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Natália Pesciotta
Extraterrestres, fantasmas, seres fantásticos. Neste ou em outros tempos, criaturas sobrenaturais dão o que falar. Prepare alho, figas e repelentes. Mal-assombros estão à solta.
Ao que tudo indica, seres sobrenaturais sempre rondaram este pedaço da Terra. Os primeiros europeus que chegaram por aqui deram de cara com criaturas fantásticas nos mares, segundo relatos. A mitologia indígena e, mais tarde, a africana, só engrossou o caldo de mistérios trazidos pelos portugueses. Sejam de outros planetas, outras dimensões, da mitologia ou das profundezas do inferno, essas criaturas habitam nosso imaginário desde sempre.
Engana-se quem pensa que os mal-assombros estão fadados ao ostracismo no mundo contemporâneo. Os casos vão adequando-se ao tempo. Se no século 19 era comum ler sobre aparições de fantasmas nos jornais diários, os anos 1970 um periódico vendeu milhares de exemplares ao noticiar o nascimento de um bebê-diabo.
Divulgadas por fé ou má-fé, qualquer época tem histórias fantásticas que encontram eco. Para este Almanaque, mais importante do que a veracidade do que o povo conta é saber o que o povo conta. Assombrações, magias e encantamentos são parte consistente da cultura popular. Ao contrário do que se costuma pensar, ela não fica confinada nas enciclopédias de folclore. A cultura vive e se transforma a cada dia.
Até Gilberto Freyre, um de nossos principais intelectuais, enveredou pelo mundo das assombrações. Quando era diretor do jornal A Província, decidiu publicar uma série de artigos sobre casos conhecidos no Recife antigo. A quem se surpreendia com o interesse de um sociólogo pelo assunto, alegava: “Não há contradição radical entre Sociologia e História, mesmo quando a História deixa de ser de revoluções para se tornar de assombrações”.
A conclusão de Freyre, que bem poderia ser a mesma desta matéria, foi a seguinte: “Grande parte dessas sugestões terá sido simples crendice, superstição, histeria até. Outra parte, porém, não se deixa facilmente explicar pelo simplismo cientificista: retém seu mistério”. Então vamos aos fatos, factoides e mentiras deslavadas. Não só do Recife, mas dos quatros cantos.
ET de Varginha estaciona nave em pontos de ônibus
Primeiro, cidadãos viram objetos não identificados no céu. Depois, três meninas avistaram um alienígena encostado num muro. Nesse dia de chuva de 1997, vários caminhões do exército rodaram a cidade e, à noite, uma criatura de outro planeta finalmente chegou ao hospital, conduzida pela polícia. Foi essa a história
que colocou Varginha no mapa-múndi da ufologia mística e científica.
A polícia e o exército, no entanto, desmentem a operação secreta que teria capturado um óvni. Em 2010, 13 anos depois, divulgou-se um inquérito que explica o caso: os carros do exército saíram apenas para ir à manutenção, não para realizar uma missão secreta. A criatura vista pelas meninas teria sido um morador da cidade conhecido como Mudinho, agachado e sujo de terra. “Por argumento de causa e efeito, não tendo a criatura, não houve captura”, completa o redator do inquérito.
Pelo sim, pelo não, o caso garantiu fama ao município mineiro. Hoje o ET de Varginha é o mascote da cidade. Está nas praças e é a estatueta do festival de cinema local. Lá, até os pontos de ônibus têm forma de disco voador.
Chupa-cabra anda por portais interdimensionais
Sabe-se da existência do chupa-cabra desde o fim dos anos 1990, quando cabras começaram a aparecer mortas e sem sangue. As descrições de quem viu a criatura falam de um ser de grande porte, com espinhos nas costas e assustadores olhos brilhantes.
Segundo as versões existentes, pode ser de outro planeta, um inseto transmutado e até uma experiência da CIA que fugiu do controle. Acredita-se que veio de Porto Rico para o Brasil, e daqui para os Estados Unidos. Sempre por um portal interdimensional – certamente o departamento de imigração norte-americano não lhe concederia visto de entrada.
Fantasma do palácio alerta que vem coisa ruim
O vulto que eventualmente dá o ar da graça na sede do governo pernambucano, o Palácio do Campo das Princesas, não vem a passeio. Pelo menos é o que diz Gilberto Freyre no livro Assombrações do Recife Velho. Sempre que aparecia, diziam os funcionários do palácio, algo de ruim estava para acontecer. Um funcionário relatou a Freyre que, nos últimos tempos, vinha vendo o vulto constantemente. Quando os dois saíram fugidos do palácio, na batalha da Revolução de 1930, o funcionário lembrou: “Eu não lhe disse que o vulto do salão nobre vinha anunciando desgraça?
Apareceu a Zé Bezerra, que morreu pouco depois. Apareceu a Barbosa antes do cozinheiro Zé Mariano espalhar veneno na fritada. E há meses que vinha aparecendo”.
Mistério capixaba
Numa paradisíaca praia de Guarapari, no Espírito Santo, turistas costumavam ter visões de barcos e pescadores e ouvir sons de praia agitada durante a noite, apesar do lugar estar vazio. Os moradores, assustados, chamaram religiosos para benzer o local. Dizem que é por isso que se chama Praia dos Padres.
Zé do Caixão desafia o vampiro de Osasco
“Vampiro de Osasco mata e bebe o sangue de 11 cachorros”. O jornal paulistano Notícias Populares não teve pudores ao vender a história, que começou com essa manchete e continuou por dias com novas notícias sobre os feitos da entidade.
Só que, uma semana depois, o caso precisava de um desfecho. Um delegado colocou a jaguatirica do zoológico de São Paulo na viatura, ligou as sirenes e andou por Osasco, apregoando ter desvendado o caso – o vampiro não passava de um felino.
