quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Concurso MINUTO ESCOLA - Últimos dias das inscrições



Última semana do concurso “Minuto Escola” do Festival do Minuto
Inscrições até dia 20 de novembro


Nsse ano o Festival do Minuto abriu mais uma edição do “Minuto Escola”, concurso específico para alunos e professores dos Ensinos Fundamental e Médio. Os prêmios são de R$ 1.000 para os melhores videos.

A diferença dessa edição de 2013 para as anteriores é que agora aceitamos inscrições de alunos e professores de escolas públicas e particulares de todo o mundo.

Divididos em 3 categorias – alunos do Ensino Fundamental, alunos do Ensino Médio e Professores –, os interessados devem produzir um vídeo de um minuto com temática livre.

INSCRIÇÕES

As inscrições estão abertas e podem ser feitas até 20 de novembro.

Os alunos do Ensino Médio e professores devem se inscrever pelo site www.festivaldominuto.com.br; e alunos do Ensino Fundamental pelo www.minuteen.com.br

PRÊMIOS
1 prêmio de R$ 1.000 para a categoria Alunos do Ensino Fundamental (Minuteen)
1 prêmio de R$ 1.000 para a categoria Alunos do Ensino Médio 

1 prêmio de R$ 1.000 para a categoria Professores

ESCOLA DO MINUTO

Para ajudar, temos um portal na internet com dicas e aulas online sobre a produção de vídeos e linguagem audiovisual, o Escola do Minuto – www.escoladominuto.com.br

Sobre o Festival do Minuto

O Festival do Minuto é um evento que nasceu no Brasil em 1991 e que propõe a produção de vídeos de até um minuto de duração. Em 2007 tornou-se permanente e online, recebendo os vídeos pela internet. Periodicamente são lançados concursos com temas específicos e os melhores trabalhos são premiados. 
O que importa é fazer um vídeo com uma BOA IDEIA.

Os cinco elementos do Poder na História

Pólvora, vapor, petróleo, energia nuclear, Internet... Acompanhe uma breve reflexão sobre os divisores de águas na trajetória do homem em busca de poderio e capacidade de dominação... e o que nos reserva o futuro

Da Redação




Elemento número um: A PÓLVORA



Constituiu, no fim do século 5, a primeira revolução em tecnologia militar. Em 1494, o Rei da França, Charles VIII, de só 24 anos, invadiu a Itália com uma força relativamente pequena, de 27.000 soldados profissionais. Mas eles compensavam seu pequeno número com a novidade do equipamento que transportavam: armas de fogo.

Em apenas seis meses a campanha militar superou a resistência oferecida por castelos italianos supostamente indestrutíveis. Da mesma forma, foram varridos dos campos de batalha os toscos exércitos de camponeses formados nas regiões de Gênova, Florença, Roma e Nápoles. Grossas paredes de pedra – algumas milenares – desabaram ante o olhar atônito dos defensores, depois de atingidas por projeteis pesados. Bêstas e armaduras e aperfeiçoadas durante décadas na Era Medieval, deixaram, instantâneamente, de representar a modernidade no enfrentamento humano.

A ferocidade e o treinamento do corpo expedicionário francês revelaram-se decisivos quando combinados à potência da artilharia rudimentar. Mas a chamada Idade da Pólvora não mudou somente as relações humanas no campo de batalha. Ela também alterou, e de maneira significativa, a forma de negociação entre diplomatas e governantes.

Elemento número dois: O VAPOR



Entre o fim do século 18 e a primeira metade do século 19, a máquina a vapor passou por milhares de experimentos, antes que seu funcionamento pudesse ser considerado como verdadeiramente revolucionário. Ela produzia a transformação de energia térmica em energia mecânica, por meio da expansão do vapor de água. A pressão adquirida pelo vapor deslocava êmbolos que permitiam, por exemplo, o movimento das rodas de potentes locomotivas.

O desenvolvimento dessa pesquisa logo apontou para outras perspectivas: a transformação da energia térmica em energia cinética, ou energia de movimento, em imensas turbinas que impulsionavam geradores elétricos e gigantescos transatlânticos. No século 20, bombas, bate-estacas e muitas outras máquinas passaram a ser comandadas por máquinas a vapor.

A pesquisa acerca da aplicabilidade da máquina a vapor contribuiu decisivamente para a expansão da indústria moderna. Até então, muitas tarefas eram executadas na dependência exclusiva da potência dos músculos dos operários, da energia animal, ou das facilidades proporcionadas pelo vento e pela água.

Entretanto, uma única máquina a vapor realizava o trabalho de centenas de cavalos. E também fornecia a energia necessária para acionar todas as máquinas de uma fábrica. A locomotiva a vapor era capaz de deslocar cargas pesadas a grandes distância em um único dia.

Entre 1866 e 1905, a difusão dessa forma de se obter energia pelo vapor alterou, profundamente, o panorama mundial dos transportes, especialmente os que facilitavam a ligação entre os continentes. A utilidade dos mecanismos a vapor também foi logo aplicada a certas armas de guerra – como os grandes navios de batalha. Dessa maneira, a descoberta da função a vapor pode ser considerada como o elemento-chave da segunda revolução da tecnologia militar no planeta.

Mas a máquina a vapor será especialmente útil aos Estados dotados de certa elite intelectual. Ela servirá para dinamizar o comércio, as comunicações, e, em razão de sua extraordinária versatilidade, influenciará até mesmo os segmentos produtivos que nada têm a ver com a Política – mas são decisivos para o aquecimento da economia interna (e do emprego) –, como o do vestuário. O recurso do vapor criará uma nova faixa de status social. Algo que irá agudizar a diferença entre sociedades progressistas e arcaicas, entre potências de “primeira e de segunda classes”.

Elemento número três: O PETRÓLEO


Nos anos de 1930, os aplicativos da indústria petroquímica permitiram a consolidação de uma importante mudança qualitativa nos sistemas de transporte – cuja eficiência pelo surgimento dos motores de combustão interna foi acentuada – e de armamentos, antes dependentes de mecanismos a vapor.

A mecanização dos exércitos europeus logo abriu um fosso em relação às forças militares das chamadas “potências de segunda ordem”. Carros protegidos por grossas chapas de metal – precursores dos modernos veículos blindados –, navios que navegavam sob as ondas, chamados inicialmente de submersíveis – e aviões de ataque, modificaram o panorama das manobras de guerra.

Ficaram para trás os problemas de mobilidade no campo de batalha. Em fins de 1939 torna-se evidente que a indústria bélica e as empresas petrolíferas tendem a seguir juntas, gerando empregos e novas plataformas de negócios, de alcance até então desconhecido – as chamadas operações “multinacionais”.

A raça humana torna-se, rapídamente, dependente dos produtos advindos do petróleo, e das atividades de um seleto grupo de 13 conglomerados gigantes do setor petroquímico, fortemente ligados a instituições financeiras de primeiro nível. Em pouco tempo esses grandes grupos estarão controlando os mercados internacionais e as políticas de trabalho de 90% da superfície habitada do planeta.

Elemento número quatro: A ENERGIA NUCLEAR

O instrumento mais revolucionário e letal do poderio humano surge da violência brutal que desaba, em 1945, sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, na forma de duas “bombas atômicas”. Os relatos beiram a ficção: vítimas que, simplesmente, evaporaram, devido à virulência da explosão...

As detonações anunciaram, ademais, o fim de quase mil anos de supremacia militar europeia sobre o chamado mundo civilizado. Com a reação dos soviéticos, Moscou logo estabeleceu uma rivalidade com Washington no campo da disputa pela hegemonia mundial.

