Conheça a movimentada e curiosa trajetória do instrumento de poder que determinou o curso da história
Rodrigo Velloso
Peças de barro de 4000 a.C. encontrados na Mesopotâmia são os documentos escritos mais antigos que conhecemos. E o mais antigo desses documentos faz referência aos impostos. Se você acha que paga demais, agradeça por não viver naqueles dias. Além de entregar parte dos alimentos que produziam ao governo, os Sumérios, um dos povos a viver por ali, eram obrigados a passar até cinco meses por ano trabalhando para o rei.
Os mais sortudos seriam empregados na colheita ou para retirar lama dos canais da cidade. Os menos afortunados entravam para o exército, com grandes chances de morrer em um guerra. Quem era rico escapava: mandava escravos para fazer o serviço sujo. Assim que surgiu a moeda, eles tiveram a ideia de substituir a contribuição braçal por dinheiro.
Tonia Sharlach, arqueóloga da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, afirma que já naquela época não havia garantia de contrapartida aos cidadãos. “Não sabemos quais os benefícios que as pessoas obtinham com o pagamento, mas presumimos que eles o faziam porque, caso contrário, o rei os mataria”, diz.
Era assim também no antigo Egito. As evidências indicam que, em 3000 a.C., os faraós coletavam impostos em dinheiro ou em serviços pelo menos uma vez por ano. Ninguém era tão temido quanto os escribas, responsáveis por determinar a dívida de cada um. O controle era tão rigoroso que fiscalizavam até o consumo de óleo de cozinha pelas residências, já que essa era uma substância tributada. Os impostos eram mais altos para estrangeiros, e especula-se que foi para pagar dívidas tributárias que os hebreus, por exemplo, acabaram como escravos.
O Império Romano aperfeiçoou a técnica de impor tributos a estrangeiros. Em economias pré-industriais, a terra e o trabalho são os principais ingredientes da riqueza. Por isso, a conquista de outras terras e povos dava aos romanos acesso a mais riqueza, o que, por sua vez, permitia que conquistassem e controlassem um território ainda maior.
O censo, usado até hoje em muitos países, foi criado pelos romanos para decidir quanto deveriam cobrar de cada província. O cálculo era feito com base no número de pessoas. Até hoje, a capacidade de cobrar impostos é diretamente proporcional à quantidade e qualidade de informações disponíveis sobre os contribuintes.
Em 167 a.C., Roma se tornou tão rica à custa dos povos conquistados que suspendeu a cobrança de impostos sobre os cidadãos romanos. Mais que isso, distribuía pão e outros produtos gratuitamente na cidade como forma de partilhar a riqueza. Como o império era muito grande, terceirizaram a coleta de impostos. Os publicani, ou fiscais, adiantavam dinheiro ao governo pelo direito de recolher impostos e, depois, tratavam de recuperar o investimento acrescido de juros, custos de coleta e, naturalmente, algum lucro.
Ainda assim, calcula-se que menos de 10% do PIB do império era cobrado em impostos. Isso porque os gastos do governo eram limitados. Mais ou menos 50% do orçamento era dedicado à manutenção do exército, inclusive o primeiro sistema de previdência da história, que garantia aos legionários 13 anos de salário depois que cumprissem 25 anos de serviço. O resto era destinado a cobrir as despesas do governante, à construção de estradas, portos e mercados e à manutenção do sistema legal.
Isso mostra uma das características mais consistentes dos impostos ao longo da história. O valor recolhido é função do quanto o governo quer gastar e não da percepção sobre quanto é justo tirar de cada cidadão. Afinal, os romanos, que se consideravam donos dos povos conquistados, cobravam-lhes menos do que muitos governos cobram, hoje, daqueles a quem deveriam servir.
A queda do Império Romano trouxe um novo sistema de organização da sociedade e, portanto, dos impostos. O rei concedia terra aos melhores guerreiros para que pudessem se sustentar e, em troca, os cavalheiros estavam sempre preparados para lutar em nome do soberano. Eles tinham autoridade legal sobre seus territórios, o que incluía o direito de cobrar impostos. Para cultivar a terra, os senhores feudais contavam com servos, que eram obrigados a passar parte de cada mês trabalhando em suas terras – além de pagar impostos sobre sua própria produção.
