Michel Foucault, Ed. Martins Fontes
A questão da constituição do sujeito perpassa a obra de Michel Foucault, e neste curso – o último antes de sua morte – ele questiona os modos de constituição ética dos sujeitos por meio da coragem de dizer-a-verdade (parresía). A parresía é uma missão de vida filosófica e traduz-se em coragem de mostrar ao outro a “verdadeira vida”.
Para tanto, Foucault perfaz a história da parresíadesde a ironia socrática, que alia o dizer da verdade ao cuidado de si e do outro (epiméleia). A prática de verdade socrática não diz respeito à vida na pólis, mas é atinente ao indivíduo e suas formas de conduzir-se em relação a si mesmo e aos outros.
Por conseguinte, Foucault conclui que a parresíasocrática conduz às duas grandes concepções filosóficas ocidentais: de um lado, a metafísica platônica, pautada nas questões da alma e no cuidado de si mesmo com o fim de alcançar outro mundo – a verdade é, pois, transcendental. De outro lado, a constituição de uma estética da existência, em que a vida mesma manifesta a verdade, na resistência às convenções sociais e na insistência em escandalizar o mundo, mostrando “a vida outra”, que não a imposta socialmente.
Os cínicos e seu inflexível desafio às normas seriam o exemplo dessa manifestação da verdade em sua concretude. Por fim, Foucault chega à parresía cristã, a qual atravessa a busca platônica pelo “outro mundo” engendrando neste mundo uma “vida outra”, de ascese e obediência à verdade transcendente.
Enfim, A coragem da verdadedemonstra que a constituição de modos de ser (éthos) exige uma relação efetiva do indivíduo consigo mesmo e com o outro. Nesse sentido, se a manifestação da verdade exige alteridade, um posicionamento verdadeiro sobre a própria vida só se mostra pela coragem.
Katiuska Izaguirry Marçal
Graduada em Filosofia e mestranda em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Le Monde Diplomatique Brasil
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