduos pela descrença causada. Inserindo Henri Bergson na discussão, o humor trata de promover uma homogeneização da sociedade.

Nossas fontes primárias são charges e caricaturas produzidas em dois sistemas e conjunturas distintas, porém, próximas se levarmos em conta a relação entre humor e política atentada por Ansart: o regime autoritário no Brasil de Getúlio Vargas e o regime totalitário alemão de Adolf Hitler. A natureza dessas fontes, entretanto, apesar de pertencerem a conjunturas semelhantes, são diferentes. Enquanto os desenhos brasileiros são produzidos por indivíduos e veículos desligados do Estado, a saber, por Belmonte e Chichorro, respectivamente da Folha da Manhã, de São Paulo, e do jornal O Dia, de Curitiba, onde a crítica velada, característica própria das charges, poderia encontrar espaço, as charges alemãs têm seu lugar em um jornal controlado pelo Estado nazista, o Der Stürmer. Pautando nossa pesquisa na caracterização do regime nazista, sua ideologia e seus líderes, buscamos analisar de que forma as charges destes diferentes autores cumpriam o papel propagandístico de que falamos anteriormente.

O primeiro caso analisado é o de Belmonte, criador do personagem Juca Pato e considerado por muitos o maior chargista brasileiro. O título é justificado, pois poucos como Belmonte conseguiram sintetizar, em um único desenho, tantas considerações e análises de um determinado fato ou situação. Utilizando-se do semblante do personagem retratado ou do ambiente em que se encontra, dos objetos que o rodeiam ou das manchetes de jornais que evocam o assunto, o autor condensa sua opinião e sua visão em um quadro de alguns centímetros quadrados e a apresenta ao leitor, como podemos observar a seguir:




Fonte: BELMONTE. Música Maestro. São Paulo: Folha da Noite, 1940.



Aqui, Belmonte faz referência ao caráter belicoso de Hitler, numa charge que podemos considerar uma pioneira entre muitas outras que fariam críticas diretas e agudas em relação ao líder alemão e sua ideologia. Neste desenho, datado de 09 de agosto de 1940 e publicado na Folha da Noite, o Führer é retratado como maior fomentador do conflito, acusado de alimentar a morte através de uma grande carnificina, mantida através dos vários bombardeios aéreos que atingiram o território britânico. O título do desenho, “No Restaurante ‘Ao Relâmpago’”, é uma referência direta à Blitzkrieg promovida pelos alemães principalmente no início do conflito mundial. Hitler como chef do restaurante, atende aos pedidos da Morte, que exige que seu pedido seja atendido rapidamente: “Então, como é? Essa comida vem ou não vem?!”. No menu do dia, escrito no quadro abaixo da janela da cozinha, encontramos pratos não usuais, como “consome de Bombas, Filet de Granadas, Salada de dinamite à Krupp Stukas e Paraquédas, RAF em churrasco, Gazes e micróbios, Whisky fervendo, Guarda-chuva torrado, etc, etc etc, surprezas.”

Os pratos servidos no restaurante “Ao Relâmpago” trazem nomes de armamentos utilizados durante a guerra, como bombas e granadas, e de divisões das forças armadas alemãs, como os pára-quedistas e os Krupp Stukas. Há ainda a referência ao guarda-chuva de Chamberlain, que no restaurante é servido torrado. Desta forma, Belmonte coloca a impossibilidade de paz naquele momento e a guerra como o fracasso definitivo das negociações diplomáticas que visavam o fim das agressões, promovidas pelo ex-primeiro-ministro inglês. De forma semelhante ao que acabamos de expor, Belmonte se utiliza de diferentes técnicas para manipular seus desenhos, como o cinismo, o nonsense e a alusão. Na crítica ao contra-senso das decisões tomadas pelos líderes nazistas e das posições que sustentavam referentes aos mais variados assuntos, encontramos a chave para o pensamento de Belmonte, para a linha editorial de seu jornal e para a opinião formada por seus leitores.

O segundo caso é o desenho humorístico de Alceu Chichorro, jornalista paranaense e figura constante nas reuniões intelectuais curitibanas. Assim como Belmonte, Chichorro criou um personagem, Chico Fumaça, que ilustrava as aspirações da classe média e que expressava as idéias do autor. A presença de Fumaça orienta as ações nos desenhos. Seu olhar direciona as atenções do público leitor e suas colocações passam as opiniões de seu criador e de seu jornal.

Ao atentarmos para as charges produzidas por Chichorro que fazem referências ao regime nacional-socialista, podemos observar dois momentos distintos: no primeiro, que compreende o período entre os anos de 1933, data de ascensão de Hitler ao cargo de chanceler, e 1942, ano da entrada do Brasil no conflito, a visão daqueles elementos é bastante branda. A origem de tal amenidade no trato do assunto tem várias possibilidades, que vão desde uma orientação editorial voltada ao público curitibano, que tinha visões otimistas acerca do regime alemão, até uma possível simpatia velada do autor para com a ideologia nazista. As razões para este comportamento de seus desenhos, entretanto, não passam de conjecturas.

O segundo momento que podemos visualizar é iniciado no ano de 1942, quando o Brasil ingressa no conflito junto aos Aliados. A partir de então, como era de se esperar, os desenhos passam a criticar e satirizar o regime de Adolf Hitler e suas ações. Interessante nesta fase de Chichorro é a sutileza das críticas, não lançando mão do horrendo em suas charges, mas se utilizando sim de um humor sadio, que beira à inocência.




ELOY. O Dia. 15 jan. 1943.



