segunda-feira, 28 de novembro de 2016

A banalidade do mal


"Há tempos nem os santos tem ao certo a medida da maldade" (Renato Russo)
 Mauro Sérgio Santos
O Julgamento de nuremberg, 1945

Hannah Arendt, pensadora judia nascida na Alemanha em 1906. Foi aluna dos filósofos Heidegger, Jaspers e Husserl. Fugindo do nazismo, exila-se nos EUA, onde permanece até o fim de sua vida, em 1975.

Na década de 1960, Arendt se oferece para cobrir o julgamento de um burocrata nazista chamado Eichmann, um dos responsáveis pela chamada solução final: a ideia de extermínio total dos judeus.

Esperava-se de Arendt, na condição de judia, uma reportagem emocional que desvelasse o monstro nazista. A autora, entretanto, no relato do julgamento surpreende a todos, demonstrando que Eichmann era, tão somente, um homem superficial: burocrata, pai de família que cumpria ordens sem reflexão e questionamento; e que tal superficialidade o leva a fazer parte de uma engrenagem produtora da barbaridade.

A filósofa defende que uma sociedade superficial facilmente produz o mal que se torna banal, corriqueiro, cotidiano, sem relevância. Um determinado sistema social imposto, como o regime nazista, foi capaz de gerar um comportamento mal em milhares de pessoas. O sistema leva pessoas comuns a praticarem a barbárie.

De Arendt até nossos dias, passamos da banalização do mal à sua glamourização. Nas produções cinematográficas e nas telenovelas, por exemplo, há uma inversão de valores das figuras em questão assimiladas pelos telespectadores, em face da superficialidade social. Frequentemente, o mocinho é apresentado como alguém insosso, inglório, sofredor. Ao passo que o vilão passa a ser o protagonista, o centro das atenções, bem-sucedido, bem-humorado etc. O herói, para ser popular, precisa ter, nesses enredos, certa dose de ironia e malícia sob a pena de ser ridicularizado e/ou negligenciado.

Mais grave ainda são os noticiári0 pseudo-investigativos que, como abutres, alimentam-se da carnificina alheia, da exposição da violência, da barbárie e do ridículo humano. Na busca desenfreada pela audiência de telespectadores, atuam como formadores de opinião na reprodução de discursos superficiais e, portanto de fácil assimilação. "Bandido bom é bandido morto". "Os Direitos Humanos só protegem bandidos". "As leis brasileiras são fracas." "Chegamos ao fim do mundo". "A pena de morte é a única alternativa" (...)

Discursos ultraconservadores em relação aos direitos humanos, "escatologias de botequim" marcadas por um pessimismo gratuito. Exposição exacerbada da violência como instrumento de catarse e entretenimento (sim, entretenimento!), propagação da intolerância em relação ao diferente. Fortalecimento do elitismo, do racismo, da homofobia, da discriminação.

O simplismo de tais discursos absorve as massas justamente porque é superficial e sem fundamentação. A prática do bem exige reflexão. O mal é fruto do tacanho e medíocre, da irreflexão.

"Meus heróis morreram de overdose. Meus inimigos estão no poder"
(Cazuza)
Por Mauro Sérgio Santos, bacharel e licenciado em Filosofia - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais(PUC-MG); especialista em Educação Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ-MG); mestrando em Filosofia - Universidade Federal de Uberlândia (UFU-MG); Professor de Filosofia; membro da Academia de Letras e Artes de Araguari - MG; autor do livro Camaleão: metapoesia.
Revista Leituras da História

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