O imperador ainda é referência na política e na cultura
Vivi Fernandes de Lima
Um louco encontra um colega nos corredores do hospício e fala: “Eu sou Napoleão!” O outro fica indignado: “O quê? Quem te disse isso?” A resposta é ainda mais ousada: “Deus”. O outro estranha: “Eu?” Esta é uma das piadas que circulam em conversas bem-humoradas que têm o imperador francês como personagem, tocando numa característica marcante dos relatos sobre sua personalidade: a mania de grandeza. Só mesmo Deus seria capaz de dizer algo superior ao general. Essa mesma megalomania pode ser o que associa a imagem de Napoleão à loucura. Em 2001, no longa-metragem de ficção “As novas roupas do imperador”, de Alan Taylor, o próprio general desiste de informar sua identidade quando descobre um manicômio onde todos os internos dizem ser Napoleão Bonaparte e ostentam, inclusive, o mesmo tipo de chapéu de sua farda.
No Brasil, não é só nas piadas que o personagem histórico está presente. A lista telefônica indica a existência de mais de dois mil Napoleões que vivem no Brasil. O consultor de informática e professor Napoleão Verardi, paulistano, 54 anos, é um deles. A escolha de seu nome foi uma homenagem ao avô materno, que era italiano. “Mas eu não botaria esse nome nos meus filhos. Ele carrega um peso muito grande. Não dá pra passar despercebido”, diz Verardi, habituado a ouvir brincadeiras como “qual a cor do seu cavalo branco?” ou “foi assim que Napoleão perdeu a guerra”.
O administrador Napoleão Roque, baiano, 58 anos, também não acha mais graça nessas piadas. No trabalho, quando atende o telefone, já indica que não é muito chegado a seu primeiro nome. Ele atende: “Alô, Roque falando”, omitindo o Napoleão. “Eu não suporto meu nome. É muito forte, não combina comigo. Sou uma pessoa tranquila”, diz ele, que foi batizado em homenagem ao bisavô. Se ele odeia se chamar Napoleão, imagine se também fosse Bonaparte? A resposta vem sem hesitação, em bom baianês: “Ave Maria! Eu ia pedir pra morrer!”
Mas nem todos pensam assim. Napoleão Bonaparte Gomes é oficial da Marinha aposentado e adora seu nome. “Acho que talvez isso tenha me influenciado a seguir a carreira militar. É uma grande honra ser homônimo do imperador francês, porque ele é um exemplo a ser seguido”, diz Gomes, que alcançou o posto de vice-almirante da Armada.
Já a fisioterapeuta carioca Daniela, 35 anos, tem o nome do imperador no sobrenome. Ela gosta tanto que o repetiu na certidão de suas duas filhas. “É um tipo de marketing. Quando apresentamos nosso nome, todo mundo lembra”, diz Daniela, orgulhosa. Aliás, segundo ela, a família inteira gosta muito do nome. “Eu tinha até um tio que se chamava Waterloo”, lembra, achando graça na referência à batalha que pôs fim à carreira vitoriosa do líder dos franceses.
Não é só nas certidões de nascimento que Napoleão está presente no Brasil. Volta e meia, programas de TV, grafiteiros e até escolas de samba relembram o imperador francês. A autora de telenovelas Janete Clair (1925-1983) chegou a criar em “Rosa Rebelde” (1969) uma trama em torno do exército do general. Em 2008, a escola de samba Imperatriz Leopoldinense desfilou na Marquês de Sapucaí cantando “Ou ficam todos/Ou todos se vão/Embarcar nessa aventura/E au revoir Napoleão”, uma referência à vinda da família real portuguesa para o Brasil. No ano passado, a TV Globo exibiu o especial infanto-juvenil “A princesa e o vagabundo”, cuja trama se baseava nas conquistas napoleônicas: o reino fictício da Landinóvia é invadido pelo exército de Napoleão e a princesa Lili é salva pelo vagabundo Didi, interpretado por Renato Aragão.
Fã do personagem histórico, o sociólogo e crítico literário Antonio Candido de Mello e Souza guarda uma coleção de postais com a imagem de Napoleão e suas batalhas. “Comecei minha coleção em 1929, numa viagem a Paris. Hoje tenho mais de 60 postais. Os italianos são mais raros”, diz ele, contando que alguns são em alto-relevo e mais coloridos, com a notoriedade de especialista no assunto. Quanto ao motivo do interesse por Napoleão, Antonio Candido é enfático: “Ele foi um grande general e dominava a arte militar. Transformou o seu tempo”.