Na charge aqui exposta, produzida no ano de 1943, já situada, portanto, na segunda fase de Chichorro, podemos visualizar o humor brando do autor. Baseada em notícia de diários estrangeiros, no caso, de Estocolmo, que noticiavam que “o estado de saúde de Hitler era precário e a conselho médico, o füehrer (sic.) estaria usando óculos pretos”, a charge mostra um Hitler de postura autoritária, demonstrando deter (ou com a ilusão de deter) o poder sobre a África. A situação é denunciada, além pela pose do líder alemão, pela placa que no plano superior do desenho aponta para o continente africano. A ilusão do domínio do continente negro é causada pelo uso dos óculos escuros, que, como o título da charge proclama, causa uma “ilusão ensombrada” à vista do Führer.

O complemento do desenho é feito pelo diálogo travado entre Chico Fumaça e dona Marcolina, que observam Hitler: “ – Mas porque (sic.) os óculos pretos, Fumaça? – É para ter uma ilusão da conquista da.... África!...”. Aqui, Fumaça cumpre seu papel de observador e de humorista, ao satirizar a atitude do ditador e, de forma indireta, sua ambição de conquistar aquela região.

O terceiro caso analisado nesta apresentação é o do chargista Philippe Ruprecht, alemão que desenhava para o semanário Der Stürmer, editado em Nuremberg. A característica principal das charges publicadas neste jornal é que buscavam fixar nas mentes dos alemães os principais preceitos nacional-socialistas, dentre os quais se destaca o anti-semitismo. Novamente recorremos a Henri Bergson ao destacar uma “função social” para estas charges, qual seja, a de preparar a sociedade para o extermínio dos judeus em território alemão. O exemplo a seguir poderá ilustrar melhor esta questão.




FIPS. Der Stürmer, ago 1934. Nuremberg. In BYTWERK, Randall. Julius Streicher – Nazi Editor of the notorious anti-semitic newspaper Der Stürmer. New York, Cooper, 2001. p. 84.



Visualizamos então a técnica da associação sendo utilizada na difamação do povo judeu. Aqui, um morcego que carrega a estrela de Davi no peito e que tem as feições características do indivíduo judeu representado nas charges de Rupprecht, surge nos céus espalhando terror e morte no seu caminho. O título, Der Vampyr[5], já demonstra a conotação que a charge pretende imprimir: a do judeu sugador e aproveitador. A legenda ratifica esta idéia ao dizer Vom Teufel in die Welt gesegt er stets die Völker quält und hekt[6]. Em linhas gerais, o significado da frase evoca uma qualificação dos judeus como povo do inferno, cuja principal ação no mundo abençoado, ou seja, o mundo germanizado, seria a de atormentar e sugar os cidadãos arianos. As charges do Der Stürmer se prestavam, portanto, para a degeneração do alvo (principalmente os judeus, mas também comunistas, católicos e maçons) através da utilização de um humor grosseiro, com alusões diretas, valendo-se de títulos e legendas para melhor transparecer sua intenção. Trata-se de um produto destinado a um público muito definido, qual seja, o ariano adepto ou simpatizante das idéias nazistas, em especial do anti-semitismo, e predisposto a acatar as opiniões expostas.

A partir destes três casos aqui analisados, podemos tirar algumas conclusões. Com o Der Stürmer a população alemã passou a “ver” a quebra da harmonia social que os judeus promoveriam e, como não havia a possibilidade deste “erro” se corrigir sozinho, passou-se a aceitar a idéia da extirpação deste “corpo estranho” da sociedade. Em outros termos, o humor de Rupprecht serviu como uma alavanca para o ódio dos arianos para com os judeus, não se dirigindo à “inteligência pura”[7], como pregava Bergson, mas a um dos sentimentos mais recônditos do ser humano, qual seja, o ódio. A busca era por uma uniformização das idéias raciais e da moral do povo alemão, negando nesse processo a moral cristã, judaica ou qualquer outra e impondo a moral do Partido Nazista, processo acelerado e intensificado pelo Terror empreendido pela polícia secreta e pelas outras formas de propaganda empregadas, como panfletos e discursos radiofônicos.

De forma semelhante, através do riso, Belmonte e Chichorro buscaram transmitir a visão da ruptura que os nazistas e suas idéias impunham à harmonia européia e mundial. Em seus casos, entretanto, as palavras e as imagens não eram direcionadas aos instintos ou às emoções dos ouvintes, mas sim à percepção racional destes diante das denúncias feitas pelos autores. Em outras palavras, eram direcionadas à inteligência pura. Porém, da mesma forma, visavam minar aqueles que tinham simpatias pelo Nazismo ou simplesmente arrebanhar a opinião dos indiferentes. Buscavam também, portanto, uma homogeneização da sociedade através da uniformização de sua mentalidade.

Neste sentido, as charges têm seu lugar no espaço público, na arena de discussões. Sua função de expositora e de formadora de opiniões permanece marcante, seja como crítica a um governo ou como apoio ao mesmo, seja em Democracias ou Ditaduras. Da mesma forma que os chargistas atuaram nas décadas de 30, combatendo ou alicerçando políticas governamentais, hoje ainda se destacam na formação da opinião popular, aliando-se ao poder vigente ou a ele se opondo; as charges continuam tendo grande atração para os leitores e ainda possuem a capacidade de influenciar, de alguma forma, a sociedade.


[1] Mestrando no curso de Pós-graduação em História pela Universidade Federal do Paraná.


[2] Cf. SALIBA, Elias Thomé. Raízes do Riso – A representação humorística na história brasileira: da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo. Cia das Letras, 2002. P. 23.


[3] FREUD, Sigmund. O Chiste e sua relação com o Inconsciente. Rio de Janeiro. Imago, 1977. p. 123.


[4] Ibid. p. 125.


[5] Trad. O Vampiro.


[6] Trad. Do demônio no mundo abençoado ele sempre agita e atormenta o povo.


[7] BERGSON, Henri. O Riso. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 4.