quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Nova Era Politeísmo renovado


O movimento da Nova Era com seus ensinos metafísicos de influência oriental surgiu com uma proposta de um novo modelo de consciência moral, psicológica e social
 Morgana Gomes

Muitos rituais pagãos foram absorvidos, modificados, renomeados e incorporados pela Igreja Católica - que insistia em rotular a antiga religião como bruxaria, "coisa do demônio". Era uma tentativa de impor a crença a um único Deus poderoso que, por sua vez, punia aqueles que não obedeciam a seus ensinamentos. A instituição chegou a torturar os pagãos e criou a Inquisição para perseguir aqueles que não professassem a fé católica.


Homens simples, mulheres parteiras, benzedeiras e os que conheciam o poder das ervas, além dos chamados magos, sacerdotes e sacerdotisas das diversas tradições pagãs foram reprimidos, tanto pela força da lei quanto pelos radicais convertidos ao cristianismo.



Em meados de 1970, o movimento da Nova Era com seus ensinos metafísicos de influência oriental, linhas teológicas e crenças espiritualistas, animistas e paracientíficas surgiu com uma proposta de um novo modelo de consciência moral, psicológica e social, visando a integração e a simbiose com o meio envolvente, a Natureza e até o Cosmos. Era o neopaganismo, que se espalhou pelos Estados Unidos, Reino Unido, Europa de língua alemã - Escandinávia, Europa eslava, Europa latina e outros países - e o Canadá.

Desde o princípio da humanidade, por sentir-se limitado perante a natureza e até em relação aos próprios contemporâneos, o homem criou deuses que poderiam lhe dar proteção. Essa concepção se espalhou, contaminou os demais e, em pouco tempo, surgiram deuses de todas as formas imagináveis: da agricultura, chuva, oceanos, fertilidade, guerra, ventos, Sol, Lua etc.


Em paralelo, também foram aparecendo determinados esquemas que deram concretude à espiritualidade pagã, cujas características principais centravam- se na radical imanência divina (a divindade se encontrava na própria Natureza - o que incluía os próprios humanos - e se manifestava através dos seus fenômenos), na ausência da noção de pecado, de inferno e do mal absoluto. Formou-se, então, a comunidade pagã que, ao evoluir, acabou por adquirir o status de sociedade.

Nesse contexto, se por um lado a imanência dos deuses conferia à divindade características antropomórficas, por outro, a relação entre os homens e eles se dava de forma pessoal e direta. Logo, a ideia de afronta à divindade também era tratada pessoalmente com o deus ofendido.

Esse tipo de relação conduziu ao não dogmatismo, que ainda conferiu à religiosidade um traço quase que doméstico, vivenciado por pequenos grupos com laços de sangue ou de compromisso. Assim, cada um podia cultuar o seu Deus eleito da forma que desejasse, sem nenhum tipo de imposição de terceiros.

Já em relação à ausência da noção de pecado, também não havia a concepção de santidade nem de profano. Graças a esse fato, logo no início, dispensou-se a construção de templos de reverência aos deuses, mas não o estabelecimento de Sítios Sagrados que passaram a ocupar bosques, poços, montanhas, entre outros lugares.


Em virtude dessas características, rapidamente, o calendário religioso dos povos primitivos começou a se confundir com o calendário sazonal e agrícola. Por conseguinte, essa correspondência também estabeleceu o caráter de fertilidade e do eterno retorno a crença pagã.

O labirinto é um símbolo neopagão, que induz os adeptos seguirem em busca da ancestralidade, trilhando um caminho já percorrido por tantos outros.

Ainda que, alguns povos tenham desenvolvido a ideia de um "Outro Mundo", a vida pós-morte nunca foi um ideal pagão, pois isso significaria ficar fora do ciclo natural e, portanto, da comunidade que festejava seus deuses nos momentos de mudança e auge desses mesmos ciclos. Dessa forma, o chamado "Outro Mundo" seria apenas uma passagem da vida ao renascimento, no qual o encontro com a deidade se daria sempre em comunhão com a Natureza.

Seguindo essa evolução, surgiram os Grandes Festivais, repletos de rituais que comprometiam todos os membros de uma comunidade específica em uma religiosidade mágica, na qual a espiritualidade era alcançada pela manipulação da carne e dos elementos, através do corpo e da natureza, nos chamados "feitiços".