É nessa época que surge a lenda do mais belo protesto contra excesso de tributação. O conde Leofric de Mercia disse a sua mulher, Lady Godiva, que só baixaria os impostos da pequena cidade de Coventry, Inglaterra, quando ela passeasse nua pela cidade sobre um cavalo branco. Ela aceitou o desafio e, em respeito ao seu ato de bravura e humanidade, o povo fechou as janelas e não a contemplou. Outro herói do período, mais famoso, é Robin Hood. Curiosamente, o lema do herói reflete uma das funções que justificam a coleta de impostos por governos modernos: ele distribuía aos pobres aquilo que tirava dos ricos.
Embora seja representado como tirano na história, o trabalho do senhor feudal não era fácil. Ele tinha que supervisionar a produção de suas terras, cuidar dos assuntos legais e se manter preparado para a guerra. Por isso, cada vez mais senhores passaram a pagar impostos em dinheiro, concentrando sua atenção nas tarefas administrativas. Esse comportamento foi incentivado pelos reis, que preferiam ter menos rivais militares e manter, eles próprios, exércitos profissionais.
Outro fator que motivou a coleta de impostos em dinheiro foi o surgimento, por volta do ano 1000, de pequenas vilas onde se concentravam artesãos produtores de bens de consumo. As cidades tornaram-se centros de riqueza e os reis passaram a cobrar impostos diretamente dos habitantes. Com isso, o poder e as fontes de financiamento se pulverizaram e a força dos reis cresceu.
Na Inglaterra, a concentração do poder real levou a uma revolta e à criação de um dos mais importantes documentos legais da história: a Magna Carta. Cansados dos altos impostos cobrados pelo rei João para financiar guerras mal-sucedidas no exterior, vários barões se uniram em revolta e, em 1215, obrigaram-no a aceitar limitações sobre seu próprio poder, em especial seu direito de cobrar impostos. Assim a Idade Média revela outra constante dos impostos: embora não haja limite às cobranças de um governo, os contribuintes não aceitam por muito tempo as que consideram excessivas ou que julgam ser mal utilizadas.
Entre 1300 a 1700, os reinos se consolidam e se tornam nações. A partir do século 15, o auge da Renascença, os impostos se multiplicam à medida que as atividades da sociedade se diversificam. A burocracia da cobrança aumenta e a crescente complexidade econômica das sociedades leva à criação de teorias econômicas e às novas formas de arrecadação.
A evolução do comércio entre as nações leva à instituição de tarifas de importação e exportação. Ressurgem os impostos sobre a venda de produtos específicos, como os que existiam na Roma antiga. E aumentam os conflitos por causa dos impostos.
A Revolução Industrial do século 18 aumenta ainda mais a complexidade da economia e as teorias em torno de sua organização. É nessa época que surgem as bases ideológicas que hoje representam a esquerda e a direita. De um lado surgem os fisiocratas, um grupo de filósofos franceses liderados por François Quesnay que defendem a liberdade econômica dos indivíduos – inclusive no que se refere à cobrança de impostos.
A influência da fisiocracia sobre o liberalismo moderno é inegável. De fato, o pai do liberalismo, Adam Smith, quase dedicou seu livro A Riqueza das Nações, de 1776, a Quesnay. A essência da doutrina popularizada por Smith e outros, como Jeremy Bentham e John Stuart Mill, é a crença de que as leis naturais tendem a produzir o progresso e, por isso, deveriam governar a sociedade.
Em outras palavras, liberais acreditam que a economia e a sociedade deveriam operar livremente com um mínimo de intervenção do Estado. Cunharam o termo laissez-faire (“deixe fazer”, em francês) para explicar qual deveria ser a postura dos governos frente à economia.
