"Sempre acreditei que na infância, se aprende brincando e que os adultos não precisam ficar com o dedo em riste para impor"
Por Tatiana Belinky / Sucena Shkrada Resk
A roteirista e contista Tatiana Belinky relembra o trabalho na adaptação das obras de Monteiro Lobato para a TV.
"Em 1948, eu e o meu marido, Julio Gouveia, iniciamos um envolvimento profundo com as artes. Fundamos naquele ano, o grupo teatral Teatro Escola de São Paulo (TESP), em função de um pedido da Secretaria Municipal de Cultura, que queria promover peças infantis na cidade. Todo fim de semana, nosso grupo apresentava uma peça, principalmente no Theatro Municipal. Entre elas, adaptações de clássicos de La Fontaine e Esopo. Tudo era feito ao vivo e dificilmente os atores erravam. Eu ficava responsável pela redação e roteiro, e Júlio, pela direção e apresentação. Ele tinha talento para esse trabalho e levava um pouco de sua formação como psiquiatra, para conduzir as obras.
No meu caso, o gosto pela literatura infantil mundial vem desde a infância, em São Petersburgo, na Rússia, onde nasci em 1919. Aos quatro anos, já comecei a escrever. Meu pai e minha mãe, que eram da Letônia, me incentivavam a ler e a aprender vários idiomas, tanto que, aos dez anos, quando viemos para o Brasil, sabia o letão, o russo e o iídiche, e logo, já falava português e inglês, pois eu e meus irmãos fomos estudar no Mackenzie.
Meu pai me chamava de trança-rimas porque eu adorava brincar com as palavras, o que faço até hoje. Por isso, em toda minha vida me senti à vontade a traduzir os contos mundiais.
Os anos passaram e na fase adulta, um autor brasileiro, em especial, chamava a minha atenção e a de Júlio. Era Monteiro Lobato. Cerca de cinco anos antes de morrer em 1948, tivemos o prazer de sermos procurados por ele. Recebemos uma ligação e quando falou quem era, ao telefone, achamos que era um trote. Lobato disse que gostaria de conhecer meu marido devido ao trabalho dele com fábulas. Então marcamos e fomos à casa do escritor.
Meu marido e ele tinham sobrancelhas grossas muito parecidas, o que era interessante de se ver, enquanto mantinham o diálogo. Acho que a conversa durou mais ou menos uma hora e meia. Eu escutava as palavras de Lobato, boquiaberta. O que mais me atraia nessa visita é que, no fundo, eu queria ser a Emília, do Sítio do Picapau Amarelo, por ser um pouco malcriada, contestadora e engraçada como ela. Outro motivo é que as primeiras palavras em português, que havia aprendido aos 11 anos, eram por meio do conto Jeca Tatu, descrito pelo autor, em um folheto do Laboratório Fontoura, que era entregue de porta em porta.
Prática dos Sonhos
De certa forma, a oportunidade de colocar em prática os meus sonhos aconteceu em 1952, quando começamos a fazer teleteatro para o público infantil, na então recente TV Tupi (PRF-3), inaugurada por Assis Chateubriand, em 1950. O programa era semanal e se chama- va Fábulas Animadas. Júlio era o apresentador e fingia que lia um livro, para dar entrada à encenação, que era curta e feita também ao vivo, por meia hora, com a participação, de no máximo, três atores do grupo. Durante dois meses, tivemos essa experiência.
Daí, a Tupi nos pediu que adaptássemos fá- bulas brasileiras para a TV. Nessa fase, o dire- tor artístico era Cassiano Gabus Mendes. Olhei para o Júlio, ele para mim, e então disse: 'Tem de ser Monteiro Lobato'. Não queríamos algo chato. Lobato era completamente diferente de tudo. Então, entramos em contato com dona Purezinha (sua viúva) e ela nos autorizou a apresentar as histórias.
O primeiro conto que roteirizei foi A Pílula Falante, que foi seguida por muitas outras his- tórias. Atores, como Lúcia Lambertini (Emília), que faleceu em 1976, David José (Pedrinho), Edy Cerri (Narizinho), Rubens Molino (Visconde de Sabugosa), Sydnéia Rossi (Dona Benta) e Bene- dita Rodrigues (Tia Nastácia), entre outros, inte- gravam o elenco e marcaram época. A primeira versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo, sob nossa produção, ficou no ar por praticamente 12 anos ininterruptos, resultando em 360 capítulos.
Escrevia os roteiros em minha máquina Con- tinental portátil e gostava de assistir em casa os resultados das interpretações na TV, em vez de ficar nos bastidores da emissora. Assim, cada episódio era sempre uma surpresa para mim. Na verdade, o nosso principal objetivo era pro- mover a leituras dos autores originais, através do teleteatro.
Sempre acreditei que na infância, se aprende brincando e que os adultos não precisam ficar com o dedo em riste para impor. Acho muito cha- to querer tratar da 'moral da história'. O próprio leitor ou telespectador tem de tirar a conclusão. Uma vez uma professora me perguntou, porque hoje em dia os alunos não querem estudar. En- tão, respondi: 'Querem aprender a aprender'. Por isso, o papel do adulto é deixar a criança confortável nessa realização, expondo a ela, o universo dos livros, além de levá-la a livrarias e às bibliotecas. Meu pai Aron, por exemplo, lia poesias para mim quando eu ia dormir, por isso peguei gosto de fazer versinhos".
TATIANA BELINKY nasceu na Rússia e está desde 1929 em São Paulo, cidade à qual se declara 'cidadã honorária'. Além de sua carreira como tradutora, adaptadora, roteirista e contista, que resultou em mais de 120 obras, teve a experiência de trabalhar como jornalista profissional colaboradora. Chegou a manter colunas sobre teatro e literatura nos jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo. Hoje mais uma obra sua para o público infantil está no prelo, prestes a ser publicada.
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