Sob a chamada Guerra Fria, a ciência estabeleceu outros usos para a energia nuclear, como a geração de energia (supostamente) “limpa”, e a propulsão de grandes navios cargueiros, destinados a agilizar o intercâmbio de mercadorias – um meio de transporte que revelou-se muito menos utilizável, por seus riscos operacionais, do que se imaginava.

Está claro: o controle da energia nuclear depende de procedimentos de manipulação extremamente exigentes – e esse grau de exigência nem sempre pode ser atentido pelo homem e suas corporações.

Nos últimos 50 anos, dezenas de incidentes e acidentes evidenciaram, por exemplo, os problemas de refrigeração dos reatores nucleares fincados em terra para a produção de energia elétrica.

Atualmente, até mesmo os submarinos nucleares vêm tendo o seu uso questionado pelos estrategistas navais. Estes especialistas asseguram: os submersíveis de propulsão diesel-elétrica, que podem desligar seus motores e adotar uma condição de silêncio completo no fundo dos oceanos, são rivais à altura dos mais avançados navios nucleares que singram as profundezas.

Elemento número cinco: A INTERNET


A rede internacional de computadores foi aproveitada como instrumento do Poder Militar pela primeira vez em 1991, após a invasão relâmpago do Kuwait por forças iraquianas.

Os computadores agilizaram de maneira inacreditável tanto o processamento de informações captadas por satélites artificiais em órbita da Terra, como as comunicações que passavam pelos links que esses engenhos estabeleciam na estratosfera.

Mas a Internet também facilitou o surgimento das chamadas “ameaças assimétricas”, isto é, os ataques conduzidos por operadores solitários ou de pequeno porte, contra inimigos de muito maior poderio e estrutura, cujas atividades na web ainda parecem estar relativamente desprotegidas.

A rede mundial permite agora que um agressor detecte, alcance e destrua bens armazenados de forma virtual, de dia e à noite, o ano inteiro, a muitos milhares de quilômetros de distância. O condutor da ofensiva pode empreender a ação de uma situação muito confortável e segura. Bancos de dados de grandes conglomerados industriais, de instituições bancárias e até de organismos de alta segurança – como o Pentágono (edifício-sede do Departamento de Defesa dos EUA) e da CIA (a Agência Central de Inteligência americana) constituem, ainda hoje, alvos em potencial. Sistemas de armas e de segurança nacional precisam ser rapidamente reorientados para entrarem em sintonia com a nova doutrina de guerra do século 21...

A revolução proporcionada pelos chips de computador é tão ampla, que apenas um “míssil inteligente” – dirigido por satélite – pode fazer o trabalho de destruição que, há (somente) 10 anos, exigiria o empenho de 810 homens e 54 armas de artilharia, operando por três dias consecutivos.

Nos gabinetes de líderes das grandes potências mundiais, desde o mês de dezembro de 2002, o uso de armas robotizadas e a laser, além dos ataques a computadores em redes financeiras e sites governamentais da web vêm sendo considerados instrumentos de Poder de última geração.

Mas... e o futuro?


O quadro das ameaças que aguarda o gênero humano reúne uma série de facilidades tecnológicas que tanto podem servir para o bem como para o mal. Nesse cenário, os exemplos mais evidentes parecem ser: (1) a nanotecnologia, miniaturização de sistemas que permite a criação de novas e poderosas capacidades de sobrevivência e destruição; (2) o custo muito baixo de sistemas de posicionamento global por GPS; e (3) os incríveis avanços nos sistemas de telefonia celular (capacidade voz, vídeo e dados em tempo real) – todos elementos potencializados pelo uso descontrolado da Internet.

Há, contudo, outros fatores que não dizem respeito a tecnologias, mas não devem ser desprezados. Ao contrário. Nesse momento, o mais surpreendente deles talvez seja o elevado nível de compreensão que os grupos terroristas do Fundamentalismo Islâmicos (e seus imitadores no mundo ocidental) parecem ter adquirido sobre o funcionamento dos mercados europeus, a exata localização das fontes de energia do Ocidente e a vulnerabilidade das suas reservas de água.
Revista Leituras da História

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Futebol na Alemanha Nazista

Paixão nas trevas
Durante a longa noite do Nacional-Socialismo, o futebol amenizou a angústia vivida pelos alemães, e permitiu-lhes extravasar a tensão acumulada em seu trágico destino

Da Redação


Em Sofia, na quinta-feira 31 de agosto de 1939, a seleção de futebol da Bulgária realiza os últimos preparativos antes do embarque para Varsóvia, palco da partida amistosa prevista para o domingo contra o escrete polonês. Os varsovienses aguardam o encontro com expectativa. No último fim de semana, também nessa capital, os seus jogadores reagiram depois de estarem perdendo por 2 a 0, e aplicaram uma “surra” na prestigiosa seleção húngara: 4 a 2 – com três gols do astro Ernest Wilimowski, filho de um soldado alemão morto na 1ª Grande Guerra. Mas os acontecimentos do dia seguinte, a sexta-feira 1º de setembro, impedirão que o futebol polonês seja mais bem testado nos quatro compromissos previstos para aquele mês, contra as equipes búlgara, iugoslava, finlandesa e romena.


No fim da década de 1930, o futebol mobilizava multidões na Europa. A Itália, campeã mundial na França, em 1938, era o adversário a ser batido. Os sul-americanos pareciam sem força, apesar de a forte equipe francesa do Olympique de Marseille depositar parte importante de suas esperanças em Vasconcellos, um goleiro do Brasil.

Na Alemanha subjugada pelo Nacional- Socialismo, a quase totalidade das práticas esportivas foram reorganizadas sob a égide do partido Hitlerista.

Para juntar-se à um clube, um jogador precisava de duas recomendações pessoais assinadas por pessoas da confiança dos Nacionais-Socialistas. O Comitê Nacional de Futebol fora absorvido pelo Deutscher Reichsausschuss für Leibesübungen – o Comitê de Educação Física do Reich, mais conhecido por DRL, dirigido pelo Reichssportsführer Hans von Tschammer und Osten.

Alguns clubes, como o Alemannia Aachen e o Bayern de Munique, ainda tentaram resistir à determinação de expulsar de seus quadros os atletas judeus. Mas em vão. Sob o Nazismo, o futebol foi reorganizado em dezesseis Gaue – regiões --, controladas por uma Gauliga, que só desapareceu quando a estrutura Nazista ruiu em definitivo, em 1945.

A princípio, o esforço do Regime Hitlerista por mostrar eficiência – na geração de empregos, melhoria da infraestrutura e reativação econômica do país – acarretou efeito positivo também para o futebol. Antes da ascensão de Hitler ao Poder, em 1933, quase 600 clubes competiam na 1ª Divisão do futebol germânico. A reorganização promovida pela Ditadura Nazi reduziu esse número para 170 e melhorou o nível da competição.

Uma Copa Alemã – a “Taça Tschammer” – foi introduzida em 1935. Seu primeiro campeão foi o Nuremberg FC. A competição foi realizada até 1943 – ano em que o funcionamento do Estado alemão começou a ser desarticulado por uma onda violenta de bombardeios aéreos aliados. O certame só retornaria em 1953, obviamente com um nome diferente...

O Schalke FC dominou o futebol durante o período nazista, e frequentemente era usado como peça de propaganda para a Nova Alemanha. Com o Reich expandindo- se com as conquistas territoriais, times da Áustria, Polônia, Tchecoslováquia, Alsácia-Lorena e Luxemburgo foram incorporados à Gauliga. Após a anexação da Áustria, o Rapid Wien – de Viena – conquistou a Tschammerpokal em 1938 e o Campeonato Alemão em 1941, ganhando do Schalke por 4 x 3 na final.