O historiador Modesto Florenzano, da USP, reconhece que ainda há um fascínio pelo general, que já foi bem maior. Segundo ele, nenhum outro personagem histórico encheu tanto o imaginário da população quanto Napoleão no século XIX: “A fama vem de sua genialidade no plano político e militar e também do fato de ele ter saído do nada. Napoleão chegou ao poder pelos próprios méritos, não nasceu em berço de ouro. Isso é inédito. Ele teve uma projeção avassaladora, venceu batalhas espetaculares. Não houve em nenhum rincão da Europa alguém que não soubesse quem era Napoleão. Essa referência foi passada de pai para filho e chegou ao Brasil”.
Para Florenzano, a popularidade de Napoleão pode ser comparada à de nomes como Carlos Magno. A força de sua imagem começou a diminuir na Revolução Russa: “Na Primeira Guerra Mundial, outros líderes começaram a aparecer, como Lênin, Stalin, Trotski e Mussolini”. Apesar de ter a atenção dividida com outras personalidades, a memória de Napoleão é bastante presente, sempre com imponência. Para se ter uma ideia, seus restos mortais, guardados no Hotel dos Inválidos, em Paris, foram colocados de modo que o visitante tenha que se abaixar para ver o túmulo, ficando obrigatoriamente em postura de reverência. “Eu duvido que alguém adepto da esquerda política vá visitar o túmulo de Mussolini, por exemplo. Mas o túmulo de Napoleão recebe visitantes de esquerda e de direita”, exemplifica Florenzano.
A mesma idolatria chegou a outros cantos do mundo. Na Eslovênia, há um monumento em homenagem ao general. Em Havana, Cuba, existe o Museu Napoleônico, que abriga objetos pessoais do imperador. Em Nova Orleans, nos Estados Unidos, a Napoleon House é uma das atrações turísticas do centro histórico da cidade. Conta a lenda que a casa iria abrigar o imperador depois de executado um plano de fuga na época em que ele estava exilado na ilha de Santa Helena. A história se encaixaria bem com o plano da passagem de Napoleão por Pernambuco em 1817, já que, depois de desembarcar no Recife, ele iria seguir para os EUA [ver artigo “A besta e o mito”, pág. 26]. Mas estudos comprovam que a casa foi construída depois da morte de Napoleão.
No cinema, a vida do general ou suas conquistas são retratadas em diversos filmes. O maior banco de dados de produção audiovisual da Internet, The Internet Movie Database, registra mais de 70 títulos de filmes com o nome Napoleão. Se forem somadas as séries de TV, esse total passa dos 100. Mesmo assim, as criações em torno do famoso general parecem não ter fim. Este ano, será lançado o filme “Betsy and the emperor” (ainda sem título em português) – baseado no livro infantil de Staton Rabin – com o ator Al Pacino interpretando o imperador no período do exílio.
Outro roteiro cinematográfico, desta vez brasileiro, pretende chegar às telas mostrando um ponto de vista diferente para o período em que Napoleão esteve preso. O cineasta Germano Coelho está trabalhando no projeto do filme “1817”, que irá tratar da Revolução Pernambucana, quando foi articulada a passagem de Napoleão pelo país. Para o pesquisador e jornalista Leonardo Dantas, o episódio é tão pouco conhecido quanto a própria Revolução de 1817. “Mas não tem nada de imaginário, é real”. O historiador Oldimar Cardoso, da USP, já foi ao Arquivo Estadual do Recife em busca das correspondências que comprovem a articulação deste plano, mas não as encontrou. Essas comunicações já foram descritas no livro Aventuras e aventureiros no Brasil (1929), de Alfredo de Carvalho. “O problema é que o arquivo é muito desorganizado. São pilhas de documentos que os pesquisadores não sabem nem por onde começar o trabalho. Dizem que as cartas estão lá. O difícil é achá-las”, conta Oldimar.
Enquanto pesquisadores procuram relatos que comprovem o plano de fuga, a população parece estar mais interessada na ficção, inventando e recriando piadas a cada dia em torno do imperador dos franceses. O imaginário é tamanho que a fama de loucos brasileiros que se apresentam como Napoleão, ao que parece, é um mito. O psiquiatra e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz Marco Aurélio Soares Jorge, esclarece: “Um esquizofrênico pode ter delírios a ponto de achar que é a reencarnação de uma pessoa famosa. Mas, normalmente, esse delírio está mais próximo da cultura dessa pessoa. Em 30 anos de profissão, nunca tive nenhum paciente que achasse que era Napoleão. O brasileiro delira que é o presidente da República, Jesus e até Xuxa”. Mas os piadistas não ligam para a realidade. Parece que com Napoleão as anedotas ficam melhores.
Saiba Mais - Internet
SILVA, Leonardo Dantas. “A fracassada fuga de Napoleão para o Brasil”.
Revista Algo Mais
Revista de História da Biblioteca Nacional
Um comentário:
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