Como a história não caiu nas graças dos leitores, o NP então apelou: “Zé do Caixão desafia o vampiro de Osasco”.
O jornal realmente enviou José Mojica Marins para a cidade. Fotografou-o no cemitério, em procissão para espantar o vampiro e tudo. No fim das contas, Zé do Caixão teria descoberto que a história não passava de uma farsa. Em entrevista exclusiva à gazeta, revelou que espertinhos estavam assustando as pessoas de boa-fé com dentaduras de vampiro.
Bebê-Diabo nasce em São Paulo
Era esta a manchete do Notícias Populares de 11 de maio de 1975. Um jornalista da casa ouviu falar de um bebê que havia nascido com pelos num hospital paulista e resolveu caprichar nos detalhes: “Um monstrinho horripilante, peludo, que ao falar parecia estar mugindo”. Ao sair da barriga da mãe, a criança infernal teria dito: “Dá pra fechar a janela? Ou fecham ou eu mato a todos”.
Em uma das dezenas de capas que a história ocupou, um taxista relatava ter parado o carro para o bebê, que, quando entrou no veículo, ordenou: “Toca para o inferno!”.
Depois de dobrar as vendas do jornal para 150 mil exemplares diários, acriatura teria fugido para o Nordeste. Animado com os números, um jornal pernambucano não perdeu a deixa: “Bebê-Diabo chega a Recife”.
Fantasmas de teatro não respeitam hora de ensaio
É difícil encontrar por aí um teatro histórico que não seja frequentado por almas penadas. Alguns costumam ter seus fantasmas fixos. O cearense José de Alencar e o Teatro Amazonas, em Manaus, têm residentes especiais.
No de Fortaleza, a assombração não só aparece constantemente, como faz piruetas e outros passos de balé. Segundo funcionários e visitantes, trata-se de uma encantadora bailarina, com vestido azul e longos cabelos.
Não some sem antes dizer: “Eu preciso ensaiar”.
Já o do Amazonas costuma tocar piano. Geralmente, quando aparece no palco, ouve-se ecoar a 5ª Sinfonia de Beethoven, sua peça preferida.
Contra lobisomem, vá de crucifixo ou repelente
Em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, houve rumores de que um lobisomem estava à solta em 2007. O padre da cidade não teve dúvidas. Espalhou entre os habitantes crucifixos pintados de vermelho, como se estivessem ensanguentados.
Afirmava que o objeto afugentava o “Homem da Capa Preta”. Mas a proteção contra a mistura de homem com lobo pode também ser mais prazenteira. Em Joanópolis, cidade paulista conhecida como a capital do lobisomem, é fácil encontrar Repelente de Lobisomem. Trata-se de uma cachaça, e das boas.
Bilu se comunica em interface amigável
O ET Bilu ficou famoso recentemente ao aparecer em reportagem de tevê dando conselhos à humanidade: “Busquem conhecimento”.
As cenas foram feitas na fazenda do Projeto Portal, que estuda a “ciência paralela”, em Corguinhos, Mato Grosso do Sul. Segundo os ufólogos responsáveis, Bilu é líder de uma raça extraterrestre chamada Laquin, que tem base na fazenda.
Na reportagem, Bilu pede que a equipe chegue mais perto, sem sucesso. Os ufólogos explicam que a criatura precisa sintonizar os humanos para se comunicar. E que é preciso ter hábitos especiais para entrar em sintonia –
não tomar refrigerante, beber ou fumar, por exemplo.
Bilu quer mostrar que extraterrestres não são daquele jeito que se desenha, por isso apareceu na televisão. Teria dito: “Não se confundam. Eu estou usando a personalidade de uma criança, meio lúdico. Não sou uma criança imatura. Eu estou usando essa interface amigável para relaxar vocês”.
Escravos penados nunca deixam Diamantina
Almas penadas que pedem missa, dão pista de tesouros ou simplesmente aterrorizam os moradores. No século 19, jornais de Diamantina, em Minas Gerais, constantemente publicavam reportagens sobre a presença de fantasmas na cidade.
Em 1983, espalhou-se o medo de um ladrão que, procurado pela polícia, se transformava em cupim – se estivesse no mato – ou em vassoura, caso estivesse escondido dentro de casa. Só uma voz pareceu para negar as aparições: a do senador Joaquim Felício dos Santos, figura importante na época, que escreveu o artigo Os Invisíveis.
Os mais crentes em explicações sobrenaturais, no entanto, acreditam que o Vale do Jequitinhonha não é pouco desenvolvido à toa. Os suplícios sofridos pelos escravos negros nas minas de ouro teriam amaldiçoado para sempre a região.
Procissão de mortos avisa quem será o próximo
Os moradores de Diamantina costumavam ouvir uma procissão de escravos e escravas que arrastavam pesadas correntes pela rua das Mercês, até se dissiparem na altura da igreja. Há quem conte a história até hoje. Escutar não tem problema. Mas só enxerga a procissão quem vai morrer naquele ano.
SAIBA MAIS
O Livro dos Fantasmas, de Viriato Padilha (Spiker, 1956).
Nada Mais que A Verdade – A extraordinária história do jornal Notícias Populares (Carrenho, 2002).
A Bailarina Fantasma, de Socorro Accioli (Biruta, 2010).
TEM CORAGEM?
Em São Paulo e no Recife é possível fazer um passeio turístico pelos locais considerados assombrados.Na capital paulista, uma empresa de turismo organiza o roteiro São Paulo de Outro Mundo (www.graffit.com.br).
Já o roteiro Lendas do Recife, baseado no livro de Gilberto Freyre sobre assombrações, é oferecido pela prefeitura (www.recife.pe.gov.br).
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