Do outro lado, a realidade dos baixíssimos salários e péssimas condições de trabalho dos primeiros operários industriais alimentaram uma corrente de pensamento contrária ao liberalismo clássico: o socialismo. Um dos primeiros expoentes desses ideais foi François Babeuf, um revolucionário francês que, não satisfeito com a igualdade política conquistada pela Revolução Francesa, conspirou para derrubar o governo e fundar um sistema que promovesse, também, a igualdade econômica. Ele foi decapitado em 1797, mas o movimento que fundou se desenvolveu e espalhou-se para a Itália e a Alemanha. Seus seguidores começaram a usar as palavras comunismo e socialismo para descrever a filosofia finalmente publicada em 1848 por Karl Marx e Friedrich Engels com o título Manifesto Comunista.
A doutrina do socialismo tem base na crença de que a desigualdade econômica é insustentável e pode levar à revolução das classes mais pobres. Para o socialista, propriedades e meios de produção devem ser controlados pelo governo que, então, distribuirá a riqueza de maneira igualitária.
Em suas formas puras, nenhuma das duas doutrinas funcionou e, desde então, nações do mundo inteiro vêm procurando um meio termo que atenda às necessidades das populações. Para tentar chegar ao equilíbrio, aumentaram os gastos públicos. O primeiro programa de seguridade social surgiu na Alemanha em 1889 justamente para combater o Partido Socialista. Previa aposentadoria para todos os trabalhadores e benefícios para os doentes ou incapacitados. Mais tarde, seriam criados auxílios de desemprego.
Não demorou para que programas desse tipo fossem adotados em outros países. Em 1924, o Chile se tornou o primeiro país latino-americano a instituir um programa similar. Um pouco mais tarde surgiu a ideia de dar, a toda a população, acesso a cuidados médicos. A medicina socializada surgiu na Inglaterra em 1948. Hoje, o sistema de saúde de países como o Canadá é quase inteiramente público. Para financiar programas sociais como esses, os governos tiveram que aumentar a arrecadação.
O imposto de renda nasceu e cresceu nesse período, confirmando a nova função social. Em sua primeira versão permanente, instituída na Inglaterra em 1874, já era progressivo. Ou seja: quem tem mais renda cede uma parcela maior de sua riqueza ao Estado. Até o final do século 19, vários países europeus, assim como a Austrália e o Japão, adotaram o imposto de renda.
Hoje, mesmo que concordem com o princípio da distribuição de renda, muitos contribuintes ainda questionam o grau em que ela deve ser feita e se o governo é o intermediário ideal para tanta riqueza. Embora as correntes políticas tenham se aproximado, ainda há esquerda e direita. Para José Eduardo Pimentel de Godoy, historiador da Secretaria da Receita Federal, as tendências não são invariáveis. “Há movimentos para a direita, para a esquerda, para baixo, para cima – são ciclos que dependem de fatores políticos, sociais e econômicos.”
Os impostos não são bons nem ruins. “Eles têm o potencial de destruir impérios que deveriam sustentar. Mas, com os devidos controles, construíram grandes nações e trouxeram bem-estar para as pessoas”, diz Charles Adams, especialista em direito tributário internacional e autor do livro For Good and Evil: The Impact of Taxes on the Course of Civilization. Os impostos são neutros. E, assim como qualquer poder, seu efeito depende muito mais de quem os usa e como são usados que de sua própria natureza.
Comédia tributária
Às vezes a cobrança sai de controle.
Mictório
Quando percebeu que a urina humana estava sendo coletada e vendida por comerciantes para uso no tratamento de couro, o imperador romano Vespasiano (9 a 79) instituiu um tributo sobre o xixi
Corno, não
Por volta de 1200, o governo de Portugal criou um imposto que indicia sobre cada par de chifres de boi. Caíram na asneira de chama-lo “cornaria” e, por causa do nome, ninguém pagou
Barbaridade
Se você usasse barba na Rússia, em 1702, pagaria uma taxa para mantê-la. Dizem as más línguas que czar Pedro, o Grande, não conseguia cultivar uma barba decente e, por isso, instituiu o impostos
Quarto sem vista
Na Irlanda, em 1696, o valor do imposto imobiliário era calculado com base no número de janelas que a casa tinha. Muito cidadãos cobriram as janelas de suas casas, o que levou a uma epidemia de tuberculose no país
Revista Superinteressante