Festival Pagão em Stonehenge, planície de Salisbury, próximo a Amesbury, condado de Wiltshire, sul da Inglaterra.

Mas com a divindade representada no mundo terreno, também não havia conflitos internos nem a necessidade de se dominar ou conter impulsos naturais que, por sua vez, deveriam fluir livremente sem culpa. Isso explica porque os pagãos - inclusive os atuais - valorizam mais a vivência da religiosidade pelo corpo - em detrimento do espírito -, pois a repetição dos mesmos ritos, sempre na mesma época, criaria uma união mística com todos aqueles que já celebraram. Dessa forma, acreditava- se que, ao presente, retornaria o momento primitivo da sua realização e todos aqueles que, ao longo dos séculos, tenham participado dele.

De acordo com essa proposição, apesar dos vários povos que desenvolveram individualmente seus costumes religiosos, locais e ancestrais, o que poderia se mostrar como diferença entre religiões, apenas primava pelas características básicas do paganismo, que permaneceu com todos os seus rituais típicos até os dias de hoje.

Rituais e dogmas

Com o advento do cristianismo e a oficialização da Igreja Católica, embora muitos rituais pagãos tenham sido absorvidos, modificados, renomeados e incorporados pela instituição religiosa, o povo pagão, principalmente na Idade Média, se viu submetido entre aqueles que ainda praticavam seus rituais. Alguns os faziam dentro das próprias igrejas, erguidas em áreas que anteriormente eram ocupadas por santuários pagãos, perante a concessão dos sacerdotes que, sem alternativa, aceitavam tal condição para manter seu rebanho reunido.

Mesmo assim, a Igreja insistia em rotular os rituais praticados na antiga religião como bruxaria, "coisa do demônio", na tentativa de impor a crença a um único Deus poderoso que, por sua vez, punia e castigava aqueles que não obedeciam a seus ensinamentos.

Grupo neopagão Ásatrúarfélagið a caminho de um ritual

A instituição chegou a empreender torturas e campanhas militares para alcançar seus objetivos, mas não satisfeita, ainda criou a Inquisição para perseguir e punir todos aqueles que não professassem a fé católica. Porém, ao mesmo tempo em que a Igreja transformava o paganismo em sinônimo de satanismo, em nome do poder adquirido como representante do Deus Uno, o clero exigia do povo tudo que desejava, principalmente bens materiais. Dessa maneira, ele conseguia se sustentar num luxo inacessível entre os que viviam quase que miséria nas cercanias dos feudos e igrejas.

Na época, homens simples, mulheres parteiras, benzedeiras ou que conheciam o poder das ervas contra certas doenças, além dos chamados magos, sacerdotes e sacerdotisas das diversas tradições pagãs eram reprimidos, tanto pela força da lei quanto pelas perseguições histéricas dos radicais convertidos ao cristianismo.

Do século XV ao XVII, milhares de processos sob a tutela da Inquisição percorreram tribunais eclesiásticos e civis por toda Europa e até o Novo Mundo. Pessoas foram torturadas, executadas em fogueiras ou afogadas; outras tiveram membros arrancados. Uma simples suspeita já era motivo para a execução e todo conhecimento, considerado suspeito aos olhos da Igreja, era motivo de perseguição. Sem alternativa, o povo teve que se converter de forma aparente. No entanto, a semente do paganismo permaneceu enterrada na consciência de muitos, apenas esperando o momento certo de germinar e dar frutos novamente.

O advento da Nova Era
Passaram-se séculos, até que em meados de 1970, o movimento da Nova Era com seus ensinos metafísicos de influência oriental, linhas teológicas e crenças espiritualistas, animistas e paracientíficas eclodiu com uma proposta de um novo modelo de consciência moral, psicológica e social, que visava à integração e a simbiose com o meio envolvente, a Natureza e até o Cosmos. Até então pressionados, alguns se despertaram para a liberdade de culto e começam a reverenciar a ancestralidade pagã. Mas ainda assim foram tidos como visionários, quando não loucos.