Durante a guerra, o futebol foi usado para elevar o moral da população. O Regime Hitlerista o apoiava. Muitos times eram patrocinados pela Luftwaffe – a Força Aérea alemã, que mantinha a equipe da Flakelf – , pela SS – tropa de elite do Führer Adolf Hitler – e por outras organizações militares. Esse apoio queria dizer: preservação dos atletas, impedindo a sua convocação para o serviço de guerra, garantia de alimentação reforçada, em uma época onde a população enfrentava racionamentos draconianos e, sobretudo, segurança para os atletas e suas famílias – especialmente contra as arbitrariedades da Gestapo – a Polícia Política do Nazismo.

A partir de 1943, quando o arcabouço que sustentava o Regime passou a apresentar fraturas e deficiências de funcionamento, também a Gauliga começou a fraquejar.

Convocados para defender o país nas diferentes frentes de guerra, alguns astros do füssball foram sendo mortos em ação. Ao mesmo tempo, os grandes estádios sofreram o peso dos bombardeios aéreos inimigos. Simples viagens pelo território do Reich (que na visão de Hitler, deveria durar “mil anos”) tornaram-se cada vez mais difíceis.


Para facilitar as competições, as dezesseis regiões originais da Gauliga foram divididas em trinta circuitos menores, mas a qualidade das disputas caiu muito, o que se refletiu nos resultados. O Germania Mudersbach, por exemplo, venceu o Engen FC por 32 a 0...

O campeonato 1943-1944 chegou a ser cancelado, mas a repercussão popular foi tão negativa que os Nazistas precisaram autorizá-lo de novo. O de 1944-1945 foi iniciado menos de duas semanas depois da conclusão do anterior. Pela primeira vez, desde a chegada de Hitler ao Governo, não houve o tradicional descanso trimestral do verão europeu, no meio do ano.

A última partida oficial de futebol da Alemanha Nazista aconteceu a 23 de abril de 1945, quando Adolf Hitler já não aparecia mais em público: vitória do Bayern de Munique por 3 a 2, contra o 1860 também de Munique.

Vitória no gramado recompensada com a morte
Aconteceu um pouco depois de 19 de setembro de 1941, quando Kiev, capital da Ucrânia, foi ocupada pelo exército Nazista. Andando pela rua, Josef Kordik, um padeiro alemão radicado na cidade, não pôde deixar de reparar nos soldados ucranianos doentes e desnutridos, que haviam regressado do campo de batalha. Contudo, um deles, grandalhão, surpreendeu-o: era Nikolai Trusevich, astro de seu time do coração: o Dinamo (foto).

Kordik empregou Trusevich em seu comércio, e os dois logo combinaram de resgatar os demais companheiros do goleiro, que ainda estivessem vivos. O arqueiro conseguiu, efetivamente, encontrar alguns de seus antigos camaradas, e ainda levou para a padaria alguns rivais do campeonato russo, além de três atletas do conhecido time do Lokomotiv.

Ousados eles decidiram voltar a fazer a única coisa que sabiam (e gostavam): jogar. E como não podiam levantar o antigo Dínamo, criaram uma nova equipe: o FC Start, que, a partir de junho de 1942, passou a desafiar as equipes de futebol formadas por militares das guarnições que haviam invadido a União Soviética. A carreira de vitórias do desconhecido Start passou a incomodar os oficiais superiores do Terceiro Reich, que organizaram uma partida dos ucranianos e de seus colegas contra a poderosa equipe da Flakelf, pertencente à Luftwaffe. O resultado – vitória do Start por 5 a 1 – representou pouco menos do que uma catástrofe para os invasores.

Só depois dessa derrota é que os alemães descobriram a manobra do padeiro Kordik. Berlim ordenou a eliminação de todo o atrevido time da Ucrânia – Kordik inclusive –, mas os Nazistas que controlavam Kiev decidiram não varrer aquela gente desafiadora da face da Terra antes de derrotá-la no campo de jogo.

A revanche foi então marcada para 9 de agosto de 1942, no estádio Zenit. A torcida compareceu em massa. Apesar de o juiz – um oficial da SS – ter advertido os ucranianos no vestiário, antes da partida, que eles deveriam fazer a saudação Nazista, os atletas do Start, vestidos com camisa vermelha e calção branco, ao levantarem o braço, levaram a mão ao peito e – no lugar de dizer “Heil Hitler!” – gritaram “Fizculthura!”, um brado soviético que proclamava a cultura física.



Os alemães, de camisa branca e calção negro, marcaram o primeiro gol, mas o Start virou o jogo ainda no primeiro tempo, e foi para o intervalo vencendo por 2 a 1. No vestiário eles foram advertidos por oficiais da SS de armas em punho: deviam perder a partida, ou ninguém sairia do estádio vivo (uma mentira, já que a eliminação deles havia sido já ordenada pela cúpula Hitlerista).

Amedrontados, os jogadores pensaram em não voltar para o segundo tempo, mas o entusiasmo da torcida levouos de volta ao gramado. A poucos minutos do final da partida, quando o placar já era de 5 a 3 para o Start, o atacante Klimenko ficou cara a cara com o arqueiro alemão. Ele, então, aplicou-lhe um drible desconcertante, deixando o coitado estatelado no chão, e de frente para o gol deu meia volta e chutou a bola para o centro do campo. O estádio veio abaixo.

Impressionados com a reação do público, os oficiais alemães permitiram que o time do Start deixasse o estádio, e até que jogasse novamente, para golear seu último adversário por 8 a 0. Mas essa foi mesmo a vitória derradeira.

Horas mais tarde um pelotão de soldados cercou e invadiu a padaria de Kordik. O comerciante foi o primeiro a morrer torturado na frente dos jogadores. Em um campo de concentração de Siretz foram mortos Klimenko, o goleiro Trusevich (que pediu para usar a camisa do Start) e Kuzmenko. Escaparam a esse fim os atletas Goncharenko e Sviridovsky, que não estavam na padaria no momento em que os captores alemães apareceram. Apesar de procurados, eles sobreviveram, escondidos, até a libertação de Kiev, em novembro de 1943.

Na sede do Dínamo de Kiev, um monumento saúda e recorda os heróis do FC Start – considerados heróis da Pátria ucraniana.
Revista Leituras da História

Festas Juninas: Rituais Pagãos


 A PREGAÇÃO DE SÃO JOÃO BATISTA, DE FRANCESCO UBERTINI BACCHIACCA II MUSEUM OF FINE ARTS, BUDAPEST

Ney Vilela
Em total desencontro de ideários, as festas juninas dedicadas a São João - no centro da pintura de Francesco Ubertini Bacchiacca II (1494-1557) - são pagãs e não cristãs, uma vez que celebram os ciclos existenciais dirigidos por uma ordem universal, anteriores ao cristianismo

Milênios antes do cristianismo, nossos ancestrais já reconheciam que a natureza possui ritmos e ciclos inevitáveis de nascimento e morte. Os primeiros pensadores, ao se preocupar em tentar compreender o mundo, sentiam que existia uma sabedoria cósmica, anterior à própria existência dos homens e que era totalmente independente das decisões tomadas pela humanidade.

Os velhos homens sábios recomendavam que nós devêssemos procurar a integração com a ordem universal do cosmos. Precisaríamos aceitar a organização cósmica (o logos), reverenciando-a carinhosamente.

Há dois momentos no calendário solar em que os ritmos universais são marcantes: os solstícios de verão e de inverno. Desde tempos imemoriais, os homens festejam essas datas com monumentos impressionantes (como o de Stonehenge) ou com festas deliciosas e sensuais.

