segunda-feira, 1 de abril de 2013

Em 1755, Lisboa foi devastada por terremoto seguido de tsunami e incêndios

Devastação abriu caminho para a modernização da capital portuguesa e provocou impacto na filosofia e teologia do século 18

Luísa Pécora
Na manhã de 1º de novembro de 1755, Dia de Todos os Santos, Lisboa foi cenário de uma das maiores tragédias da história. Um terremoto seguido por tsunami e incêndios deixou milhares de mortos e igrejas destruídas no extremamente devoto Reino de Portugal, ironia que impactou o pensamento da época. A devastação da cidade, antes de traçado medieval, também possibilitou o nascimento do desenho atual das ruas da capital portuguesa.

O epicentro do terremoto foi a sudoeste da região do Algarve, a cerca de 300 quilômetros de Lisboa. Sua força foi tão grande - entre 8,7 e 9 graus, segundo estimativas atuais dos geólogos - que provocou um tsunami que afetou todo o Oceano Atlântico, do Oeste da Europa à América do Norte, e o Caribe e a costa do Brasil. Por fim, a ação de saqueadores e o fogo de velas acesas em meio aos destroços causaram múltiplos incêndios que duraram cinco dias e colaboraram para a destruição da quase totalidade da capital portuguesa.

Como há dados imprecisos sobre a população portuguesa antes de 1755, a estimativa do número de mortos varia de 10 mil a 100 mil. Cidades como Cascais, Setúbal e Peniche tiveram cerca de 1.500 mortes, e acredita-se que o tremor tenha causado vítimas também na Espanha e no Marrocos. Além de ter destruído ou danificado 23 mil construções, o tremor arruinou 87% das igrejas e 86% dos conventos e monastérios de Lisboa.
Foto: Chris Adams/ 2003
Convento do Carmo, que foi destruído pelo tremor

Segundo o estudo The Opportunity of a Disaster: The Economic Impact of the 1755 Lisbon Eartquake (A Oportunidade de um Desastre: O Impacto Econômico do Terremoto de Lisboa de 1755, em tradução livre), todo tipo de construção temporária foi proibida até que todos os escombros fossem retirados das ruas e um plano para toda a cidade fosse definido. O alinhamento das novas ruas e o plano de reconstrução do centro de Lisboa só foram aprovados três anos depois da tragédia.

Na capital portuguesa, diz o estudo, os esforços de reconstrução foram direcionados principalmente para o centro da cidade, completamente destruído pela tragédia. Antes de 1755, Lisboa lembrava uma cidade medieval, com ruas estreitas, desalinhadas e desorganizadas.

Como o terremoto destruiu praticamente todo o centro de Lisboa, o governo português viu isso como uma oportunidade para redesenhar a cidade e transformá-la em uma metrópole moderna, menos vulnerável a terremotos, indica o economista e escritor português Álvaro Santos Pereira, que elaborou o estudo na Universidade de York, Reino Unido.

Entre 1755 e 1838, cerca de 340 documentos sobre a reconstrução de Lisboa foram emitidos. As ruas da cidade se tornaram mais amplas e alinhadas, enquanto o governo incentivou a padronização de materiais e das fachadas dos prédios.
Foto: Reprodução
Gaiola, estrutura criada em Portugal, no século 18, para resistir a terremotos

Além disso, foi introduzida uma nova técnica de construção, a chamada gaiola, na qual uma estrutura tridimensional de madeira era embutida nas paredes de alvenaria. O objetivo era utilizar a madeira para dar resistência às construções, sem deixar de optar pela alvenaria, mais resistente a incêndios.

Crenças estremecidas

A tragédia estarreceu o mundo católico por ter atingido a capital de um reino que, por sua religiosidade e seu esforço de evangelização das colônias, acreditava que passaria incólume pelo castigo divino.

O desastre estremeceu as bases da filosofia otimista do alemão Gottfried Wilhelm Leibniz, que defendia que se vive no melhor dos mundos possíveis. Para ele, o mundo segue uma ordenação divina e os acontecimentos respeitam a vontade de Deus, que é justo e bom.
Foto: Reprodução
Gravura feita em Portugal sobre terremoto de Lisboa, de 1755

O francês Voltaire ironizou essa tese no conto filosófico Candide, de 1759. Na obra, o personagem Dr. Pangloss se mantém otimista até mesmo diante das maiores tragédias, como o terremoto de Lisboa. Para o francês, pensamentos similares ao de Leibniz poderiam levar a uma atitude passiva e, ao contrário, defendia a interferência do homem nos acontecimentos por meio de uma ação política racional.

Rousseau utilizou a destruição do tremor como um argumento contra as cidades, seguindo sua teoria do bom selvagem. De acordo com o pensador francês, a natureza do homem é boa, mas acaba sendo deformada pelos maus costumes ligados à organização social e, particularmente, aos vícios desenvolvidos no interior das cidades.
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