Henrique Carneiro
Nascidos das frustrações, da decadência social da pequena-burguesia e das camadas médias após uma guerra devastadora, o nazi-fascismo de Hitler e Mussolini levou a Alemanha e a Itália a uma guerra ainda pior, a que mais matou até hoje em toda a história da humanidade
O nazi-fascismo foi derrotado na pior guerra já conhecida pela humanidade. Na Alemanha e Itália estas palavras foram proibidas como denominação política.
No século XXI, no entanto, os movimentos europeus neonazifascistas se reciclaram. Deixaram de serem grupos saudosistas e se vincularam com o fenômeno de uma nova extrema-direita que mantém muitas das características fascistas, mas não todas.
O fascismo não pode ser generalizado para qualquer direita, mesmo que extremada. Os regimes ditatoriais, por exemplo, não são necessariamente fascistas, pois carecem do elemento de mobilização popular que foi típico do fascismo.
Na extrema-direita de hoje em dia, à exceção de extremistas como o norueguês Anders Behring Breivik, que explodiu um carro bomba em Oslo e matou dezenas de jovens a tiros no encontro da Liga de Juventude dos Trabalhadores (sessão estudantil do Partido Trabalhista norueguês) em 2011, o programa de extermínio das organizações de esquerda, dos sindicatos e dos movimentos sociais também é atenuado. O racismo deixa de lado o antijudaísmo e se reconcilia com Israel e o sionismo, mas encontra outros semitas, dessa vez os árabes, e outros povos asiáticos e africanos para discriminar como indesejáveis. O estatismo é substituído por uma aceitação pragmática da lógica dos mercados financeiros. Assim age, por exemplo, Marine Le Pen, do Front Nacional na França. Poucos são os que, como o partido Aurora Dourada, na Grécia, mantém o ideário neonazi quase sem camuflagem.
O caso brasileiro é peculiar, pois a extrema-direita aqui foi, inicialmente, um tipo local de fascismo, o integralismo de Plínio Salgado, e que já adotava, em lugar do nacional desenvolvimentismo, uma doutrina neoliberal. Nos diversos governos do regime militar houve certamente fascistas, mas não se pode caracterizar o regime político em si como fascista, mas sim bonapartista. Além da ausência do culto pessoal ao líder, os governos militares brasileiros mantiveram mesmo que estritamente controladas as instituições parlamentares, que o fascismo clássico sempre suprimiu.
Agora, no ano de 2018, a candidatura de Jair Bolsonaro, um capitão deputado abertamente neofascista, coloca em debate que tipo de regime político poderia se constituir em seu governo. Haveria um auto-golpe, a supressão do parlamento, dos partidos, dos sindicatos e dos movimentos sociais?
Diferentemente do fascismo clássico, inexiste uma organização orgânica em torno ao culto da liderança do capitão que se notabiliza pelo estilo truculento, pela ignorância, pela ameaça de fuzilamento dos adversários, pela misoginia, homofobia e racismo explícitos. O aspecto doutrinário também é muito escasso, mas a adesão do fundamentalismo religioso pode oferecer um novo estofo místico.
Antes de caracterizar as formas dos neofascismos contemporâneos e suas conexões com os fenômenos chamados de alt-right, “direita alternativa”, que influenciaram muito a eleição de Trump, nos Estados Unidos, é indispensável um olhar histórico para o que foi o fascismo clássico e como ele foi ou deixou de ser combatido.
Para isso, a publicação desse conjunto de textos de Leon Trotsky, escritos enquanto o fascismo crescia na Europa, é muito oportuna.
Fascismo clássico
O emblema do partido nacional fascista na Itália era o fascio littorio. Fascio, palavra italiana, se refere a um feixe de varetas em torno de uma estaca que sustenta uma machadinha, um símbolo do poder que desde o império Romano fez parte das armas do soldado de escolta das autoridades, chamado de lictor. O número de lictores dependia do posto em questão.