Festas de solstício

No hemisfério norte, na época em que o cristianismo se consolidava, o solstício de inverno ocorria em 25 de dezembro e o solstício de verão acontecia em 24 de junho. O dia 25 de dezembro, contradizendo o pleno frio e o fato de que se vive a noite mais longa do ano, marca o renascimento: a partir daquela data, o Sol - vagarosa e inexoravelmente - ampliaria o seu percurso diário, vencendo as trevas. O dia 24 de junho, que era o dia mais longo do ano, expressa o auge do convívio, da fertilidade e da alegria; é o momento de se alimentar com guloseimas e de se purificar saltando sobre uma fogueira em que se atiram substâncias com efeitos sobrenaturais. As festas de solstício, consagradas pela sabedoria pagã e pela filosofia grega, marcam a comunhão com a ordem universal, externa ao domínio humano. Os gregos festejavam os solstícios com bebedeiras homéricas e orgias dionisíacas.

São João (que é festejado no Brasil com fogueiras, quadrilhas, comida, bebida, danças, jogos e adivinhações) provavelmente rejeitaria o estilo dos festejos criados para homenageá-lo. As festas juninas (que têm no dia de São João o seu ponto alto) são dionisíacas, celebrando o mistério da renovação da natureza. Em dia de São João, os convivas não se preocupam com os dogmas do catolicismo, mas em reverenciar os ciclos existenciais dirigidos por uma ordem universal, anteriores ao cristianismo e à própria existência da espécie humana.

São João e o logos

São João era primo de Jesus e morreu degolado na Palestina. Em seu apostolado, decretou que o logos encarnou em um Homem-Deus, que se fez crucificar e ressuscitar para salvar a humanidade. Para São João, a imortalidade não é algo anônimo e universal: só podem ascender ao paraíso aqueles que fazem a opção, individual e consciente, que assumem certos comportamentos e que obedecem a determinadas prescrições. O logos, no evangelho segundo São João, deixou de ser usufruído de maneira universal e inexorável; nem todos irão se salvar, permanecendo integrados ao cosmos, à vida eterna. São João construiu barreiras, distanciando do paraíso aqueles que não seguem as prescrições do Verbo que se fez carne.

Cristianismo e paganismo

Rituais como beber, comer, pular fogueiras, dançar quadrilhas, são herdados pela sabedoria pagã e pela Filosofia grega. Ainda que haja as procissões e algumas manifestações cristãs, os rituais dionisíacos, típicos da cultura pagã, predominam no imaginário social


Por que o cristianismo (que se afasta tanto da ideologia pagã) se apropriou das datas reverenciais mais importantes do paganismo? Há dois motivos que, no decorrer da Idade Média, tornaram-se evidentes: facilitar a catequese dos pagãos e esvaziar ideologicamente suas comemorações. Assim se construiu a tríade maior das festas da cristandade: a Páscoa, que ocorre no primeiro domingo de Lua cheia após o equinócio de primavera; o nascimento de Jesus de Nazaré, convencionado para o solstício de inverno, 25 de dezembro; São João, coroando as festas juninas, em 24 de junho.

No que concerne à Páscoa, a Igreja atingiu seus objetivos: os sensuais rituais celtas e germânicos do equinócio foram substituídos pelo jejum, penitência, retiro e contemplação religiosa da quaresma. Mesmo que se afirme que as penitências tenham encolhido nos tempos atuais e que pouco resta além da atitude de abstinência em relação à carne vermelha (na Sexta Feira da Paixão), o espírito da quaresma norteia, ainda hoje, o comportamento de centenas de milhões de pessoas.

O Natal está escapando ao domínio ideológico da Igreja: os atos de consumismo, os presentes caros, as mesas fartas obscurecem, em muitos lares, o mistério do nascimento de Deus-homem. Até a ideia de confraternização migrou para a semana seguinte, em que se comemora o início do ano, de acordo com o calendário do Papa Gregório, o grande.

Mas não há como negar que a força dos rituais de alimentação, o arrasta-pé sensual, o "quentão", a vontade de adivinhar quem vai casar e o calor da fogueira indicam que, na batalha ideológica das festas de junho, a vitória é do sensualismo pagão. Santo Antonio tornou-se o legitimador de conjunções carnais; as procissões foram substituídas por quadrilhas; a roupa de caipira substituiu o traje litúrgico; heróis ibéricos, cavalhadas e os rojões que simbolizam as armas dos cavaleiros medievais ocupam os lugares que eram dos santos, dos martírios e da cruz.

No confronto do solstício do meio do ano, a Igreja perdeu para o paganismo. As festas juninas são rituais pagãos.


NEY VILELA é mestre em Comunicação Midiática e coordenador regional do Instituto Teotônio Vilela.
Revista Leituras da História

Concurso MINUTO ESCOLA - últimos dias das inscrições




Última semana do concurso “Minuto Escola” do Festival do Minuto
Inscrições até dia 20 de novembro


Nsse ano o Festival do Minuto abriu mais uma edição do “Minuto Escola”, concurso específico para alunos e professores dos Ensinos Fundamental e Médio. Os prêmios são de R$ 1.000 para os melhores videos.

A diferença dessa edição de 2013 para as anteriores é que agora aceitamos inscrições de alunos e professores de escolas públicas e particulares de todo o mundo.

Divididos em 3 categorias – alunos do Ensino Fundamental, alunos do Ensino Médio e Professores –, os interessados devem produzir um vídeo de um minuto com temática livre.

INSCRIÇÕES

As inscrições estão abertas e podem ser feitas até 20 de novembro.

Os alunos do Ensino Médio e professores devem se inscrever pelo site www.festivaldominuto.com.br; e alunos do Ensino Fundamental pelo www.minuteen.com.br

PRÊMIOS
1 prêmio de R$ 1.000 para a categoria Alunos do Ensino Fundamental (Minuteen)
1 prêmio de R$ 1.000 para a categoria Alunos do Ensino Médio 

1 prêmio de R$ 1.000 para a categoria Professores

ESCOLA DO MINUTO

Para ajudar, temos um portal na internet com dicas e aulas online sobre a produção de vídeos e linguagem audiovisual, o Escola do Minuto – www.escoladominuto.com.br

Sobre o Festival do Minuto

O Festival do Minuto é um evento que nasceu no Brasil em 1991 e que propõe a produção de vídeos de até um minuto de duração. Em 2007 tornou-se permanente e online, recebendo os vídeos pela internet. Periodicamente são lançados concursos com temas específicos e os melhores trabalhos são premiados. 
O que importa é fazer um vídeo com uma BOA IDEIA.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Jericó - Em busca da cidade bíblica


Pouco se sabe sobre a cidade de Jericó, descrita no Velho Testamento como a "Cidade das Palmeiras" e conhecida por ser o lugar do retorno dos israelitas da escravidão no Egito, liderados por Josué. Escavações descobriram 20 assentamentos, dos quais o primeiro data do ano 9000 a.C.
Sérgio Pereira Couto

De cima para baixo: restos do palácio de Herodes; e retrato da moderna Jericó em 1967

O que foi a mítica cidade de Jericó? Muito do que sabemos veio da Bíblia, mais precisamente de Josué, no Velho Testamento. Poucos sabem que se trata de uma verdadeira cidade da Antiguidade que, embora não possua o glamour de uma civilização mediterrânea, tem o seu valor para um melhor entendimento da região do Oriente Médio.
No século XIX, acreditava-se que a agricultura havia se desenvolvido no Vale do Nilo em aproximadamente 4000 a.C. e teria ocorrido quase simultaneamente ao desenvolvimento da cerâmica. O Neolítico (um termo que significa "pedra nova") foi associado à invenção desta última atividade.