Entre eles, a maioria era composta por mulheres, principal vítima da Igreja Católica durante a Inquisição. Elas se irmanam em uma grande variedade de movimentos religiosos modernos, que apresentam uma imensa gama de crenças, incluindo o politeísmo, o animismo, o panteísmo e outros paradigmas, nos quais, além de reinventaram rituais, se livraram dos dogmas impostos pelas instituições religiosas oficiais. Com determinismo, elas espalharam suas ideias e angariaram adeptos que, diante dos muitos escândalos religiosos que acabaram por ser divulgados, se viram traídos "pelo faça o que eu mando, mas nunca o que eu faço".

Ritual neopagão da vertente Wicca

Com a ajuda da mídia, o retorno a ancestralidade e as crenças se tornaram um fenômeno, principalmente entre aqueles que pertenciam às classes sociais mais altas, tanto em termos financeiros, quanto intelectuais. O movimento, então, recebeu o nome de neopaganismo e contagiou, principalmente, os habitantes dos países mais desenvolvidos, em especial os Estados Unidos e Reino Unido, mas também a Europa continental (Europa de língua alemã, Escandinávia, Europa eslava, Europa latina e outros países) e o Canadá. Segundo estatísticas, só nos Estados Unidos há cerca de um terço de todos os neopagãos do mundo atual, montante que representa aproximadamente 0,2% da população do país e a sexta maior denominação não-cristã, depois do judaísmo (1,4%), islamismo (0,6%), budismo (0,5%), hinduísmo (0,3%) e o Unitário- Universalismo (0,3%).

Na Islândia, os membros do grupo neopagão Ásatrúarfélagið representam 0,4% da população nacional. Por isso, traços e influências do antigo paganismo nórdico ainda podem ser encontrados na cultura e nas tradições de países modernos, tais como a Dinamarca, Suécia, Noruega, Ilhas Faroé e Groelândia, bem como em todos os outros territórios que receberam imigrantes dessas nações.

Na Lituânia, uma das últimas áreas da Europa a ser cristianizada, muitas pessoas que não assimilaram totalmente o culto do Deus Único, continuaram seguindo uma versão reconstruída da religião pré-cristã da região, a Romuva. Na Grécia, desde 1990, o Supremo Conselho dos Gentios Helenos institucionalizou o dodecateismo, também conhecido como reconstrucionismo politeísta helênico, que visa reviver as práticas religiosas que se originaram na antiguidade gloriosa do país mediterrâneo.

Hoje, embora a maior religião neopagã seja a Wicca, outros grupos adquiriram um porte significativo, como o Neodruidismo, o Neopaganismo Germânico e o Eslavo. Entre os praticantes desses grupos, enquanto alguns primam pela conexão com formas antigas do paganismo, numa continuidade histórica marginal (à margem da religião que se autoafirmava como única verdade no Ocidente: a cristã), outros introduzem mudanças e inovações.

Mas apesar das diferenças elementares, em comum, todas as vertentes apresentam tentativas de reconstrução, ressurgimento ou, mais comumente, adaptação de antigas religiões pagãs do período pré-cristão europeu a atualidade, porém sem se restringir somente a elas, em virtude das experiências e das necessidades encontradas no mundo contemporâneo.


Sobre o termo neopaganismo
Usado para especificar o renascimento do paganismo na década de 1970, ele é usado por acadêmicos e adeptos para identificar novos movimentos religiosos que enfatizam o panteísmo e a veneração da natureza ou que procuram reviver ou reconstruir os aspectos históricos do politeísmo. Já os escritores eruditos empregam o termo "paganismo contemporâneo", para designar todos os novos movimentos religiosos politeístas, uso que foi favorecido pela publicação The Pomegranate: The International Journal of Pagan Studies.

De certa forma, o termo neopagão ainda proporciona um meio de distinção entre pagãos históricos de culturas politeístas antigas ou tradicionais e os adeptos de movimentos religiosos modernamente constituídos. Por sua vez, a categoria das religiões conhecidas como neopagãs inclui desde abordagens sincréticas ou ecléticas (como as da Wicca, Neodruidismo, Dianismo e Neoxamanismo) até aquelas mais ligadas a tradições culturais específicas, como as muitas variedades de reconstrucionismo politeísta (Helênico, Nórdico etc.). Nesse sentido, alguns reconstrucionistas rejeitam o termo neopagão, porque pretendem criar uma abordagem historicamente orientada para além do neopaganismo mais eclético e geral.
Revista Leituras da História

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