Estes lictores, oriundos da plebe e que serviam de guarda do poder, resumem bem o que é o fascismo: uma força recrutada nas camadas plebeias a serviço de um poder extremado dos ricos que impõe a ordem em uma sociedade desigual.
As formações paramilitares que se formaram após a primeira guerra mundial na Itália e que levaram Mussolini ao poder se chamaram fascio di combatimento, ou “feixes de combate”.
Em 1922, 40 mil “camisas negras”, que era como se uniformizavam essas milícias, cercaram Roma e tomaram o poder num golpe que impôs a nomeação de Mussolini como chefe do governo, do qual só sairia preso, 23 anos depois. O estatuto nacional do partido fascista, de 1932, se define no artigo primeiro como “uma milícia civil voluntária as ordens do Líder (Duce) ao serviço do Estado fascista” e a obrigação maior dos seus membros se resume ao lema “crer, obedecer, combater”.
Após a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial (a Itália entrou tardiamente no conflito, contra a Alemanha e Áustria-Hungria, rompendo a Tríplice Entente que mantinha com elas), além da destruição geral, houve pesadas retaliações econômicas no Tratado de Versalhes que levaram à pior crise inflacionária e de desemprego já conhecida.
O Partido Nazista, cinco anos após a sua fundação, teve apenas 1,1% dos votos com o general Ludendorff, na primeira eleição presidencial da história da Alemanha, em 1925, vencida pelo marechal Hindenburg, da direita tradicional. Em 1930, após a crise da bolsa de 1929, teve 16% nas legislativas. Na presidencial, em 1932, Hitler saltou para 30% no primeiro turno e 36% no segundo turno. Quem ganhou, entretanto, foi novamente Hindenburg. Mas, em janeiro de 1933, o presidente Hindenburg chamou Hitler para chefiar o governo como chanceler. Um mês depois, ocorria o incêndio do Reichstag, e Hitler declarava uma lei de plenos poderes e abolia todos os demais partidos. Ao final do ano, faz eleições de fachada e o partido nazista obtém 92% dos votos. Seis meses mais tarde, em 30 de junho de 1934, massacrou os rivais internos ao partido, da milícia SA, na Noite das Longas Facas, assim como passou a prender e assassinar membros da oposição liberal, socialista e comunista, judeus, homossexuais, maçons, ciganos e toda a oposição. Em agosto, Hindenburg morre, tornando o Führer o único governante.
O fascismo italiano esteve no poder por 23 anos. O nazismo alemão por 12. O primeiro chegou ao poder por um golpe, o segundo, por eleições e, em seguida, por meio de um autogolpe em que adquiriu poderes ditatoriais.
Nascidos das frustrações, da decadência social da pequena-burguesia e das camadas médias após uma guerra devastadora, o nazi-fascismo de Hitler e Mussolini levou a Alemanha e a Itália a uma guerra ainda pior, a que mais matou até hoje em toda a história da humanidade.
A frente única antifacsista
Os textos que compõem o livro Como esmagar o fascismo foram escritos por um dos líderes da revolução russa, Leon Trotsky, banido de seu país e exilado na Turquia, na ilha de Prinkipo, enquanto ocorria o processo de crescimento do nazi-fascismo.
Ele critica a política desenvolvida pelo Partido Comunista alemão, o KPD, seguidor da linha de Moscou, que levava, na opinião dele, a uma derrota. A sua tese mais retomada ao longo dos textos de diferentes momentos é a de que foi a recusa da frente única com o Partido Social Democrata por parte dos comunistas que levou o nazismo a crescer. A estratégia que ele insiste em defender é a da frente única.
O objetivo mais característico de todos os movimentos nazifascistas desse período era o de buscar a destruição de todas as formas de organização partidária, sindical e social independente. Como escreve Trotsky, citando o italiano Ercoli: “a essência e a função do fascismo consistem em abolir completamente as organizações operárias e em impedir o seu restabelecimento”.