A partir dos primeiros trabalhos ocorridos no local, a arqueóloga britânica Kathleen Kenyon (1906-1978) percebeu que havia camadas mais profundas por baixo das já conhecidas, datadas da Idade do Bronze. Assim, a cada vez que suas próprias escavações se aprofundavam, ela encontrou depósitos que remontavam ao Neolítico, o que provava que o sítio arqueológico era mais antigo do que se pensava. Porém não foram descobertos restos de cerâmica nas camadas mais modernas, embora fossem mais profundas. Assim foram estabelecidos dois períodos para identificação dos restos encontrados: o Neolítico Pré-Cerâmica A (NPCA) e B (NPCB). A conclusão a qual Kenyon chegara era a de que, apesar da falta de cerâmica, as camadas encontradas eram de comunidades de fazendeiros.
Seria essa a Jericó da Bíblia? Essa foi a dúvida que estava na cabeça de todos quando as primeiras amostras retiradas das escavações da arqueóloga foram enviadas para a Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, onde a tecnologia do radiocarbono havia acabado de se tornar disponível. Os resultados foram especialmente surpreendentes para ela e sua equipe: as amostras remontavam a um período estimado entre 8000 e 7000 a.C., muito antes da data de 4000 a.C. conhecida. Jericó havia sido ocupada por pessoas que cultivavam grãos milhares de anos antes, remontando ao período entre 9000 e 7000 a.C. Essas datas logo foram confirmadas por leituras de outros sítios arqueológicos e as escavações de Kenyon estabeleceram o começo da história da agricultura.

Vista aérea do sítio arqueológico de Jericó

Muralhas e Mortos

Apesar das provas que mudavam a concepção histórica sobre o início da atividade agricultural, os prédios da antiga Jericó e seus conteúdos foram ainda mais surpreendentes. Construções na quantidade descoberta pelos arqueólogos era algo completamente sem precedentes numa era tão longínqua. A camada do NPCA era cercada por um trincheira larga cavada no leito de pedra e uma muralha com aproximadamente 3,66 metros de altura e 2,74 metros de largura. Essa construção era complementada por uma torre de aproximadamente 7,62 metros de altura, feita de pedra talhada com uma escadaria interna que levava a um terraço plano.
O objetivo dessa torre e da muralha é discutido até hoje. Kenyon pensou se tratar de medidas defensivas, mas teorias mais recentes sugerem que se assim fosse, teriam como meta proteger o vilarejo de inundações e deslizamentos de terra e não de ataques de inimigos.

A área no interior das muralhas é grande e poderia conter cerca de 500 pessoas em qualquer período. As casas eram construídas com pedras ou tijolos de argila, eram redondas e parcialmente abaixo do solo. Na próxima camada, pertencente ao NPCB, as casas mudaram para o formato retangular, mas mantiveram os pisos de argamassa. Porém, as do NPCB eram polidas e pintadas.
Outro detalhe que chamou a atenção dos arqueólogos foi que os habitantes de Jericó do NPCB viviam literalmente com seus mortos. Kenyon foi capaz de escavar cerca de um décimo de toda a área, mas encontrou cerca de 276 buracos usados em enterros e todos eles eram associados às construções da cidade. Estavam nos pisos, entre as paredes, sobre as estruturas das casas e mesmo dentro da já citada torre. Poucos eram acompanhados por artefatos, mas muitos deles, principalmente os que continham corpos de adultos, não tinham os crânios, que eram enterrados em separado.

Grupos de crânios decorados foram identificados como sendo do período NPCB. Sete estavam em um único buraco, alguns estavam em casas e outros ainda sobre os pisos pintados e polidos. Suas faces foram modeladas com aplicações de gesso sobre os ossos e muitos não possuíam as mandíbulas, uma indicação de que podem ter sido colocados como decoração cerimonial depois de anos enterrados.
Por vezes moluscos eram colocados no lugar dos olhos e havia traços de outras decorações no gesso de alguns deles, que poderia ser para desenhar bigodes. Alguns dos crânios encontrados pareciam ter sido enterrados novamente enquanto outros eram conservados para mostrar nas casas, junto dos demais ossos que estavam nos buracos encontrados. Eram preparados com muito cuidado e a maioria dos crânios está em excelentes condições de preservação, o que indica que poderiam fazer parte de algum culto aos antepassados.

Períodos
Por fim, resta falar um pouco sobre o que se conhece dos períodos históricos de Jericó. O primeiro assentamento foi seguido por um (por volta de 6800 a.C.) que os arqueólogos dizem ser de um povo que teria absorvido os habitantes originais para dentro da cultura então predominante. Na metade final da Idade do Bronze Médio (por volta de 1700 a.C), a cidade já tinha prosperidade o suficiente para ter seus muros expandidos e reforçados. Foi destruída por volta de 1550 a.C., e o local ficou abandonado até ser reutilizado no século IX a.C.
Pouco depois, houve uma invasão assíria, seguida por uma babilônica. Jericó ficou novamente sem habitantes entre 586 e 538 a.C., perío do do exílio babilônico. O rei persa Ciro, o Grande, refundou a cidade distante um quilômetro e meio a sudeste do seu local histórico no monte Tell es-Sultan.

Sob domínio persa a cidade foi um centro administrativo e serviu como sede para Alexandre, o Grande, após sua conquista da região entre 336 e 323 a.C. Passou para o domínio helênico em meados do século II a.C. e foi arrendada por Herodes de Cleópatra, após a rainha egípcia tê-la recebido como presente de Marco Antônio.
Após a queda de Jerusalém pelo exército de Vespasiano em 70 d.C., Jericó declinou rapidamente, e apenas em 100 d.C. a cidade foi uma pequena guarnição romana. Outros períodos se seguiram, mas o mistério sobre quem seriam seus primeiros habitantes, bem como seus hábitos tão peculiares, ainda persiste até que novas evidências sejam descobertas.


Para saber
SANTON, Kate. Archaeology - Unearthing the Misteries of the Past. Parragon Publishing, 2007.
BARTLETT, John. Jericho. Taunton Press, 2005.
MITCHELL, T.C. Biblical Archaeology - Documents for the British Museum. Cambridge USA, 1988.
Revista Leituras da História

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O Segredo dos Anos Bissextos

Reforma do calendário, em 1582, introduziu um dia a mais em fevereiro para evitar desencontros entre o ano solar e o calendário oficial
Paulo Sergio Bretones

©daniel m. silva/ Shutterstock


Estamos num ano em que fevereiro tem 29 dias, o que ocorre a cada quatro anos. Para entender isto, é importante lembrar o conceito de ano, ou seja, o tempo que a Terra leva para dar uma volta ao redor do Sol. Na Antiguidade, o ano era contado pelo intervalo de tempo decorrido entre duas passagens consecutivas do Sol pelo equinócio vernal, ponto no céu onde o Sol cruza o equador celeste saindo do hemisfério sul indo em direção ao norte. Essa passagem ocorre próximo ao dia 21 de março, no início da primavera do hemisfério norte.

O ano dura aproximadamente 365,25 dias, ou seja, cerca de 365 dias e 6 horas, e assim normalmente os anos têm 365 dias e a cada 4 anos soma-se um dia para acertar esta diferença. E por que se escolheu o mês de fevereiro para esse acerto?

O calendário que utilizamos vem dos romanos, que inicialmente adotavam um ano de 304 dias e 10 meses: martius, aprilis, maius, junius, quintilis, sextilis, september, october,november e december. Com o tempo, a contagem dos dias doano foi ficando defasada e na época do imperador Numa Pompílio, no século 7 a.C., estava atrasada em 51 dias em relação ao início das estações. Pompílio então criou mais 2 meses: janeiro e fevereiro, e o ano passou a ter 354 dias. Além disso, criou um 13o mês, intercalado para adequar o calendário às estações do ano. Esse mês, chamado de mercedonius, era intercalado entre 23 e 24 de fevereiro, no fim do ano na época, que se iniciava em março. Ocorre que esse mês apenas existia quando fosse do interesse do governante de cada cidade.

