segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

UM OLHAR NA HISTORIA: A MULHER NA ESCOLA (BRASIL: 1549 – 1910)



Maria Inês Sucupira Stamatto – Programa de Pós-Graduação em Educação - UFRN 

Este texto aborda a problemática do processo de escolarização que se realizou no Brasil desde a chegada dos jesuítas até o início da República, sob a ótica do gênero. A situação de exclusão da mulher da escola em outros países, em épocas anteriores, já foi constatada por autores que trabalharam com alfabetização e leitura, e mesmo cantada em prosa e verso, como podemos ilustrar com a “Balada para rezar a Nossa Senhora”: ...Sou mulher pobrezinha e quase no final. Eu nada sei, jamais por mim letra foi lida. Vejo na igreja que freqüento, paroquial, Pintado o céu, onde o alaúde, a harpa é ouvida, E o inferno, onde os danados fervem sem medida: Um me apavora, o outro a alegria em mim derrama... . ( Villón apud in Martins, 2001, p.133.) Poderíamos afirmar que esta realidade já não é mais a mesma? Segundo dados recentes, temos a informação de que 125 milhões de crianças no mundo não freqüentam a escola sendo que dois terços deste número são meninas e que um em cada quatro adultos nos países em desenvolvimento não sabe ler ou escrever, sendo que dois terços deste percentual são mulheres (Mittler, 2002, p.11). Será que no Brasil a situação é ou foi diferente? Como historicamente aconteceu a escolarização da população brasileira, atentando para a questão feminina? Assim, escolhemos como objetivo desta pesquisa observar de que forma ocorreu a inserção da mulher na rede escolar, tanto enquanto aluna como profissional da educação, isto é, em situações do mercado de trabalho deste ramo: professora, diretora, supervisora. Nesta etapa do trabalho optamos por uma abordagem histórica, levantando documentos variados e nos apoiando em bibliografia já produzida sobre o assunto.

Da educação das meninas por Fénelon (1852)


Maria Helena Camara Bastos

Resumo

Durante longo tempo, a sociedade ocidental refutou a igualdade de instrução para os dois sexos. A longa dominação da Igreja Católica sobre a educação explica o privilegiamento da formação masculina, ou seja, dos futuros padres. Na Renascença, raros são os humanistas, como J. J. Vives ou Tomas Morus, a defender uma educação igual para mulheres e homens. Um espírito liberal como Erasmo também duvidou do interesse das meninas em aprender o latim (Bastos; Garcia, 1999, p. 79).

Angèle Mérici e sua congregação das Ursulinas, fundada em 1536, traçou, por três séculos, o programa comum de ensino para as mulheres: “ler, escrever, trabalho em agulha e instrução religiosa”, para formar as boas (futuras) mães cristãs, na falta de fazer piedosas noviças, cuja instrução tinha uma finalidade eminentemente endógena (Chassanges, 1983, p.10). Tanto Fénelon como a Marquesa de Maintenon não mudaram essa orientação, persuadidos que estavam que saber ler, escrever, costurar, cantar e rezar eram suficientes para a reprodução sociocultural (Bastos; Garcia, 1999, p. 78).

A partir do estudo que realizamos sobre a circulação da obra “As Aventuras de Telêmaco” (1694-98), de François Salignac de la Mothe Fénelon (1651-1715), no Brasil e, principalmente, da sua apropriação escolar (Bastos, 2009), nos questionamos sobre seu outro sucesso no século 17 - “De l’éducation des filles” (1687-1696), um clássico sobre a educação feminina. Procuramos por uma tradução para o português, localizando um exemplar na Bibliothèque nationale de France (BnF) de 1852. O qual reproduzimos para o leitor brasileiro.

Hoje, o que poderíamos dizer sobre a leitura de “Da educação das meninas”? Essa obra é um discurso fundador sobre a educação das mulheres e contribui para a compreensão da historicidade dos processos discursivos sobre como as questões de gênero se relacionam e como contribuem para tecer e homogeneizar a memória de uma época. Além disso, fazendo uso das palavras de Calvino (2006, p. 137), Fénelon foi “autor de um afresco do seu tempo”, construindo um texto repleto de conteúdos/ mensagens, pleno de sentidos e marcando uma concepção de educação de que “a virtude pode ser ensinada e que o vício é conseqüência da ignorância” (Brum, 1995, p. 57).