Para isso, outro traço comum é, já antes da chegada ao poder, desenvolverem milícias paramilitares como força de intimidação. Só quando chegam ao governo que passam a controlar diretamente as forças armadas. No caso alemão, a milícia da SA (Sturmabteilung “Destacamento Tempestade“), que ajudou na tomada do poder por Hitler, foi depois, em 1934, descabeçada com o massacre dos seus dirigentes.
O setor social que se constitui como base inicial da adesão a tais movimentos foi o da pequena-burguesia, especialmente desmoralizada após as crises econômicas que destruíram a Alemanha no primeiro pós-guerra, e setores desempregados e empobrecidos das classes média.
Neofascismo hoje
O surgimento desses movimentos políticos que destroem os movimentos sociais, sindicatos e as instituições da democracia liberal, como partidos, eleições e parlamento, impondo um sistema de partido único com elementos militarizados foi o resultado direto da pior crise e da mais sangrenta guerra vivida em muitos séculos na Europa e no mundo. A escolha de objetos de ódio como bodes expiatórios também é sempre um meio de criar uma tensão agressiva e discriminatória na sociedade.
Hoje em dia, vivemos em escala mundial os efeitos da última crise econômica e financeira de 2008, que aumentaram a desigualdade mundial e se agravaram pelas guerras do Iraque e da Síria, que causaram uma crise social de imigração. O fracasso dos partidos socialdemocratas na Europa, que executaram os mesmos planos de austeridade da direita e a fraqueza das propostas socialistas mais radicais de solidariedade internacionalista, ajudam a compreender o crescimento de uma onda neofascista europeia que reabilita parte do legado da época da segunda guerra. É reciclado o programa de racismo, xenofobia, militarismo e repressão aos movimentos sociais com novos partidos que obtém maior influência na Hungria, Polônia, Itália, Rússia, Ucrânia e até mesmo na Suécia. A eleição de Trump, nos Estados Unidos, também aumenta a conexão da chamada “direita alternativa” que ganha um enorme papel em seu governo.
No Brasil, os movimentos verde-amarelos que fizeram demonstrações de massa pelo impeachment de Dilma Roussef conviveram com pequenos grupos de militância neofascista, fundamentalista religiosa e até de velhos integralistas ou mesmo monarquistas. Nas eleições de 2018, pequenos partidos inexpressivos até então, como o PSL, elegeram grandes bancadas e ganharam governos de estado. O seu maior representante, Jair Bolsonaro, ganhou as eleições presidenciais.
Se é apenas o velho conservadorismo de uma burguesia escravista que retoma ascendência sobre o povo por meio de candidatos populistas militares que defendem o autoritarismo ou se há o surgimento de uma nova formação política de tipo fascista explícito ainda é uma questão em aberto.
O período entre-guerras do nascimento do nazi-fascismo clássico é muito diferente dos tempos atuais. O conflito inter-imperialista e o belicismo chauvinista que conduziram à guerra não se encontram agora. O ultraliberalismo austericida se tornou uma política global para aumentar a extração de rendas à custa de maior desigaldade, miséria e rebaixamento salarial. O parentesco ideológico do neofascismo global continua, entretanto, com suas afinidades supremacistas brancas, de machismo militarista, de pregação do extermínio de adversários e de grupos sociais estigmatizados e de defesa do privatismo contra qualquer tipo de reforma social distributivista ou compensatória.
Estudar a gênese do nazi-fascismo é indispensável para se compreender seu significado histórico, seu destino catastrófico na Europa e as suas reciclagens atuais, que é a única forma de se poder combatê-lo. As políticas adotadas pela esquerda, para Trotsky, foram errôneas na década de 1930 e tornaram mais difícil a luta contra a ascensão fascista.
O neofascismo contemporâneo dependerá para sua disputa pelo poder não apenas da credulidade das massas e da violência de suas ações, mas das respostas que os movimentos sociais darão ao seu crescimento, sobretudo quando ele chega a governar ganhando maiorias eleitorais.
*Henrique Carneiro é historiador. Este texto é o prefácio do livro Como esmagar o fascismo, lançado dia 2 de novembro pela Autonomia Literária.
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2 comentários:
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