Ainda assim, sob o reinado de Caio Júlio César (100-44 a.C.), as intercalações do 13º mês eram feitas de maneira tão desorganizada que em 46 a.C. o calendário solar tinha uma defasagem de 80 dias em relação ao início das estações. Então Júlio César chamou o astrônomo e filósofo egípcio Sosígenes, da Escola de Alexandria, para uma reforma no calendário. Dessa forma, o ano de 46 a.C. passaria a ter 80 dias a mais, ou seja, 445 dias; e por isto foi o chamado “Ano da Confusão”.

Assim, no chamado “calendário juliano”, o ano passou a ter início no dia 1º de janeiro, tendo 365 dias e 1/4, divididos em 12 meses de 30 e 31 dias, com exceção de fevereiro, que tinha 28 dias, passando a 29 nos chamados anos bissextos aos quais a cada 4 anos seria somado 1/4 de dia, perfazendo um dia a mais, ou seja, um ano com 366 dias.

Mas o curioso é que este nome não vem do fato de que seus 366 dias terminam em dois 6. O dia do início de cada mês no calendário romano era chamado “calendas” e o dia mais importante era 23 de fevereiro, isto é, o sexto dia antes das calendas porque o último mês do ano era fevereiro. Então, nesse dia sagrado e em homenagem ao deus Termo, ou Terminus, celebravam- se em Roma festas de grande animação popular. Trocavam- se presentes, libertavam-se escravos, promoviam-se espetáculos de gladiadores no circo, as famosas termálidas (algo parecido com o que chamamos de carnaval). César queria introduzir um dia a mais que levaria o nome de mercedônio em fevereiro em homenagem a Fébrua, a deusa da purificação (daí o nome fevereiro). Mas como explicar ao povo que o sexto, o dia mais sagrado para eles, deixaria de ser sexto, porque a cada quatro anos haveria um sétimo? A solução não foi difícil: o dia mercedônio que seria inserido foi considerado um “adendo” e chamado de “bis sexto” – ou seja, mais um sexto. Em outras palavras, o dia intercalado seria o 24 de fevereiro, ou seis dias antes das “calendas” de março. Assim, esse dia era contado duas vezes (bis), sendo chamado de “bissextus ante calendas martii”, que, com o tempo, passou a ser “bissexto”. Dessa forma, fevereiro ficaria com 29 dias.

No calendário juliano, o mês quintilis passou a chamar-se julius, em homenagem ao imperador. Posteriormente, o mês sextilis passou a se chamar augustus em homenagem a Augusto, outro imperador romano, que aperfeiçoou o calendário juliano. Mas, dizem, como era muito orgulhoso, não quis que o mês a ele dedicado – augustus, ou agosto – tivesse menos dias que julho, que homenageava Júlio César. Então, “roubou” mais um dia de fevereiro, que ficou com 28 dias, e passou- o para agosto, que ficou com 31 dias.

Ocorre que, mesmo sendo mais preciso que os anteriores, o calendário juliano ainda não era exato. Em 1582, já acumulava um atraso de dez dias em relação ao ano solar. Foi então que o papa Gregório 13, seguindo os conselhos de astrônomos, resolveu corrigir de vez a diferença entre o calendário oficial e o solar. Isso ocorreu porque, na verdade, o chamado ano solar tem 365,242199 dias. Se fizermos a decomposição deste número em parcelas teremos: 365,242199 = 365 + 0,25 - 0,01 + 0,0025 - 0,007801, que pode ser escrito em frações: 365,242199 = 365 + 1/4 - 1/100 + 1/400 - 1/3300. Em outras palavras, o ano tem 365 dias, deve-se somar 1 dia a cada 4 anos, diminuir 1 dia a cada 100 anos, somar 1 a cada 400 anos e finalmente eliminar 1 dia a cada 3.300 anos.Assim, naquela época, o papa começou eliminando sumariamente os dez dias de atraso. Depois, estabeleceu que os anos de virada de século (1800, 1900 etc.) que fossem múltiplos de 100 não seriam bissextos, exceto quando fossem também múltiplos de 400. Dessa forma, retirava-se 1 dia a cada 100 anos e adicionava-se 1 a cada 400 anos. Por isso, o ano 2000 foi bissexto por ser múltiplo de 400. Com essa providência, o calendário chamado “Gregoriano” só acumula um dia de erro a cada 3.300 anos solares. 
Scientific American Brasil

domingo, 3 de novembro de 2013

Monarcas gays

Conheça os monarcas gays que governaram antes do surgimento do conceito de homossexualidade

Mauro Tracco, de Barcelona
Os moralistas da Idade Moderna definiram uma hierarquia para os pecados relacionados à luxúria. Do menos grave ao mais nefasto, a ordem era a seguinte: simples fornicação, prostituição, estupro, adultério, incesto, sacrilégio com um sacerdote, sacrilégio com uma monja e, por último, o pecado que mais ofendia a Deus, a sodomia. O pecado contra natura, ato sexual que não tinha como único fim a procriação, era considerado uma afronta direta ao Criador. Apesar disso, muitos dos monarcas que governaram amparados pelo Direito Divino foram adeptos do mais proibido dos prazeres. Para o historiador Miguel Cabañas Agrela, autor do livro Reyes Sodomitas, além de casos notórios, como o de Jaime I da Inglaterra, existem vários documentos que sugerem que figuras como o francês Luís XIII e Frederico II, da Prússia, também tiveram amores masculinos.
O Renascimento tirou a humanidade da Idade das Trevas ao recuperar referências culturais e artísticas da antiguidade clássica.  Paradoxalmente, “a Idade Moderna foi o período da história ocidental em que a sexualidade em geral, e a homossexualidade em particular, foram mais perseguidas pela Igreja e pelo Estado”, afirma Cabañas. Na Idade Média o “pecado impronunciável” já era considerado um vício atroz, mas as leis para punir quem desafiasse a suposta ordem natural das coisas foram criadas só na Idade Moderna, quando a sodomia passou a ser um crime contra o Estado. Assim como aconteceu com as bruxas, o castigo era a fogueira, para purificar o que era tido como maligno. Mas em tempos de monarcas absolutistas, quem tinha poder para punir o rei? “Nenhum tribunal ousaria comprometer um rei por questões referentes à sua vida privada. Não faltavam fofocas, mas as acusações eram feitas na esfera privada”, diz Cabañas.
O historiador Matt Cook, da Universidade de Londres, ressalta que nessa época não existia o conceito de homossexualidade, que só surgiu no século 19. “Durante a Renascença, muitos homens faziam sexo entre si, sem que isso fosse visto como sinal de identidade diferenciada ou de uma subcultura. A maioria mantinha relações íntimas também com mulheres.” Independentemente do que acontecia entre as paredes dos aposentos reais, quase todos os monarcas honraram sua principal obrigação em vida: casar e gerar descendência. “Mas as relações homossexuais podiam ser usadas para minar o monarca”, afirma Cook.
Em uma sociedade de corte, criar vínculos com figuras do alto escalão era a principal estratégia de ascensão. E contar com o afeto do rei era como ganhar na loteria. Alguns soberanos adotaram essa política de promoção sem disfarçar o favorecimento a cortesãos jovens.
Guilherme III da Inglaterra (1650-1702) (Imagem: Wikemedia Commons)
Jaime I da Inglaterra (1566-1625) (Imagem: Wikemedia Commons)

