domingo, 3 de novembro de 2013

Monarcas gays

Conheça os monarcas gays que governaram antes do surgimento do conceito de homossexualidade

Mauro Tracco, de Barcelona
Os moralistas da Idade Moderna definiram uma hierarquia para os pecados relacionados à luxúria. Do menos grave ao mais nefasto, a ordem era a seguinte: simples fornicação, prostituição, estupro, adultério, incesto, sacrilégio com um sacerdote, sacrilégio com uma monja e, por último, o pecado que mais ofendia a Deus, a sodomia. O pecado contra natura, ato sexual que não tinha como único fim a procriação, era considerado uma afronta direta ao Criador. Apesar disso, muitos dos monarcas que governaram amparados pelo Direito Divino foram adeptos do mais proibido dos prazeres. Para o historiador Miguel Cabañas Agrela, autor do livro Reyes Sodomitas, além de casos notórios, como o de Jaime I da Inglaterra, existem vários documentos que sugerem que figuras como o francês Luís XIII e Frederico II, da Prússia, também tiveram amores masculinos.
O Renascimento tirou a humanidade da Idade das Trevas ao recuperar referências culturais e artísticas da antiguidade clássica.  Paradoxalmente, “a Idade Moderna foi o período da história ocidental em que a sexualidade em geral, e a homossexualidade em particular, foram mais perseguidas pela Igreja e pelo Estado”, afirma Cabañas. Na Idade Média o “pecado impronunciável” já era considerado um vício atroz, mas as leis para punir quem desafiasse a suposta ordem natural das coisas foram criadas só na Idade Moderna, quando a sodomia passou a ser um crime contra o Estado. Assim como aconteceu com as bruxas, o castigo era a fogueira, para purificar o que era tido como maligno. Mas em tempos de monarcas absolutistas, quem tinha poder para punir o rei? “Nenhum tribunal ousaria comprometer um rei por questões referentes à sua vida privada. Não faltavam fofocas, mas as acusações eram feitas na esfera privada”, diz Cabañas.
O historiador Matt Cook, da Universidade de Londres, ressalta que nessa época não existia o conceito de homossexualidade, que só surgiu no século 19. “Durante a Renascença, muitos homens faziam sexo entre si, sem que isso fosse visto como sinal de identidade diferenciada ou de uma subcultura. A maioria mantinha relações íntimas também com mulheres.” Independentemente do que acontecia entre as paredes dos aposentos reais, quase todos os monarcas honraram sua principal obrigação em vida: casar e gerar descendência. “Mas as relações homossexuais podiam ser usadas para minar o monarca”, afirma Cook.
Em uma sociedade de corte, criar vínculos com figuras do alto escalão era a principal estratégia de ascensão. E contar com o afeto do rei era como ganhar na loteria. Alguns soberanos adotaram essa política de promoção sem disfarçar o favorecimento a cortesãos jovens.
Guilherme III da Inglaterra (1650-1702) (Imagem: Wikemedia Commons)
Jaime I da Inglaterra (1566-1625) (Imagem: Wikemedia Commons)

Os "reis no armário"
Rainha Cristina da Suécia (1626-1689) - O traço mais marcante da soberana foi a necessidade insaciável em ser diferente. Suas peculiaridades sexuais faziam parte desse afã em se distinguir dos demais. Culta e inquisitiva, Cristina usava roupas masculinas e nunca quis se casar para não estar sujeita a nenhum homem. Entre os muitos casos que teve estão um cardeal e uma bela cortesã chamada Ebba Sparre.
Luis XIII da França (1601-1643) - Não existem provas definitivas da preferência sexual de Luis XIII, que aparentava mais ser assexuado do que homossexual. Apesar de sua indiscutível retidão moral, era tímido e inseguro. Essa falta de confiança o levava a buscar refúgio na companhia de homens com personalidade forte. Ciente disso, o cardeal Richelieu tratou de arranjar amizades masculinas que mantivessem o rei distraído enquanto ele tomava as rédeas do governo francês.
Frederico II da Prússia (1712-1786) - O rude Frederico Guilherme I se empenhou em transformar seu filho em um líder viril. Mas os soldados designados para ensinar o herdeiro acabaram tornando-se amigos muito mais próximos do que gostaria o pai. Em tempos de paz, Frederico II quase não saía do Templo da Amizade, palácio frequentado exclusivamente por homens. Exemplo de déspota esclarecido, aboliu a pena de morte para delitos de sodomia.
Papa Júlio III (1487-1555) -  Escandalizou o mundo católico ao nomear cardeal o seu cuidador de macacos, um jovem de 17 anos. Segundo relatos, a total falta de vocação sacerdotal do garoto contrastava com seus óbvios atributos físicos. A nomeação foi a forma encontrada por Júlio III para justificar a presença de seu favorito dentro dos muros sagrados do Vaticano. As más línguas chamavam o jovem cardeal de “o macaco do papa”.
Jaime I da Inglaterra (1566-1625) -  Quase nenhum historiador discute a homossexualidade de Jaime I. Aos 13 anos, teve um romance com seu tio, 24 anos mais velho. Idoso, preferia a companhia de rapazes. Foi visto em público aos beijos e abraços com outros homens e sobrepôs seus sentimentos aos interesses do reino.
Henrique III de Valois (1551-1589) - Entrou para a história como o “rei dos mignons”, como era conhecido o bando de atraentes jovens que estavam sempre ao seu lado. Fez questão de desenhar o vestido e de pentear sua noiva no dia das bodas. Era entusiasta do transformismo e sua corte ficou conhecida como a mais refinada e libertina da Europa.
Guilherme III da Inglaterra (1650-1702) - Criado pela avó, Guilherme de Orange teve ao longo da vida companheiros inseparáveis. Desde a adolescência, manteve uma relação especial com o nobre holandês Hans Bentinck. A amizade de 30 anos foi traída quando Guilherme fez do jovem Arnold van Keppel, de 18 anos, seu novo favorito. A revolta de Bentinck foi tão evidente que os fofoqueiros da corte não tardaram em apelidá-lo de “velho cornudo”.
Saiba mais
Livro
Reyes sodomitas: Monarcas y Favoritos en las Cortes del Renacimiento y Barroco, Miguel Cabañas Agrela, Editora Egales, 2012
 Revista Aventuras na História

Um comentário:

Sylvio Mário Bazote disse...

Muito legal esta postagem!
São detalhes e possibilidades que tornam a História algo interessante e palpável, distante do conceito chato e estéril dos ‘divinizados’ fatos e pessoas que se estudam nos debates acadêmicos.
Abordagens como a dessa postagem tornam a História viva, fazendo jus ao nome do blog. Parabéns!