Os "reis no armário"
Rainha Cristina da Suécia (1626-1689) - O traço mais marcante da soberana foi a necessidade insaciável em ser diferente. Suas peculiaridades sexuais faziam parte desse afã em se distinguir dos demais. Culta e inquisitiva, Cristina usava roupas masculinas e nunca quis se casar para não estar sujeita a nenhum homem. Entre os muitos casos que teve estão um cardeal e uma bela cortesã chamada Ebba Sparre.
Luis XIII da França (1601-1643) - Não existem provas definitivas da preferência sexual de Luis XIII, que aparentava mais ser assexuado do que homossexual. Apesar de sua indiscutível retidão moral, era tímido e inseguro. Essa falta de confiança o levava a buscar refúgio na companhia de homens com personalidade forte. Ciente disso, o cardeal Richelieu tratou de arranjar amizades masculinas que mantivessem o rei distraído enquanto ele tomava as rédeas do governo francês.
Frederico II da Prússia (1712-1786) - O rude Frederico Guilherme I se empenhou em transformar seu filho em um líder viril. Mas os soldados designados para ensinar o herdeiro acabaram tornando-se amigos muito mais próximos do que gostaria o pai. Em tempos de paz, Frederico II quase não saía do Templo da Amizade, palácio frequentado exclusivamente por homens. Exemplo de déspota esclarecido, aboliu a pena de morte para delitos de sodomia.
Papa Júlio III (1487-1555) -  Escandalizou o mundo católico ao nomear cardeal o seu cuidador de macacos, um jovem de 17 anos. Segundo relatos, a total falta de vocação sacerdotal do garoto contrastava com seus óbvios atributos físicos. A nomeação foi a forma encontrada por Júlio III para justificar a presença de seu favorito dentro dos muros sagrados do Vaticano. As más línguas chamavam o jovem cardeal de “o macaco do papa”.
Jaime I da Inglaterra (1566-1625) -  Quase nenhum historiador discute a homossexualidade de Jaime I. Aos 13 anos, teve um romance com seu tio, 24 anos mais velho. Idoso, preferia a companhia de rapazes. Foi visto em público aos beijos e abraços com outros homens e sobrepôs seus sentimentos aos interesses do reino.
Henrique III de Valois (1551-1589) - Entrou para a história como o “rei dos mignons”, como era conhecido o bando de atraentes jovens que estavam sempre ao seu lado. Fez questão de desenhar o vestido e de pentear sua noiva no dia das bodas. Era entusiasta do transformismo e sua corte ficou conhecida como a mais refinada e libertina da Europa.
Guilherme III da Inglaterra (1650-1702) - Criado pela avó, Guilherme de Orange teve ao longo da vida companheiros inseparáveis. Desde a adolescência, manteve uma relação especial com o nobre holandês Hans Bentinck. A amizade de 30 anos foi traída quando Guilherme fez do jovem Arnold van Keppel, de 18 anos, seu novo favorito. A revolta de Bentinck foi tão evidente que os fofoqueiros da corte não tardaram em apelidá-lo de “velho cornudo”.
Saiba mais
Livro
Reyes sodomitas: Monarcas y Favoritos en las Cortes del Renacimiento y Barroco, Miguel Cabañas Agrela, Editora Egales, 2012
 Revista Aventuras na História

IDADE MÉDIA - OS POBRES COMO MINORIA NECESSÁRIA


Prof. Dr. Cyro de Barros Rezende Filho
Professor da cadeira de História Antiga e História Medieval
Universidade de Taubaté.

Na civilização cristã que floresce na Europa, uma categoria específica de pobres emerge como minoria: aquela necessária à prática da caridade. Os pobres adquirem, na ótica cristã do período, um caráter de funcionalidade: sempre devem existir pobres, para que os “não-pobres”
possam assisti-los, qualificando-se como bons cristãos. Não se pode erradicar a pobreza! O que na Antiguidade era generosidade, na forma de donativos distribuídos pelo Estado Romano (anona), tornou-se, com o cristianismo, caridade, que, juntamente com a fé e a esperança, compõe as virtudes teologais.
Os Padres da Igreja, que nos primeiros séculos sistematizaram a doutrina cristã, filtraram as noções pagãs de humanidade e adaptaram-nas ao princípio da caridade, dando origem aos conceitos medievais de pobreza e misericórdia. Seguindo as palavras de São Paulo, “Cristo sendo rico, se fez pobre por vós, a fim de que fôsseis ricos pela sua pobreza” (idem, II, Cor, 8-9), deram à concepção cristã da caridade uma abrangência que transforma a humildade espiritual em um impulso em direção a Deus, enquanto procuravam aliviar a humilhação material e social dos pobres. São João Crisóstomo escreveu que “Oferecer um copo de água é oferecer um cálice precioso [...] Não honreis a hóstia com vestidos de seda [...] Honrar igrejas suntuosas é zombar de Deus, desprezando-o nos pobres”; Santo Ambrósio de Milão afirmou que “O desprezo pelo pobre é um assassinato”; Gregório de Nissa exortou a que, coletivamente, “[...] alimentemos, vistamos Cristo”; São Jerônimo dizia que o bom cristão “[...] deveria seguir nu, o Cristo nu”; e Santo Agostinho formulou a definição lapidar “[...] do supérfluo do rico como sendo o necessário do pobre” (MOLLAT, 1989, pp. 21-23).
Essa nova concepção de caridade incorporou-se como parte integrante da doutrina cristã, e passou a refletir a prática do cotidiano. Em um episódio passado no século IV, há uma passagem emblemática, na qual São Martinho de Tours, cavaleiro romano, corta com um golpe de espada seu capote, para dar metade dele a um mendigo, às portas da cidade de Amiens. Episódio pleno de símbolos. Era uma sublimação da pobreza, na medida em que o indigente socorrido representava o próprio Cristo. Era também um incentivo à prática da caridade, dirigido, por intermédio de Martinho, àqueles que, possuindo um cavalo e estando armados de uma espada, dispunham de fortuna, poder e força. A simbologia completa-se com o local do episódio: a cena passava-se às portas de uma cidade, o ponto de encontro entre campo e cidade, entre os universos rural e urbano.
Dessa forma, viu-se, no ocidente, a Igreja afirmar que os bens materiais que possuía, na
verdade, formavam o patrimônio dos pobres, enquanto o bispo passou a representar o duplo papel de pastor e de pai dos pobres. O Concílio de Orleans (511) decretou que os bispos reservassem ¼ de seus rendimentos às necessidades dos pobres, enquanto o Concílio de Mâcon (585) proibiu os bispos de se cercarem de cães de guarda, para não mais impedir que os necessitados deles se aproximassem (HEFELE, 1911, III).
Na prática, as igrejas passaram a elaborar listas dos pobres a serem assistidos em cada paróquia, conhecidas como matricula. Em Reims, já em 470, e em Laon, em 490, aparecem listas de matriculados. Por volta de 590, o bispado de Metz arrolava 726 pobres de suas diversas paróquias, que recebiam, mensalmente, doações de trigo, vinho, toucinho, peixe, azeite, queijo e legumes (BRÉHIER, 1936, IV).
A Vida de Santo Elói, obra que cobre o período 588-660, traz uma passagem lapidar: “Deus
teria podido fazer todos os homens ricos, mas quis que houvesse pobres neste mundo para que os ricos tivessem uma oportunidade de redimir seus pecados” (MIGNE, 1885, 87, col. 533). Trata-se da dialética da pobreza.
Com a progressiva ruralização europeia e a corolária decadência das cidades, os bispos vão sendo substituídos pelos monges, como os principais atores da prática da caridade cristã. Os
mosteiros beneditinos, inseridos em um contexto rural, passam a atender aos pobres que já não se encontravam majoritariamente nas cidades. O monge, voluntariamente o pobre de Cristo (pauper Christi), passa a atender aos pobres involuntários (pauperes inviti). A hospitalidade beneditina torna-se lendária. Ricos, pobres, viajantes, peregrinos, todos, sem distinção, recebem, ao menos, acolhida por uma noite e duas refeições, sendo os necessitados alojados na hospedaria dos pobres (hospitale pauperum), o que já denota uma clara distinção social. E, no século IX, o monge encarregado da admissão de estranhos no mosteiro, o porteiro, passou também a ser o encarregado da administração do celeiro, sinal inequívoco dos tempos.
Aos poucos, institucionalizou-se a distribuição de esmolas pelos mosteiros, com a criação da figura do monge esmoler. Entre suas atribuições estava a de recolher todas as sobras das refeições dos monges, para distribuí-las aos pobres. As datas significativas do calendário cristão, como o Natal, a Páscoa, o dia de Todos os Santos, tornam-se ocasiões de distribuição generalizada de víveres aos necessitados (GOGLIN, 1976, pp. 61-66).
É interessante observar que a instauração da ordem feudal ocasionou a superação da oposição pobre-poderoso (pauper-potens) e fez nascer outra, pobre-cavaleiro (pauper-miles). A carência básica dos pobres passou a ser a de justiça e produziu a união de pobres-monges-bispos, em torno de um objetivo comum: “civilizar” a prática da guerra. Por volta de 990, a Igreja conseguiu impor à sociedade feudal a Paz de Deus, que resguardava, das agressões dos
cavaleiros, os considerados indefesos (inermis), tais como monges, padres, freiras, pastores, crianças, viúvas, mercadores, peregrinos e aqueles que iam ou voltavam da missa. Paralelamente, difundiu-se a aceitação da idéia de que os edifícios das igrejas eram um santuário, sendo banida toda violência, em seus interiores. E, a partir do século XI, a Igreja vai insistir na obediência à Trégua de Deus, uma nova concepção que proibia as lutas e os ataques, do entardecer das sextas-feiras, ao amanhecer das segundas-feiras, durante o Natal, a Páscoa e a Quaresma, fazendo do derramamento de sangue, nesses períodos, um pecado mortal (REZENDE FILHO, 1995, p. 26). A Igreja passou, portanto, a resguardar da violência, endêmica na época, a multidão anônima de indefesos (multitudo inermis vulgi), que compunha a população do ocidente europeu, então majoritariamente rural.
Ao se fazer um balanço do período, pode-se afirmar que a funcionalidade da pobreza foi garantida e assegurada pela ação da Igreja, tanto no campo teórico, como na atuação prática. Mas as distorções avolumavam-se e seriam sentidas nos séculos XII-XIII.
Parte integrante do texto: OS POBRES NA IDADE MÉDIA: DE MINORIA FUNCIONAL A EXCLUÍDOS DO PARAÍSO
REVISTA CIÊNCIAS HUMANAS – UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ (UNITAU) – BRASIL – VOL. 1, N. 1, 2009.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

IDADE MÉDIA - A JUSTA IRA DOS POBRES




Prof. Dr. Cyro de Barros Rezende Filho
Professor da cadeira de História Antiga e História Medieval
Universidade de Taubaté.
Os séculos XIV e XV são uma época de turbulência para a Europa. Paralelamente à ocorrência generalizada de uma crise tríplice, agrária, demográfica e monetária, somam-se guerras incessantes e o rompimento do equilíbrio da cristandade medieval (Grande Cisma), que eram um prenúncio da crise estrutural do feudalismo. A característica social da época foi a eclosão de numerosas revoltas populares, tanto no campo, como nas cidades, quando os pobres se rebelaram contra a ordem estabelecida, explodindo em justa ira.
Houve uma pauperização progressiva, quer dos camponeses e rendeiros rurais, quer dos trabalhadores urbanos, o que ocasionou uma confluência de carências. Ao lado da dura luta pela sobrevivência, muitas vezes infrutífera, somou-se a falta de justiça, de paz e mesmo de esperança, uma vez que mais e mais pessoas eram atingidas pela pobreza. A posse de um lote de terra, ou de uma colocação laboriosa, deixou de ser a garantia de uma vida digna ou mesmo de sobrevivência, na medida em que a crise estrutural do feudalismo engolfava o corpo social e que o estado de pobreza se alastrava de forma incontrolável, abraçando a todos.
O resultado foi um período de violência endêmica, cuja característica básica foi uma generalizada revolta dos pobres, por toda a Europa. No campo, essas revoltas receberam a denominação de jacqueries, devido à presença massiva dos “Jacques” (homens comuns, homens do povo). Tiveram um caráter anti-senhorial e, por vezes, até anticlerical. Nas cidades, foram dirigidas contra a camada dirigente, o patriciado urbano (FOSSIER, 1970, p. 339s). No universo rural, registram-se revoltas na Borgonha (1308), na Flandres (1323 e 1328), no norte da França, Lombardia e Renânia (1358), na Inglaterra (1381 e 1408-1420), na Catalunha (1391 e 1410 –1414), na Jutlândia (1411), na Dinamarca (1436) e na Noruega, em 1438 (HEERS, 1970, pp. 114-120). E no contexto urbano ocorreram levantes populares em Bruges (1302), em Toulouse (1320 e 1356), nas cidades de Gand, Louvain, Maastricht e Bruxelas (1380), em Londres (1381), em Paris (1382, 1413 e 1418), em Worms, Spira, Francfurte e Mogúncia (1383) e em Florença, em 1378 e novamente em 1478 (ARAGONESE, 1948, p. 32s).
A origem dessas revoltas está no desconforto que a pobreza causa, na injustiça de sua imposição e na vergonha que ela ocasiona. Nas palavras de John Ball, o líder da grande sublevação inglesa de 1381, com base no dito popular “A bondade desconhece os ricos, que obrigam todos os homens a serem pobres”, encontra-se claramente expressa a constatação que segue:

E se todos nós descendemos de um mesmo pai e de uma mesma mãe, Adão e Eva, como podem os senhores afirmar e provar que eles são mais senhores do que nós – salvo que eles nos obrigam a cavar e cultivar a solo para depois virem esbanjar o que produzimos? Eles vestem-se com veludo e cetim, adornam-se com peles de esquilo, enquanto nós nos cobrimos com trapos. Eles têm vinhos, especiarias e pão fino, ao passo que nós temos apenas centeio, farinha estragada e palha, e só água para beber. Eles possuem lindas residências e feudos, enquanto para nós há trabalho e tributação, sempre nos campos debaixo da chuva e da neve. Mas é de nós e do nosso trabalho que provém tudo aquilo que mantém a pompa deles (LINDSAY, 1950, pp. 23 e 46-47).

É desnecessário dizer que a repressão a esses movimentos revestiu-se de caráter violentíssimo, impondo, nas regiões afetadas e nas cidades sublevadas, uma verdadeira paz de cemitério. Em um encontro de interesses comuns, a Igreja facilitou a ação dos poderes instituídos, atribuindo a característica de heresias a muitas dessas revoltas populares, o que facilitou a ação do braço secular.
Mas não foi apenas a Igreja Católica que se posicionou em favor da lei e da ordem. O próprio Martinho Lutero agiu no sentido de apoiar os príncipes contra os pobres em revolta, no episódio conhecido como a Guerra dos Camponeses (1524-1525), que atingiu uma Alemanha já caótica pela ação da Reforma. Afirmando que “Há que estrangulá-los. Há que matar o cão enraivecido que se lança contra ti: se não, ele te matará” (DELUMEAU, 1973, p. 44), ele abençoou o massacre de mais de cem mil camponeses.
Triste desfecho, para uma categoria social que iniciou sua trajetória no universo medieval desempenhando um papel funcional fundamental à existência dos bons cristãos.
Parte integrante: OS POBRES NA IDADE MÉDIA: DE MINORIA FUNCIONAL A EXCLUÍDOS
DO PARAÍSO 

 REVISTA CIÊNCIAS HUMANAS, UNITAU. Volume 1, número 1, 2009.